Jornal Conexão - Ed.01

Page 1

Conexão

ENTREVISTA Mudança de linguagem é fundamental para atrair jovens à Igreja, defende padre Emerson Correr. P.7

DEZ / 2018

EDIÇÃO 01

CRÉDITO: MARCOS MISTURINI/CONTAINER 35

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIMEP

Juliane Arrizatto faz planos para ampliar a estrutura usada para a produção de doces em Piracicaba

JOVENS SE DESTACAM COMO EMPREENDEDORES

EXERCÍCIOS NA LUTA CONTRA O CÂNCER DE MAMA

SAIBA ADMINISTRAR BEM O SEU DINHEIRO

Pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que 25% dos casos da doença poderiam ser evitados se as mulheres praticassem diariamente meia hora de atividades físicas. P.11

Não está conseguindo economizar o suficiente para investir em seus sonhos? Confira dicas de especialistas para alcançar suas metas sem se desesperar. P.4

CRÉDITO: SARAH PENEDO

Uma porção de persistência, várias fatias de entusiasmo e uma pitada de ousadia: dois jovens empreendedores do setor alimentício contam como quebraram barreiras, venceram dificuldades e caminham rumo ao sucesso profissional - e por que você pode ser o próximo. P.5

Planejamento evita que o salário ‘desapareça’ bem antes do fim do mês

cidadania

sexo

^ ciencia

^ transito

Jovens da região se dedicam ao trabalho voluntário. P.6

Epidemia de sífilis deixa órgãos de saúde em alerta. P.10

Dinheiro não é o único entrave para a formação de cientistas no Brasil. P.15

Números mostram que mulheres são mais prudentes ao volante. P.8


~

02 - opiniao

Cultura brasileira em chamas BIANCA MARTIM biancamartim@outlook.com cultura nunca foi tão vaN ossa lorizada”. Eu poderia come-

çar este artigo dessa maneira, mas a realidade é diferente. Em meio à hostilização de sociólogos, desvalorização de historiadores e desconfiança aos professores, é preciso enfrentar mais um obstáculo: a conservação e valorização de espaços culturais, incluindo trabalhos de estudiosos e resultados de longos anos de pesquisa. Infelizmente, o Brasil e o mundo testemunharam o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em setembro. O local abrigava um

acervo de mais de 20 milhões de itens. Há quem diga que o ato de prestigiar museus seja entediante ou desnecessário. Mas, na verdade, a questão é bem mais complexa porque gera consequências irreparáveis. À medida que estudos nas áreas de pesquisa e história são esquecidos, um outro lado passa a se beneficiar com recursos que deixaram de ser repassados à ciência. Anos de pesquisa e trabalho foram desvalorizados não só pelo poder público, mas também pelos cidadãos.

Dados apurados pela BBC Brasil revelam que os investimentos realizados no Museu Nacional em 2018 correspondem ao custo de 15 minutos dos gastos do Congresso Nacional durante todo o ano passado. Mas também vale a reflexão: qual o nosso papel, enquanto simpatizantes da educação de qualidade, a respeito dos espaços culturais que lutamos para preservar? Quais atitudes do poder público queremos ver?

rada pertencente aos mais ricos. Cabe a nós lutar para que os estudos continuem a ser desenvolvidos por anos. É reconhecendo a competência de nossos educadores e estudiosos para que, enfim, possamos nos voltar contra a falta de apreço à ciência brasileira. Na obra “1984”, George Orwell bem pontua: “quem controla o passado, controla o futuro”. Que esse controle seja nosso.

Nossa história não deve estar sob responsabilidade de poucas pessoas, e muito menos ser conside-

Legalização da maconha é avanço histórico LUCAS ALMEIDA almeida.jornalismo98@gmail.com portugueses consumiam O smaconha na época das gran-

Expediente

des navegações. O cânhamo, uma das substâncias da planta, era utilizado na fabricação de tecidos, a outra utilização da erva era para fins medicinais. Os povos africanos escravizados utilizavam a maconha recreativamente e em ritos de religião. A abolição da escravatura, no entanto, não eliminou a marginalização do povo negro, das religiões de matrizes africanas e de outros aspectos culturais já “demonizados” pelos portugueses, que passaram a controlar e repreender o consumo recreativo da planta.

Nas décadas de 20 e 30 do século passado, o combate à maconha se intensificou no Brasil, com a criminalização de seu uso. Atualmente, o emprego da maconha em tratamentos de saúde é permitido no país depois de um longo processo burocrático supervisionado pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Porém, as famílias que conseguem a permissão reclamam da qualidade do produto e do alto preço de importação. Já existe um comércio de produtos relacionados à maconha que movimenta muito dinheiro e empregos, e com a regulamentação

Órgão Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep Reitora Pro Tempore: Claudia da Silva Santana Diretor da Faculdade de Comunicação: Belarmino César Guimarães da Costa Coordenador do Curso de Jornalismo: Paulo Roberto Botão Editor: João Turquiai Junior MTB 39.938

do comércio e uso isso aumentaria ainda mais. O tráfico é uma questão ainda mais complexa, que requer mais do que armas e violência para combate-lo. Além de comprovadamente medicinal, a toxidade da maconha está abaixo dos níveis do álcool e do cigarro, drogas legalizadas. A experiência em países que liberaram o comércio da planta comprova a diminuição da criminalidade. Em países como Estados Unidos, por exemplo, é preciso ter ficha criminal limpa para vender e comprar maconha.

ção histórica e social para a criminalização da maconha, e ela afeta não só usuários recreativos. Até hoje, os negros, vítimas de preconceito, sofrem diretamente as consequências de um país que não olha seu passado com o objetivo de reparar erros. Com a legalização de todas as formas de uso da maconha não só daríamos um passo à frente nas áreas econômica e medicinal, mas daríamos um grande passo na reparação de uma dívida histórica.

Como se vê, existe uma constru-

Redatores: Adelle Gebara, Ana Carolina Mariano, Beatriz Bertelli, Bianca Martim, Carolina Piazentin, Daniela Oliveira, Felipe Ferreira, Fernanda Rizzi, Fernando Jacomini, Gabriel Campos, Gabriel Cupido, Juliana Fuzato, Laís Maio, Lauren Milaré, Letícia Azevedo, Lucas Almeida, Mariana Requena, Pedro Martins e Vinícius Chinelatto

Supervisão Gráfica: Felipe Vieira Laboratório Planejamento Gráfico Correspondência: Faculdade de Comunicação Campus Taquaral Rodovia do Açúcar, KM 156 – Caixa Postal 69 - CEP 13.400-911 Telefone: (19) 3124-1677 unimep.br


~ opiniao - 03

Conectado ao leitor S

im, mudamos! O jornal produzido pelos alunos do curso de jornalismo da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) está de cara nova. Sai o Jornal de Classe, chega o Jornal Conexão. Em formato germânico, o exemplar que você tem agora em mãos torna a leitura dinâmica e pode ser levado a qualquer lugar. Nosso compromisso com o leitor, no entanto, segue imutável: produzir conteúdo de qualidade, atento às demandas da sociedade e à necessidade de fiscalização do poder público. Em tempos de disseminação em larga escala de notícias falsas, incontáveis escândalos de corrupção

- em todas as esferas de poder - e frequentes ataques à Constituição Federal, não é difícil concluir que nunca se precisou tanto de uma imprensa livre e forte como agora. E essa preocupação não é exclusiva dos brasileiros. O mundo acompanha com espanto o crescimento da intolerância entre nações e, pior, entre filhos da mesma pátria.

mas, colocar paradigmas na berlinda. A repórter Ana Carolina Mariano mostra, na página 8, que o número de acidentes de trânsito fatais envolvendo homens é bem maior do que quando as mulheres estão ao volante. A constatação vale, inclusive, em cidades onde a quantidade de mulheres habilitadas supera a de homens.

A edição de estreia do Jornal Conexão apresenta reportagens sobre assuntos que fazem parte, principalmente, do dia a dia dos jovens, como a vontade de ser empreendedor, que é a nossa matéria de capa. Também demos a nossacontribuição para contestar máxi-

Também mostramos a reflexão de educadores sobre os caminhos que podem nos levar a formar um número maior de pesquisadores. Demos nossa contribuição para registrar o comportamento homofóbico das torcidas organizadas de futebol, e a omissão de clubes e

editorial federações no mundo da bola. Enfim, dos caminhos e dicas para administrar bem o próprio salário, a importante (re)descoberta de valorização da vida, você encontrará nas próximas páginas bons motivos para prestigiar o trabalho dos jornalistas em formação.

CHARGE

CRÉDITO: ÁLEFE IBSEN DOS SANTOS, ELOÁ GABRIELI EVANGELISTA, GIULIA DEFAVARE

Bem-vindo ao ‘novo’ Brasil LETÍCIA CRISTINA leticiacristina479@gmail.com

O

melhor do Brasil é o brasileiro. Temos uma rica cultura, esbanjamos alegria por onde passamos e, quando se fala em Carnaval e futebol, aí a nossa euforia contagia o mundo. O brasileiro é feliz. Demonstramos nossa alegria por meio das violas e batuques, que são nosso charme. E quando o assunto é a nossa hospitalidade? Bem, o brasileiro é hospitaleiro com os imigrantes, acolhe todos que buscam por refúgio. Somos conhecidos por dar abrigo a inúmeras pessoas de diferentes países em tempos de guerras e crises.

Fomos o porto seguro daqueles que temiam o pior, principalmente na Europa. Agora temos a Venezuela, nosso vizinho, em estado lastimável. Por lá, o cidadão precisa selecionar a carne menos podre para comer. É preciso ser criativo e desenvolver técnica para desacelerar o processo de decomposição dos alimentos. Em que mundo vivemos? Como viver em um país onde não há o que comer, enquanto seus líderes esbanjam em banquetes?! Pediram ajuda ao vizinho gigante, num sopro de alívio, já que nós,

brasileiros, somos o povo mundialmente conhecido pela hospitalidade. Não somos? Ou éramos? Quando chegaram, os pobres venezuelanos foram recebidos com hostilidade e preconceito, algo, de certa forma, compreensível, pois o Brasil está longe da sua melhor fase. Enfrentamos uma drástica crise econômica e política, com surto de corrupção, alta taxa de desemprego, pessoas morrendo em salas de espera dos hospitais públicos. Mas um erro não justifica o outro. O Brasil é um país com grande número de cidadãos descendentes

de escravos, e mesmo com o histórico de vítima da exploração, parte do nosso povo não se constrange em explorar a mão de obra imigrante ou atacar violentamente aqueles que chegam aqui fugindo do pior. Será que o Brasil mundialmente conhecido como uma terra pacífica sucumbiu ao ódio e a intolerância?


CRÉDITO: SARAH PENEDO

04 - economia

É preciso saber gastar Entender os benefícios do planejamento financeiro é essencial para não ficar sem dinheiro e conseguir alcançar seus objetivos FERNANDA RIZZI fernandarizzi@icloud.com LAUREN MILARÉ lauren_m_9@hotmail.com

C

hegar ao fim do mês sem dinheiro é tão ruim como perder o sinal do celular, ficar sem comunicação com os amigos ou deixar de ser chamada para uma festa muito legal. E se você não nasceu rica e depende da grana do seu estágio para ir ao cinema, comprar roupas ou, quem sabe um dia, comprar aquele celular novo, sabe bem que os momentos de apuros podem bater à sua porta a qualquer momento, não é mesmo? Mas calma, não se desespere! Vamos te ajudar a planejar o futuro e usar seu dinheiro com responsabilidade, já que sair da casa dos pais, comprar um apartamento ou viajar é uma meta bastante comum entre os jovens. Para Ricardo de Souza, especialista em finanças e controladoria, existem duas palavras usadas como sinônimos, mas que no campo da educação têm significados diferentes: desejo e necessidade. “Pelos jovens não entenderem a diferença em desejar e necessitar, o consumismo se torna presente e se une ao exibicionismo”, explica. Já o economista Francisco Crócomo defende que é importante ter disciplina no uso de recursos para que o jovem não crie fatores que o atrapalhem a alcançar seus objetivos financeiros. “Os desembol-

Planejamento financeiro é fundamental para evitar que o salário ‘desapareça’ rapidamente

sos para a realização de cursos de qualificação, aperfeiçoamento e outros afins são muito bem-vindos”, garante. Os especialistas afirmam que não há idade exata para ser consumista. “A mídia está sempre preparada para conseguir seu consumo. Devemos estar preparados para não cair em promessas milagrosas”, observa Crócomo. Para Souza, o que pode ser uma regra para uma pessoa, pode não ser para outra, pois são pessoas com vidas diferentes, realidades, metas e sonhos distintos. “Meu conselho é que a pessoa, dentro da sua realidade, estabeleça um valor como meta e mensalmente busque alcançá-la, sempre relacionando esta etapa de guardar dinheiro com alguma razão, ou seja, com algum porquê”, orienta. Para ele, em cada caso diferente é necessário se educar para construir reservas para o alcance dos objetivos. Os que moram com os pais podem se beneficiar com meta de reserva maior. A estagiária Isabela Padovan Balás, 20, conta que não mora com os pais, mas que ainda são eles que pagam a sua faculdade. “Meus gastos são relacionados à psicoterapia, viagens semanais para Itu, onde meus pais moram,

e para Rio Claro, onde meu namorado mora. Além de lazer, como shows, restaurantes, compras para mim ou presentes de aniversário”, explica.

A mídia está sempre preparada para conseguir seu consumo

peço a nota fiscal quando faço compras no cartão de débito”, ressalta. O administrator financeiro Ricardo de Souza concorda que somente instalar o aplicativo no celular não fará mágica. “Precisa estar aliado a comprometimento, organização e disciplina. É necessário anotar as despesas e ter o cuidado de frequentemente observar as informações apresentadas”, ressalta. CARTÃO

CONTROLE Um plano financeiro pode ajudar a entender cenários que temos pela frente e qual é o caminho certo para conquistar mais. É possível ter uma visão de seus gastos fixos e excessivos. Para que os objetivos financeiros sejam cumpridos, é necessário acompanhar regularmente para obter os resultados esperados. Planilhas que controlam os gastos ou aplicativos de finanças como o Mobills, Organize, Minhas Economias ou Guia Bolso para os smartphones são bem-vindos e podem ser atualizados no momento em que estiver gastando. Isabela controla os gastos pelo aplicativo do banco. “Também sempre

O cartão de crédito é uma ferramenta que pode trazer muitos benefícios, mas é necessário saber utilizá-lo. Ricardo de Souza apresenta quatro dicas aos jovens estagiários. Em primeiro lugar, aqueles que optam por utilizar o cartão de crédito devem anotar ao realizar gastos para não ter surpresas nas faturas. A segunda dica é que a soma dos limites deve ficar abaixo do valor de renda, pois limites altos podem gerar falsa sensação de poder, levando a pessoa a realizar compras que serão difíceis de pagar. A terceira é estabelecer limites de gastos mensais no cartão. Por fim, não se deve considerar o limite do cartão como uma renda adicional ao salário. Pelo contrário, tudo o que se gastar no cartão deverá ser pago com o salário. Ou seja, ao invés de somar, vai diminuí-lo.

Cautela e disciplina na hora de investir CRÉDITO: DIVULGAÇÃO

Ricardo de Souza defende que o jovem planeje sua aposentadoria

Para investir é necessário que as aplicações sejam feitas com segurança. Os bancos virtuais apresentam várias facilidades para aplicação, principalmente aos jovens. O Procon, órgão de defesa do consumidor, pode ser consultado quanto à segurança da adesão aos planos oferecidos. É importante considerar, também, que em algumas situações pode ser necessário (e muito bom) usar o dinheiro que se estava economizando. “A compra de um terreno, a realização de um curso, ou mesmo uma viagem para qualificação e atualização dos estudos. Dessa

forma, a aplicação do dinheiro será realmente um investimento em sua vida”, explica o economista Francisco Crócomo. Além disso, a aposentadoria é um fator importante para ser pensando desde cedo. “Quanto antes o jovem pensar na sua aposentadoria, melhor”, observa Ricardo de Souza, especialista em finanças. Isso inclui utilizar diversas estratégias como no início da vida financeira reservar um valor menor para a aposentadoria, ao mesmo tempo que se constrói um reserva de emergência ou com algum outro objetivo. Porém, isso exige

muita disciplina do jovem. A forma mais simples de começar a investir é o uso da poupança. Souza afirma que com pouco mais de R$ 30 é possível começar a dar os primeiros passos, sempre observando o valor disponível para poupar, o tempo que se pretende investir, os impostos e as taxas. Também é preciso buscar investimentos de acordo com o seu conhecimento e ter cautela para não acreditar em ganho fácil. FR/LM


CRÉDITOS: BIANCA MARTIM

empreendedorismo - 05

Uma pitada de

ESPERANÇA Jovens contam como superaram os desafios para realizar o sonho de ter o próprio negócio e fazer o que mais gostam

BIANCA MARTIM biancamartim@outlook.com

F

lexibilidade, autonomia e conforto: a geração que chega ao mercado de trabalho está empenhada em ter a própria empresa. E para alcançar a tão sonhada independência financeira, vários jovens buscam caminhos para juntar uma renda extra no final do mês. Em alguns casos, porém, a ocupação temporária acaba ficando mais séria e se revela a grande oportunidade. Aos 19 anos, a estudante Juliane Arrizatto batalha por um sonho que teve início no ensino médio. Há três anos a jovem fabrica cones trufados, bolo de pote, brownies e vários outros tipos de doces para vender. “Eu vendia trufas na escola como um passatempo, mas acabei tomando gosto e hoje é o meu trabalho”, conta Juliane. Em maio do ano passado, a jovem aderiu ao Microempreendedor Individual (MEI), isto é, uma pequena empresa. O MEI deve ter faturamento anual de até R$ 81 mil, podendo contratar até um funcionario. Atualmente, mais de 400 atividades se enquadram nesse regime.

Pedro Leão gerencia uma equipe de 22 funcionários em uma rede de cantinas

A realidade da jovem faz parte do crescimento do número de jovens empreendedores. De acordo com pesquisa divulgada pelo Sebrae, em maio deste ano, o número de pessoas entre 18 e 34 anos do total de empreendedores em fase inicial passou de 50%, em 2016, para 57%, em 2017. De acordo com Marcos Dias, professor de economia da Fatec (Faculdade de Tecnologia) em Americana, o aumento do desemprego e a alteração das leis trabalhistas têm “empurrado” os trabalhadores mais novos para a criação do próprio negócio. “Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostraram que jovens entre 18 e 25 anos são os que mais têm sofrido com o desemprego. Por isso, empreender tem sido a única opção de obtenção de renda entre os mais novos”, explica o professor. O sucesso profissional de Juliane não parece tão distante dos demais. Pedro Leão, 26, abriu uma lanchonete escolar aos 19 anos, em Santa Bárbara d’Oeste. Hoje, sete cantinas fazem parte da rede

Dom Leão, na região de Americana. O empresário conta que, no início, o lucro não existia. “O segredo foi viver abaixo do que eu podia para acumular capital de giro. Eu gastava muito menos que podia para conseguir investir mais ainda no meu próprio negócio”, relembra Leão.

O horário pode ser flexível, mas é preciso disciplina para me organizar

Levantamento feito pela Confederação Nacional de Jovens Empresários (Conaje), em julho, revela que os maiores desafios enfrentados pelos jovens são a burocracia e a alta carga tributária. Além do empecilho financeiro, Juliane cita que um dos obstáculos enfrentados ao empreender é o de ser a própria chefe. “Não tem ninguém para cobrar meus resultados. O horário pode ser flexível, mas é

preciso disciplina para me organizar”, revela. O Sebrae aponta que a maioria dos jovens empreendedores possui características em comum. Iniciativa, proatividade, independência e autoconfiança fazem parte da personalidade de alguém que não deixa o negócio ir por água abaixo. Colocar as ideias em prática é uma tarefa que paralisa a maioria dos aspirantes a empreendedorismo. Para lidar com a situação, o Sebrae orienta os jovens a utilizar a plataforma Canvas para projetar o negócio e descobrir se a ideia é viável. O plano de negócio também levanta rendimentos e mostra qual será o retorno financeiro. Atualmente, o empresário Pedro Leão tem 22 funcionários em toda a rede. “O pessoal é especializado. A equipe conta com profissionais da logística, recursos humanos e financeiro. Antes, eu fazia tudo sozinho. Agora, eu posso ficar despreocupado com o trabalho desempenhado pelos funcionários”, explica.

Jovens ‘arregaçam as mangas’ e mostram que idade não é documento Juliane Arrizatto tem um cômodo em casa para se dedicar ao trabalho, dividido entre a cozinha e um pequeno escritório. “Quero colocar móveis planejados assim que puder. Mas, por enquanto, esse tipo de despesa não está no orçamento”, diz a estudante de administração.

Juliane tem planos para melhorar a estrutura da empresa criada em casa há três anos

Juliane se envolve na maior parte da produção dos doces e conta com o auxílio da mãe, Marli Arrizatto. A jovem contratou apenas um profissional para criar a identidade visual da empresa, mas ela é a responsável pelas demais atividades: posts em redes sociais, sorteios, contatos e entrega dos produtos. A rotina pesada de Juliane lembra a vida que Pedro Leão le-

vava antes de abrir as cantinas. O rapaz começou a trabalhar aos 12 anos. “Eu perdi meu pai muito cedo e precisava ajudar no sustento de casa. Passei por lanchonete, supermercado e oficina mecânica”, relembra. O jovem se aperfeiçoou na área de restaurantes aos 17 anos, quando viu um empreendimento ser montado. “Atuei em diversos setores dentro da empresa, mas senti que eu não conseguiria crescer profissionalmente. Percebi que poderia aplicar meus conhecimentos de outra forma”, explica o jovem empresário. Após começar a fabricar lanches e sucos para vender para diferentes lanchonetes, Leão decidiu partici-

par de uma licitação para prestar serviços em uma cantina escolar. Apesar de não ter vencido a licitação na primeira vez que participou, por falta de experiência, o jovem conseguiu uma nova oportunidade seis meses depois. Ele concluiu cursos rápidos e se formou em processos gerenciais. “Creio que fiz uma verdadeira loucura com o pouco dinheiro que tinha aos 19 anos”, observa. Para ele, é preciso ter perseverança ao abrir o próprio negócio. “No começo, o empreendedor não vê resultado. Embora eu tenha enfrentado problemas, agora estou colhendo os frutos”, comemora. BM


06 - cidadania

Mãos que

CRÉDITO: CAROLINA PIAZENTIN

AJUDAM Quatro jovens da região mostram o valor do trabalho voluntário através de duas causas sociais Carolina A. Piazentin carolinaarmelin19@gmail.com

A

lgumas horas por semana podem parecer pouco. E são. Para alguns jovens, horas que podem ser desperdiçadas. Para ou tros, significam muito mais: ajudar quem precisa doando o seu tempo e a sua vontade de fazer algo a respeito da causa social. Ao iniciar a entrevista de maneira tranquila, a estudante Daiany Oliveira, 25, logo se empolga ao contar sobre o projeto que realiza na Associação Anjos da Alegria, criada em 2005, em Americana. O desejo de ser voluntária começou quando visitou um orfanato em Santa Barbára d’Oeste, como parte de um dos trabalhos realizados durante o curso técnico que fazia na época. Ela conta que passou o dia brincando com as crianças e se interessou muito por isso, mas não pôde continuar por falta de tempo. No ano passado viu a publicação que a Anjos da Alegria colocou no Facebook, e decidiu se inscrever. Há um ano como voluntária percebeu que esse processo fez nascer uma nova Daiany, que hoje valoriza muito mais as pequenas coisas, enxergando com mais riqueza cada momento vivido. “Você nunca dá valor ao que tem, mas a partir do momento que você vai ao hospital e vê que tomar banho sozi-

“A partir do momento que você vai ao hospital e vê que tomar banho sozinha é algo incrível para uma pessoa, você começa a enxergar

CRÉDITO: DIVULGAÇÃO

o mundo com outros olhos”

Daiany Oliveira, voluntária na Associação Anjos da Alegria

nha é algo incrível para uma pessoa, algo que fazemos todos os dias, você começa a enxergar o mundo com outros olhos”, relata. Já no ambiente da causa animal, três jovens que integram a ONG Vira Lata Vira Vida, fundada em 2009, em Piracicaba, se esforçam para cuidar dos cachorros, a maioria vítima de maus-tratos. Rebeca Alleoni, estudante de engenharia de alimentos na Universidade de São Paulo (USP), em Pirassununga, retornou a Piracicaba para cumprir a etapa final do curso. Ela conta que durante a graduação teve a oportunidade de participar de eventos sociais desenvolvendo atividades com idosos, crianças carentes e crianças com deficiência intelectual. Para ela, o primeiro contato com esse público foi um ‘choque de realidade’. A estudante conta que enxergou pela primeira vez o verdadeiro significado da palavra dificuldade e, até aquele momento, nunca tinha de fato refletido a respeito dos reais problemas enfrentados pelas pessoas todos os dias. “Foi através desses eventos que pude perceber o quanto um gesto tão simples pode mudar a vida do próximo”, conta. Ela, que se tornou voluntária em setembro deste ano, conta que não tem função específica na ONG, desempenhando as tarefas que forem necessárias para o momento, o que permite contato mais amplo com os cães do abrigo e a chance de viver mais de perto um pouco da história de cada animal. Para os jovens que pensam em se tornar voluntários, Rebeca diz que se eles sentissem um pouco da intensidade de energia positiva que a preenche depois de um dia de trabalho, ela tem certeza que a sociedade teria uma juventude cheia de voluntários, cada vez mais empáticos. Já a estudante de nutrição Laíze Francimare Luiz, 21, sempre se interessou pelo trabalho em prol dos animais desenvolvido pela ONG, mas decidiu se envolver realmente após uma visita ao abrigo, no come-

Rebeca Alleoni é voluntária na ONG Vira Lata Vira Vida, em Piracicaba ço deste ano, quando percebeu a necessidade de ajudar de alguma forma. Já o estudante de gestão de recursos humanos Rodrigo Pedrolli Paschoalini, 21, decidiu ser voluntário há um ano por sempre admirar os trabalhos relacionados aos animais, principalmente os abandonados. “Minha função principal na ONG é na parte da infraestrutura do abrigo: consertar cercas, portões e manutenção em geral. Fora isso, também ajudo a cuidar dos cachorros, levá-los para passear, ao atendimento médico, entre outras coisas. Todos os voluntários acabam fazendo de tudo”, explica.

ENGAJAMENTO “O entendimento da psicologia sobre o trabalho é a partir do conceito dele como ação humana (intelectual ou física) que transforma e gera significado”. Para o professor de psicologia da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Edgar Pereira Junior, essa é a definição de trabalho voluntário. Um trabalho que traz a dimensão de responsabilidade frente à sociedade, diferencia-se de outros tipos de trabalho porque rejeita a remuneração ou retribuição material pelos serviços prestados. Para o professor, isso multiplica a possibilidade de encontro do sentido e do significado no “fazer”, gerando maior possibilidade de compromisso social.

Focado nos jovens, o docente da Unimep acredita que a geração atual é mais engajada com a ideia de ter propósito na vida para além de benefícios pessoais e materiais. Para a formação do jovem, o professor comenta que um trabalho voluntário pode acrescentar experiências práticas ou o desenvolvimento de competências comportamentais que, segundo ele, muitas vezes não acontece em empregos e estágios, devido à falta de oportunidades oferecidas a quem está começando no mercado de trabalho.

TRABALHO Para Kelly Cristina Campanholo Alves, coordenadora de recrutamento e seleção do Grupo A Executiva, existe uma visão e avaliação diferenciada para candidatos que realizam trabalhos voluntários. Hoje, quando um selecionador está avaliando o perfil de dois candidatos que preenchem os requisitos da vaga, ele pode se basear no trabalho voluntário como critério para a escolha e aprovação do candidato. “Muitas empresas estão se engajando em ações sociais, e um candidato que realiza trabalhos voluntários acaba estando não só no perfil da vaga, mas também dentro do perfil de visão e valores daquela empresa”, ressalta.


entrevista - 07

Deus na

GERAÇÃO Ele, um padre de riso fácil. Eles, jovens que têm como características a provocação, indagação e o questionamento. Emerson Correr acredita que a mudança na linguagem é a chave para conseguir dialogar com os mais novos

entrevista concedida ao Jornal Conexão. Conexão: Como o senhor faz para atrair essa nova geração para a Igreja? Padre Emerson: A mudança de linguagem, primeiro. Tem que trazer uma linguagem de Igreja mais voltada para eles. É claro que essa linguagem não vai ser traduzida no meio de uma celebração eucarística. Eles (jovens) têm que ter uma celebração específica. Além da linguagem, a proximidade. Ganhar a confiança. A gente tem que buscar meios para atrair os jovens. A solidariedade pode ajudar o jovem a voltar para a Igreja?

Pe. Emerson Correr CRÉDITO: LAÍS MAIO

D

ois milhões. Esse é o número de fiéis que a Igreja Católica perdeu desde o Censo feito pelo IBGE, em 2010. O Brasil – que possui o maior número de católicos no mundo – já teve mais de 70% da sua população atenta às diretrizes do Vaticano, mas, com o passar dos anos, vem perdendo seguidores. Padre Emerson Correr pensa diferente: “A Igreja não vem perdendo fiéis, ela vem purificando-se”. Ele não teme a juventude, ao contrário! Toma vinho e cerveja acompanhado de jovens adultos nos bares de Piracicaba, e responde a todas as angústias que os mais novos levam até ele. Acreditando numa mudança de pensamento da Igreja, o padre afirma que a instituição tem que oferecer ao jovem algo que ele não encontra fora da Igreja, a fim de atraí-lo novamente. Acompanhe a

O serviço social é um caminho. Pelo caminho da solidariedade é possível uma conversão. Porque ele vai recriar aquilo que nós estamos perdendo, que é a sensibilidade com o outro. Esse ambiente de solidariedade é que vai reeducando o jovem a ter sensibilidade para com o outro. Os jovens estão lá, eles querem ser sujeitos de uma instituição. Ele é o que ele é agora. Com a sua bondade, a sua solidariedade. A bondade que o jovem tem com o outro é uma coisa que tem que ser abraçada pela Igreja. Não é uma briga de quem pode mais, eu acho que a palavra aqui é propor. Nada pode ser imposto, tem que ser proposto. Por que a Igreja Católica perdeu fiéis nos últimos anos? A razão não pode ser apenas uma. Normalmente se critica uma Igreja atrasada ou fechada no seu mundo. Não é só essa a razão. Nós temos que ter uma compreensão mais ampla da coisa. O ser humano moderno é religioso, mas é um religioso sem instituição. Ele não é preso a uma instituição. Ele tem a sua fé, ele crê no Deus da vida, pode crer em Jesus Cristo também, mas ele se desvinculou de uma instituição religiosa, seja ela católica ou não.

y

Laís Maio laiscmj@gmail.com

Não sei como se consegue trabalhar isso, porque o que dá identidade a um grupo são esses momentos de celebração, de encontro. Ser homossexual, pode? Olha, isso é um conceito que a Igreja vem trabalhando aos poucos com muita caridade. O Papa Francisco tem um olhar muito apaixonante, porque ele trabalha não opções, e sim a pessoa. O ser humano não tem sangue azul, verde ou amarelo. Tem sangue. Estamos falando de uma instituição que tem pelo menos uma carga histórica (com os seus erros e acertos) de longa data, envolve pessoas de 70 anos e recém-nascidas, é um leque enorme. Para ela lidar com esse mundo que tem várias realidades é mais complexo ainda. E ela responder simplesmente sim ou não é muito superficial e vazio. O que tem que ser dito, com verdade, é que essa reflexão se dá no olhar carinhoso da pessoa. Acima de tudo, a pessoa, o ser humano. Seja ele quem for e a opção que tiver. Eu acho isso uma polêmica muito mesquita, muito preconceituosa. Mais do que pensar se é azul, amarelo, verde, tem que pensar: aqui está um ser humano. Diante de mim tem um ser humano. O que os jovens mudaram no senhor como padre e como pessoa? Justamente por eles serem do jeito que são, eles provocam na gente a mudança. Não mudar apenas para ficar do lado deles para ‘atraí-los’. Do jeito que eles levam a vida e a compreensão de mundo que eles têm, eles trazem para a gente uma provocação da forma como nós transmitimos a mensagem, a forma como dizemos as coisas. Isso não significa passar a mão na cabeça, temos que deixar isso bem claro. A pessoa, ela precisa ser educada, a educação diz sim e não. Os pais que dizem muito sim aos filhos criam um monstro. Ouvir um não também é amor, também é educar.

Então, a Igreja precisa educar. Precisa dizer sim e não. Vai da pessoa querer ouvir ou não. Então, eles me ajudaram a ouvi-los, porque eles provocam. Provocam e discutem. Como eu tenho muita abertura com eles, as conversas são desse jeito. Trazem as angústias que eles têm. ‘Por que isso, por que aquilo?’ ‘Por que o céu, por que Jesus Cristo?’ São questões que realmente é bom trazer, porque vai tirando da gente aquela fé boba e infantil, de que existe um céu cheio de anjos, com uma porta de entrada, um Deus barbudo com a mão aberta. Isso são conceitos que ajudaram no passado, pois era a compreensão de mundos deles. Eu não posso julgar o passado pela visão de presente que eu tenho. Mas esse mundo caiu, ele mudou, graças a Deus! Então, eles provocando fazem com que a nossa visão de fé se torne mais real. E isso é bom, isso faz bem para toda a Igreja. Tem que deixar ser questionado, sem medo.

JOGO RÁPIDO: Um medo? Não conseguir testemunhar o amor de Deus. Um sonho? Uma juventude que saiba compreender como é bom ser e sentir a Igreja. A fé em poucas palavras? Creio que meu redentor vive. Um ídolo? Ídolo é uma coisa que passa, a paixão é a que fica. Não tenho ídolo, tenho uma paixão. Que é? Jesus Cristo.


08 - transito CRÉDITO: ANA CAROLINA MARIANO

^

Laura Souza é taxista há 15 anos em Rio Claro

Elas são mais prudentes!

No estado de São Paulo, 93,1% dos acidentes envolvem homens; proporção masculina entre os habilitados não é tão superior à feminina

ANA CAROLINA MARIANO anacarolinamarianoo@gmail.com

A

s mulheres se envolvem menos em acidentes de trânsito, e isso é fato! Portanto, a máxima “mulher ao volante, perigo constante” certamente está ultrapassada, pois 93,1% dos motoristas responsáveis por acidentes de trânsito no estado de São Paulo são homens. Entre as mulheres, esse índice é de apenas 6,4%. Os números são do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo (Infosiga), que recebe e apura boletins e registros policiais. Para o secretário de trânsito de Rio Claro, Marco Antonio Melli Bellagamba, homens e mulheres cometem falhas ao volante, mas ele reconhece, porém, que elas são mais cuidadosas. “As mulheres se apresentam com procedimentos mais prudentes e seguros no momento que conduzem seus veículos, e isso faz a diferença”, avalia. Para a psicóloga Claudia Maria Dias Zaminato, a explicação das mulheres serem minorias no envolvolvimento em acidentes está no comportamento mais prudente e na tendência de menor agressividade e competição nas ruas e rodovias. “Além disso, observo nos atendimentos terapêuticos que as mulheres são menos relutantes em procurar ajuda comparado aos homens. Sendo que 85% dos clientes

são mulheres buscando equilíbrio emocional para lidar com problemas do dia a dia, inclusive no trânsito”, observa.

Meu marido tem mais pontos na carteira do que eu, e, mesmo assim, me chama de ‘barbeira’ quando cometo algum erro

Em Piracicaba, dos 60 acidentes fatais registrados em 2017, 45 envolveram homens. Este ano, de janeiro a setembro, das 25 mortes no trânsito, 23 foram do sexo masculino. Na cidade de Limeira, dos 39 acidentes fatais ocorridos no ano passado, 31 envolveram homens. Já em Rio Claro, no mesmo período, foram 23 mortes de homens contra apenas 2 de mulheres. PROPORÇÃO Diante dessas informações, há quem justifique a predominância masculina nos acidentes com o fato de existirem no Brasil mais condutores do sexo masculino do que feminino. Porém, segundo levantamento do Detran SP, nas cidades do interior, não há diferença tão significativa entre eles e elas quando o assunto é a habilitação.

Em Piracicaba, das 252 mil pessoas aptas a dirigir, 60% são homens e 40% mulheres. Já em Rio Claro, as mulheres são maioria entre os habilitados. Dos 131 mil motoristas, 59% são mulheres, contra 41% homens. A maior diferença entre o número de homens e mulheres com CNH é em Limeira: 61% e 39%, respectivamente. MACHISMO A motorista Laura Souza, 58, é taxista há 15 anos e trabalhou no transporte público por quatro anos. “Tirei carta aos 18. Tenho muita experiência ao volante”, afirma a motorista, que não se surpreende com o fato de os homens serem maioria nos acidentes. “Meu marido tem mais pontos na carteira do que eu, e, mesmo assim, me chama de ‘barbeira’ quando cometo algum erro”, conta. Já a estudante de direito na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Rafaella Folegoto Claudio, acredita que as mulheres dirigem melhor que os homens, pois são mais atentas. “Uma vez, quando estava indo para faculdade, entrei na rodovia e não vi que tinha um carro logo atrás, na mesma faixa (pegou no ponto cego). Quando o homem que estava atrás viu que eu era mulher e estava sozinha, ele começou a acelerar o carro atrás de mim, buzinar e dar

farol alto, fiquei com muito medo dele querer bater no meu carro ou me perseguir. Então, tive que acelerar para não acontecer algo”, lembra.

As mulheres são menos relutantes em procurar ajuda comparado aos homens

Maria Luiza Oliveira, 20, estudante de letras, acredita que não é válido julgar as habilidades de alguém apenas pelo gênero, e diz que toda essa subestimação à mulher motorista é cultural. “Essa é uma ideia enraizada na sociedade como um todo. No dia do meu teste de CFC, eu observei que toda vez que uma mulher era reprovada no exame, as pessoas ali presentes, especialmente os homens, faziam barulhos constrangedores e riam, mas quando um homem reprovava, eles ficavam quietos ou davam dicas de como proceder na próxima vez. Não dá para não notar essa diferença”, lamenta.


CRÉDITO:GABRIEL GABRIELCAMPOS CAMPOS CRÉDITO:

09 - fake news

Palestra reuniu jornalistas e alunos de jornalismo no Auditório Verde, na Unimep

Enfrentamos uma crise de informação Jornalismo de qualidade é fundamental para combater as notícias falsas GABRIEL CAMPOS gabriel.campos82@hotmail.com

N

essa areia movediça das fake news é que o jornalista pode se fortalecer”. A opinião, animadora aos profissionais de comunicação e, principalmente, à sociedade - que é quem mais ganha com a produção de notícias de qualidade - é da jornalista e professora Claudia Assêncio, que participou da palestra “Jornalismo em tempos de fake news”, promovida pelo curso de jornalismo da Unimep, em outubro.

A produção de notícias falsas, difundida em larga escala principalmente em períodos eleitorais, no Brasil e no mundo, ganhou maior espaço a partir da democratização da comunicação pelas redes sociais. A produção e distribuição massiva de conteúdo, hoje ao alcance da palma da mão de qualquer pessoa, é uma ameaça constante a governos, empresas e a reputação de qualquer cidadão.

A jornalista acredita que a necessidade absurda que as pessoas têm de dizer sua opinião sobre absolutamente tudo, sem terem sido questionadas, é o grande motor das notícias falsas. Segundo ela, isso contribui para que as pessoas compartilhem tudo o que veem, a todo momento, sem ao menos ler e compreender o que é compartilhado. “Esse é o caminho de propagação da fake news, que normalmente se dá por quem está menos informado. Eu não sei se vou ser muito radical, mas acho que a gente já enfrenta uma crise de informação”, analisa. Por outro lado, Claudia acredita que o jornalismo assume um papel cada vez mais importante e sensível nessa história, transformando-se no melhor antídoto para combater as fake news. “É a resistência do jornalismo profissional, do fazer jornalismo comprometido que vai garantir que isso não aconteça. É preciso

apurar com mais profundidade, denunciar, esclarecer, essas são funções do jornalista e do jornalismo sério”, conclui.

É a resistência do jornalismo profissional que vai garantir que isso não aconteça

Considerando que quase sempre as fake news repercutem mais do que as notícias verdadeiras, já que carregam títulos curiosos e assuntos recheados de polêmicas, é importante que os leitores aumentem a desconfiança e evitem compartilhar esse tipo de conteúdo sem que ele tenha sido amplamente divulgado por fontes confiáveis.

CRÉDITO: LETÍCIA AZEVEDO

cara nova

Conexão com o leitor Novo formato do jornal foi criado por alunos de design gráfico e acompanha mudanças no mercado editorial da região LETÍCIA AZEVEDO leticiacristina479@gmail.com

C

riar um projeto gráfico para apresentar reportagens impressas a um público formado predominantemente por jovens universitários. Esse foi o desafio apresentado por um grupo de alunos do segundo ano de jornalismo, e prontamente aceito como missão pelos alunos de design gráfico. A sinergia entre os cursos da Faculdade de Comunicação e Informática (FCI), da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), resultou no produto que está nas suas mãos. O projeto gráfico dos alunos de design foi supervisionado pelo artista plástico e professor Camilo Riani, que considerou o exercício como trabalho do final do semestre. Para definir o projeto vencedor foram avaliados tópicos como criatividade, organização visual, fontes,

facilitação de leitura e outros. O grupo que melhor conseguiu captar o briefing passado pelos futuros jornalistas é formado Primicia Paulista, 20, Amábile Pilla, 20, e Aila Monique, 22. O curso de design gráfico oferecido pela Unimep é de qualificação tecnóloga, com duração de dois. O profissional que atua na área combina elementos estéticos, funcionais e utilitários para fazer criações visuais que vão desde logos e embalagens até comunicações mais complexas, como sites e revistas. No jornalismo, o design é a interface com o leitor, facilita o acesso às informações, as imagens e demais detalhes da publicação. A aluna líder da equipe, Primicia Paulista, explica que jornais e revistas serviram de fontes de inspiração.

Equipe que desenvolveu o projeto escolhido contou com a ajuda do designer Felipe Vieira, à esquerda “Procuramos revistas que dialogassem com o público jovem, como a Mundo Estranho”. Ainda de acordo com Primicia, estabelecer diálogo com o público jovem é bastante desafiador, pois é um público que perde rápido o interesse e dificilmente se sente atraído por informações impressas. O projeto escolhido para dar forma ao Jornal Conexão recebeu ajustes de Felipe Vieira, responsável pelo Laboratório de Projetos Gráficos da Unimep. “Entre as principais alterações realizadas no projeto das alunas foi a inclusão

de cores às imagens, já que a criação original era em preto e branco”, explica. A edição deste ano, com 16 páginas, adotou o formato germânico, comum na Europa e no Sul do Brasil, e que tem ganhado, nos últimos anos, mais espaço na região de Piracicaba. O tamanho reduzido permite ao leitor ler a publicação com facilidade e leva-la a qualquer lugar. O Jornal Conexão é uma produção dos alunos da disciplina de Jornal Impresso I e tem circulação anual no campus Taquaral da Unimep.


10 - sexo

Epidemia de sífilis deixa órgãos de saúde em alerta Recusa de uso do preservativo e múltiplos parceiros estão entre as principais causas do aumento de casos de doenças sexualmente transmissíveis

U

ma epidemida de sífilis entre os brasileiros chama a atenção dos órgãos de saúde. Mesmo com os diversos métodos de proteção e avanço das tecnologias de prevenção, os diagnósticos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) aumentaram nos últimos anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, a maioria dos casos envolve jovens de 16 a 29 anos. De acordo com Juliana Assunção Ribon, médica infectologista do Centro de Doenças Infecto Contagiosas (Cedic) de Piracicaba, o aumento de ISTs entre a população jovem está associado a diversos fatores, entre eles à falta de informações e orientação sobre o assunto, negligência em relação ao uso de preservativo, múltiplos parceiros e uso de drogas. “As regiões Sul e Sudeste apresentam maiores números de casos de sífilis quando comparadas ao Norte e Nordeste, porém, as maiores taxas da região Sul e Sudeste demonstram melhor notificação e busca diagnóstica”, pondera a médica. Além disso, nos últimos cinco anos observou-se um aumento constan-

CRÉDITO: RICARDO ALMEIDA / ANPr / FOTOS PÚBLICAS

FELIPE FERREIRA felipeferreirafefo@gmail.com

te do número de casos de sífilis congênita ou adquirida em gestantes. “A redução do uso de preservativo, a resistência dos profissionais de saúde à administração da penicilina na Atenção Básica e o desabastecimento mundial de penicilina são fatores que contribuíram para esse cenário”, afirma a infectologista. Rede pública de saúde oferece testes gratuitos para detectar infecções

A oferta de novos esquemas terapêuticos para tratar a infecção pelo HIV fez com que as novas gerações negligenciassem a prevenção

Além da sífilis, podem-se diagnosticar outras ISTs como: HIV, hepatites B e C, herpes genital e HPV. Segundo o boletim epidemiológico de 2016 do Ministério da Saúde, foram 37,8 mil registros de pessoas com o vírus HIV. Já em 2017 foram 16,3 mil pessoas diagnosticadas. “A oferta de novos esquemas terapêuticos para tratar a in-

fecção pelo HIV fez com que as novas gerações negligenciassem a prevenção”, afirma Juliana. Segundo a médica infectologista, o Cedic realiza a triagem da sífilis em todas as gestantes durante o pré-natal, triagem da população sexualmente ativa (porta aberta), adesão do município às campanhas do Ministério da Saúde e o aumento da cobertura de testes de triagem, como a ampliação do uso de testes rápidos. Muitas ISTs podem não demonstrar qualquer sintoma ou lesão visível e, na maioria das vezes, passam despercbidas, conta Juliana.

“A sífilis, por exemplo, nos estágios primário e secundário nem sempre se manifesta (ferida genital) e o diagnóstico se faz apenas com teste de sorologia, tornando uma doença com altas taxas de infecção”. Por isso, para a médica, o preservativo continua sendo o método de proteção mais eficaz durante as relações sexuais, independente da idade, do gênero e orientação sexual. “Junto ao uso do preservativo, realizar os testes de rotina, como testes rápidos, também é muito importante”, aconselha a médica.

‘Hoje em dia convivo muito b em com tudo’ Lucas Raniel, 26, foi diagnosticado com HIV em 2013. Após ficar sabendo de fofocas via WhatsApp, que diziam que “ele estava espalhando o vírus para as pessoas de forma proposital”, decidiu usar sua condição como meio de informação. Hoje, o publicitário tem canal no YouTube, o “Falo Memo”, que utiliza para falar sobre o assunto, além das redes sociais. “A sociedade ainda enxerga esse assunto como um grande tabu. Por isso as pessoas soropositivas carregam muitos estigmas. Então comecei a entender a necessidade de falar sobre o assunto”, conta.

O youtuber, que recebeu apoio da família e dos amigos, diz que o preconceito veio de fora, mas aprendeu a lidar com isso. “Hoje em dia convivo muito bem com tudo. Se percebo uma ideia equivocada, tento abrir um diálogo com a pessoa, se ela quer escutar ou não, é uma escolha própria, porém sinto que estou fazendo a minha parte”, conta. Após cinco anos do seu diagnóstico, Lucas faz o tratamento de graça pela rede pública em centros especializados em infectologia. Ele tem todo o suporte necessário, como exames, consultas, disponi-

lização de medicamentos e tratamento psicológico. Ele acredita que o diálogo e a informação são as melhores ferramentas para derrubar o preconceito. Através de seu trabalho ele quer mostrar que pessoas soropositivas vivem de forma saudável e que algumas ideias estão ultrapassadas. “Muitas pessoas acreditam que transmitimos o vírus só pelo toque, por um beijo ou até mesmo com apenas uma relação sexual”, comenta. O HIV, a Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis não escolhem raça, gênero, idade ou classe social, por isso fazer exames

mes periódicos, como os testes rápidos e buscar auxílio em caso de dúvida ou situações de risco é mais que necessário. “Nosso corpo e nossa saúde são os bens mais preciosos que temos e devemos cuidar deles. Buscar ajuda e informação o quanto antes, seja com HIV ou não, garante uma vida saudável e evita maiores dores de cabeça”, conclui. FF


´ saude -11

EXERCITAR PARA PREVENIR Prática regular de atividade física é grande aliada na luta contra o câncer de mama; doença não está restrita às mulheres do grupo de risco CRÉDITO: BEATRIZ BERTELLI

BEATRIZ BERTELLI bertelli19@hotmail.com GABRIEL CUPIDO gabrielcupido@icloud.com

N

ão é novidade que a prática esportiva traz incontáveis benefícios à saúde. Além da melhora notável na qualidade de vida, a prática também é importante aliada na prevenção de doenças como o câncer de mama, principal causa de morte entre as mulheres no mundo em 2017. Pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que 25% dos casos poderiam ser evitados se as mulheres praticassem esporte por pelo menos 2 horas e 30 minutos por semana. De acordo com a pesquisa publicada este ano na revista Nature, em colaboração com o Ministério da Saúde, uma caminhada diária de apenas 30 minutos é suficiente para ajudar a prevenir a doença. O estudo, elaborado durante 25 anos, demonstrou que o sedentarismo contribui substancialmente para o número de mortes. O artigo explica que o estilo de vida levado pelas mulheres, como a falta de exercícios, obesidade, alimentação inadequada e uso excessivo de álcool destacam-se como fatores de risco e aumentam a mortalidade em 6,5%. Segundo a médica oncologista Ana Flávia Zuntini, 30, a prática esportiva promove o nivelamento dos hormônios e de outros fatores de crescimento celular, reduzindo os riscos de desenvolvimento da doença. Ana Flávia explica que os exercícios causam impacto no metabolismo, reduzindo o tempo de digestão dos alimentos, que por consequência evita o contato dos tecidos locais com substâncias que podem promover o câncer. “Há dados de que o exercício físico também está relacionado à redução do processo de formação do câncer e do crescimento de novos vasos sanguíneos a partir dos já existentes, e que tenha possível ação no sistema imune, com melhora da ação de agentes que intervêm na defesa do organismo contra infecções, eliminando precocemente células malignas”, ressalta a médica, que diz ainda que a atividade física durante certos períodos da vida, como na adolescência, pode oferecer proteção adicional contra o câncer de mama.

Meia hora diária de exercícios é suficiente para ajudar na prevenção da doença A Sociedade Americana de Oncologia Clínica recomenda a prática de pelo menos duas horas e meia de exercícios físicos por semana, intercalando atividades aeróbicas com treinos de fortalecimento muscular, exceto se houver contraindicações. Cristiane Brito, 30, é formada em educação física e atua há alguns anos na área com treinamentos funcionais e grupo de corrida exclusivo para as mulheres. Cristiane destaca que os exercícios devem ser praticados com regularidade, mas de forma leve e sempre orientada por um profissional. Segundo a educadora física, atividades coletivas são ótimas opções, principalmente para aqueles que estão passando por tratamentos. “Interagir com outras pessoas, fazer novos amigos e estar presente em um ambiente descontraído com boas risadas fará muito bem para a paciente nesse período”. AÇÃO Luanda Galesso, 40, mãe de dois filhos, tem histórico familiar de mulheres que sofreram com o câncer de mama e, por isso, utiliza todos os meios possíveis para se distanciar da doença. “O meu histórico familiar não é muito favorável. Em função disso fui em busca de assistência médica a fim de conhecer meios para prevenir a doença. Foi aí que recebi o conselho de que a prática esportiva poderia ser muito benéfica”, lembra. Luanda, que é professora de inglês, conta que sempre teve paixão por esportes e

que após a sua visita ao médico se encorajou para voltar a praticar. “Fui consumida pela rotina corrida e não tive mais tempo para praticar exercícios, mas agora, após a minha visita ao médico, jogo tênis três vezes por semana, além de frequentar a academia”. A professora ainda ressalta os benefícios que a prática esportiva trouxe para a vida. “Hoje me sinto melhor e com mais disposição, além de ter resultados negativos em todos os exames de câncer de mama”, observa.

Tenho certeza que se eu não fosse tão ligada à atividade física, o tratamento seria muito mais duro A atividade física também pode ser benéfica à qualidade de vida de pacientes em tratamento oncológico, seja com quimioterapia ou terapias hormonais. De acordo com Ana Flávia, o exercício melhora o fluxo sanguíneo para os tecidos e aumenta o consumo máximo de oxigênio, o que resulta na melhora de sintomas como dores e fadiga, que é uma das sensações mais referidas e temidas pelas pacientes em tratamento. Além disso, a oncologista destaca que os exercícios podem atuar melhorando sintomas de dores nas articulações e dores musculares, e ainda trazer melhoras em aptidão aeró-

bica, força e nutrição dos músculos, aparência e composição corporal, distúrbios relacionados ao sono e sintomas de ansiedade e depressão. “Tais benefícios se iniciam nos primeiros três meses, mas as melhores respostas aparecem após um ano de atividade”, completa Ana Flávia. Silmara Furtado, 49, é formada em educação física e tem uma história de longa data com o esporte. Incentivada pelo avô, ainda na infância, começou a prática esportiva experimentando diversas modalidades, até encontrar a sua verdadeira paixão: a corrida, em especial a de montanha. Diagnosticada com câncer de mama em julho de 2017, mesmo sem pertencer ao grupo de risco da doença, Silmara conta que a prática de exercícios foi peça-chave no tratamento, ainda que em alguns períodos ela tenha reduzido a intensidade dos treinos e praticado musculação e caminhada, ao invés da corrida. “Tenho certeza que se eu não fosse tão ligada à atividade física, o tratamento seria muito mais duro. Sentir o seu corpo em movimento, estar em contato com a natureza, encher a cabeça de bons pensamentos e treinar ao lado de pessoas que te incentivam faz toda a diferença”, conclui.


´ 12 - saude

O VAZIO QUE NÃO SE VÊ Ajuda profissional e apoio de familiares, amigos e parceiros é fundamental para evitar que pessoas que passam por dificuldades tentem colocar fim à própria vida

P

recisamos falar sobre suicídio, ação que responde por 1,4% de todas as mortes no mundo, tornando-se a 18ª causa de óbitos em 2016, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, 11 mil pessoas tiram a própria vida, por ano, em média. É a quarta maior causa de interrupção da vida entre pessoas de 15 a 29 anos. Entre 2007 e 2016, a taxa de mortalidade por suicídio no Brasil aumentou 16,8%. Só em Piracicaba foram registrados 23 casos e 156 tentativas no ano de 2017. De acordo com a psicóloga Caroline Peixe Munhoz, a principal maneira de se evitar que uma pessoa tome uma atitude extrema contra si mesma é iniciar um tratamento psicológico em consultórios, clínica, escolas, Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e ONG’s voltadas à preservação da vida. “Caso o paciente não conheça algum local, há o Centro de Valorização da Vida (CVV), no qual qualquer pessoa pode ligar e receber algum auxílio de emergência”, explica Caroline. Caroline conta que adota uma técnica para conscientizar seus pacientes sobre a necessidade de se evitar o pior. “Eu ensino o paciente que possui ideação suicida ou a ideia de concretizar a automutilação que desenhe uma borboleta em alguma parte do corpo e dê o nome da pessoa que ele mais ama. Assim, caso tenha a vontade de se machucar, a pessoa perceberá que não estará ferindo ou tirando somente a si mesmo, mas também a pessoa que mais ama”, orienta Caroline.

O que o jovem com ideação suicida está sentindo é um fator sério que precisa de tratamento e o máximo de ajuda possível Já a psicóloga Luana Aparecida Bertochi Francelino destaca a importância de se adotar novos hábitos e se aproximar das pessoas mais importantes. “É de extrema importância que o jovem crie uma

nova rotina para a sua vida, mas a proximidade e o acolhimento das pessoas as quais ele tem apreço é uma das maiores fontes positivas que ele pode ter”. Luana faz o alerta de que há casos em que o trabalho de prevenção não é suficiente para que a pessoa que passa por grandes dificuldades consiga reverter os pensamentos suicidas. “Isso se dá devido a todo processo interno que o jovem está passando. Às vezes, a dificuldade é tão grande, que a prevenção e a ajuda vinda de todos ao seu redor não é eficaz. Por isso é importante conhecer a real necessidade da inserção de medicamento a partir do tratamento psicológico”, explica Luana. Entre os distúrbios mais comuns que levam os jovens a ter pensamentos suicidas estão transtorno de humor, depressão e bipolaridade. Luana Bertochi observa que os estímulos negativos podem chegar até o jovem como formas de entretenimento. “Hoje existem séries de suicídio que podem incentivar os jovens, correntes via WhatsApp que o provocam a ter atitudes extremadas contra si mesmo, colocando a vida em risco em troca de meros ‘likes’, lamenta Luana.

A pessoa perceberá que não estará ferindo ou tirando somente a si mesmo, mas também a pessoa que mais ama

Diante de uma situação de risco, a psicóloga Luana recomenda que os pais, parceiros e amigos tentem acalmar a pessoa e procurem ajuda especializada. “Nunca deixar de dizer o quanto aquela pessoa é querida e especial para as outras. Nunca dizer que é frescura ou somente para chamar a atenção. O que o jovem com ideação suicida está sentindo é um fator sério que precisa de tratamento e o máximo de ajuda possível”, orienta.

ADELLE GEBARA adelle_cris@hotmail.com JULIANA FUZATO julianafuzato@hotmail.com

ORIENTAÇÃO O Centro de Valorização da Vida é um dos idealizadores do Setembro Amarelo, mês mundial de prevenção ao suicídio, desde 2015. O CV V lançou e mantém o site www. setembroamarelo.org.br. O movimento visa sensibilizar e conscientizar a população sobre as formas de prevenção, principalmente quebrando tabus. A ligação para o número 188 é gratuita, inclusive via celular, e pode ser feita 24 horas por dia, inclusive finais de semana e feriados. Em Piracicaba, o Caps atende gratuitamente na Rua Moacyr Correa, 200, no Bairro Campestre. O telefone para contato é (19) 3411-6520.


HOMOFOBIA NO FUTEBOL Torcedores não recebem apoio de clubes e federações para manifestar causa gay nos estádios; punições são recentes e limitadas

LUCAS ALMEIDA almeida.jornalismo98@gmail.com VINÍCIUS CHINELLATO viniviuscazetta2@gmail.com

F

utebol, o esporte mais popular do mundo. Na maioria dos países, é comum, desde cedo, torcer pelo clube de coração e pela seleção nacional. Porém, nem todos são livres para frequentar estádios. A comunidade Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT), por exemplo, sofre preconceito. Para ir aos jogos, principalmente em grupo, é uma dificuldade constante, e os clubes e as federações do Brasil não demonstram esforços para tentar mudar esse cenário. Em resposta ao ambiente homofóbico das arquibancadas, torcedores de vários clubes se mobilizaram para criar torcidas que integram a comunidade LGBT. A primeira foi a Coligay, do Grêmio, fundada no início da década de 70. Recentemente surgiram a Galo Queer (Atlético-MG), Queerlorado (Internacional), Palmeiras Livre (Palmeiras), entre outras. Esses movimentos e torcidas sofrem preconceito dos demais torcedores e, na maioria das vezes, não recebem apoio dos clubes. Muitos deles, inclusive, tiveram que parar de frequentar estádios em grupo. Torcedores ativistas do movimento Queerlorado tentaram uma parceria com a diretoria do clube para erguer uma bandeira LGBT com o escudo do time no estádio, porém, a direção disse que não poderia garantir a segurança do grupo no setor da arquibancada frequentado por esses torcedores.

Mesmo assim, eles decidiram tentar levar a bandeira em um jogo e acabaram hostilizados por integrantes de uma torcida organizada. Letícia Heinzelman, 31, jornalista e integrante do Queerlorado conta que o plano do grupo foi frustrado. “A bandeira nem chegou a entrar no estádio, pois foi tomada por outros torcedores na rua. Eles a queimaram e nos ameaçaram caso tentássemos novamente”, recorda. A hostilidade nos ambientes de torcida não está restrita aos campos e jogos profissionais. Em uma partida de futebol válida por um torneio universitário entre ciências sociais e medicina, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em outubro, os jogadores e torcedores do curso de medicina realizaram cânticos e gestos ofensivos aos seus rivais, pois havia vários LGBT’s na torcida e em campo. O caso foi divulgado em rede social pelo estudante de ciências sociais Guilherme Borges, 23. “Quando se referiram a mim como ‘bichinha’, fiquei chocado, pois nunca havia visto um caso de homofobia em ambiente universitário”, conta Borges, que mesmo não sendo da comunidade LGBT não admitiu ver seus colegas sendo hostilizados e desrespeitados. Ele também comentou sobre os perigos da naturalização desse comportamento na sociedade. “Com esse tipo de violência mínima [gritos e xingamentos] se tornando comum, para chegar a ponto de agressão e de abusos mais severos é um passo muito pequeno”, observa.

Mesmo diante do cenário crescente de intolerância, as punições e posicionamentos por parte de clubes e federações são recentes e limitadas. A Federação Internacional de Futebol (Fifa) começou a tomar medidas oficiais em 2014, quando o preconceito por opção sexual passou a se enquadrar juntamente com ofensas raciais e religiosas. No primeiro caso, se for considerado de menor grau pelo Comitê Disciplinar da entidade, a pena pode variar de advertência, multa, suspensão e punições aos clubes e seleções. Na reincidência, ou se o primeiro caso for considerado grave, pode haver perda de pontos, eliminação da competição e até rebaixamento no caso de equipes e suspensões mais longas no caso de atletas. Torcedores também estão sujeitos às punições e podem ser proibidos de frequentar estádios por dois anos.

Eles a queimaram [bandeira] e nos ameaçaram caso tentássemos novamente

No mesmo ano em que a Fifa começou a tomar atitudes contra a homofobia, a União Europeia de Futebol (Uefa) puniu o clube Bayern de Munique, da Alemanha, em um jogo contra o time inglês Arsenal, devido à ação de torcedores que utilizaram cartazes com ilustrações homofóbicas na arquibancada. A

CRÉDITO: LUCAS ALMEIDA

13- esporte

punição foi a interdição de um setor do estádio e multa de €10 mil. BRASIL No Brasil, a primeira denúncia de um clube por homofobia foi registrada em 12 de julho de 2017, quando o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), órgão mantido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), processou o Paysandu, após torcedores serem ameaçados de morte por erguerem uma bandeira LGBT em um jogo contra o Luverdense. As ameaças partiram de um grupo de torcedores do próprio clube. As penas previstas eram perda de três pontos, além de perda de um mando de campo e multa de até R$ 100 mil. No entanto, o STJD absolveu o clube após julgamento e a punição foi apenas multa de R$ 5 mil. Apesar dos recorrentes casos, nenhum clube do Brasil possui estatuto que contenha normas que amparem os homossexuais. As equipes sequer tocam no assunto. Em feriados e datas especiais que marcam resistência, como Dia da Consciência Negra e Dia Internacional das Mulheres, os clubes costumam se manifestar em redes sociais, porém, em 17 de maio, Dia Internacional Contra a Homofobia, de todos os times das quatro divisões do Campeonato Brasileiro, apenas Bahia, Remo, Internacional, Grêmio e Vasco se manifestaram. A reportagem do Jornal Conexão procurou a CBF para saber o posicionamento dela sobre a homofobia no futebol, mas até o fechamento desta edição a entidade não respondeu.


14- Piracicaba

REPRESENTATIVIDADE CRÉDITO: GERHARD WALLER

de escola pública em universidades estaduais é a maior em cinco anos Crescimento está relacionado à oferta de vagas em programas de inclusão social criados pelo Ministério da Educação

2017, atingindo 30,7% da quantidade de alunos que vieram de escolas gratuitas e que conseguiram vaga em uma das instituições universitárias do governo paulista.

Esalq foi a universidade estadual que teve este ano o maior aumento de alunos egressos do ensino público

A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) foi a que teve o maior aumento desses alunos. Nos sete cursos oferecidos pela universidade entraram 133 pessoas de ensino médio da rede pública em 2014; 147 em 2015; 124 em 2016; 123 em 2017; e 164 em 2018.

FERNANDO JACOMINI fejacomini@gmail.com

A

estudante de odontologia Caroline Camero, 22, está entre os 38,9% de alunos das universidades estaduais de Piracicaba que cursaram o ensino médio em escolas públicas. A representatividade, ainda distante do equilíbrio, é a maior dos últimos cinco anos. “Percebo que todos que querem uma faculdade se esforçam para conseguir. Mas os alunos das escolas públicas têm que se esforçar muito mais”, considera. Depois que terminou o segundo grau em uma instituição de Americana, Caroline conciliou o curso pré-vestibular e o preparo em casa, sozinha. Em seguida, prestou a prova para a Faculdade de Odon-

tologia de Piracicaba (FOP), da Universidade de Campinas (Unicamp), e conseguiu realizar o sonho. “As escolas de ensino gratuito acabam oferecendo menos oportunidades de preparo. Então, foi preciso estudar por conta”, revela Caroline. Nas duas universidades estaduais da cidade, 2018 teve a maior representatividade, desde 2014, de calouros que fizeram o segundo grau em instituições públicas. Dos 507 alunos que entraram este ano nas duas instituições, 197 vieram de escolas de ensino público. Em 2014, essa representatividade era de 28,8%, passou para 30,9%, em 2015, caiu para 29,8%, em 2016, e cresceu novamente em

É importante que a escola pública ajude a mudar isso, e ela vem contribuindo

Para o professor Luis Eduardo Aranha Camargo, presidente da Comissão de Graduação do campus piracicabano da USP, o crescimento está relacionado à oferta de vagas pelo Sistema de Seleção Unificado (Sisu) - que usa a nota do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e que teve 76% dos classificados de escolas públicas —, e pela cota existente há dois anos e que reserva 40% das ofertas de vagas para quem fez o segundo grau em instituição pública.

Ainda de acordo com Camargo, além dos programas de inclusão social da universidade, existe um “movimento natural” nesse crescimento. “Muitos vestibulandos têm muito medo do vestibular específico para ingresso na USP, então prestam o Enem e acabam tendo um bom desempenho, conseguindo entrar pelo Sisu”, explica Camargo. O professor opina que esse aumento reafirma um “processo de redemocratização” da seleção, sendo que, em 2020, o número de vagas reservadas para o ensino médio público deve alcançar 50% do total de ofertas na Esalq. “Isso rompe a ideia de uma visão elitista que as pessoas tinham das universidades estaduais, de que só entrava gente com maior poder aquisitivo. É importante que a escola pública ajude a mudar isso, e ela vem contribuindo”, diz. Já na FOP, da Unicamp, 33 pessoas que concluíram o segundo grau na rede pública começaram a estudar em 2018. Eram 10 calouros com este perfil para as mesmas 80 vagas totais em 2015. Wander José da Silva, professor e coordenador de graduação da FOP, pondera que o aumento na representatividade desses alunos está relacionado à maior procura no vestibular da Unicamp.

TENDÊNCIA É DE EQUILÍBRIO SOCIAL, DIZ SOCIÓLOGO Para Luiz Fernando Amstalden, doutor em ciências sociais pela Unicamp, o aumento na quantidade de alunos das escolas públicas é um resgate do que ocorreu antes da década de 80, quando a maioria das vagas era ocupada por estudantes da rede gratuita de ensino. Ele acredita que a maior representatividade promove a função da escola democrática, a de oferecer

ensino a todas as pessoas. “Mesmo assim, esse número está longe de representar aquilo que gostaríamos. Precisamos de muito para derrubar a elitização e a exclusão de grande parte da população no ambiente universitário. Isso vem acontecendo aos poucos”, diz o professor, acrescentando que há resistência por parte de quem grande parte da população no

ambiente universitário. Isso vem acontecendo aos poucos”, diz o professor, acrescentando que há resistência por parte de quem veio de escolas particulares. “Muitas pessoas são contra as cotas ou qualquer outro programa de inclusão social. O elitismo, infelizmente, é muito forte”, avalia. O sociólogo defende também o de-

bate de ideias dentro das instituições de ensino, para que as manifestações culturais e sociais sejam mais plurais. “É importante que todos os setores sociais sejam representados. Assim, se exerce cada vez mais a democracia e a busca por uma condição ideal de equilíbrio social. A educação é um dos pilares para isso”. FJ


^ 15- ciencia

EDUCAR PARA INSPIRAR CRÉDITO: DANIELA BORGES

Baixo investimento público não é o único entrave para a formação de cientistas no Brasil; jovens precisam ser estimulados a enxergar além do que já foi percebido, defendem pesquisadores

Professores Bruno Pucci e Andreas Gruschka, em minicurso sobre Teoria Crítica, Estética e Educação, na Unimep DANIELA BORGES dani7b.o@gmail.com

A

pesar do investimento em ciência e tecnologia ter caído nos últimos anos, na visão de pesquisadores esse não é o único entrave para que o país se torne uma referência em pesquisas. No cerne do problema está a educação, que deixa a desejar quando o que está em pauta é o estímulo à formação de novos cientistas. De acordo com dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) o investimento em bolsas e fomento à pesquisa, de 2001 a 2014, esteve em constante crescimento. Porém, dali em diante, o total de recursos destinados à atividade caiu e, dentre as grandes áreas de conhecimento, as humanidades foram as mais afetadas, arrecadando em média apenas 19% dos recursos.

Doutor em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Bruno Pucci reconhece que essa área de atuação está em segundo plano frente às áreas de exatas e biológicas. Porém, para ele, as universidades e escolas, sobretudo após a Lei do Novo Ensino Médio, trabalham mais com a formação do aluno como mão de obra do que como crítico da sociedade. “Diria que apenas universidades públicas e uma parte das universidades filantrópicas se propõem a formar o cientista e gerar no estudante o interesse para que se torne um pesquisador”, pontua. São inúmeros os casos de pesquisadores que estudam no exterior e optam por não retornar ao Brasil, que pouco valoriza a profissão. Mesmo frente a essa tendência,

para Andreas Gruschka, educador alemão que visitou o Brasil em novembro com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), esse intercâmbio de conhecimento é fundamental, e o panorama da ciência no Brasil é muito parecido com o da Alemanha. A diferença são os números. “O quantitativo é diferente. Temos um grupo maior de pesquisadores da minha área na Alemanha em comparação com o Brasil. Essa é a razão porque estou aqui: para inspirar”, explica.

Apenas universidades públicas e uma parte das universidades filantrópicas se propõem a formar o cientista Para ele, são características fundamentais do cientista a curiosidade e o olhar atento, voltado a enxergar mais do que já foi percebido. Mas por fim, o que é ciência? O professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Antônio Zuin, considera que a pesquisa científica existe para beneficiar a sociedade, suprindo problemas em várias áreas. E as próprias escolas deveriam ter uma aproximação maior com as universidades para aproveitar os resultados das pesquisas produzidas nesse meio. Frente à inovação que é o ambiente da internet, Zuin ainda alerta que o próprio método de se produzir ciência deveria fazer parte do cotidiano. Com o acesso ilimitado à informação, somos desafiados a

relacionar os dados que encontramos e, nas palavras do pesquisador, devemos nos “sensibilizar em relação a esses conceitos que a gente aprende”. “Você pode aprender uma série de coisas a respeito do que Paulo Freire escreveu sobre o preconceito, e você pode tirar 10 em uma prova e ser aprovado. Mas, se você não se sensibilizou no sentido de alterar a sua vida, para ser menos preconceituoso, então não adiantou nada apreender o que ele fala em sua produção científica sobre o preconceito”, exemplifica. EXPECTATIVAS Em constantes esforços pela qualidade no trabalho científico, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC ), propôs ao Senado, em novembro, o aumento no orçamento destinado à área da ciência e tecnologia. A justificativa é que a limitação dos gastos prejudicou as produções no setor, e também a própria imagem do país internacionalmente. A entidade também participou do debate eleitoral, junto com a Academia Brasileira de Ciência (ABC), propondo questões aos candidatos à presidência. Em resposta, o então candidato, Jair Bolsonaro se comprometeu com a melhoria da formação dos professores em ciências para os ensinos fundamental e médio, incentivo a projetos de divulgação científica, além da criação de centros de formação técnica em todas as escolas. Ainda segundo Bolsonaro, serão realizados esforços para o aumento do orçamento do setor de ciência e tecnologia entre R$ 10 e 15 bilhões.

~

inclusao

NA PELE DO OUTRO Projeto cultural inclui língua brasileira de sinais na contação de histórias para crianças PEDRO MARTINS pedrot37@yahoo.com.br

P

roduzido e idealizado pela psicóloga e intérprete de língua brasileira de sinais (libras) Thalita Passos, e pela atriz Patrícia Torres, o projeto “Escuta como Escuto” leva histórias contadas de maneira teatralizada e inclusiva para crianças de vários estados. Professora municipal de artes na Brasilândia, região norte da capi-

tal paulista, Patrícia já fazia parte do grupo “Narrar”, de contação de histórias, e é quem pesquisa a composição dramatúrgica em português. Já a psicóloga Thalita Passos, de tanto fazer tradução nas apresentações de contação de histórias para libras, idealizou o chamado “Mãos de Fadas”. A psicóloga teve a ideia de criar um trabalho com histórias narradas em libra e traduzidas para o português.

Em 2016, Patrícia conheceu Thalilita e as duas decidiram juntar forças. Patrícia pesquisa a composição da dramaturgia em português, e Thalita a composição corporal com sinais em libras para a criação das histórias. A ideia veio após uma conversa das duas sobre o desejo de vivenciarem a realidade do outro, “vestindo” a pele de pessoas que não têm os mesmos sentidos. “No primeiro momento o publicou se espanta por não se tratar de um diálogo que ele compreende. O objetivo é fazê-lo se sentir como as pessoas surdas se sentem. Há muitas manifestações na plateia, mas nada é tão surpreendente como a manifestação dos

surdos, que chegam a gritar de entusiasmo”, conta Patrícia.

O objetivo é fazê-lo [público] se sentir como as pessoas surdas se sentem na maior parte do tempo Dados do Censo de 2010, realizado pelo IBGE, revelam que 9,7 milhões de pessoas têm deficiência auditiva no Brasil. Dessas, mais de 2 milhões apresentam deficiência auditiva severa. Cerca de um milhão tem até 19 anos.


16- cultura

Não é um blockbuster CRÉDITOS: MARIANA REQUENA

As alternativas de cinemas familiares e instituições culturais para a manutenção do cinema de rua brasileiro MARIANA REQUENA mariana.requena.fogaca@gmail.com

A

tualmente, o Brasil abriga 3.279 salas de cinema, segundo levantamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine), e um terço delas está no estado de São Paulo. A questão reside no número de cinemas tradicionais de rua que, mesmo em relação ao aumento significativo do número de salas de exibição, viu sua existência diminuir nos últimos anos. O fechamento de cinemas tão antigos e consagrados, como o Cine Belas Artes, na capital paulista, em 2011, e o Cine Palace, em 2017, último cinema de rua em Juiz de Fora, Minas Gerais, põe em xeque esse modelo de negócio, muitas vezes familiar. Messias Ferreira é proprietário do Cine Teatro São Pedro, único cinema da pequena cidade, de mesmo nome, a 200 km da capital do estado de São Paulo, inaugurado por ele, sua esposa e filhos, em 2001. “A paixão pela arte, pelo teatro, sempre existiu na minha vida. Quando jovem, eu juntava os amigos e montava peças de teatro no quintal da minha casa”, relembra. Ele acredita que o cinema, mesmo com tanta tecnologia disponível fora das salas de exibição, ainda encanta as pessoas por ser uma ar-

te que aproxima. Para ele, muitas vezes o conforto do lar é trocado por uma ida ao cinema porque ali acontece o encontro de amigos, casais e mesmo pela tela gigante, que ainda enche os olhos. “Atraimos muitas pessoas de cidades vizinhas, que têm cinema em seus municípios, talvez por esse ambiente familiar e aconchegante que criamos”, diz.

O futuro do cinema de rua é uma incógnita, é difícil prever

Ainda segundo o entrevistado, os turistas de cidades grandes se surpreendem ao encontrar com o dono do cinema no supermercado, por exemplo, e poder perguntar sobre a programação, em contraposição aos “donos invisíveis” das grandes redes de exibição. “O futuro do cinema de rua é uma icógnita, é difícil prever, mas as cidades pequenas trazem a segurança que o público precisa. O cinema é uma arte que atinge todos

Reforma da entrada do cinema de São Pedro contou com premiações do Governo do Estado

os sentidos e, possivelmente, isso mantém o fascínio”, pondera Ferreira. O Serviço Social do Comércio (Sesc), em Piracicaba divide-se para promover o cinema no interior em projetos com exibições de filmes, na maioria das vezes, gratuitas: o Cineclube, a Sala Sesc de Cinema e o Cinema & Psicanálise, que é realizado mensalmente em parceria com um grupo de teatro e traz profissionais da área da psicologia para comentar o filme exibido. “Os espaços são dedicados à frição cinematográfica por meio da exibição de filmes que construíram a linguagem e deixaram sua marca na história do cinema”, confirma Rafaela Ometto, assessora do Sesc Piracicaba.

Alguns bancos também mantêm cinemas de rua, como o Espaço Itaú de Cinema Augusta e o Cine Caixa Belas Artes, ambos na capital paulista. A Caixa patrocinou a reabertura no antigo Cine Belas Artes em 2014, citado anteriormente por seu fechamento em 2011. Agora, sob patrocínio do banco, a possibilidade de continuar em funcionamento é grande. “O sucesso da abertura do Cine Caixa Belas Artes está nos abrindo possibilidades para recuperar outros cinemas. O modelo pode atrair interesse de estatais ou de empresas privadas”, afirmou à época o prefeito da cidade no período, Fernando Haddad.

Magia que encanta

as novas gerações Davi apresenta os panfletos que usa para montar ‘seu próprio cinema’

Davi Gouveia tem 8 anos e é apaixonado por cinema. A arte para ele não é um simples passatempo ou uma forma de distração: ele vive o cinema todos os dias, chegando a memorizar os locais fixos onde todos os cartazes do cinema estão pela cidade, e inclusive o filme anunciado em cada um. “Eu percebi esse interesse do Davi pelo cinema há quase três anos, quando íamos à igreja e, no caminho, ele reparava nas placas indicando os filmes em cartaz. Isso despertou uma curiosidade nele e o Davi pedia para ir assistir aos filmes, e eu comecei a levá-lo”, relembra Roseli dos Santos, 49, mãe do garoto e moradora de São Pedro.

A mãe conta que uma das coisas mais curiosas que Davi faz em relação ao cinema é pegar diversos panfletos do local, recortar alguns e montar seu próprio cinema em casa, com hora de abertura, fechamento e sessões cinematográficas. “Às vezes, ele faz sorteios de ingressos’, e o mais curioso é a forma como ele anuncia a programação do seu cinema, com pesquisas na internet para conhecer mais filmes e até a classificação etária. São detalhes que eu não imaginava que ele prestaria atenção nessa idade”, diz, orgulhosa, Roseli. Em um dos episódios mais recentes, Davi foi convidado por Mes-

sias, proprietário do cinema e que conhece a paixão do garoto, para ajudá-lo a trocar os cartazes pela cidade. “A paixão do Davi não é só pelo cinema, mas também pelo próprio Messias, que para ele é quase um ídolo, por ser o dono do lugar que traz a alegria e os filmes para a cidade”, conta. “Desde que contei para o Davi sobre o convite, ele me cobrava todos os dias. Mesmo com o tempo de chuva no dia combinado, cheguei em casa e o Davi me esperava para sairmos. Para ele foi maravilhoso, e para mim também, porque é sempre muito bom acompanhar os filhos naquilo que eles realmente gostam”, finaliza Roseli. MR


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.