Revista Sotaques Brasil Portugal Nº 28

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setembro/outubro 2020 Nยบ28|Gratuito


04 ECOS DE

CLARIES

64 CLARICE

LISPECTOR EM BRASÍLIA

14 OUTUBRO ROSA 68 PAGU, 110 20 INDEPENDÊNCIA ANOS OU MORTE? 78 A FOME 22 O MATADORA DOS DESEJOS BROCHURATURA INTERNALIZADOS

RESSURGIMENTO

98 LUÍS BALÃO

MODA DE AUTOR

106 INTRODUÇÃO

AO LIVRO “BARIONÁ, FILHO DO TROVÃO”

112 MOBILIDADE

URBANA

116 ENTREVISTA 40 COM TALES FREY 80 CONCURSO “INDICADORES DA 50 O BRASIL QUE LITERÁRIO: A LÍNGUA CARNE”

EXISTE EM NOVA YORK

56 O AMOR FAZ

GIGANTES

NOSSA DE CADA DIA

88 PATRIMÓNIO

CONSTRUÍDO

58 DOSSIÊ LÍNGUA 96 MULHER PORTUGUESA

126 MICROCONTO

“ ÂNSIA “

Colaboradores Portugal: André Marques, António Almeida Santos, António Proença , Arlequim Bernardini , Bárbara Bernardini , Cristina Bernardini , Diogo Reis ,Jon Bagt e Vitor Hugo.

Colaboradores Brasil: Alex Gomes , Diego Demetrius Fontenele , Hebert Júnior , Hernany Fedasi , Laercio Lacerda , Marlus Alvarenga , Pablo B.P. Santos e Wenderson Machado Pinto.

Revista On-line Sotaques Brasil Portugal Propriedade: Atlas Violeta Associação Cultural ISSN: 2183-3028 - Tel. 351 917 852 955 antonio.sotaques@gmail.com - www.sotaques.pt


Independência Se o grito do Ipiranga fosse proclamado hoje, em 2020, o que declararia o D. Pedro I de 1822, então governador do Brasil? Tendo por base este pensamento, a nossa equipa chegou a uma conclusão: porque não decidirmos apresentar novas formas de independência, sobretudo num momento tão delicado como o que vivemos a uma escala global? Novas formas de independência… passam pela libertação de antigas e monótonas metodologias aplicadas para governa um país, uma empresa ou até mesmo uma família. O momento é propício para darmos mais espaço a um pensamento libertador, pois não podemos existir no século XXI e querer que as pessoas ajam e pensem como se fazia

no século XIX! Devemos respeitar e tolerar ativamente as novas formas de ser independente neste admirável novo mundo em que vivemos, seja esta independência uma independência sexual, de género, ou outra desde que se enquadre num melhor e personalizado estilo de vida. Ao falar de formas de liberdade, não poderíamos deixar de homenagear uma das maiores escritoras brasileiras do século XX, cujo centenário se celebra este ano e que é considerada por muitos a maior escritora judia desde Franz Kafka, a talentosa Clarice Lispector. Assim, nesta edição, damos o nosso “grito de Independência” às novas formas de amar.

“Somos aquilo que produzimos ! “ Arlequim Bernardini

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(Marcelia Cartaxo como MacabĂŠa em A Hora da Estrela, de Suzana Amaral. 1985. Frame do filme.)

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A hora da Estrela vai chegar Marlus Alvarenga

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Mais um minuto E tudo o que sonhou vai ser verdade Não há no mundo Quem não entenda a sua felicidade Que possa dizer com certeza Que o lugar é seu Que é de quem nasceu pra brilhar Uh, a hora da estrela vai chegar Uh, agora ninguém vai duvidar Não hoje, não mais Nem nunca, jamais

(A hora da Estrela, John Ulhoa para Pato Fu)

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(Capa da edição especial de 2017 pela Editora Rocco.)

Um marco na divisão da literatura moderna e contemporânea brasileira, com linguagem simples e ao mesmo tempo complexa em montagem e estrutura, para lidar com um assunto delicado e extremamente atual: a fome, a xenofobia contra nordestinos em São Paulo – e no sul-sudeste em geral – e a opressão social pungente, como quando foi lançada a obra literária. Assim, A Hora da Estrela (1977), última obra da aclamada escritora Clarice Lispector (1920-1977), que faria seu centenário nesse terrível ano de 2020, é de uma urgência e crueza que dói como faca na carne. Uma pulsação, como queria que fosse tratada sua obra, carregada de hibridismo de gêneros e contexto social, com requintes de best seller. E é assim, como refúgio de obra de despedida, que o mundo recebe essa narrativa que viria a ser objeto de estudo e de contemplação de tantos.

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Lembro-me como se fosse essa tarde quente de hoje, mas na adolescência, quando terminei a primeira leitura dessa obra ao final dos meus dezesseis, para a escola, por volta de vinte passadiços anos atrás. Silêncio. Se um dia Deus vier à terra haverá silêncio grande. O silêncio é tal que nem o pensamento pensa. Assim, a digressão dos pensamentos de Macabéa, personagem principal da obra, seguem um fluxo da vida a morte. A infância de abusos, a chance da vida na cidade grande. A lástima do apagamento social. O pouco-muito-quasenada que servia para sobrevivência da mulher oprimida e julgada, a todo tempo. Um copo de café com bastante açúcar e a poética por trás de um amor imaginário com cheiro de cachorro quente. Um batom vermelho doado pela amiga como quase mandinga, que roubaria o pseudonamorado, Olímpico de Jesus. O rádio, que toca música e informação. A datilografia que não funcionava mas a fome, iminente. O tarot, que mostrava a morte marcada na controvérsia da leitura tanatográfica, às avessas da retirante. A dor, o sangue, o loiro de olhos azuis: a estrela. A vontade de vomitar luz. A Estrela de Cinema que se esvai. Isso tudo em um vórtice linguístico direto, rude e ainda na óptica do odioso e infeliz narrador-não-narrador Rodrigo S.M. que, embebido de si, julga e intitula nossa heroína. Muito sofrimento. É um soco no estômago inesperado. O dialogismo intenso da narrativa com o espectador já demonstrava o forte poder que esta tinha para se converter com excelência, em outras mídias. Mesmo não sendo a obra mais densa de Clarice Lispector, A hora da Estrela reverbera até hoje como um espectro de intensidade na história da literatura do Brasil.

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Em 1985, sob a direção brilhante de Suzana Amaral (falecida esse ano aos 88 anos, com a causa da morte mantida em segredo de família), o cinema nacional imprimia novos aspectos no desafio de traduzir a grandiosidade de Clarice para as telas. A tradução cinêmica ganhou duas estatuetas no Festival de Berlim e a atriz Marcelia Cartaxo um Urso de Prata de melhor atriz pela sua expressiva e dolorida Macabéa. Em 1985, sob a direção brilhante de Suzana Amaral (falecida esse ano aos 88 anos, com a causa da morte mantida em segredo de família), o cinema nacional imprimia novos aspectos no desafio de traduzir a grandiosidade de Clarice para as telas. A tradução cinêmica ganhou duas estatuetas no Festival de Berlim e a atriz Marcelia Cartaxo um Urso de Prata de melhor atriz pela sua expressiva e dolorida Macabéa. O filme ganhou espaço na mídia brasileira e internacional como uma excelente adaptação, até hoje colocada no hall das grandes direções e adaptações de obras nacionais. Suzana tomou a liberdade de instituir uma ode à personagem, deixando de lado a narratologia masculina de Rodrigo S.M., o que beneficiou como um todo a percepção da imagem e das atuações extremamente sensíveis e, muitas vezes, quase tácteis. Há ainda a essência permanente de um deus ex machina na personagem de Madame Carlota (mais uma belíssima atuação de Fernanda Montenegro), a exótica e exagerada cartomante, que gera um estranhamento proposital, selando o torto destino final, belo e poético.


(Rascunhos originais de Clarice Lispector, dispostos na edição de 2017 de A Hora da Estrela, Editora Rocco.)

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(Cartaz original de estreia do filme, 1985.)

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Em 2007, a banda mineira Pato Fu, formada pelo casal Fernanda Takai (voz e composições) e John Ulhoa (cordas e composições) lança em seu álbum Daqui pro Futuro. Um álbum cheio de experiências sonoras e um cover da banda gótica britânica Siouxsie and the Banshees (Cities and Dust), os mineiros nos presenteiam com a canção A hora da Estrela. Nela, na voz tenra e doce de Takai, a dureza da obra aparece nos versos. Ela esta pronta pra mudar a sua vida pra sempre, escreve Ulhoa, com sensibilidade de entender os processos imaginativos da personagem. Com as movimentações para o centenário da escritora, muitos artigos, textos inéditos e adaptações como forma de homenagear a obra como um todo tem surgido. Em 2018 e 2019 a obra ganhou destaque em adaptações para o teatro, inclusive uma em formato de musical repleto de contextos atuais, mostrando a atemporalidade do texto. O feminismo da voz narrativa e nas protagonistas clariceanas ainda é forte nas discursões de gênero e poder na literatura atual. Porém, esses escritos também reverberam para outras formas de arte produzida por mulheres, como a música. Novas compositoras cantoras, como Salma Jô (banda Carne Doce, Goiânia, Brasil) espelham suas escritas, dentre muitas influências, nas obras de Clarice. De fato, quando lemos os versos críticos Pois é meus amigos, fudeu /Ninguém teve culpa, não deu /Alguém sempre acaba perdendo /E às vezes até merecendo e aprendendo /E até sai vencendo /É só se esforçar (De Graça, Carne Doce. Álbum Interior,

2020), notamos claramente um eco desse criticismo avassalador, presente em obras reflexivas e polêmicas como A paixão segundo G.H. (LISPECTOR, Clarice. 1964). Em outra canção contemporânea, ouvimos o lamento ébrio Cuidado, paixão /A mulher do mercado falou/ Quando bem distraída/ Eu quase esbarrei no corredor/ Achei tudo tão caro/ Mas voltei com um chocolatinho pra você (...) /Me confundi quando ‘cê disse tchau /Eu entendi te amo /Now it’s too late baby, it’s too late/ Te amo te amo te amo tchau tchau tchau... / Eu te amo, mas isso é tchau (Cuidado, Paixão, Letrux. Álbum Aos Prantos, 2020). Ali, é como se ouvíssemos Ana, a dona de casa reflexiva do conto Amor, da compilação Laços de Família (LISPECTOR, 1960). Assim, muitas outras artes atuais seguem cantando e refletindo esses ecos. No nosso percurso de vida, nos nossos dias de horas perigosas e complexas, quantas G.Hs, Anas e Macabéas vemos, vivemos e experienciamos nas nossas vidas? É nesse perigo que a arte move seus lugares. Um brinde e um cigarro aceso pela vidaobra centenária e, cada vez mais viva e vívida de Clarice Lispector. Obrigado. Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.

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(Contra capa da edição especial de A Hora da Estrela, Editora Rocco, 2017)

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Laercio Lacerda 14


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IMAMA- Instituto da Mama do Rio Grande do Sul O IMAMA - Instituto da Mama do Rio Grande do Sul é uma organização sem fins lucrativos, reconhecida, desde 2000, pelo Ministério da Justiça como OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Foi fundado em 29 de julho de 1993.

promover uma mobilização social consciente e colaboradora. Ao longo de sua história, já alcançou muitas conquistas: a legitimação do Projeto de Lei 266/07 que autoriza a criação e instalação dos Comitês de Tolerância Zero para Mortalidade por Câncer de Mama nos municípios gaúchos. Atualmente, o Rio Grande do Sul apresenta a quarta maior estimativa para novos casos de câncer de mama – 69,50 casos a cada 100 mil mulheres – e somos a 6ª Capital, com taxa bruta de 81,82 novos casos para cada 100 mil mulheres.

Nasceu de um grupo de mulheres, pacientes da mastologista Maira Caleffi, que, diagnosticadas, participavam de um grupo psicoterapêutico. Ali começou o interesse em comunicar à população gaúcha informações relevantes sobre a saúde da mama. Com o intuito de ajudar outras pessoas a não passarem pelas mesmas dificuldades que tiveram, essas A partir da necessidade de reunir toda a mulheres criaram um grupo de voluntárias sociedade civil gaúcha e chamar a atenção da que, mais tarde, veio a tornar-se o IMAMA. comunidade para a luta contra o câncer de mama, além de abordar assuntos importantes O IMAMA busca a conscientização da como prevenção, diagnóstico precoce, acesso sociedade gaúcha acerca da importância dos igualitário aos medicamentos e tratamentos cuidados com a saúde da mama, enfatizando a para todas as mulheres, surgiu a ideia de necessidade da detecção precoce do câncer de realizar um evento anual: A caminhada das mama para maiores chances de cura, além de vitoriosas. qualidade e agilidade em todos os processos da rede de atenção à saúde da mama. Para tanto, atua diretamente nos processos de educação, reabilitação, articulação e mobilização social em favor da saúde da mama. Também atua como articulador de políticas públicas e é reconhecido por sua habilidade em

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A caminhada das vitoriosas, que acontece há dezessete anos têm por objetivo chamar a atenção da comunidade rio-grandense – em especial, Porto Alegre e a região metropolitana – para a importância da manutenção, cuidado e prevenção com a saúde da mama. Neste ano, excepcionalmente a tradicional caminhada das vitoriosas está acontecendo de uma forma diferente, através da proposta “Eu Caminho Pela Vida. Esta campanha que integra o Outubro Rosa, do IMAMA tem o intuito de incentivar a população a auxiliar na sustentabilidade de projetos e ações desenvolvidas às mulheres e famílias do RS no combate ao câncer de mama. Os participantes da proposta são convidados a compartilhar a campanha, nas suas redes sociais com a hastag #eucaminhopelavida. Fazendo selfies com a nova camiseta. Seja andando de bicicleta, em casa, na esteira, passeando com o seu bichinho de estimação! Cada um no seu tempo e com as suas regras. Durante todo o mês, as pessoas que usarem a camiseta da campanha da edição 2020, também poderão ver seus posts publicados em telas de led, localizadas em diferentes pontos de Porto Alegre. Durante todo o mês de outubro a população é convidada à adotar essa causa, vestir a camiseta e caminhar pela vida, de forma segura e respeitando as suas regras! A proposta também inclui um cronograma de atividades para poder promover saúde e levar a informação com o objetivo de sensibilizar a população para o tema e chamar a atenção para a importância de um diagnóstico ágil, pois o que nos move é o amor pela vida.

Fotos & Edição: Laercio Lacerda | Modelo: Evelise Albuquerque | Stilo: Jeanine Krischke Artista Visual | Coleção: Renascer | Estampa : Lótus Amazônica | Homenagem : IMAMA

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Alex Gomes Eu estava trabalhando, estudando e me empenhando muito em meus deveres esses dias. Meu senso de tempo já tinha se esvaído e eu estava mecanizado em um padrão de ações que já não saía mais. Meus passos eram predeterminados pelas ações contínuas do tempo, o que me deixou desligado, em estado de transe, como se meu corpo tivesse tomado as rédeas do meu próprio ser, e não minha mente. Eu não sorria, e quando sorria, era de forma automática ao passar por um conhecido, ao chegar no caixa da padaria ou quando, de forma retórica, respondia “sim” a perguntas como “você está bem?”. Ninguém está necessariamente bem, mas como um costume social estabelecido, respondemos sempre a mesma coisa. Essa noite, dia sete de setembro, notei algo peculiar na tão famosa frase “independência ou morte”. Aconteceu, segundo românticos, em um dia glorioso, ensolarado, às margens de um rio com ninfas fantásticas. Foi belíssimo. Mas sobre a frase, o que me deixou encucado foi pensar numa sociedade atual, onde as pessoas se estabeleceram de uma forma forçada, aprenderam a sobreviver e tentam acompanhar todo esse processo. Seríamos realmente livres? Será que a nossa liberdade é algo realmente valorizado? Percebi que não.

socialmente, mas improdutivo pessoalmente. Se por um acaso, eu decidisse largar tudo e viver apenas da terra, das plantas, numa praia ou no interior, certamente recairia sobre mim um termo bem abrangente de forma pejorativa, defeituoso e preconceituoso. Ser vagabundo. Vadiar não é de um todo mal. Sair por aí, sem preocupação com horários, com datas e entregas de documentos, um lugar onde você pode se sentar e ver a sua vida de acordo com você mesmo, e não uma vida baseada na ação do trabalho, como se sua essência só valesse em um padrão socialmente aceito. Ninguém é livre pois estamos, desde a infância, sendo treinados e avaliados continuamente para que sejamos colocados uma espécie de máquina. É horrível pensar nisso.

Mas, depois de uma análise, também percebi que isso tudo não é um problema da sociedade em si, mas da vida mesmo. Algo ainda inexplicado, mostrado pra gente pela religião, pela ciência, pelas histórias de pessoas da família. Estamos presos nisso, não tem como sair, por isso Platão, com todo aquele pensamento, pôde ser entendido por mim. A verdadeira felicidade não está presente nesse plano, mas em um plano ideal, num pós-morte ou algo relativo a isso. Enquanto vivos, não merecemos a liberdade e a felicidade. Temos apenas duas escolhas que Sobrevivo estático, não vivo, não esboço se relacionam intrinsecamente , não tenho reações e o que me diferenciava dos animais era dúvidas: independência ou morte. justamente a racionalidade. Desliguei-me por completo, faço dos meus dias algo produtivo 20


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Foto: Victor Collares

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Produção: Alex Santos | Modelos: Hadeck Lima e Thierry Rodr


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Se você convive entre nascidos na década de 80 até o começo dos anos 2000, já deve ter ouvido falar no famigerado “tribunal da internet”, a corrente que propõe depreciação e desapoio de personalidades ou empresas, em consequência de atitude inversa ao do senso comum. Foi-se o tempo a qual o ciberespaço era uma “terra sem lei”; agora, não cai uma agulha num palheiro sem passar despercebido e, aí que o canal DesTrêsChando entra. Seguindo um esquema “ácido”, o canal DesTrêsChando é organizado sob quadros, introduções, títulos e artes que reforçam a potencialidade de “queimar o quengaral”, como diz o meme. “Meia hora de shade” e “Ácido a três” são um dos quadros, acompanhados de títulos como, “Ninguém questionou, mas respondemos”, “Deitando a burguesia no veneno” e “Ausência tripla de decoro”. “Se estiver na busca por palcos com pautas não vanguardistas, sisudas e conservadoras, sofra em silêncio”. Já evidenciando sua missão na aba sobre do canal, os vídeos sempre vêm com descrições repletas de humor negro e sarcasmo:

Embora o sensato Diretor Dumbledore esteja descansando (ou se revirando) no túmulo branco em H para sua “criadora”, J.K. Rowling, algo como: Avada Kedavra ! “Palavras são, na minha nada humildeo inesgotável fonte de magia. Capazes de formar grandes sofrimentos e também de remediá-los”, disse A um Expelliarmus bem na boca da J.K.

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Hogwarts, diria opinião, nossa Alvo lançando

Diante da rainha esmagadora de opressores, desmontadora de esquema de tráfico e salvadora das suas, Kah, Pablo e Sara, que reservaram até a última molécula de veneno para este momento, jogam o famigerado jogo da cobrinha direto de um tijolão da Nokia. O exposed vem! Perdoando nem os próprios, os três amigos: Kah Grigori, Pablo Santos e Sara Dálete, situados cada um nos extremos do Distrito Federal (Brasília), dissertam do entretenimento a política sob a perspectiva dadaísta millennial no youtube, revestidos de afronte, deboche e veneno. Kah Grigori , Pablo Santos, Sara Dálete, produção: Editor de áudio: Erick Lopes , apoio Wenderson Machado .

CONHEÇA O CANAL www.youtube.com/canaldestreschando

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Pablo B.P. Santos

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The story is just about the weird relationship among Rodolfo and his ex-bride Clotilde. Rodolfo came from a good family and dated Clotilde, but, everything has started when they went to Praxedes party. Clotilde had gone to it with a cleavage clothe, arms showing, what left Rodolfo in jealousy, developing a kind of sickly desire for having her arms to hurt through needles. For a while, he has contained himself. Along the way, the wish for prick her, and makes her black spots was just growing up. The jealousy was so intense that even her with a lot of clothes in body, he sawed her arms completely in nude. The horror has just begun when they went to an event by Viscondessa de Lajes, what he insisted to drill her with pins to be compensated by her exhibition at the party of once. Stunned, under fear, she has accepted for love. It was a stormy night and Rodolfo was telling his story to Justino, his friend, in a high-speed train. Crazy as him, his friend has supported him, saying: “It’s normal”, and comparing his sadism with philosophical thinking by Rousseau. The horrible act of hurting Clotilde had started to often become. He went to her parents house everyday to make it. Someday, the housemaid saw the hurt and told to her father. The father has discovered and ended the wedding. In that moment, telling his story to Justino, has appeared, in another wagon, a pretty woman. Rodolfo said goodbye to Justino and went to that wagon hurt her. Dentro da Noite is an exciting thriller, smart and insane for It’s time. With a psychopath character covered in a labskin, the tale brings a taste of London night hidden by smoke of a crime and brazilian countryside. João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto was a journalist, chronicler, translator and brazilian theatrologist (Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1881 — 23 de junho de 1921) and, had “João do Rio” as yours most known pseudonym. He attended Ginásio Nacional and has immersed himself into world of journalism, supporting too many press companies in Rio de Janeiro. He was elected in Academia Brasileira de Letras trying to apply three times, in 1910.

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Pablo B.P. Santos The sound blowed a comandment; An old man in bar turn the radio on A boy flying kite A drug dealer passes him best A dozen faithful quicks the noisy church Three women fight over a man As I look out of my living room window.

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Brazzy Jazzy é uma websérie que retrata a história de uma A segunda temporada estreia agora em julho e quer most naquele país.

É raro quem não tenha sentido vontade de ir aos Estados Unidos para viver o famoso ‘American Dream’ sonho. É sobre isso que se trata a websérie Brazzy Jazzy, dirigida pelo americano Steve Becker. Jasmina entrar no mundo da moda. Produzida pela Blue Carioca Entertainment, a série tem os seis episódios da no dia 7 de julho. 52


a imigrante de classe média brasileira nos Estados Unidos. trar um pouco do universo do Brasil, pouco em evidência

m’. Ou até chegou a ir, mas teve uma experiência diferente da que imaginava, e mesmo assim persistiu no a (Tatyane Meyer), ou Jazzy, é uma garota brasileira de classe média que vai para Nova York sonhando a primeira temporada disponíveis no Youtube e estreou a segunda temporada, com outros sete episódios

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Jasmina tem uma expectativa em relação a sua vida nos Estados Unidos que se desfaz logo no início da primeira temporada, com poucas semanas da sua chegada aos Estados Unidos. O namorado brasileiro, interpretado pelo ator Kadu de Rosa, - que foi um dos responsáveis por ela dar esse passo para o exterior -, não consegue se adaptar ao clima frio dos Estados Unidos e logo volta ao Brasil, deixando Jazzy para trás. Com isso, ela passa a enfrentar sozinha os obstáculos de construir uma nova vida longe de amigos, familiares, e, claro, do Brasil. No meio de aventuras e situações inusitadas, a história se desenrola, mostrando o processo de adaptação de Jasmina, incluindo os laços que vai construindo com outras mulheres, que também estão lutando por seus sonhos em Nova York. E não para por aí. Na segunda temporada, a trama traz Jasmina cada vez mais adaptada à Nova York, mesmo com as dificuldades enfrentadas, e determinada a continuar a sua caminhada em busca de novas conquistas. Mostra de perto o processo de empoderamento da personagem com a sua história e a busca por alternativas para sobreviver a essa jornada, chegando a passar por situações que nunca imaginou e até que não desejava, gerando novos conflitos pessoais.

De acordo com a protagonista Tatyane Meyer, a série fala principalmente sobre realização pessoal e profissional. “Jasmina se parece com muitas pessoas que saem do Brasil em busca de um sonho. Essa busca gera movimento e propósito na vida, e esse foi o ponto principal que me conectou à personagem”, diz a atriz, que também já morou por um ano nos Estados Unidos. O Brazzy Jazzy mostra de uma forma leve e bem-humorada temas importantes de serem abordados quando se é imigrante nos Estados Unidos, tais como dificuldade de se comunicar e de criar laços, confrontos culturais, preconceitos e barreiras para conseguir trabalho. De acordo com o diretor Steve Becker, que morou seis anos no Rio e é casado com uma brasileira, o objetivo da produção é mostrar os desafios enfrentados por todos, especialmente os imigrantes, que lutam pelo sonho americano, bem como a paixão que os brasileiros levam para Nova York. Segundo estimativas do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), há pelo menos um milhão e trezentos mil brasileiros morando naquele país (dados de 2014) e, segundo Becker, não há programas sobre a vida brasileiroamericana na TV. “A série tem também como objetivo apresentar o universo brasileiro e suas nuances, ressaltando diferenças em relação a outras culturas latino-americanas, que são mais trabalhadas pela mídia”, diz ele.

WEBSITE E CANAL NO YOUTUBE DE BRAZZY JAZZY: Episódio 7 www.youtube.com/watch?v=wwUPB6cVYuA Site: www.brazzyjazzy.com Instagram:@brazzyjazzytv

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Sobre Steve Becker É um escritor, diretor e produtor que trabalhou em projetos em Nova York, Los Angeles, Brasil e Europa. Aperfeiçoou-se em universidades como Syracuse e Universidade de Nova York, NYU. Seu primeiro projeto autofinanciado foi o Manhattan Minutiae, uma comédia romântica de rock & roll, que está no Amazon. Steve ainda filmou um programa de TV piloto baseado nesse filme, bem como uma série de comédia na web, a Brazzy Jazzy. Sobre Tatyane Meyer Formada em artes cênicas, atuou em vários projetos dentro e fora do Brasil. Com diversas participações em novelas da Globo, séries e filmes, atualmente também se dedica ao Carnaval e ao seu grupo de pesquisa em arte contemporânea NAI.

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Diego Demetrius Fontenele De amor precisamos. Amor ao pr贸ximo, o pr贸prio Pois sem ele somos Pequenos, mesquinhos. Incapazes de notar O sofrimento do outro. Permanecendo alheios assim Onde chegaremos? Sim, de amor precisamos. S贸 com ele transcenderemos O que nos faz tacanhos S贸 com ele seremos Maiores que qualquer sonho Gigantes.

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DOSSIÊ LÍNGUA PORTUGUESA: ECOS DE CLARICES Era como um raio urgente: um espectro pulsante da língua a qual, Clarice Lispector (1920-1977), nascida Chaya Pinkhasovna Lispector na Ucrânia, radicada naturalizada desde sempre (como ela mesmo dizia), no Brasil, escrevia. Jornalista e escritora – para muitos, a maior escritora do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka – conectava em sua escrita os ecos do que sentia no mundo ao redor de si e das cidades. Escrevia pulsações. E nesse ano turbulento, o 20XX, o isolado ano pandêmico, tornar-se-ia Clarice, centenária, em meio a sua já existente eternidade. Não escrevia para agradar ninguém.

Imagems: Susana Dobal 60


Do percurso literário de Perto do coração selvagem até A Hora da Estrela, muitas portas fechadas, outras abertas e um feminismo nato que exalava da artista por sua atitude totalmente refinada e autêntica. É como se reconhecemos em Ana (Amor, 1960) as suas indagações do cerceamento que a escolha pelo lar a trazia, que se espelhavam em nós mesmos; em Macabéa (A hora da Estrela, 1977), que nasceu de escritos em versos de cheques e maços de cigarros, a dor de ser estrangeira em seu próprio país, os abusos verbais, físicos e mentais; na banalidade do cotidiano em ruínas de G.H (A paixão segundo G.H., 1964), no invólucro do mundo des-reconhecido até o surgimento do universo em uma construção genealógica e cosmogônica (O Ovo e a Galinha, 1964). Assim, em meio ao caos e uma vida de questionamentos, a autora reverbera até hoje seus ecos, que provam sua existência no imaginário literário a todo tempo. Provação significa que a vida está me provando. Mas provação significa também que estou provando. E provar pode ser transformar numa sede cada vez mais insaciável (Clarice Lispector, em nota sobre A paixão segundo G.H.). Estilhaços de palavras que procuramos e que não tem nome, nem endereço, nem dicionário. Ecos de Clarices.

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Para essa edição especial do Dossiê Língua Portuguesa fui presenteado pelo trabalho de três mulheres incríveis e talentosas de três gerações diferentes, conectadas pela urgência da resistência. Compartilhou conosco as fotografias usadas nessa edição do dossiê, Susana Dobal, doutora em história da arte, fotógrafa e professora na Universidade de Brasília captura um olhar sobre a passagem de Clarice por Brasília. Com pegada ativista do jornalismo social e das relações internacionais a produtora cultural, escritora, tradutora e fotógrafa Renata Humann faz um panorama textual sobre Patrícia Galvão, a Pagu. Para fechar com delicadeza no grito de alerta, a cantora, compositora e escritora brasiliense Clara Telles nos emociona com um manifesto da força feminina nas artes. Um bálsamo que eu, confesso admirador da força nativa e criadora feminina, só tenho a agradecer por esse presente que é o privilégio de conectar e poder trazer essas histórias em ecos, reverberando a Clarice nossa de cada dia em cada um de nós.

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Cheguei em Brasília quando as árvores ainda eram baixas e esparsas, o vazio era bem mais extenso e a terra vermelha predominava no vasto espaço entre os prédios. Eu era uma criança, mas tinha consciência suficiente para reconhecer uma certa estranheza, inarticulável, do lugar onde a vida ia continuar. Quando cresci, li as duas crônicas da Clarice Lispector sobre a cidade (Brasília (1962) e Brasília: esplendor (1974)) que soaram como uma epifania: os textos não só tinham eco nas minhas lembranças pois eu reconhecia o que ela estava falando, como também desvendavam um território impensável que a palavra pode atingir. Para falar mais precisamente da cidade, ela não descreve nada que não sejam sensações e outras situações que possam expressar o impacto daquele cenário do começo de Brasília.

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Essa escrita me dizia que uma entrada pelo avesso do mundo pode flagrá-lo com mais precisão. Há mais de vinte anos fiz essas fotos, com um filme em preto e branco, dos objetos da casa materna combinados a trechos daquelas crônicas – uma prática que repeti ao longo da vida fotografando frases de autores que me impressionavam. Hoje, retrabalhando as imagens, penso que eu procurava algo no avesso dos objetos domésticos. Talvez eu quisesse flagrar o momento em que as coisas se multiplicam em outras facetas e sobrevivem como ecos à espera de novas impressões que venham reacordá-las. Ao rever esses negativos e tratar as imagens, faço um tributo a quem pisou na cidade em que cresci e deixou um poderoso rastro.

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Das muitas personagens femininas ligadas às artes e à literatura brasileiras, Patrícia Rehder Galvão (1910 - 1962), conhecida como Pagu, talvez seja a mais multifacetada, diversa e atual. Romancista, poetisa, jornalista, militante política e cultural, desenhista, dramaturga. Ela foi pioneira até nas histórias em quadrinhos! Há um século, Pagu já dizia que lugar de mulher é onde ela quiser. Ela nasceu no interior de São Paulo, mas cresceu na capital paulista. Foi na metrópole que escandalizou em uma época na qual a regra para as moças de família era casar e ser uma boa esposa, mãe e dona de casa. Pagu não era uma mulher comum. Não obedecia aos estereótipos femininos do seu tempo. Fumava, bebia e frequentava ambientes considerados masculinos. Fama de porra louca e tudo bem. Seu comportamento era um choque para a São Paulo provinciana. Viveu intensamente toda a cena social, artística e política do Brasil da primeira metade do século XX. Mulher precursora, ficou conhecida pela relação com o Movimento Modernista. Pagu foi colaboradora da Revista de Antropofagia e, ao colaborar com a revista e publicar seus textos, desenhos e poemas, foi bem recebida pela classe artística.

Casou-se com Oswald de Andrade – que se sep de Tarsila do Amaral para ficar com ela. Da u com Oswald nasceu o jornal O Homem do Povo 1931. Nele, Pagu publicou as primeiras tirinhas fe por uma mulher no Brasil e escreveu sua colun Mulher do Povo, onde questionava comportame femininos na sociedade. Em seus textos, ironi os valores tradicionais e a hipocrisia da socied paulistana. A defesa da mulher pobre e a crítica ao p feminino na sociedade permearam sua vida e o Pagu não tinha medo de tocar em temas delica como o aborto, nem de denunciar a censura violência contra quem defendia ideais de esque Seu primeiro livro é sobre mulheres operária grande São Paulo. Considerado o primeiro roma proletário brasileiro, Parque Industrial, de 1 denuncia as mazelas e hipocrisias da socied defendendo as mulheres, exploradas por seu gê e classe.


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Imagem: Arquivo Público do Estado de São Paulo.

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Imagem: Xapuri.info 70


Então filiada ao partido comunista, foi presa pela polícia política de Getúlio Vargas durante uma greve dos estivadores de Santos, em 1931. Ela é considerada, por esse episódio, a primeira mulher presa por motivação estritamente política no Brasil. Entre 1933 e 1935 ela visitou a China, o Japão, a União Soviética e passou uma temporada em Paris. Durante a estadia em Moscou, Pagu se desencantou com o ideal comunista. Gente pobre nas ruas, e luxo para os burocratas, escreveu em um cartão postal enviado de Moscou para Oswald, que estava no Brasil. Após a última de suas 23 prisões, abandonou a militância política, substituindo-a pela militância cultural. Pagu esteve envolvida com a criação do festival de teatro mais antigo do Brasil, em Santos, e fez campanha pela construção do Teatro Municipal da cidade. Incentivou a formação de grupos amadores, traduziu peças e produziu espetáculos. Como jornalista, contribuiu para mais de 20 jornais. Suas colunas trataram de cultura, política, arte, literatura, teatro. Em suas críticas sobre o cotidiano e no que trouxe de autores estrangeiros ao público brasileiro, foi visionária e teve um olhar sensível. Essa mulher escreveu até contos policiais! Foram lançados pela revista Detective, dirigida por Nelson Rodrigues. Pagu era tão vanguardista que fico imaginando qual seria sua reação ao ressuscitar em 2020 e ver que ela continua sendo vanguarda e o país continua com a mentalidade estacionada nos anos trinta do século passado. Imagino

seu espanto ao ver pessoas defendendo o comunismo cem anos depois! Imagino Pagu indignada no palanque. Em 2020, Pagu completaria 110 anos. Caso vivesse no Brasil de hoje, ela seria queimada pelos inquisidores. Afrontosa, mulheres como ela continuam mal vistas. Seus olhos moles e verdes poderiam ser descritos como os de Capitu, a personagem mais famosa de Machado de Assis. Olhos de ressaca, de cigana dissimulada que teimava em usar batom forte, vermelho. Pagu falava palavrões e andava por aí com a cabeleira crespa solta, cigarro na mão, roupas transparentes. O status quo continua não gostando de mulheres como Pagu, que jamais se deixou calar ou censurar por conservadores ou moralistas. Ela nunca deixou seu espírito revolucionário e libertário adormecer; ao contrário, o manifestou em todas as suas obras, caracterizadas pela liberdade estética. Diante de seu pioneirismo, me questiono: como seria sua reação diante do atual momento vivido pelo Brasil?

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Clara Telles

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(Denise Hudson) Eu venderei minha bicicleta Meus enfeites pessoais Meus livros, meus quadros E outras coisas essenciais Eu venderei os meus jogos Meu cinzeiro e meu rim Eu não terei mais direito de posse Sobre mim Mas isso é modo de falar Nunca irei a leilão O que farão as pessoas Com uma poeta na mão?

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Imagem: Marlus Alvarenga

Durante o passar dos anos, na história da Literatura e das Artes, a escrita e o eu-lírico feminino vêm trabalh arduamente para se inserir, com autoridade de fala, nos meios aos quais se endereçam. Afinal, “o que as pessoas com uma poeta na mão?”. Qual o peso e a quantia de verdade que carregam e valem as artes por mulheres? A quem são capazes de ferir e incomodar? Mas ora, não é aí, nesse estranhamento, em q encontra, principalmente, a essência da arte como arte?

O formalista russo Viktor Chklovski trazia à tona a necessidade da criação de um estranhamento g ao seu público, para a arte se estabelecer como tal. O desmoronamento de um universo em que se tem habitual e comum a apreensão, compreensão e recebimento da visão de mundo e da própria arte com sistema fechado e eternamente cíclico seria o lugar ideal para se reconstruir uma dimensão nova do v ao senso estético, dando ao seu objeto um horizonte e devir amplo em suas possibilidades de recep interpretação. Não é aí que mora, então, o por tanto tempo calado lugar de fala feminino? Os novos e bon que as pequenas e grandes revoluções trazem não nos impõem o olhar do que é novo, urgente e necessár está a voz da mulher.

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Com as mudanças drásticas e a decadência do governo e política brasileira, principalmente no que diz respeito às artes e ao assistencialismo feminino, as mulheres, em suas respostas, conscientização e lutas, têm rompido de forma independente e decisiva as barreiras e correntes que às prendiam a quaisquer que fossem os lugares premeditadamente a elas destinado, e têm alcançado espaços determinantes para sua autonomia artística. Sejam eles espaços dentro de um microcosmos, em um segmento e estilo musical ou literário x, tanto quanto no microcosmos da música e literatura brasileiras e universais, como um todo. No que diz respeito ao elo entre literatura e música, cada vez mais o discurso feminino vem ocupado lugar de projeção e as mulheres se destacado como artistas escritoras, compositoras, intérpretes, instrumentistas, cantoras, ou, mais ainda, como todas essas ao mesmo tempo. Para um Brasil e para um mundo com manchas negras em suas histórias, onde mulheres poderiam ter suas artes publicadas apenas se se utilizassem de pseudônimos masculinos, a revolução é grande e faz barulho. A voz feminina na arte é a voz que ecoa as tão esperadas libertações e a igualdade de gênero, ainda que tardias. Trazendo o olhar para a capital do país, em nossa Brasília já são grandes e crescentes os números de festivais de música e literatura femininos, que passam por critério rígido, quanto ao tema, em sua curadoria, e não lança mão de ter em sua equipe apenas mulheres - cis, trans, heterossexuais, homossexuais, periféricas, pretas, brancas, pardas, travestis... mulheres. – desde a parte que diz respeito à comunicação, assessoria, direção, fotografia, elaboração, rodagem, etc., até às bandas com liderança feminina e autoral. Brasília-menina tem suas inúmeras curvas e não passaria pelos tempos sem inspirar tantas artistas incríveis como as que temos. Um firme processo de desconstrução de uma sociedade com bases patriarcais vem se estabelecendo e ele é realizado pela linha de frente de resistência que é a arte e que são suas artistas e combatentes mulheres, que tornam o movimento cada vez mais sólido e visível. As mudanças trazem com elas o estranhamento necessário a quem sempre se deitou eternamente em berço esplêndido e pouco entendeu sobre revoluções, e muito menos sobre as íntimas, que são requisitadas em todas as grandes transformações e em todos os grandes movimentos artísticos. É chegado o tempo em que as poetas não mais precisarão ir a leilão, vender seus livros, bicicletas, sua voz ou o que quer que seja. O tesouro feminino é imensurável, revolucionário e a hora é agora.

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Capa: Ulisses Benavides (@ulisses.benevides.art)

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A cor que fala mais entre a tecnologia e o cérebro humano

Marlus Alvarenga O jovem escritor Sérgio Salviano divide sua vida profissional em duas frentes: o trabalho com tecnologia da informação e o trabalho como escritor. Morador de Sobradinho, na periferia de Brasília (capital brasileira), casado e pai de três filhos, lembra-se claramente de quando jogava RPGs na adolescência e se embrenhou por esse mundo da arte. Um apaixonado pela cultura pop em geral, teve a ideia para O Púrpura, sua primeira obra, na infância, influenciado J.R.R Tolkien, Stephen King, Edgar Alan Poe e H.P Lovecraft. O Púrpura é uma mistura de horror com fantasia, em um cenário distópico, com grandes pitadas de ficção científica, como obras de grandes mestres do gênero como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Philip K. Dick, dentre vários outros. A obra imerge destas fontes de inspiração, mas em suma cresceu diante das influências adquiridas em seu trabalho com tecnologia, no qual percebeu o quanto ela pode ser perigosa.

E essa é a grande reflexão da obra: o quanto a tecnologia pode influenciar nossas vidas e transformá-las, tanto para o bem quanto para o mal. O livro é também um ensaio sobre tudo o que faz parte do ser humano, o que compõe nossa espécie, e a necessidade de prestar mais atenção em tudo que é importante em nossos corações, almas e mentes, tanto defeitos quanto qualidades. Ousadamente, o escritor dá ênfase nos defeitos. O livro está em fase de editorial, com prefácio e revisão feitas por mim e arte de capa pelo excelente – e também de Sobradinho – Ulisses Benavides (@ulisses. benevides.art) . A previsão de lançamento é no primeiro semestre de 2021.

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Depois da empreitada independente para a produção da minha primeira obra, O livro de Nada (Killa, São Paulo, 2019), resolvi que esse prazer seria posto ao mundo, seja como fosse, uma vez por ano. Venho publicado em coletivos da periferia de Brasília desde 2014 (Caminhos, Lobotomia e Bacanal) e sair para viver fora do ninho foi duro e um longo caminho. Quando nasceram as primeiras páginas de Devorando Fomes (e outras histórias) ainda em Buenos Aires, eu comecei a planejar a publicação que, dessa vez, está acontecendo através de financiamento coletivo, com data prévia de lançamento para dezembro deste ano. A narrativa deste novo livro tem traços do anterior, como ecos de memória, mas reverbera uma dureza e quase uma desistência do ser humano para consigo mesmo. É o reflexo de uma sociedade adoecida que, pela hibridez de gênero, permitiu-me ir além nos processos de composição estética, incluindo rascunhos, fotografias e esboços de algo que ainda não tinha voz. Abaixo segue um trecho exclusivo da primeira parte da obra: (...) flores são plantas que se molham somente à tarde as verdes enquanto sol tiver e enquanto o pão assa bolo faz o ovomundodegalinha ploc crack um dois três mais mais mais farinha dizia o chão sujo a veste suja banho agora mesmo que bagunça sua mãe vem não vem mais todo dia isso ele não vai crescer assim que demasiado destempero arde come bolo come pão não quer não come não faz assim que machuca e... mais dias, mals dias como aventuras prontas por Prometeu acorrentadas (...) Com esses espaços reflexivos entre os textos e os gêneros que ele retratará, miro também, da janela amarelada pela seca de Brasília, os silêncios. O silêncio da fome de comer a si mesmo e ser total, livre e pensador. É a fome de todos nós, arcaicos, quebradiços: humanos.

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EDITAL DE ABERTURA

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A Associação Cultural Atlas Violeta promove o conhecimento e a divulgação cultural no mundo que fala português, seja nos países de língua oficial portuguesa ou nas Comunidades emigrantes. Somos uma Associação que valoriza as origens das culturas lusófonas, a sua relação mútua, o conhecimento das ligações históricas que foram criando, bem como o desenvolvimento de novas Parcerias, Eventos, Projetos que impulsionem o crescimento das relações entre os Países, Governos, Instituições O concurso visa resgatar o espaço da arte Públicas e Privadas da Sociedade Civil e de escrever e incentivar artistas novos em cidadãos, no vasto Universo da Lusofonia. língua portuguesa, que ainda não possuam publicações em editoras oficiais de seus Temos uma especial atenção para com as respectivos países ou quaisquer publicações Comunidades emigrantes e imigrantes, de obras em língua estrangeira. A ação visa estejam onde estiverem sediadas. Essa abrir as portas para um público novo e autores particular preocupação deve-se ao sentimento periféricos, não sendo fechada a nenhum de que a Cultura falada e escrita em Língua Portuguesa, e as várias manifestações culturais nicho. O autor deverá apenas cumprir as exigências dessas comunidades, fazem parte das raízes da desse edital como forma de validar sua Lusofonia – a emigração é um traço identitário participação na publicação, nos conformes transversal a todos os países lusófonos – e a seguir. Com ações de incentivo à leitura como tal deve ser valorizada. e à literatura, o projeto busca promover a A valorização da criatividade artística, nas democratização do acesso ao texto escrito, suas mais variadas vertentes culturais, é à publicação, ao livro e estimular o interesse outra das apostas fortes da nossa Associação. por narrativas literárias, fomentando o desejo Seremos um parceiro ativo em todas as ações de incentivar uma sociedade mais leitora e que impulsionem o desenvolvimento e consolidação do nosso Património cultural e produtiva. linguístico, bem como no apoio às ligações que nos unem, à escala global, a todos aqueles que se expressam em português. É com orgulho e felicidade que a Associação Cultural Atlas Violeta e a revista Sotaques Brasil Portugal, sediados em Porto, Portugal, instituem o “Concurso Literário: a língua nossa de cada dia” nos termos e condições estabelecidos neste edital livre, sob organização e regência de Antônio Bernardini (Atlas Violeta e Sotaques) curadoria do multiartista brasileiro Marlus Alvarenga (Universidade de Brasília).

Associação Cultural Atlas Violeta

Nascida a partir da iniciativa de um conjunto de cidadãos, portugueses e brasileiros, na cidade do Porto, a Associação Cultural Atlas Violeta é uma Associação Cultural sem fins lucrativos que surge como resposta a uma necessidade crucial para o Futuro da nossa Língua: a criação de uma Associação que não só exerça uma atividade constante no desenvolvimento de Parcerias e iniciativas entre os agentes culturais de Língua Portuguesa como, paralelamente, tenha uma atenção permanente às comunidades emigrantes e imigrantes que falem português. 82

Revista Sotaques Brasil Portugal Revista on-line Sotaques é uma ponte permanentemente aberta à comunicação entre os brasileiros e portugueses: somos um espaço de divulgação e circulação, de informação cultural que estimule o conhecimento das ligações históricas, sociais, linguísticas que unem portugueses e brasileiros. A relação entre Portugal e o Brasil é constantemente referida como um dos eixos


fundamentais para o desenvolvimento lusobrasileiro. Não faltam oportunidades a nível de parcerias, intercâmbios, e interesse no aprofundamento dos contactos culturais, sociais, empresariais entre ambos. O que realmente faltava? Um meio de comunicação e divulgação da língua e da cultura que seja, simultaneamente, um veículo de promoção dos criadores e artistas, das Empresas e dos empreendedores dos dois lados do Atlântico, incentivando novas parcerias e fortalecendo as ligações luso-brasileiras. Para responder a esta necessidade mútua de aprofundamento das relações entre Portugal e o Brasil, nasceu a Revista On-line Sotaques Brasil Portugal: uma Plataforma promoção, comunicação e cultura que visa aproximar os dois países, falando das Regiões portuguesas e brasileiras, fomentando as parcerias entre os agentes culturais e económicos, publicitando o que de melhor se faz em Portugal e no Brasil a nível da atividade cultural, empresarial , turística.

António Bernardini Antônio Bernardini (nome artístico, Arlequim) Paulistano , natural de São Paulo, Brasil, reside na cidade invicta há mais de uma década e sente-se mais um portuense de coração, cumprindo aquela velha máxima sobre a cidade do Porto “ primeiro estranha- se, depois entranha-se”. Designer, dinamizador cultural e apresentador. Presidente da Atlas Violeta Associação Cultural e Apoio Social aos Países de Língua Portuguesa e Actual editor de conteúdos da Revista Sotaques Brasil Portugal. Apresentador e Produtor do Programa “ Sotaques “ , durante 4 temporadas, apresentou um dos principais programas luso-brasileiro da Rádio Manobras na frequência 91.5 FM. Um ponto de encontro entre Culturas, Ideias, Criatividade em todas as Línguas, um dos programas mais ouvidos, através da internet na Rádio Manobras, durante o ano de 2013/2014, que teve também uma considerável audiência no Brasil.

Actualmente é presidente da Atlas Violeta Associação Cultural e Apoio Social aos Países de Língua Portuguesa, uma associação que tem como lema promove o conhecimento e a divulgação cultural no mundo que fala português, seja nos países de língua oficial portuguesa ou nas Comunidades emigrantes.

Marlus Alvarenga Atuante na cena literária e artística de Brasília, capital do Brasil, o multiartista cursa Mestrado em literatura e outras mídias na Universidade de Brasília. Escritor e professor de literatura, desenvolve estudos na área da obra escrita e suas traduções em todas as artes, performance e adaptação - como tradução coletiva - do cinema e no teatro, contos e teoria literária. Trabalhou com direção de arte (teatro e performance), atuação e canto popular. Participa dos grupos de pesquisa Geopoesia e Literatura de Campo: etnoflâneries e passagens por brasis liminares e do Traduções coletivas liminares: cinema, performance e cultura popular. Em 2019 e 2020, participou da organização do Desassossego Brasília também vinculado à Universidade. Também esse ano teve trabalho aceito para o Simpósio da ABRALIC (associação brasileira de literatura comparada), tratando da hereditariedade na obra escrita e fílmica Abril Despedaçado. Publicou o primeiro livro solo em 2019, O livro de nada (Editora Killa, São Paulo) e está em processo de publicação do segundo livro, Devorando Fomes. Como gastrólogo (formação pelo UNICeuB, Brasília, 2018), pesquisa a influência da cozinha no cinema literário nacional, visando analisar intersemioticamente o alimento na estética da cinematografia brasileira, o que chama de Gastropoética. Atualmente é produtor e desenvolvedor do projeto EXPERIMENTO Empório e Cozinha, mesclando gastronomia, bem-viver e a pesquisa artística. Apresentador do Indie Station, programa de rádio na Internova Radio Web, de Recife, e é atualmente entusiasta, colaborador e curador no periódico Sotaques Brasil – Portugal, o qual já colabora há alguns anos. 83


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1. DO CONCURSO O Concurso tem por objetivo a seleção de textos literários em língua portuguesa exclusivamente, com o tema livre (não competindo aqui textos que incitem crimes, pornografia ou preconceito de nenhum tipo), permite-se, inclusive textos eróticos, escritas inéditas, que não tenham sido objeto de qualquer tipo de apresentação, veiculação ou publicação parcial ou integral (inclusive em sites, blogs e redes sociais da internet) antes da inscrição no concurso até a divulgação do resultado da seleção e publicação dos textos nos formatos instituídos nesse edital.

2. DAS INSCRIÇÕES 2.1. Poderão inscrever-se no “Concurso Literário: a língua nossa de cada dia” textos escritos em língua portuguesa, de qualquer parte do mundo. 2.2. Cada autor poderá participar com 1 (um) texto de qualquer gênero literário. 2.3. As inscrições são gratuitas e estarão abertas no período de 01 de novembro de 2020 a 15 de janeiro de 2021 às 23h59min, exclusivamente pelo e-mail alinguanossadecadadiaconcurso@ gmail.com. 2.4. Só serão aceitos os trabalhos inscritos no prazo estipulado. 2.5. As obras deverão ser anexadas à inscrição online, realizada por meio do formulário disponível em https://www.instagram.com/alinguanossadecadadia 2.6. As obras devem ser inscritas observando-se os seguintes procedimentos: • O texto deverá ser digitado em fonte Times New Roman, tamanho 12, estilo normal, na cor preta; parágrafo de alinhamento justificado; espaço entrelinhas duplo; 2,5 cm em todas as margens. A obra enviada deverá ter no máximo duas páginas. Para tanto, a formatação aqui indicada será rigorosamente observada; • A obra deverá conter apenas textos. Inscrições com ilustrações, gráficos, fotos ou qualquer tipo de imagem serão invalidadas. • Serão desclassificadas as obras que desrespeitem direitos humanos ou evidenciem a intenção de promover preconceito, ou que de algum modo, apresentem caráter sectário ou discriminatório.

www.alinguanossadecadadia.pt 84


3. DA SELEÇÃO E CLASSIFICAÇÃO 3.1. A seleção e classificação das obras competirá à curadoria, formada por membros com comprovada vinculação com a área literária, selecionados a fazerem leitura e avaliação dos textos. 3.2. O resultado do Concurso será divulgado no site e redes sociais da revista Sotaques Brasil Portugal em edição especial revista mencionada. 3.3. Serão selecionados até 20 (vinte) textos e 5 (cinco) vencedores para publicação na Revista.

4. DA PREMIAÇÃO 4.1. A divulgação do resultado está prevista para a primeira quinzena de fevereiro de 2021, devendo ser levado em consideração as questões atuais sobre a pandemia da Covid-19, podendo haver alteração, constando avisos nas redes sociais vinculadas. 4.2. O concurso conferirá o seguinte prêmio: publicação dos 20 (vinte) textos vencedores na Antologia do Concurso, dando aos 5 (cinco) primeiros colocados, publicação na revista com entrevista sobre o trabalho sob regência do curador do concurso. Os 5 (cinco) primeiros colocados ganharão, também, posterior ao lançamento físico (data a definir), 1 (um) volume da Antologia. 4.3. Não haverá premiação em dinheiro nem remuneração em nenhuma espécie para os textos ganhadores. 4.4. Os 20 (vinte) trabalhos selecionados serão publicados em Antologia sob curadoria e organização já citados nos itens anteriores, podendo constar o lançamento apenas digital ou, no cenário ideal, físico e digital. 4.5. Os autores premiados cederão os direitos autorais patrimoniais exclusivos sobre a obra à Associação Cultural Atlas Violeta. Os trabalhos premiados passarão a fazer parte do acervo associação, podendo ser utilizados, total ou parcialmente, em expedientes e publicações – internas e externas – em quaisquer meios, inclusive internet, respeitados os créditos do autor, sem que caiba a percepção de qualquer valor. Toda a produção editorial e gráfica dos livros vencedores ficará sob responsabilidade organização e curadoria. Não caberá aos autores questionar ou interferir no projeto gráfico final, seja miolo, parte interna ou capa.

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Vieirinha Vieira

Abro a boca e não digo nada mas sinto, Fecho a boca e não como mas tenho fome. Abro a boca e digo tudo mas não sinto, Fecho a boca e não como as palavras não passam. Abro a boca e não digo o que digo, Fecho a boca e tudo fica por dizer… Não me parece que siga ou que sinta o tal prazer. Abro a boca e ouço silêncio! Fecho a boca sem saber… Sem sequer eu perceber, Em silêncio o que estou a dizer. Respiro e inspiro Deixo o ar passar Tudo aquilo que me queima não ade de matar. Chega a água para lavar ou investigue a falta de hidratação! Mas que plena sensação, Não sei se abro a boca, fecho ou não. Sei que me deram a vida e eu continuo na alimentação.

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Brasil

preservação do património reli Hebert Júnior

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Brasil

Profª. Dra. Cynara Bremer e Profª. Dra. Gláucia Nolasco

Nesta edição, de modo especial, a sessão de fotografias será substituída pela entrevista sobre o um importante trabalho desenvolvido para preservação do patrimônio religioso edificado na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais. A capital mineira, edificada em fins do século XIX sobre o arraial do Curral d’El Rey, está situada em uma região de povoação datada do início do século XVIII e cercada de cidades históricas (Caeté, Sabará, Santa Luzia e Raposos). Atenta à importância das edificações religiosas da Arquidiocese de Belo Horizonte, composta pela capital e outras 27 cidades do entorno, a professora Dra. Gláucia Nolasco de Almeida Mello, do Departamento de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), desenvolveu e coordena o projeto de extensão universitária denominado “Patrimônio Construído”. O projeto ainda tem parceria da Universidade Federal de Minas Gerais, e lá é coordenado pela professora Dra. Cynara Fiedler Bremer, da Escola de Arquitetura, vinculada ao Departamento de Tecnologia do Design, da Arquitetura e do Urbanismo, e do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte. Participam também alunos dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Civil das duas universidades. Para conhecer mais sobre essa iniciativa, vamos entrevistar as professoras Gláucia e Cynara, idealizadoras do projeto.

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Hebert: Como surgiu a ideia do projeto e em que ele consiste? Gláucia: A professora Cynara e eu já nos conhecíamos desde os tempos de estudantes

universitárias e a conversa sobre um trabalho em conjunto fluiu naturalmente. Como eu leciono disciplinas na área de estruturas de concreto e alvenaria estrutural no curso de Engenharia Civil da PUC Minas, e dentro do conteúdo de uma delas um dos assuntos abordados é a manifestação de patologias em edificações e a professora Cynara também leciona esse assunto sobre manifestações patológicas em edificações contemporâneas e históricas na graduação do curso de arquitetura e também no programa PACPS/UFMG, veio a proposta de trabalharmos com análise de manifestações patológicas em edificações. Ao discutirmos sobre o assunto, pensamos, por que não trabalharmos com edificações históricas já que ambas são admiradoras das edificações antigas? Na época, em 2017, a paróquia da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, no distrito de Piedade do Paraopeba, em Brumadinho/MG, estava realizando uma mobilização em prol da restauração da igreja. Assim decidimos abraçar a causa da preservação do patrimônio histórico, e ajudar a divulgar a importância de se conservar os nossos patrimônios. Essa é uma área muito importante e ainda pouco discutida dentro dos cursos de graduação. Hoje o projeto tem duas vertentes, a primeira relacionada especialmente à visitação e levantamento das condições de conservação e estruturais da igreja. E a segunda relacionada à divulgação nas escolas de ensino fundamental e médio, onde realizamos oficinas com os alunos para conscientização da importância das edificações históricas.

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Hebert: Quando o projeto foi implementado e quais os primeiros trabalhos?

Hebert: Como são realizadas as visitas técnicas e estudos de campo?

oficializado nas duas universidades em 2017 com a primeira igreja, Nossa Senhora da Piedade, em Piedade do Paraopeba, um distrito de Brumadinho a 35km de Belo Horizonte. O projeto consiste basicamente em fazer um levantamento histórico da construção e o estudo da sua relação com o entorno, quais os principais processos construtivos da época, se houve reformas ao longo dos anos e como foram essas reformas e, por fim, qual o estado atual da igreja. São analisados os aspectos estruturais e de conservação da igreja.

estudantes das duas instituições. São levados a campo diversos equipamentos para coleta de dados, que são analisados posteriormente e condensados em um relatório que é entregue ao Memorial. Já foram publicados artigos científicos sobre os resultados do projeto, os estudantes participaram de congressos no Brasil e agora em outubro vamos apresentar um estudo de caso em um congresso internacional no Canadá.

edificações históricas da região metropolitana de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais. Os relatórios técnicos fornecidos às paróquias e ao Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, auxiliam às tomadas de decisões relacionadas às ações de intervenção. Além disso, quando necessário, também desenvolvemos os projetos complementares necessários para a reabilitação do imóvel, como por exemplo, projetos de drenagem. Ainda, realizamos ampla divulgação do projeto, das ações e, também, da importância em se preservar as edificações históricas, em mídias sociais e presencialmente com oficinas, palestras e participação em eventos. Já pudemos contribuir com algumas ações de intervenção, hoje o projeto é conhecido e respeitado dentro das universidades participantes e temos alcançado grande interesse e envolvimento dos alunos em nossa missão. Um resultado que considero bastante interessante é o envolvimento dos alunos no projeto, eles trazem soluções, se dispõem a ajudar no desenvolvimento dos projetos, colaboram imensamente na realização das oficinas nas escolas e diversos deles querem trabalhar como voluntários no projeto.

Gláucia: Hoje nós temos uma parceria com o

Cynara: As visitas são agendadas previamente

Cynara: O projeto foi implementado e com o pároco da igreja e com a equipe de

Hebert: E como é a relação entre o projeto e a Arquidiocese de Hebert: Quais os objetivos e Belo Horizonte e as paróquias/ resultados já alcançados? comunidades? E em relação aos Gláucia: O projeto possui como objetivo órgãos de proteção ao patrimônio principal a colaboração na preservação das cultural?

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Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, representado pelo arquiteto Hebert. Ele é o nosso contato direto e responsável pela conexão do projeto com as paróquias. Hoje, antes de realizarmos uma visita consultamos o Memorial para que identifiquem aquelas igrejas que necessitam de projeto de intervenção ou que já estejam com um processo de intervenção em andamento. Assim, podemos colaborar mais assertivamente, fornecendo as informações técnicas e, quando necessário, os projetos complementares. Todas as ações executadas durante as visitas são coordenadas pelas professoras para que sejam respeitadas as exigências dos órgãos protetores. E, todos os trâmites e contatos para a aprovação dos projetos junto aos órgãos protetores ficam sob a responsabilidade do Memorial da Arquidiocese.


Hebert: Para os profissionais que trabalham na área do patrimônio cultural é normal que aconteçam descobertas que alterem o conhecimento estabelecido sobre aquele objeto em estudo. Durante os estudos houve algum fato ou descoberta interessante?

Cynara: Sim. Na primeira igreja visitada, em Piedade do Paraopeba, por exemplo, descobrimos no interior da igreja locais onde foram enterradas pessoas importantes na época. Em Raposos descobrimos que parte de uma parede de abobe, da época da construção original, ainda existia. São muito ricas essas experiências e descobertas.

Hebert: Quais edificações foram trabalhadas e quais as relações dessas construções com Portugal? O sistema construtivo utilizado na antiga colônia, em especial na Capitania das Minas do Ouro, é aquele mesmo utilizado nas construções da metrópole no século XVIII?

Gláucia: Até o momento já visitamos oito igrejas tombadas na região metropolitana de Belo

Horizonte, com contribuições efetivas em projeto de intervenção de três delas: Nossa Senhora de Piedade em Piedade do Paraopeba/Brumadinho, Nossa Senhora da Conceição em Raposos e Nossa Senhora do Rosário em Caeté.

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A arquitetura brasileira sofreu grande influência portuguesa. O modelo de arquitetura das igrejas visitadas é o tradicional da arquitetura religiosa luso-brasileira, muito difundido no Brasil a partir das últimas décadas do século XVII que permaneceu durante o século XVIII. Não, os sistemas construtivos são diferenciados, mais simples, próprios da época das circunstâncias em nosso país e, também, da localização. A maioria dessas igrejas foram construídas em vilarejos ou dentro de terras particulares, as fazendas.

Hebert: As edificações trabalhadas são de quais épocas e quais as características construtivas?

Gláucia e Cynara: As igrejas são dos séculos XVII, XVIII e XIX, exemplares da arquitetura

colonial brasileira. O sistema construtivo consiste em um formato alongado, geralmente composto por dois blocos retangulares, um que abriga a nave e outro a capela-mor. Algumas possuem um corredor lateral seguindo o alinhamento das torres sineiras como é o caso da igreja Nossa Senhora da Conceição em Raposos. As igrejas de Raposos e de Piedade do Paraopeba apresentam a mesma disposição onde se têm as torres mais altas, com a nave em altura intermediária e a capela-mor mais baixa que a nave. Os materiais empregados na época também diferem muito dos que foram utilizados a partir do século XX. Apesar de muitas delas terem sofrido intervenções ao longo dos anos, algumas ainda mantêm alguns elementos originais como paredes de adobe, pau-a-pique e pedra.

Hebert: Dentre essas edificações e estudos realizados, qual foi a mais desafiadora? Alguma conquista ou realização do projeto que gostaria de destacar?

Gláucia: Eu considero mais desafiador o primeiro levantamento realizado, talvez por termos

escolhido uma igreja que apresentava problemas diversos. Mas, também, considero a obra prima do projeto de extensão, pois, realizamos diversas visitas à igreja Nossa Senhora da Piedade e ainda hoje acompanhamos o processo de intervenção no qual a igreja tem passado. Para mim todos os resultados e ações merecem destaque, acho que hoje ele já está consolidado e vem sendo divulgado em diversas mídias das duas universidades envolvidas.

Cynara: Concordo com a Gláucia, a primeira foi mais desafiadora por ter muitas necessidades.

Além disso, tem um significado especial para nós porque foi a primeira igreja analisada, lá foi onde tivemos as primeiras ideias de como montar nossa metodologia. Recentemente, nosso projeto foi divulgado em mídias da PUC-Minas e foi selecionado em um edital da UFMG para ser projetado por uma semana na fachada do Espaço do Conhecimento da UFMG, em Belo Horizonte.

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Hebert: Quais as expectativas em relação ao projeto e qual a importância da divulgação deste estudo?

Cynara: Esperamos que este projeto continue tocando as pessoas sobre a importância de se

preservar o patrimônio. Em uma oficina voltada para o ensino fundamental pudemos sentir o envolvimento das crianças, elas responderam muito bem ao que foi passado a elas e saímos de lá com a sensação de dever cumprido: conseguimos plantar sementinhas. A importância desse estudo é exatamente isso: despertar nas pessoas o desejo de preservar as nossas memórias, o nosso patrimônio e passar tudo isso para as gerações mais novas. Gláucia: Concordo com a professora Cynara, espero que o projeto continue plantando sementes não só nos jovens que nos ouvem em palestras, lives e oficinas, mas, também, nos alunos destas universidades. Que eles entendam a importância de se colaborar com a sociedade, que compreendam a importância das construções antigas e que mesmo em uma metrópole temos condições de contribuir para uma convivência amigável entre o passado e presente.

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Vieirinha Vieira Mulher que sou, verbo que construí, No passado, futuro e aqui… Aquela, aguarela e o presente. Mente, tornear, trabalho e passear… Mulher de capacitar… E continuo eu a voar! hora sonho, ora realizo. Não acredito nas ilusões e nem mesmo em realizações Acredito nos grilhões No apetite saciado! Como um associado… com as cotas por pagar. Olhos no ar, pernas ao caminho E como um menino, sendo mulher, Se um lado meu é feminino o outro não o quer E meu lado masculino faz , resplandecente.

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Arlequim

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O designer de moda português, Luís Balão, desde 2008 vem a destacar-se na noda nacional. Trata-se de um estilista que resgata o velho ofício dos artesões de moda, recorrendo a vários tipos de materiais e técnicas. Luís Balão aposta numa moda sustentável, porém com muito glamour. Luís Balão transforma sobejos de materiais, tais como fragmentos de pele, latas de cervejas e refrigerantes descartadas, rótulos e tampas de garrafas, cápsulas de café, entre outros materiais, em verdadeiras malas de luxo, mostrando que o designer português trabalha com extrema criatividade e qualidade.

Charme e originalidade Charme e originalidade são as palavras-chave que definem a marca de Luís Balão. Nenhuma mala criada é igual a outra, pelo que Luís presa pela exclusividade. Contudo, além de malas, o estilista ainda aposta no desenvolvimento de uma variada gama de acessórios, muitas das vezes criado à medida para cada cliente. As malas Luís Balão são criadas para uma mulher contemporânea, alegre, independente, ativa, extrovertida, sofisticada e sedutora. Para estrelar a sua campanha publicitária de 2020, Luís Balão convidou a modelo brasileira, Maria Clara, que atualmente vive em Portugal. Agora resta-nos esperar pela apresentação da sua próxima coleção.

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Wenderson Machado

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Escrever sobre Jean-Paul Sartre pode soar que serão tratados temas sobre filosofia e política, pode-se pensar que falar-se-á sobre o ateísmo militante desenvolvido por essa figura histórica, pode-se ainda dizer que se tratará de toda sua luta contra o cristianismo, ou melhor falando, contra uma cristandade que quer impor seu moralismo e sua crença a qualquer custo. Mas o que os grandes estudiosos de sua filosofia e de seus ideais guardam e pensam sobre uma pequena obra, pouco conhecida, mas que conseguiu chamar a atenção do mundo cristão, mais que sua grande obra filosófica? Que escrito é esse que se manteve tão pouco conhecido e que existem tão poucas traduções e que quase não se cita? Será que Sartre poderia ter se convertido à moral cristã, poderia ter sido derrubado o filósofo do existencialismo? Jean-Paul Sartre (1905-1980), filósofo, novelista, dramaturgo e ativista político, grande personagem histórico, até hoje citado por muitos e sua filosofia tendo adeptos por todo o orbe. Em 1964 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, mas o grande pensador rechaçaria, explicando que nenhuma instituição pode ou tem o poder de mediar entre o homem e a cultura. Bem, caro leitor, não é a finalidade deste escrito fazer uma discussão ou meramente dar opinião sobre a recusa do recebimento de tal Prêmio. Um opúsculo do autor chamado “Barioná – Filho do trovão” é para onde remará as letras deste artigo e onde findará o pensamento de quem o escreve. “Barioná – Filho do trovão” é uma pequena obra do grande filósofo existencialista, escrita durante um período mais que dramático para o filósofo: sua prisão e seu enclausuramento em um campo de concentração alemão no ano de 1940. Sartre se deparará com a realidade obscura da humanidade e ao mesmo tempo com a luz da esperança de poder ser humano em todos os seus quesitos, ele viverá seus dias de luta entre a desesperança humana de quem só enxerga a morte e a esperança inquebrantável de uma humanidade que pode superar tudo a luz de uma fé em si mesma. Todos devem pensar que se trata de uma obra sentimentalista para esquentar os corações e 108

diluir o sofrimento humano sofrido no campo de concentração, mas não. O próprio autor assim explica a sua obra em um discurso do dia 10 de outubro de 1962: “ O fato de que eu tenha tomado o tema da mitologia cristã, não significa que a direção do meu pensamento tenha mudado nem sequer por um momento no meu cativeiro. Se trata simplesmente, de acordo com os sacerdotes prisioneiros, de encontrar um tema que pudesse fazer realidade, essa Noite de Natal, a união mais ampla possível entre cristão e não crentes.” Esta obra teatral do pensador e filósofo francês, é a única que pode-se considerar de pensamento cristão. Ele, convicto do seu ateísmo, foi capaz de captar e transmitir a importância deste momento fantástico da história da humanidade e da salvação, que é o nascimento do Cristo. Quase perdida essa obra, ela foi resgatada por um professor espanhol, José Angél Agejas, que a descobriu no anonimato, graças a um pequeno extrato que caiu nas suas mãos por casualidade. O professor descobriu uma obra familiar, cheia de simplicidade, humana e muito bonita, que não se encontrava entre os vários escritos do autor. Uma vez descoberta, Sartre reconheceu a sua autoria e permitiu a publicação. Esse opúsculo teatral vai narrar a história de Barioná, governador de Bethaur – povoado longe de Belém 25 léguas – , homem que tem a sua dignidade fundada sobre a desesperança. Este recebe, habitualmente, a visita do superintendente romano Lelius para dar andamento e prestar contas sobre sua atividades ao Império Romano. Mas a última visita de Lelius é o cumulo do desespero para Barioná: este irá desejar a destruição do seu povoado, impedindo o relevo geracional. Mas neste momento de desesperança aparece em uma gruta de Belém, Jesus Cristo, sinal de toda a esperança.


Uma obra que abriu as portas para Sartre no campo das artes e da sensibilidade humana, da esperança contra toda desesperança, da alegria que é resistente contra toda força da maldade e da escuridão. Com esta representação, Sartre se descobre, não só como autor dramático, mas faz com que ela seja uma obra de comunhão de pessoas, ele dirige seu pensamento para a grandeza do homem em relação aos demais. Feita essa pequena introdução, que não demonstra tudo o que a riqueza das palavras e do pensamento de Sartre nessa obra trás, é necessário abrir o pensamento e não querer rotular o autor em um único campo da cultura, da arte e da filosofia, pois ele foi além, ele falou do ser humano e sua transcendência frente a vida. Caro leitor, falar de Sartre, nunca será somente o existencialismo da desesperança, mas também será do existencialismo da esperança de ser um ser humano. É necessário refletir e colocar em prática diariamente a esperança na humanidade, que diante de tantas crises e dificuldades, acha sempre o caminho e a luz da esperança e da reconstrução de si própria.

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Vieirinha Vieira Não tens porque, Não tens porque preocupar-te comigo Tudo acontecerá no tempo que tem de acontecer E nada será de outra forma ... Não tens porque, Não tens obrigação de nada! Pelos vistos nem responsabilidade. Segue a tua vontade eu continuarei dando o melhor de mim. É assim, tu nunca desejaste ouvir nada da minha boca. Nunca te importantes com o que faziam sentir... Nunca te importante! Agora, não tens porque. Segue o teu caminho afinal ninguém está sozinho! Cumpre a tua missão,levarei a cabo a minha até a minha hora O tempo acontece e com ele o momento, tudo começa quando tem de começar e tudo termina no exato momento que tem de terminar, por isso, não tens porque preocupar!

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Marcelo de Paula Costa Santos


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Acredito que nós, pessoas com deficiência, enfrentamos alguns desafios no nosso dia a dia em tarefas cotidianas. Separei alguns exemplos: Uso do transporte público: Muitas vezes, quando precisei me utilizar do serviço público de transporte, encontrei várias dificuldades. Uma delas é sinalizar para o ônibus que desejo entrar no transporte. Muitas vezes esse ônibus era adaptado, mas o elevador estava quebrado por falta de manutenção dos órgãos públicos. Por vezes também o profissional não sabia utilizar o elevador de acesso, e por eu utilizar muitas vezes, acabei ensinado aquele profissional como ligar ou abaixar o elevador. Acesso a prédios públicos ou privados: Algumas vezes passei por problemáticas pelo lugar o qual queria ter acesso não ter acessibilidade fácil, seja para entrar ou para utilizar espaços comuns, como: Banheiros não adaptados; Lugares sem rampa de acesso; Lugares altos; Mesa alta; Calçada altas e com buracos; Sem elevador. O que falta melhorar? É inegável que, nos últimos anos, tivemos muitos avanços para pessoas com deficiência. Hoje em dia, a grande maioria dos estabelecimentos conta com vagas preferenciais, bem como com banheiros adaptados. Mas as melhorias muitas vezes são lentas, principalmente em cidades menores e mais afastadas. Esses lugares contam com menor disponibilidade dos orçamentos municipais, principalmente as pequenas regiões.

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Bruna Costa 116


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Tales Frey é artista transdisciplinar, dentre tantas outras coisas que não caberiam neste espaço. Nascido em Catanduva/São Paulo, Brasil, atualmente vive e trabalha no Porto. Expõe regularmente tanto na Europa quanto na América Latina e foi contemplado com diversos prêmios tanto no campo compreendido pelas artes visuais quanto no de artes cênicas. No âmbito da sua mais recente individual intitulada “Indicadores da Carne” que foi inaugurada no dia 19 de setembro e que permanece para visitação até o dia 24 de outubro, na Galeria Ocupa, conversamos brevemente desde sua prática como um todo às particularidades dessa nova exposição.

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Bruna Costa: Tales, a definição de artista transdisciplinar parece muito adequada ao que você faz; você transita entre diversos tipos de saberes, possui múltiplos projetos (no teatro, na dança, nas artes visuais, na literatura, na produção editorial) e realiza trabalhos que podem se apresentar de diferentes maneiras. Onde começam seus interesses artísticos e como foi a construção de uma prática que se desdobra em várias outras? Tales Frey: Desde muito cedo, eu tenho

um grupo de teatro amador da minha cidade, o qual ensaiava justamente na academia da minha mãe e, então, foi depois desse grupo que eu admiti para mim que teria a arte como uma profissão a ser seguida. Foi através do teatro que percebi isso. Com 19 anos, eu ingressei em Direção Teatral na Universidade Federal do Rio de Janeiro e, como sempre fui de me atrever até nos campos artísticos que eu não tinha muito domínio, eu já entrei na faculdade tendo algumas experiências não só como ator, mas também como operador de luz, operador de som, como cenógrafo e como figurinista. Quando ingressei na faculdade, transitei muito entre os vários campos existentes no teatro, TV e carnaval. No meio disso tudo, a performance foi aparecendo como uma expressão que me satisfazia demais, porque através dela, eu conseguia reunir muitas habilidades que me interessavam, cruzando todas as práticas numa única. E, depois, fazendo registros em vídeo e fotografia dos meus trabalhos, comecei a perceber outras linguagens possíveis, descobrindo assim o meu interesse pela videoperformance, videoarte, fotografia, até que outros vestígios começaram a servir de expansões da ação ao vivo, podendo um objeto indicar a performatividade de uma ação e, deste modo, comecei a elaborar uma série de indumentos e adornos performa-tivos.

interesse por diversas expressões artísticas. Quando eu era criança, eu desenhava sempre e inventava sequências de desenhos para stop motion sem nem ter consciência ainda do modo como uma animação quadro a quadro é feita, então eu criava uns televisores de papel para passar a sequência toda que era desenrolada de um lado para ser enrolada do outro como um pergaminho. A temática dos meus desenhos era sempre muito insolente, sempre violenta e hipersexualizada e, hoje, eu tenho clara noção de que eu extravasava nessas expressões tudo o que eu reprimia por conta do contexto conservador da cidade onde nasci. Eu desenhava por conta própria sem ter nenhuma técnica e Realmente, eu transito muito desde sempre fiz isso até a adolescência. entre uma linguagem e outra e, por isso, o terNo final da infância, eu comecei a desenhar mo transdisciplinar me parece o mais adequado croquis de figurinos, imitando os que a minha para o meu caso. mãe fazia para elaborar os indumentos das coreografias de dança que ela criava. No final dos anos 80 e início dos 90, a minha mãe teve uma academia de ginástica chamada Corpus e eu acompanhava tudo de longe: ensaios, criações das temáticas, escolhas das músicas, figurinos etc. Depois, tudo ficava sendo reverberado em mim de algum modo. Aí, com 11 anos, eu decidi finalmente me integrar a

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Bruna Costa: Movimento e permanência. Como a sua trajetória artística se relaciona com a história de sua migração para Portugal? O que se nota que mudou ou permaneceu desde o início até os últimos anos de atuação no Porto?

Tales Frey: Acho que tudo foi transformado

desde a minha vinda pro Porto. Quando eu me mudei em 2008 para Portugal, eu já tinha bastanteexperiência no teatro, desdea formação em Direção Teatral pela UFRJ até o trabalho que realizei na assistência de direção com o An-tonio Abujamra em São Paulo na Funarte e adereços de cenário e figurino para o Miguel Fa-labella no Rio de Janeiro juntamente com o Cláudio Tovar, que assinava cenário e figurino, ou seja, já havia trabalhado na esfera amadora e nas grandes produções profissionais. Mas ter essa bagagem no currículo não resolvia muito o meu problema ao chegar num território no-vo, talvez por haver uma estrutura colonial muito resistente no Porto, então os meus proje-tos e as minhas tentativas de inserção da minha prática no circuito portuense das artes cêni-cas eram quase sempre desconsiderados.

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Até 2008, embora eu já praticasse performance, o teatro era a minha principal expressão artística, mas como eu não era inserido em absolutamente nada no contexto português, re-solvi fazer as minhas primeiras ações para o espaço urbano por conta própria e sem nenhum vínculo institucional e, a partir dos registros dessas intervenções, eu consegui os primeiros contatos na cidade com as estruturas mais inclusivas, dentre elas Maus Hábitos (Daniel Pires) e Embaixada Lomográfica (Jorge Taveira). Esses registros possibilitaram que eu me projetasse para espaços de arte de outros países, então, fui apresentar performance ao vivo em Chicago na Defibrillator Gallery, na Polônia na Galeria Labirynt e, ainda, apresentei registros em vídeo na Galleria Moitre em Turim na Itália, na Kuala Lumpur 7th Triennial na Malásia, no The Kit-chen em Nova York no lançamento do Emergency Index Vol. 1, entre outros vários espaços e, apenas depois disso, gradativamente comecei a ser inserido no Porto.


O Alberto Magno (programador de dança) estava em Lublin justamente quando eu fui mos-trar performance ao vivo na Galeria Labirynt na Polônia e, depois disso, ele me chamou para ministrar um programa chamado “Visiting Artists” no Mosteiro de São Bento da Vitória e, na sequência, o Tiago Guedes (programador do Teatro Municipal do Porto) me inseriu no Teatro Municipal Rivoli em algumas programações a partir de 2015 e isso acabou por legitimar o meu trabalho como um artista do Porto. Aí, o José Maia (curador do Espaço Mira) assumiu uma curadoria para a minha exposição com a Mãe Paulo, onde abordávamos uma temática um tanto tabu para o Porto ainda naquele momento. Depois, estava fazendo curadorias de arte, estava nas bienais locais, fóruns, enfim, entrei para uma parte do circuito local. Por fim, per-cebo que transitei das artes cênicas para as artes visuais, embora ambos meios têm relações com a minha prática atual.

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Bruna Costa: A sua formação acadêmica se assemelha muito a sua produção artística: um trânsito entre as artes visuais e as artes cênicas, além da migração para outras localidades. Os projetos que você desenvolveu e desenvolve neste percurso acadêmico são compreendidos pela sua prática ou a tangencia de algum modo?

em vínculo com o departamento de letras, ou seja, estava nas letras afir-mando a imagem como possibilidade de existência sem que a palavra fosse o cerne da cria-ção. Ou seja, o meu percurso acadêmico e a relação dele com a minha prática só confirmam a minha fluidez por entre esses dois campos que tanto me atraem: o das artes cênicas e o das artes visuais. Do ponto de vista da migração, percebi que passei a considerar mais ainda a minha subjetivi-dade e identidade como elementos formadores de um campo simbólico no meu trabalho, afinal aqui sempre sou olhado como Tales Frey: A minha formação e pesquisa um sul-americano que veio viver na Europa. acadêmica estão totalmente relacionadas à minha prática artística e percebo que, ao mesmo Bruna Costa: Uma fala sua diz que tempo que há uma grande confirmação de uma pesquisa estética prática enquanto tenho todo “No momento em que a gente nota o respaldo e acompanhamento teórico, há uma em que determinado corpo foi fricção pela falta de um encaixe adequado entre alterado, quer dizer que tudo ao seu uma coisa e outra. Na graduação, eu dirigi um redor foi transformado, porque o espetáculo de teatro que já flertava com uma corpo é um poderoso indicador de linguagem mais visual, envolvendo vídeo e modificações em andamento numa também uma ambientação não convencional. Eu criei uma versão subversiva de “Sa- sociedade; o corpo é um revela-dor patinhos Vermelhos” num enquadramento de contextos”. O trabalho de arte, e underground, soturno, com uma pulsão de ainda mais o que envolve os corpos, vida absurda através de signos muito mórbidos também tem o poder de afetar um e muito sexuais e aquela linguagem não foi entorno. Quais as dinâmicas entre bem vista na academia, mas foi perfeitamente um corpo que é afetado e afeta seu bem recebida no contexto alternativo do Rio entorno reverberam para você? de Janeiro quando fiz duas temporadas do espetáculo numa pista de dança num subsolo de Copacabana, mais precisamente no clube Tales Frey: Essa frase vem de um artigo que li da Helena Katz comentando o Walter Benjanoturno Fosfobox. min. Eu completaria ainda com uma frase do Já no Porto, durante o mestrado em Teoria e Paul Preciado que diz algo assim: “aceitar que Crítica da Arte, eu despontei com os trabalhos a mudança que acontece em mim é a mutação práticos mais alternativos ainda e busquei de uma época”. findar de vez a minha produção de obras mais au-torais e, embora eu não estivesse a elaborar uma escrita sobre a minha prática, estava a pes-quisar algo que colaborou demais para as minhas próprias criações artísticas. No doutoramen-to, decidi fazer uma teseprojeto pensando em criações práticas, onde eu pudesse elaborar ações de performances novas e isso ocorreu na Universidade de Coimbra em Estudos Artísti-cos, que funciona 122

Eu tenho cada vez mais certeza de que a performance me atrai muito porque ela considera algo que é muito característico do ritual, ou seja, a transformação. Nós estamos sempre nos transformando e nós somos afetados pelo meio em que estamos inseridos ao mesmo tempo que o afetamos. Essa noção passou a ser alvo de sondagem em todas as minhas concepções e, então, mesmo quando estou apresentando um trabalho não-


inédito, percebo que em cada contexto ele acontece de um modo específico e isso pode estar diretamente associado a essa ideia de que estamos em constante transformação e que há uma relação de interdependência entre a nossa interioridade, exterioridade e o que nos rodeia.

Bruna Costa: Você inaugurou uma individual num contexto de retomada das atividades públi-cas sob esse sentimento geral de alerta e cuidado. Quais as repercussões da pandemia no seu processo que poderão ser observados em “Indicadores da carne”, uma vez que sua prá-tica costuma se atentar ao entorno? Tales Frey: Intuitivamente, fui caminhando para a materialização de esculturas bidimensio-

nais e de desenhos que se expandem pro espaço físico num conjunto de coisas que se assemelham às colagens. Até meus vídeos passaram a apresentar essas sobreposições de cama-das que lembram a colagem e acho que tudo isso se deve ao fato da nossa vida ter se torna-do esse amontoado de layers de telas luminosas. Hoje, passamos muito mais horas de frente pros ecrãs e nos autorregulamos a partir do conteúdo que aparece em cada uma dessas te-las. O dispositivo na minha produção também acabou por ser repensado. Passei a criar mais peças tangíveis e tenho 123


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reciclado mais, então muitos materiais que utilizei vieram do lixo. Até mesmo papel simples eu evitei comprar e preferi criar os meus próprios papéis mais rugosos e menos industriais e que carregam uma expressividade muito maior na sua materialização. Bruna Costa vive e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil. É curadora independente, historiadora da arte e professora. Formada em História da Arte pela EBA/UFRJ, com período sanduíche em Sapienza University of Rome, na Itália, atualmente é mestranda em Artes Visuais no PPGAV/UFRJ. Dentre seus projetos, se destacam a co-curadoria no “1º Salão Vermelho de Artes Degeneradas”, no Atelier Sanitário e assistência de curadoria em “Arte Naïf: nenhum museu a menos” na EAV Parque Lage, ambos em 2019. Possui interesses de pesquisa sobre a cor na história da arte e sobre produções periféricas na arte contemporânea. É tutora de His-tória da Arte e Turismo no consórcio CEDERJ, faz parte da equipe editorial da revista Ar-te&Ensaios e da eRevista Performatus. 124


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Jon Bagt

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Clara conta os minutos no meio do deserto. Zacarias bebe de um poço enquanto Clara desenha letras na areia. Zacarias desaparece no meio da noite e Clara fica a pensar no acento tónico da última palavra do seu amor…

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Vieirinha Vieira

Deixo que meus dedos deslize e as palavras escorregue naturalmente, mente que as sente e faz eternas.

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