Painel 83 - Edição Agosto / 2017

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entrevista Roberto Cabrini e o jornalismo na era digital

segurança Mais de 40 milhões de brasileiros são vítimas de crimes cibernéticos

futebol Torcida única compromete o espetáculo nos clássicos paulistas

direitos Conheça o trabalho das Promotoras Legais Populares no combate à violência

[ painel ] edição 83 ¬ agosto 2017

CADÊ A SEGURANÇA? No cardápio do brasileiro, que consome o equivalente a cinco litros de agrotóxicos por ano, faltam regras e rigor no cumprimento das leis; nas ruas, na internet e até no futebol sobram exemplos da ineficiência do Estado

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editorial

Conhecimento é proteção S

egurança pode ser estar nos braços de alguém que se gosta, em um lar confortável ou dormir com a certeza de ter feito as escolhas certas; sentir-se seguro vai ao encontro do acolhimento social, em uma busca instintiva pela proteção contra riscos, perigos e perdas. Não à toa a origem da palavra remete ao sentido de se estar livre de preocupações. Por vezes - e pelo medo - a segurança surge como propósito para um deslocamento social e afastamento dos perigos da vida em comunidade. Talvez por isso as casas possuam portões, muros altos, alarmes, grades e estejam dentro de condomínios altamente protegidos. A irônica situação de confinamento dentro de um espaço seguro é, dentro da questão, uma adaptação aos costumes humanos que mudam e por si só condicionam a sociedade a mudar com eles. A real resolução da palavra foi desmembrada e mostrada em cada uma das reportagens desta revista. Então, prepare-se para ver que o seguro transita entre pratos, mesas, casa, ruas, em via digital, culturalmente e dentro das conhecidas legislações. Um bom exemplo da atualização da questão de segurança (ou da falta dela) é o uso de ferramentas tecnológicas para praticar crimes antes nunca imaginados, como os

vistos na internet. Ela, um invento criado para minimizar distâncias e espalhar informações, por exemplo, é também veículo para crimes virtuais, como os abordados nesta edição da Painel. Com a internet não foi preciso derrubar qualquer porta para se invadir uma casa. Elas sempre estiveram abertas por conta de um pequeno descuido ou excesso da sensação de se estar seguro. Agora, dados e informações pessoais podem ser fraudados e roubados com apenas alguns cliques. Na mesma velocidade, a pornografia infantil pode ser propagada e colocar em risco a segurança de crianças a custo de produtos feitos para saciar instintos sexuais. Instintos esses que também são responsáveis pela comercialização da pornografia adulta, material que também estimula a violência contra a mulher e a utiliza como objetos de falsas e agressivas fantasias. Apesar disso, pensar na questão não é, de forma alguma, motivo para limitar-se ao medo de estar desprotegido. Pelo contrário, é um meio de aprimoramento das defesas já conhecidas, orientar-se para pequenos descuidos ou, ainda, atentar-se para a descoberta de novas maneiras para estabelecer proteção sem a perda da própria liberdade. Boa leitura!

expediente Órgão Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep - Reitor Prof. Dr. Marcio de Moraes - Diretor da Faculdade de Comunicação Belarmino César Guimarães da Costa - Coordenador do Curso de Jornalismo Paulo Roberto Botão - Editor João Turquiai Junior (MTB 39.938) - Redatores: Amanda Wendland Medeiros, Ana Rizia Caldeira dos Santos, Andressa dos Santos Almeida, Beatriz de Oliveira Supriano, Caroline Castilho, Daiane Santos da Silva, Felipe Goncalves, Fernanda Maestro, Fernanda Mazi Dacome, Flávia de Almeida Ribeiro, Gabriela Fassis Vicentini, Graziela de Jesus Nascimento Reina, Guilherme Augusto Milani, Isabela Orzari Guevara, Jaqueline Altomani da Silva, Jeniffer Cristine P. dos Reis, Julia Marcicano de Noronha Zini, Keline da Silva Mendes, Kelly Suzan de Almeida, Laís Terossi Carvalho dos Santos, Leonardo de Oliveira Soares Coutinho, Lívia Maria da Silva, Lucas Vaz, Luiz Carlos da Silva Filho, Maira Rodrigues Bacellar, Marcela Freitas Paes, Marina Campos Gomes, Mayara Roberta Piantavina, Marcos Vinicius Barbosa, Mariana Isabela Mondini, Natália Cristina do Amaral, Raissa Natasha Ciccheli, Raissa Secomandi Sarra, Serjey Joseph Manuel Martins, Tainá Francine Oliveira, Thainara Cabral Morais, Tiago Marquesini dos Santos, Vinicius de Assis Bringel, Vinicius Queiroz Santos, Vitor Ferezini, Wesley Barbosa Sudré, Yuri Dias Barbosa.- Supervisão Gráfica: Sérgio Silveira Campos (Laboratório Planejamento Gráfico) - Foto de Capa: Vinicius Brancher - Agradecimento especial aos professores Camilo Riani e Renato Petean Marino - Correspondência Faculdade de Comunicação - Campus Taquaral, Rodovia do Acúcar, KM 156 – Caixa Postal 69 - CEP 13.400-911 - Telefone (19) 3124-1677 - unimep.br

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sumário edição 83

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Entrevista Roberto Cabrini fala sobre o uso da tecnologia no trabalho dos jornalistas Segurança digital Vírus é coisa do passado Crimes virtuais O perigo do assédio às crianças pela internet Trabalho Brasil é o 4º país com maior número de acidentes Profissão perigo Conheça os riscos enfrentados por jornalistas, promotores e juízes Mulheres viajantes Colocar a segurança na mala não dispensa a luta por direitos iguais Segurança emocional Dúvidas fazem parte da escolha profissional

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Seus direitos PLPs: o empoderamento feminino e o combate à violência

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Alimentação Como grande parte da produção agrícola distribui veneno pelo Brasil

Não é sexo, é violência Número de estupros aumenta 280% nas 4 maiores cidades da região Sexo frágil? Mulheres ganham destaque nas corporações de segurança Pornografia Quando o prazer estimula a agressividade Futebol Torcida única, falência do Estado e o fim do espetáculo nas arquibancadas

Arte urbana Artistas de rua sofrem com o desamparo do poder público

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Corregedoria Quem nos protege dos abusos policiais?

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Emergência Sistema inteligente da PM salva vidas a distância

Trauma Falta de políticas públicas prejudicam vítimas de violência Desmilitarização A polêmica proposta de mudança para uma das policias mais violentas do mundo

Casas noturnas O que mudou depois da tragédia da boate Kiss Constrangimentos Revistas íntimas e as portas giratórias nas agências bancárias Animais Maus-tratos além da agressão física

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38 76 78 80

Criatividade Invenções e aplicativos ajudam no combate à criminalidade

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Direito Criação do novo Código Penal divide a opinião de especialistas

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Resenha Livro “Proteja-me” revela a importância da segurança pessoal e mental

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Trânsito Número de acidentes fatais em Piracicaba cresce 214% Educação Tráfico de drogas assombra crianças e adolescentes nas escolas

Experiência Aluna de Jornalismo relata o trabalho desenvolvido pela Unimep no projeto Rondon

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Fotos: Tiago Marquesini e Elis Justi

entrevista Roberto Cabrini

Nada vai substituir a atividade jornalística

Adepto às novas tecnologias para produção de reportagens, Roberto Cabrini defende o diploma para o exercício da atividade e critica o jornalismo partidário que se transformou em epidemia no Brasil


TIAGO MARQUESINI tiago_marquesini@hotmail.com

O

repórter com o currículo que a maioria dos jornalistas quer ter. Conhecido, premiado, ousado e competente. Todas as qualidades que fazem de Roberto Cabrini um dos profissionais mais completos do meio jornalístico. Nascido em Piracicaba, Francisco Roberto Cabrini se orgulha de uma estante com prêmios que marcam sua história de quase 40 anos de profissão. Favorável ao uso das novas tecnologias, Cabrini avalia que a profissão se tornou mais solitária e a produção mais democrática com a internet. Hoje ele trabalha em casa usando o computador e o celular. Objetivo, o repórter não se acanha com ameaças. Costuma dizer que “denunciados não mandam flores”. Já enfrentou o medo de perto nas mais diversas situações. Usando como principal “arma” a pergunta, o jornalista que recebeu em São Paulo a equipe da Painel já denunciou religiosos, cobriu guerras e questionou políticos poderosos. Cabrini defende o jornalismo feito a partir da “estaca zero”, e faz duras críticas ao jornalismo unilateral. Você acredita que as facilidades proporcionadas pelas novas tecnologias prejudicam o bom jornalismo? Eu tenho assistido a mudança radical com que o jornalista trabalha. Quando eu comecei em televisão, o jornalista trabalhava com o filme em preto e branco. Para fazer uma pesquisa demorava uma semana. Hoje, em um clique, você tem todos os resultados. Antigamente, para fazer uma transmissão via satélite muitas vezes você precisava andar dois ou até três mil quilômetros. E isso modificou a nossa atividade. Jornalistas saiam à noite, eram boêmios inveterados porque era na noite que você obtinha a informação. A atividade se tornou

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muito mais solitária por causa da alta tecnologia que facilitou a nossa atividade. Por mais que a nossa função tenha mudado, algo jamais mudou ou jamais vai mudar. Com pouca ou muita tecnologia, mesmo em uma fase em que máquinas são capazes de escrever textos, nada vai substituir a necessidade do grande contador de histórias. Nós fazemos jornalismo para seres humanos. E a sensibilidade e a sintonia com os seres humanos jamais vai substituir a necessidade do contador de histórias. Por isso nada vai substituir a atividade jornalística. Como o jornalista que valoriza a reportagem cara a cara se adapta às novas tecnologias? O que mais mudou é a interatividade com o público consumidor. Antigamente os jornalistas tendiam a serem muito mais arrogantes porque eles não eram confrontados. Hoje, na velocidade da luz, você é confrontado pelas

[ ] “Nada vai substituir a necessidade do grande contador de histórias”

redes sociais, o que democratizou o jornalismo. Qualquer cidadão em potencial é um jornalista, pois consegue trazer informações. Isso fez com que provocasse uma seleção muito maior do profissional, pois ele é muito mais julgado do que antigamente. Isso provoca o princípio de Darwin: só sobra e só resiste aquele bem equipado. Aquele que consegue traduzir o que de fato o público quer. Um jornalismo muito mais isento, muito mais ousado. Você pode medir o grau de   painel

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Roberto Cabrini defende o diploma para o exercício do jornalismo

democratização de uma sociedade pelo grau de jornalismo investigativo que essa sociedade possui. Em tese, todo jornalismo deveria ser investigativo, só que existem tantos exemplos de jornalismo oficial e de jornalismo unilateral, que se convencionou a chamar de jornalismo investigativo aquele que se aprofunda na questão. Jornalistas recebem muitos “nãos” aos pedidos de entrevistas. Muitas vezes pela falta de tempo das fontes, os profissionais são obrigados a fazer o trabalho por e-mail, Facebook, WhatsApp. Qual a sua avaliação sobre essa forma de trabalho? Tudo é valido. Tudo pode possibilitar uma grande entrevista. Evidente que o contato olho no olho é a melhor forma. Nada substitui isso. Mas você pode fazer grandes entrevistas utilizando recursos tecnológicos. Você sentir a pessoa de perto é sempre algo muito importante. Mas isso não significa que você não possa fazer grandes

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trabalhos de outras formas, também. A tecnologia está aí para ser usada. A expressão “gastar sola de sapato” está em desuso? Continua totalmente válida. Da época que eu comecei, que eu andava com gravador pesado pelas ruas em busca de entrevistas, hoje você tem outros recursos. O objetivo é produzir uma grande história, e isso não depende do grande aparato de tecnologia, depende ainda da inquietação e da sensibilidade do repórter. A atividade mais nobre e mais importante do jornalismo chama-se reportagem. Todo resto é pura burocracia. Da reportagem você produz grandes histórias. E para fazer uma reportagem todo recurso é válido. Qual o peso que entrevistas como a que você fez com Fernandinho Beira Mar têm? Todo ser humano tem direito a contar a sua história, e toda história pode ser retratada por um profissional de edição 83 | agosto | 2017


comunicação. O que eu busco em toda reportagem que faço é provocar reflexão. Provocar debate. E esse debate vem através das mais diversas histórias. A história de um país que possibilitou o surgimento de um personagem como o Beira Mar tem que ser devidamente analisada. Uma inversão de valores na qual uma pessoa, através do crime, se transformou em um provedor para parte da população. Isso se torna ainda mais importante porque é um exemplo inequívoco da ausência do Estado. E o Beira Mar tem vários ângulos a serem devidamente analisados. É uma pessoa muito vaidosa, uma pessoa que cometeu as piores atrocidades e uma pessoa que faz também questionamentos que devem ser contemplados pela sociedade. Não que a gente concorde com o que ele fale, mas para que a gente possa refletir. Esse é o objetivo do jornalismo, gerar reflexão.

Para o jornalista, os repórteres devem se empenhar para munir a sociedade de instrumentos que a permitam tomar decisões mais sábias

[ ] “Você é confrontado pelas redes sociais, o que democratizou o jornalismo”

Você acredita que as condições dos presídios brasileiros favorecem rebeliões, chacinas e tudo o que aconteceu no sistema prisional no início deste ano? O Estado foi substituído dentro dos presídios por incompetência dos governantes. Presídios apenas transformam seres humanos ruins em seres humanos piores. Não reeducam. A taxa de reincidência é alarmante. Pessoas de baixo nível de periculosidade se transformam em criminosos perigosos porque os nossos presídios não reeducam. Claro que existem exceções. Enquanto os nossos presídios não forem humanizados, a gente não vai caminhar. Os bandidos, que são transformados em pessoas ainda piores, representam um tiro no pé da própria sociedade. Nossos presídios são fábricas de criminosos.   edição 83 | agosto | 2017

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Jornalista ao lado da estante com os troféus que recebeu em quatro décadas de trabalho

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Ter ou não ter o diploma torna o profissional mais ou menos jornalista? Não é impossível você ser um grande profissional sem o diploma. Você pode ser, mas eu acho que a exigência do diploma é uma forma de pelo menos diminuir a entrada de curiosos, pessoas com interesses outros que não o de exercer o bom jornalismo. O diploma não consegue prevenir que pessoas com interesses escusos entrem na profissão, mas é uma forma de pelo menos ajudar a selecionar pessoas que, de fato, queriam exercer

o jornalismo como manda o figurino. Ouvindo todo os lados, tentando sempre buscar a isenção. Eu sou a favor do diploma de jornalismo. Embora eu tenha começado e não era formado ainda, mas eu logo em seguida entrei em uma faculdade e me formei. Eu acho que a exigência do diploma é bem-vinda. Quem faz a faculdade e, isso é importante, é o aluno. A faculdade de jornalismo pode ser uma perda de tempo ou pode se transformar em algo muito importante, dependendo do interesse da pessoa. Muita coisa pode

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ser aprendida dentro da faculdade. O que não exclui a experiência em um pequeno veículo. O que não exclui a experiência em estágios, aprendizados. O profissional de comunicação precisa ser totalmente antenado em tudo, buscar outros estudos, outras faculdades, tudo isso ajuda muito. Até que ponto um jornalista deve se arriscar no exercício da profissão? Nenhum veículo de comunicação exige que o jornalista se arrisque. É uma decisão do próprio profissional. Eu acho que existem várias formas de cobrir os mais diversos conflitos. Você pode cobrir uma guerra ou uma manifestação com toda parafernália de proteção, ou você pode cobrir com um ingrediente que é básico na minha avaliação: a humildade. Evidente que estamos em momentos difíceis, em momentos em que as pessoas analisam o profissional pelo veículo em que ele trabalha. Hoje em dia o jornalismo está tomado por reportagens que começam e já são definidas, não na rua, mas sim na redação. É aquele jornalismo de cartas marcadas, quando o profissional sai às ruas apenas para montar uma tese previamente estabelecida na redação. Se o entrevistado falar uma determinada coisa que contraria essa tese, essa entrevista, muitas vezes, vai ser desconsiderada, pois não ajuda a montar uma tese previamente decidida na redação. Eu acho que o bom jornalismo é aquela atividade exercida da estaca zero, onde você vai para a rua de mente aberta, inclusive para mudar de opinião mediante aquilo que você encontra na rua. Ou seja, você se permite mudar de ideia mediante a entrevista que você fizer ou mediante o cenário que você encontrar. Isso tem sido cada vez mais raro. Porque nós encontramos cada vez mais um jornalismo unilateral. Um jornalismo que serve a esse ou aquele seguimento, um jornalismo partidário. É uma epidemia que tomou conta do Brasil. Na minha opinião isso tem que

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[ ] “Uma sociedade democrática produz uma imprensa democrática”

ser combatido com todas as forças de um profissional. E quando o entrevistado nota que você está exercendo jornalismo desta forma, e que você não está com preconceitos ou com uma tese previamente estabelecida, você será muito mais respeitado. Uma história não tem só dois ângulos. Tem muitos outros ângulos. É permitir que pontos de vista que você não concorda sejam divulgados em uma história. O grande profissional é aquele que expõe uma verdade não para fazer com que o leitor pense como ele, mas sim para fazer com que o consumidor da sua informação possa, mediante um bom jornalismo, tomar as suas próprias decisões. Você não está ali para fazer com que a pessoa concorde contigo, mas para fazer com que a pessoa seja munida de instrumentos para que tome decisões mais sábias. Qual a sua opinião sobre o papel que a mídia tem desempenhado na política nacional? Eu acho que toda sociedade tem a imprensa que merece. Imprensa não é uma instituição isolada. Uma sociedade democrática produz uma imprensa democrática. É tudo inerente ao que a sociedade exige. Eu acho que a nossa sociedade tem se democratizado, mas não se democratizou ainda suficientemente em relação à demanda que o brasileiro requer. Tenho visto grandes exemplos de trabalhos bons, e tenho vistos grandes exemplos de trabalhos de interesses escusos. A boa notícia é que tem acontecido um processo de depuração do grande profissional e do grande produto. É um aperfeiçoamento constante. Mas em toda sociedade existem exemplos de trabalhos benfeitos e também muito malfeitos.   

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Ilus raç õe s: F elip eS

tev an att o

pega ladrão!

Criminosos se beneficiam do anonimato e da burocracia na rede para fazer mais de 40 milhões de vítimas ao ano no ambiente digital

Ocultos,

mas on-line!

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LAÍS CARVALHO

os ataques via e-mail, os criminosos não saíram de cena, aproveitaram a comodidade que a internet trouxe e migraram seus golpes dos e-commerces para o internet banking.

laistcarvalho@gmail.com

s problemas que envolvem a internet deixaram de ser apenas programas que atrapalham o desempenho das máquinas. Em 20 anos, milhares de pessoas viram seus dados bancários e informações pessoais se espalharem pela rede. A questão não é receber conteúdo malicioso, mas, sim, a carona que os criminosos pegam ao ver tantos usuários se acomodarem com os benefícios oferecidos pela internet.

Rohr ressalta que a estratégia para ter acesso aos dados bancários começou diretamente nas páginas falsas. “Nesse universo, a página maliciosa pode ser uma loja, e acaba até sendo anunciada em sites grandes, como em diversos casos relatados de anúncios fraudulentos no Facebook, por exemplo”, explica, ressaltando que, muitas vezes, elas apenas existem para roubar dados ou supostamente vender produtos que não serão entregues.

Estar conectado 24h por dia e ter acesso a todas as transações bancárias não te protege dos golpes. Ter esse pensamento só faz com que as fraudes sejam lentas, mas não deixem de existir. As operações realizadas pelos criminosos testam e avaliam o “terreno” em que estão pisando e, de pouco em pouco, créditos pessoais, poupanças e até mesmo informações são lançadas na rede.

A advogada especialista em direito digital, Patrícia Peck Pinheiro, conta que existem dois tipos de crimes na rede: os que já ocorriam no mundo real e que apenas migraram para a internet utilizando os meios digitais como modus operandi, e os crimes cibernéticos, nos quais o modo de atuação é totalmente novo.

O

Driblar os métodos de segurança não é problema. O crescimento dos famosos phishings, as páginas clonadas, é a principal aposta dos hackers, segundo o editor do site Linha Defensiva e colunista do portal G1, Altieres Rohr. Ao perceber a mudança de comportamento dos usuários ao reconhecer

O colunista afirma que o crime cibernético brasileiro nasceu na área financeira, mais especificamente com o roubo de dados de cartões de crédito. Muito dos crimes que afetam a população é uma variação dessa vertente: do cartão ao banco; do cartão de crédito aos programas de pontos e milhas dos bancos e das companhias áreas.  

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[ ] “O Brasil não está preparado para o encarceramento de criminosos digitais”

De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), os bancos brasileiros investem cerca de R$ 2 bilhões ao ano em sistemas de T.I (Tecnologia da Informação), voltados para segurança, uma vez que mais de 90% das compras feitas no país são com cartões de crédito que já possuem o sistema chip. O investimento, no entanto, não impede que mais de 40 milhões de brasileiros sejam lesados todos os anos. Já a advogada cita que muitos dos crimes eletrônicos que não foram resolvidos ou que o infrator ficou impune se devem ao fato de que nosso modelo de identidade digital é extremamente falho e não permite a descoberta “quem é quem” do outro

lado da tela. Patrícia também observa a necessidade de as autoridades públicas serem capacitadas, com ferramentas tecnológicas capazes de trabalhar de forma preventiva e com poderes para agir imediatamente ao sinal de um ilícito ou incidente. “A lei precisa permitir que o poder de polícia possa agir na ‘rua digital’ como já ocorre na rua tradicional”, afirma. Quem pode nos salvar? Apesar de nos últimos anos o entendimento de questões relacionadas ao direito digital ter evoluído no Judiciário brasileiro, somente em 2012 passaram a vigorar leis que determinam a aplicação penal de normas específicas sobre os crimes digitais. Mas não adianta avançar com novas leis se a identificação das autorias dos crimes ainda é o principal problema. A advogada Patrícia Peck explica que há muitos crimes que também necessitam de capacitação técnica da polícia para que seja possível o flagrante digital, que é “pegar” o criminoso com a mão na máquina, literalmente. “Isso também tem sido difícil de implementar, pois exige investimento no aparelhamento tecnológico e na melhoria das leis, no sentido de possibilitar a ‘revista digital’”, avalia.

Divulgação

No Brasil, ao contrário, a lei do Marco Civil da Internet passou a dificultar o trabalho de investigação das autoridades ao exigir ordem judicial para toda e qualquer coleta de prova digital e remoção de conteúdo da internet. Para o combate do crime organizado digital isso acabou se tornando uma desvantagem.

Advogada observa a necessidade de as autoridades públicas serem capacitadas para atuar na 'rua digital', como já ocorre na rua tradicional

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Laís Carvalh o

Estar conectado 24h por dia e ter acesso a todas as transações bancárias não previne de prejuízos

Ela destaca que um dos pontos que carecem de atenção e de onde saem os principais ataques são os presídios. “A questão é: o que fazer com o bandido digital? Ele não pode ser encarcerado em uma cela simples com outros prisioneiros, ou irá continuar praticando golpes a partir de cadeira. Deve haver um encarceramento digital de alta segurança para ele, e o Brasil ainda não está preparado para isso”, aponta.

[ ] “Os famosos phishings existem apenas para roubar dados”

Hoje, a advogada reconhece que falta ao sistema brasileiro leis especificas para combater esses casos. Porém, a falta de regulamentação não impede a devida investigação e punição. Para os criminosos cibernéticos, as penas variam de acordo com a intensidade e com o crime cometido. “As penalidades podem ser financeiras, com o pagamento de indenizações e em outros casos pode envolver prisão”, completa. A reportagem apurou que o Brasil possui delegacias especializadas em crimes cibernéticos. Porém, usuários que necessitarem do serviço podem realizar seus boletins de ocorrência em um departamento policial que auxilia seu bairro ou local. Para isso, o usuário precisa portar dados pessoais, dados sobre cartões ou contas clonadas e movimentações estranhas.   edição 83 | agosto | 2017

Desatenção sai caro! • Desconfie de e-mails que contêm oferta de produtos a preços muito abaixo do normal; • E-mails fraudulentos também costumam chegar no formato de sorteios, concursos, prêmios e outras supostas iniciativas de empresas conhecidas; • Os bancos, as bandeiras, as credenciadoras e as administradoras de cartão nunca enviam e-mail solicitando que você digite o número do seu cartão; • Pesquise antes de comprar e só realize transações em sites de sua confiança, ou que tenham boa reputação na internet. Após a transação, salve ou imprima o comprovante de compra; • Em caso de perda ou roubo do cartão, entre em contato imediatamente com a central de atendimento do cartão e faça o bloqueio. Essa atitude evita que o cartão seja usado por terceiros indevidamente; • Decore a senha. Nunca a guarde junto com o cartão, na carteira ou na agenda do celular, com a identificação explícita de que se trata de uma senha; • Ao digitar a senha, sempre verifique se o campo no terminal realmente está pedindo a senha; • Ao fazer suas compras, sempre acompanhe o cartão até o terminal. De preferência, peça que o terminal venha até você.

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pedofilia

O perigo

não está do lado de fora Crimes de assédio não param de crescer na região de Piracicaba; desatenção dos pais contribui para a insegurança das crianças

kelineeee@gmail.com

SERJEY MARTINS serjeymartins@hotmail.com

V

ocê deixaria a sua filha sozinha nos lugares mais perigosos da cidade? Pois este perigo é semelhante ao que ela encontra navegando sem supervisão pela internet. Estudo da Officina Sophia Minds & Hearts,

com 1.5 mil crianças, de 7 a 12 anos, de três regiões do Brasil, no final de 2015, mostrou que 65% delas não têm qualquer supervisão para acessar a internet. Um dado ainda mais grave aponta que 32% delas se interessam por temas impróprios durante o uso da web. A psicóloga Juliana Rocha classifica esse comportamento como perigoso, pois as crianças não têm independência ou maturidade plena, e são presas fáceis. Renan de Mello

KELINE MENDES


Divulgação PF

A situação na região de Piracicaba também é preocupante. Em dezembro de 2016, a Polícia Civil prendeu 20 pessoas na operação Anjos da Guarda, comandada pela Delegacia Seccional. Um dos criminosos, em apenas dois meses, baixou 308 mil vídeos e fotos com pornografia infantil. Os arquivos continham imagens de crianças e até de bebês. A operação realizou prisões em 14 cidades do interior paulista, a maior parte em Piracicaba. As outras foram: Amparo, Araras, Campinas, Descalvado, Elias Fausto, Hortolândia, Leme, Limeira, Mogi Mirim, Pedreira, Pirassununga, Rio Claro e Santa Bárbara d’Oeste. Em novembro de 2016, a Polícia Federal realizou a operação Darknet, para combater uma rede de distribuição de pornografia infantil que atuava em 15 estados. Foram cumpridos 65 mandados de prisão, busca e apreensão. Segundo Monalisa dos Santos, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Piracicaba, nos últimos três anos o número de ocorrências relacionadas a esse tipo de crime cresceu. “Os dois crimes que a gente mais enquadra são o 241B e o 241D”, diz Monalisa. O artigo 241 B, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelece pena de 1 a 4 anos e multa para quem adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Já o artigo 241 D estabelece a pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa para quem aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de praticar ato libidinoso. Fátima Souza, 36, assistente administrativa, conta que a filha de 11 anos foi vítima desse tipo de crime no ano passado. Ela verificava o celular da filha com frequência mas, por não encontrar nada suspeito, deixou de inspecionar. “Foi meu erro. Após assistir a um noticiário sobre pedófilos, olhei o celular dela. Comecei pelas fotos, até que encontrei uma mensagem no Facebook com a foto de um ator edição 83 | agosto | 2017

Operação realizada pela PF em 15 estados desarticulou grupo que distribuía fotos e vídeos com conteúdo pornográfico infantil

de novela. Na conversa, ele assediava minha filha, falando para ela se encontrar com ele e mandar o número do celular. Ele mandou fotos e pediu para ela mandar também. Disse que não era para ela contar a ninguém, porque era um ator famoso e gostou muito dela. Às vezes, achamos que o perigo está na rua, mas ele está dentro de casa”, recorda. Fátima excluiu o perfil do assediador e, após conversar com o marido, resolveu não denunciar à polícia.

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“Às vezes, achamos que o perigo está na rua, mas ele está dentro de casa”

Juliana Rocha diz que alguns sinais podem indicar que a criança é assediada. “A criança que está em contato com um adulto pode começar a apresentar comportamentos que não condizem com a sua faixa etária, como masturbação excessiva ou conhecimento sexual que não condiz com a fase de desenvolvimento em que ela se encontra. Além disso, ela pode buscar isolamento e distanciamento dos familiares, permanecer muito tempo no computador, se assustar quando um adulto chega perto, e até optar pelo uso do computador em horários alternativos”, orienta. Para uma supervisão eficiente, ela de-

fende que os pais estabeleçam relação de confiança com os filhos. Um fato que a psicóloga ressalta é a diferença entre o pedófilo e o assediador. “Pedofilia é da ordem da saúde, tanto que o termo aparece na Classificação Internacional de Doenças, e é um transtorno de personalidade que causa preferência sexual por crianças e adolescentes. Entretanto, nem todos os que sentem esta atração cometem algum crime. O assédio está estritamente relacionado àquele que o comete, independentemente de qualquer transtorno”. O estado de São Paulo possui uma delegacia especializada nos crimes de pedofilia, a 4ª. Delegacia de Repressão à Pedofilia (DRP). Em entrevista à Painel, o delegado assistente da DRP, Leandro Rigobello Ramos, afirmou que o combate aos crimes de assédio pela internet exige uma polícia mais preparada em conhecimentos específicos e técnicos em informática. “Em um cenário em que pedófilos de todos os continentes encontram na internet campo fértil e praticamente impune para atuar, movimentando milhões em todo o mundo, e o Brasil ocupando lugar de destaque no ranking dos que consomem este tipo de material pornográfico, a criação desta delegacia especializada veio aparelhar o estado no enfrentamento a esse tipo de criminoso virtual”. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) não dispõe de estatísticas sobre esse tipo de crime.   painel

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trabalho

Autoconfiança

mata

Imprudência é a principal causa de acidentes em empresas no Brasil; Piracicaba registrou 15 mortes em 2016; país ocupa a quarta posição no ranking mundial [18]

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Chery do Brasil

FELIPE GONÇALVES felipelipe.goncalves@gmail.com

MARCOS BARBOSA marcos_pieri@yahoo.com.br

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ra para ser mais um dia comum de trabalho. Francisco de Oliveira Bueno era motorista de uma cerâmica, em Santa Gertrudes. Naquele dia, seu encarregado pediu que auxiliasse na remoção de uma peça em uma máquina de produção de tijolos. Consequência: teve a perna esquerda gravemente lesionada. “Poderia ter evitado, porque a minha profissão não era aquela, eu era motorista. Alguém, que nunca se descobriu quem foi, desligou e ligou a máquina novamente. Neste instante minhas pernas desceram e uma delas acabou esmagada por dois eixos”, recorda. A história de Francisco não é exceção. Segundo dados do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Piracicaba (Cerest), em 2016 foram 7.760 acidentes de trabalho registrados na cidade, sendo 2.867 no setor industrial. No total, 15 foram fatais. As estatísticas apontam também que os homens estão mais suscetíveis, com 5.619 ocorrências. Em contrapartida, 2.141 acidentes envolveram mulheres. Diante de um cenário vulnerável, o Brasil é o quarto país com mais acidentes relacionados ao trabalho no mundo, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), atrás apenas de China, Índia e Indonésia, todos com população superior ao Brasil. São cerca de 700 mil trabalhadores acidentados anualmente.

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O engenheiro ambiental e analista de segurança do trabalho, Alcir Aparecido Gonçalves, aponta que a maior causa desses acidentes é o comportamento inadequado das pessoas, sobretudo o excesso de confiança. Para ele, há uma cultura que estimula hábitos como quebrar regras ou cumpri-las somente quando se é penalizado. “Eu sempre fiz assim e nunca aconteceu comigo”. Esta é uma das frases mais utilizadas pelas pessoas que costumam negligenciar normas e procedimentos de segurança. Outro aspecto é se julgar experiente suficiente a ponto de pular etapas importantes para a segurança de uma determinada tarefa, no intuito de ganhar tempo ou poupar esforços. “O comportamento é reflexo direto de uma cultura pobre e reativa, que influencia diretamente nas atitudes de cada um. Além do mais, os empresários precisam enxergar a segurança como um investimento e não como um custo”, observa Gonçalves. No caso de Francisco, foi uma fatalidade, não houve negligência por parte do funcionário. E, embora tenha sido socorrido e levado a uma unidade de pronto atendimento, as sequelas ficaram para toda a vida. A perna resistiu ao acidente, entretanto, com a falta de recursos para uma recuperação adequada, o trabalhador relatou não ter conseguido se restabelecer totalmente. Hoje, aos 88 anos e aposentado, o ex-motorista carrega marcas do acidente e recebe por mês, além de um salário mínimo, R$ 360 de indenização.   

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Felipe Gonçalves

Francisco convive com as cicatrizes desde 1977

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“Precisam enxergar a segurança como um investimento e não como um custo”

Cerca de três mil pessoas morrem no Brasil todos os anos em decorrência de fatalidades relacionadas ao trabalho nos setores de construção civil, elétrico, rural e industrial. Para o procurador do trabalho Ronaldo Lira, é importante ressaltar que acidentes podem ser evitados com medidas de prevenção. Além disso, há ações de fiscalização por parte do Estado, como visitas em locais de maior periculosidade. Outro critério utilizado pelos órgãos de fiscalização são as denúncias feitas ao Ministério do Trabalho. Em 2016, o Ministério Público do Trabalho de Campinas (MPT), que também abrange as regiões de Piracicaba e Jundiaí, recebeu 79 denúncias de irregularidades. Uma queda de 28% se comparado ao ano de 2013, quando

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111 denúncias foram registradas. Segundo Lira, essa queda se deve à intensificação do Estado nas fiscalizações e também ao cenário atual. “Não acredito que houve uma mudança ou que seja isso. Atribuo a diminuição ao desemprego e pelos profissionais temerem à denúncia em vista da situação atual”, enfatiza o procurador. A atuação do MPT consiste na realização de inquéritos civis, firmando termos de ajuste de conduta e promovendo audiências públicas com o empresariado. Além disso, o órgão trabalha no sentido de educar e alertar a sociedade sobre a prevenção de acidentes e investigar a responsabilidade nos casos em que eles ocorrem. Deste modo, o órgão pode tomar medidas judiciais e extrajudiciais na busca pelo ajuste de conduta dos responsáveis. As denúncias podem ser registradas no site da instituição (www.prt15.mpt.mp.br). Legislação Vítimas de acidentes no trabalho, muitas vezes, não possuem conhecimento edição 83 | agosto | 2017


Se o acidente gerar um afastamento do trabalho superior a 15 dias, o trabalhador será afastado de suas atividades pelo período em que permanecer

incapacitado, recebendo um benefício de auxílio doença correspondente a 50% do salário. “Quando a lesão acarreta um dano permanente, o trabalhador pode ser reabilitado profissionalmente em uma função compatível a sua nova condição ou se aposentar por invalidez. Quem determinará isso é o perito do INSS”, afirma Thaís. O trabalhador pode, ainda, requerer uma indenização por parte do empregador na Justiça do Trabalho, onde o juiz deve constatar a incapacidade laboral através do auxílio de um perito de confiança, que deverá emitir um laudo médico comprovando o acidente de trabalho. Se condenado, o empregador deve reparar o dano sofrido reembolsando o funcionário no que diz respeito aos medicamentos, tratamentos e despesas médicas, indenização pela condição em que se encontra e ainda uma estabilidade no caso de afastamento pelo INSS até o retorno ao trabalho. Todos esses procedimentos podem ser realizados diretamente no instituto ou ligando na Central da Previdência Social, pelo telefone 135.  

Ilustração: Gabriela Magri e Marina Marques

de seus direitos e como reivindicá-los. De acordo com a advogada trabalhista Thaís Menegassi de Lima, ocorrendo o acidente de trabalho, a empresa deve imediatamente ser comunicada a prestar socorro ao funcionário acidentado emitindo um Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Na hipótese de o empregador não emitir, o trabalhador ou um representante pode solicitar através do sindicato da categoria ou diretamente em uma agência do INSS. “Caso o funcionário não receba a devida assistência da empresa, ele pode reclamar junto ao Ministério do Trabalho ou procurar a Delegacia Regional do Trabalho, que devem tomar as providências necessárias”, alerta a advogada.


violência

PROFISSIONAIS Intolerância ao trabalho de jornalistas e a recusa de decisões de promotores e juízes tornam o exercício dessas profissões cada dia mais perigoso

sob ameaça CAROLINE CASTILHO caroll.castilho@hotmail.com

FERNANDA MAESTRO fernanda.maestro@yahoo.com.br

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idar com o público, tomar decisões que não agradam a todos, escrever e mostrar o que muitos não gostam de ler, ao contrário, preferem esconder, estão entre os desafios de fotógrafos, juízes e jornalistas. Juntos eles figuram entre os profissionais que acabam sofrendo ameaças durante o exercício da profissão.

Segundo o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa, divulgado em janeiro pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), 222 jornalistas foram vítimas de algum tipo de violência no Brasil em 2016, sendo a maioria profissionais que trabalham em televisão. “Hoje a polícia não é quem protege o jornalista. Hoje a polícia é, em muitos casos, quem ataca o jornalista”. A frase de Guilherme Alpendre, secretário-executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), confirma as inFotos: Fernando Frazão/Agência Brasil

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Ato no Rio de Janeiro homenageia o cinegrafista Santiago Andrade, que morreu depois de ser atingido por um rojão durante protesto em 2014

formações dos últimos três relatórios divulgados pela Associação, que apontam os policiais militares e/ou guardas municipais/metropolitanos como principais autores das agressões. Eles foram responsáveis por 41 dos 161 casos de violência registrados em 2016. O fotógrafo da Revista Vice, Felipe Larozza, faz parte das estatísticas. Durante a cobertura dos protestos do Movimento Passe Livre, em São Paulo, no início de 2016, Larozza sofreu agressões de um PM ao fotografar um estudante que estava sozinho em uma rua e foi agredido por outros policiais. “Comecei a fazer o registro da cena e um dos policiais me viu, me pegou pela camiseta e me tirou de cena. Me questionou sobre o que eu estava fazendo ali. Me identifiquei, mostrei o crachá da revista, a câmera e tudo mais. Continuou me indagando até o momento em que pediu para ver as minhas fotos na câmera. Aí eu botei a minha câmera para trás e falei ‘na minha câmera você não vai mexer. É tipo eu pegar na sua arma’. Aí um outro policial que estava com ele começou a me agredir com golpes de cassete e fecharam pelo menos uns quatro policiais em volta de mim, me bateram bastante com cassetete até a hora que eu consegui sair e tomei distância da cena”. O repórter da BBC Brasil, Felipe Souza, participou de mais de 50 coberturas de protestos e manifestações. Mesmo com toda a experiência e seguindo as edição 83 | agosto | 2017

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“Nunca tive medo de voltar para a rua e cobrir protestos”

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recomendações dos próprios policiais durante esse tipo de cobertura, o repórter não conseguiu escapar das agressões durante um protesto em setembro de 2016, em São Paulo. As dores e as marcas pelo corpo, lembradas durante alguns dias, não se tornaram traumas e não foram suficientes para impedi-lo de continuar. “Você sente aí que tem gente querendo atrapalhar o seu trabalho, mas pelo contrário, muitas vezes mais me incentiva do que me dá medo. Eu nunca tive medo de voltar para a rua e cobrir protestos”, relata Souza. Entre os profissionais que também correm riscos estão juízes e promotores de justiça. Estar mais próximo das leis no exercício da profissão não é sinônimo de segurança para eles. Dados do Diagnóstico da Segurança Institucional do Poder Judiciário, feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em junho de 2016, apontam que o Brasil tinha 131 magistrados em situação de risco, em 36 tribunais do país, sendo o Rio de Janeiro o Estado com maior número de magistrados nessa situação. O promotor Adriano Mellega explica que a atuação do promotor causa, invariavelmente, insatisfação àque-

les que se dedicam à prática de atos ilícitos. “Já sofri ameaça em virtude da minha atuação funcional. Foi no contexto de uma investigação de organização criminosa, onde envolvia um ex-prefeito que, na prática, ainda, ditava as regras na prefeitura. Durante as diligências de interceptação telefônica, gravou-se diálogo no qual o investigado disse ao interlocutor que iria me matar, “metralhando” o promotor”, lembra Mellega. A ameaça foi utilizada como reforço na fundamentação dirigida ao juiz e o investigado foi preso preventivamente. Em março de 2016, a juíza Tatiane Moreira Lima foi atacada e mantida refém por um homem que invadiu a sala no fórum onde ela trabalha, no Butantã, zona oeste de São Paulo. A ação durou cerca de meia hora e o agressor ainda ameaçou queimá-la, lançando sobre ela um líquido inflável. Segundo informações divulgadas pelo G1, o homem é Alfredo José dos Santos, e na época ele era acusado de ter agredido a ex-mulher dele. No dia do crime, Alfredo teria uma audiência com a juíza e, equivocadamente, pensava que a magistrada havia tirado a guarda do filho dele. O caso repercutiu por todo país e muitas dúvidas surgiram a respeito da segurança nos fóruns. Para o juiz Clóvis Lourenço, as ameaças decorrem da própria natureza das funções. “Em qualquer país, em algum momento, haverá ameaça aos agentes da lei e, de forma mais específica, a integrantes do Judiciário. A questão, no entanto, é a quantidade e intensidade dessas ameaças. No estado de São Paulo, por exemplo, juízes são menos ameaçados e há menos atentados contra juízes do que em estados do Norte ou do Nordeste. Isso porque as instituições funcionam melhor aqui, até por se tratar de um Estado mais rico”, analisa o juiz.   painel

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turismo

SOZINHAS SIM,

ingênuas nunca

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Freepik.com

Quando o gênero se torna determinante no fator segurança, as mulheres viajantes têm consciência da necessidade de redobrar o cuidado

FERNANDA MAZI fer.mazi@hotmail.com

“S

No Brasil, uma em cada quatro mulheres viaja sozinha, segundo pesquisa do TripAdvisor

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ó quem nasce mulher numa sociedade patriarcal como a nossa sabe como é difícil a todo tempo se afirmar enquanto pessoa digna de respeito e direitos, independente da roupa ou status civil”. É com essa declaração que Mariana Suzano, 20, estudante de serviço social da UFRJ, relembra alguns dos percalços enfrentados enquanto mochilava sozinha na Colômbia, no início do ano. “Tive um receio de ter problemas com o menino que me recebeu como couchsurfing em Medellín. Tive medo por razões óbvias: “Couchsurfing, nunca vi a pessoa e era homem”, explica. Para quem não conhece, o Couchsurfing é um serviço de hospitalidade que permite pessoas do mundo inteiro se conectarem para disponibilizar ou alugar quartos, totalmente sem custo. Não de hoje, a vontade de conquistar o mundo tem inspirado mulheres dos quatro cantos do planeta. Mas a preocupação número um dessas viajantes recai sobre a questão da segurança, principalmente no que se refere ao machismo e assédio. “Fomos criadas para ocupar somente postos submissos. Enquanto viajei, todo dia me perguntavam onde estava meu namorado”, relembra

Mariana. Para a analista de sistemas Mel Guedes, que viaja sozinha há mais de seis anos, a preocupação com a cultura machista de alguns destinos implica diretamente na escolha do lugar. “Não posso visitar lugares que adoraria sozinha por que sou mulher”, relata. A resistência da sociedade com relação às livres escolhas da mulher é, de fato, uma dificuldade. Segundo uma pesquisa realizada pela ONU Mulheres, 81% dos homens consideram o Brasil um país machista. Ainda de acordo com o levantamento, a dificuldade em lidar com mudanças na organização social, como a conquista da mulher na obtenção de direitos e a ocupação de cargos de trabalho até então masculinos é a razão pelo qual muitos homens acreditam precisar reafirmar a masculinidade. O triste fim na história das duas jovens argentinas que foram assassinadas enquanto mochilavam pelo litoral do Equador, em 2016, mostra como o machismo se faz presente quando há o livre arbítrio feminino. Logo após os esclarecimentos da tragédia, ouviu-se um discurso de que o motivo do homicídio era por que as moças viajavam ‘sozinhas’, ou seja, sem um homem, como se abusassem do direito de ir e vir. 

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“Fomos criadas para ocupar somente postos submissos”

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A trágica notícia, trouxe, no entanto, a necessidade de reflexão em um assunto até então esquecido. Como forma de apoio às mulheres que viajam sozinhas pelo Brasil e pelo mundo nasceu o aplicativo Go Sola, criado e desenvolvido por Ana Gabriela Sotero Machado e Giovana Pardo, que ainda em fase de projeto ganhou o primeiro lugar do Empreenda São Paulo, concurso de empreendedorismo do Senac. Ana, uma das idealizadoras do projeto, acredita que as mulheres viajariam mais se tivessem as mesmas condições de igualdade em relação ao homem, e que, infelizmente a cultura de culpabilização da vítima é um fator a ser desenvolvido para que as mulheres conquistem maior espaço. “Estamos assistindo a uma série de retrocessos de direitos conquistados não só aqui no Brasil, mas também ao redor do mundo”, observa. Para ela, a questão cultural embutida na bagagem feminina – como o medo da violência - deve ser, aos poucos, desconstruída com informação, histórias reais, e claro, precaução. Uma pesquisa do TripAdvisor, um dos maiores sites de viagens, realizada com mais de nove mil mulheres em todo o mundo, revelou que uma em cada quatro no Brasil viaja sozinha. Entre os principais motivos, estão a liberdade de escolher

o que querem fazer (65%) e a falta de tempo e/ou dinheiro de amigos e familiares (30%) para acompanharem. Este último foi o caso da professora Aline de Oliveira Leonel, 26, que, diante da falta de vontade e compromisso de amigos e familiares, motivou a si mesma e embarcou sozinha rumo a um mochilão de um mês em mais de seis países da Europa, incluindo França, Itália, Vaticano, Dinamarca, Holanda, Reino Unido e Bélgica. Quando questionada se pensou na própria segurança e contrariando todos os prognósticos, Aline disse não ter enfrentado nenhuma situação negativa. Entretanto, tomou algumas medidas que fizeram diferença durante a viagem. “Sempre mantinha parentes e amigos informados de onde eu estava, seja por aplicativo de celular ou mensagem nas redes sociais, e tentava ter uma noção prévia do lugar onde visita-

Div ulg açã o

Jorge Lordello critica a falta de conscientização sobre a violência no Brasil

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ria. Mapas e aplicativos me ajudaram muito, além de sempre manter os pertences mais importantes trancados num locker seguro e ter sempre cópias de documentos em mãos”. Apesar do aumento da procura por viagens, conforme apontou estudo da Sondagem do Consumidor, divulgado em novembro de 2016 pelo Ministério do Turismo, a grande preocupação de uma em cada sete mulheres que viajam sozinhas ainda é a segurança. Proatividade O especialista em segurança e apresentador do programa Operação de Risco, da Rede TV, Jorge Lordello, ressalta que o aumento da violência dos últimos 20 anos resultou na democratização do assalto, com algumas peculiaridades que colocam as mulheres como alvos em muitas situações. E apesar da maior preocupação referente aos assuntos de segurança partirem delas, Lordello destaca a importância da proatividade como princípio básico da garantia de segurança, independente do gênero. “A cultura brasileira da reatividade baseia-se na tomada de atitude após ser vítima da violência, quando na verdade as pessoas deveriam antecipar o trabalho”, explica. Enquanto atuou como delegado de polícia em São Paulo, na década de 90, Lordello realizou uma pesquisa envolvendo mais de 1.200 criminosos, 2 mil vítimas, 150 policiais, juízes e promotores, e observou que a violência é muito mais um problema pessoal do que dos policiais. Ele explica que a responsabilidade da segurança é dividida entre o Estado e as pessoas, com proporções diferentes. “A segurança pública é um dever do Estado e, em um aspecto amplo, envolve prefeitura, envolve Estado, envolve Federação e o Judiciário. Mas, paralelamente a isso, a pessoa não pode ficar esperando que o Estado resolva todo o problema. Por isso, o cidadão também precisa fazer a sua parte. Daí, entra a segurança particular ou privada”. edição 83 | agosto | 2017

[ ] “Viajar sozinha pode ser considerado uma forma de protesto”

Lordello compara as políticas adotadas por países desenvolvidos no quesito prevenção e afirma que essa é a falha existente no Brasil, uma vez que aqui não se investe na conscientização. “Esses países fazem um trabalho de conscientização muito importante de um modo geral, quando governo e família investem desde cedo na prevenção. A legislação é muito mais rígida, quando você tem o toque de recolher após determinado horário, bares fechados durante a madrugada, multas para quem estiver bebendo na rua ou carregando bebida alcoólica dentro do carro”, destaca. Como forma de manter-se atenta ao local e pessoas à sua volta, a blogueira do site LivreBlog e mochileira desde os 16 anos, Amanda Areias, conta algumas atitudes preventivas adotadas enquanto viajava pela Índia. “Lá, sempre que eu precisava de num táxi, tirava foto da placa e, ao entrar no carro, fingia que estava ligando para meu suposto marido e falava em inglês: oi amor, eu já estou indo te encontrar, estou no táxi e chego em 20 minutos, a placa do carro é tal. Obviamente era tudo mentira, nem sinal de telefone eu tinha, mas isso me tornava mais confiante e, claro, servia de alerta a qualquer mal-intencionado”. A blogueira também considera que viajar sozinha é uma forma de protesto. “Decidi que eu não ia deixar de fazer o que eu queria por falta de companhia e nem por medo. Viajar sozinha, num mundo como o nosso, pode ser considerado uma forma de protesto exatamente pelo fato de ir contra tudo o que a sociedade machista prega para nós: ficarmos em casa”.  

O Guia Universal, da escritora Janice Waugh, autora do livro “The Solo Traveler’s Handbook” (em português, O Manual do Viajante Solitário), traz dicas sobre preparativos, transporte e acomodação que podem ser úteis a qualquer um. Mas no que diz respeito à segurança das viajantes mulheres, fica explícito que o gênero faz diferença, e por isso ela lista algumas observações: • Ficar em lugares públicos e abertos, com pessoas na rua, principalmente à noite; • Evitar “parecer” turista; • Destacar-se muito da multidão deixa claro que o local é desconhecido e faz o viajante parecer mais vulnerável; • Entender a cultura local para se adaptar melhor às regras de vestimentas e comportamento; • Procurar por outras mulheres viajando sozinhas - fazer amigos durante a viagem ajuda na troca de experiência; • Fazer parte de comunidades virtuais de mulheres viajantes.

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segurança emocional

fazem parte da escolha

Autoconfiança é essencial para abrir caminhos e novas possibilidades

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Se as incertezas sobre o futuro profissional estão presentes em sua vida, saiba que esse medo é mais comum do que se imagina

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Juliano Maciel, Amanda Tonelli, Isadora Coletto, Isabella Vieira

AMANDA WENDLAND amandawendlandm@gmail.com

ISABELA GUEVARA isabela.guevara@yahoo.com.br

É

comum a insegurança aparecer quando o assunto é o futuro. O importante é ter em mente que suas escolhas não são definitivas e correr atrás daquilo que você realmente gosta. Cuidar do corpo é uma prática que vai além de estética e beleza, é uma questão de saúde e bem-estar. Ter uma alimentação saudável, criar uma rotina de exercícios e muitos outros cuidados são a base para manter uma vida saudável e adequada, bem como tomar medidas preventivas para evitar riscos desnecessários e garantir que nada de errado aconteça ao corpo a partir de nenhuma experiência desagradável. Entretanto, quando se trata de saúde emocional, como garantir a segurança de algo ainda mais importante: o equilíbrio mental? É natural do ser humano estar sempre em busca de novos objetivos e metas, fazendo todo o possível para alcançá-los. Este fato é o que nos mantém vivos, “correndo atrás de nossos sonhos” e, para isso, é necessário que nossa psique esteja em completa harmonia com o exterior. Diversas são as situações em que as pessoas se encontram em conflito com os desafios apresentados, e é a partir delas que somos capazes de enfrentar nossos medos, partindo em busca de realizações que proporcionarão a tão almejada felicidade.

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Um exemplo disso é o que aconteceu com a farmacêutica Tânia Cristina Teixeira, 44, enquanto ainda era uma estudante de graduação. Em seu último ano da faculdade, Tânia foi convidada por uma professora para estagiar num hospital. “Após um período de quatro meses, saiu meu registro do Conselho Regional de Farmácia (CRF), e desta vez fui convidada pelo próprio hospital para me tornar a farmacêutica. Assumi o cargo por cinco anos. Eu tinha horário para entrar, mas na maioria das vezes não tinha horário para sair”. Dois anos depois, a farmacêutica iniciou uma pós-graduação na área, decisão que exigiu ainda mais tempo. Foi apenas depois de mais um ano que Tânia se questionou se aquilo realmente a fazia feliz. Nesse momento surgiu a oportunidade de trabalhar no negócio da família, no ramo de contabilidade. Apesar de sua formação inicial, a profissional encarou o novo desafio em uma área completamente diferente, e mudou o rumo de sua carreira profissional. Segundo a coach Alessandra Zandoná, qualquer mudança pode criar um estado de insegurança, pois retira o indivíduo da zona de conforto. Porém, em situações nas quais o trabalho passa de satisfação a uma obrigação tortuosa, mudar pode ser necessário e extremamente benéfico. A psicóloga Jane Silva Rodrigues Carollo também relata que toda segurança implica em conhecer todos os riscos que envolvem suas escolhas. “Estar consciente  

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É comum a insegurança aparecer quando o assunto é o futuro

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que escolhas autênticas implicam em caminhos novos certamente gera angústia e ansiedade, e tal consciência significa estar pronto para enfrentar desafios que muitas vezes não foram experimentados, pois o novo traz o inesperado. E o inesperado pode muitas vezes ser interpretado como ruim ou como escolhas ‘erradas’”, conta. Assim, muitas vezes, o medo presente nessas situações não é propriamente da tomada de decisão, e sim de suas possíveis consequências.

Psicóloga Jane Carollo acredita que amadurecimento e experiências de vida ajudam a enfrentar os momentos de indecisão

Formação Escolher a profissão a seguir pelo o resto da vida é uma pressão e tanto quando se tem apenas 17 anos, a chamada “crise do ensino médio”. Jovens e adolescentes vivem a insegurança para descobrir se escolheram certo. Primeiramente é preciso entender que não se identificar com a escolha e buscar outras não é uma Isabela Guevara

decisão fatal. A possibilidade de mudar está presente para enfrentar novos desafios e se encontrar. De acordo com a coach, a escolha do curso pelo vestibulando é o momento no qual as decisões são tomadas de forma precoce e em função da idade, “uma vez que fisiologicamente o indivíduo ainda não possui córtex pré-frontal mielinizado, a área [do cérebro] que facilita os processos de tomadas de decisões. Dessa forma, pode ser muito influenciado pela família ou profissão do momento”, completa Alessandra. Nesses casos, muitos fatores podem interferir, como os chamados sentimentos tóxicos. Foi o que aconteceu com Sara Vidal Crivelari, estudante de direito. Atraída desde criança pela área de fundamentos estéticos, como design e arquitetura, a estudante resolveu ingressar no curso de Arquitetura e Urbanismo. Sara conta que o primeiro contato com o curso foi uma experiência incrível, mas a empolgação não durou muito. “Aos poucos, toda aquela emoção e vontade de estudar a área foram se perdendo e eu não sabia o porquê. A faculdade, em especial o curso, não eram exatamente o que eu imaginava, sentia que alguma coisa não estava certa. Com o tempo, até frequentar o ambiente estava sendo muito difícil e estressante. De repente me vi em uma situação em que não sabia se deveria continuar e esperar mais um pouco para ver se mudaria de ideia ou se parava o curso e começaria outro. O problema é que não eu não tinha uma segunda opção de graduação, então começou o caos psicológico”, explica a estudante. Na ocasião, Sara optou por trancar a curso de Arquitetura. Com o apoio dos pais, se matriculou em um cursinho pré-vestibular e voltou a estudar as diversas matérias essenciais para ser aprovada novamente em uma universidade. “Foram noites e mais noites mal dormidas por conta dessa situação, por não saber o que fazer

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Pixabay

[ ] “O novo traz o inesperado. E o inesperado pode ser interpretado como ruim”

da vida. Era um sentimento muito triste e desestimulante, sentia que todos os meus amigos do colegial estavam seguindo suas vidas enquanto a minha estava ficando para trás. Procurei ajuda de um psicólogo que me encaminhou para um psiquiatra. Desenvolvi uma ansiedade tão forte que precisei tomar ansiolíticos, além das sessões semanais de terapia”, relata. Para ajudar em momentos como esse, o auxílio de um profissional é muito importante, já que ele poderá mostrar o melhor caminho para a alcançar a satisfação pessoal. Segundo Alessandra, o papel do coach é “auxiliar nas descobertas de suas forças e fraquezas, potencializando o que tem de bom e eliminando impeditivos”. Jane complementa

Escolha do curso pode ser facilitada quando se familiariza com as situações mais comuns da profissão que se pretende seguir

lembrando que “o psicólogo possui recursos que reduzem o tempo para redesenhar escolhas”, ou seja, rever valores, significados e sentimentos. Assim, paralelamente ao acompanhamento psicológico, a estudante também participou de diversos cursos vocacionais e, ao fim, optou pelo curso de Direito. “Foi uma grande mudança de área, porém jamais me arrependi. Me identifico cada dia mais com essa profissão e entendo que foi necessário passar por tudo que passei para ter certeza de que realmente é isso o que eu quero para minha vida”, completa Sara.  

A escolha é realmente sua? Diferentemente do que acontece na escolha de uma graduação, as opções de trabalho são mais restritas. Nesse momento, não é possível pesar “apenas” as preferências e aptidões, mas também questões como remuneração, necessidade e disponibilidade. No caso da carreira profissional, fatores como sustento, família e experiência são itens que não podem ser deixados de lado. Quando a dúvida “estou no caminho certo?” aparece, a autoconfiança, a segurança emocional de encarar algo tão inesperado é reclamada e pode (ou não) ter papel decisivo. “Quando

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nossos talentos estão paralisados, não conseguimos gerar mudanças ou sustentar caminhos que transformam o meio que vivemos em algo melhor”, explica a psicóloga Jane Carollo. Jane completa que, “à medida em que vivemos, podemos desenvolver talentos e capacitações que nos levam a outras áreas”, como é o caso da carreira profissional. “Quando escolhemos nossa primeira formação, ainda não temos experiência de vida suficiente para saber o que de fato gostamos de fazer e nos equivocamos”. Isso é facilmente observado na experiência da farmacêutica Tânia Cristina Tei-

xeira, que tomou a decisão de mudar de carreira ainda que estivesse empregada. Apesar de seu sucesso profissional, a especialista em farmácia não encontrava satisfação, e foi somente em uma área completamente distinta que pôde encontrar o que buscava. “Continuo trabalhando muito, mas hoje tenho qualidade de vida e isso não tem preço!”, completa. Técnica em contabilidade, Tânia tem tempo para se dedicar a outras atividades. “Hoje eu realmente estou feliz. Sou apaixonada pelo ramo hospitalar, mas isso não bastava. Acaba não te completando”, finaliza.

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Ilustração: Gabriele Maria

direitos

COMBATE À

violência

Com apoio e orientação, Promotoras Legais Populares ajudam mulheres a conhecer garantias para se livrar da violência imposta pelos homens [32]

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Fotos: Andressa Santos

ANDRESSA SANTOS andressasanttos_@hotmail.com

LÍDIA PONCIANO lidiamara_ponciano@hotmail.com

MARCELA FREITAS PAES marcelafpaes@gmail.com

J

osé chega em casa embriagado. Maria vê o estado do marido e reclama. Ele, em um momento de fúria, desfere golpes contra ela. Não foi a primeira vez e, provavelmente, não seria a última. Os nomes são fictícios, mas a história está longe de ser inventada. De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, a cada quatro minutos uma mulher é vítima de violência no país. A cada 11 minutos, um estupro é cometido. No ano passado foram registrados 47 casos de estupro em Piracicaba. Em 2017 foram registrados nove casos até abril. A partir dessas estatísticas, é possível observar o quanto as mulheres se encontram vulneráveis na sociedade e, por conta disso, como ações realizadas pela própria população feminina vem ganhando força. No Brasil, uma dessas iniciativas foi intitulada de Promotoras Legais Populares (PLPs). Apresentar o direito como instrumento de libertação, democratização e desenvolvimento. Esse é o objetivo das PLPs, que visam fortalecer e auxiliar todas as mulheres - transexuais, lésbicas, negras - das comunidades sobre seus direitos legais. “Às vezes, a gente não tem todos os direitos, não tem todos os aparelhos na cidade, mas a gente consegue acionar pessoas que podem ajudar. Você tem uma amiga que não tem condições de pagar um advogado, mas se você conhece uma PLP advogada, ela pode tirar suas dúvidas e acalmá-la”, afirma Bianca Coré, historiadora e uma das organizadoras do movimento em Piracicaba.

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Juntas, as PLPs têm como ideal lutar por melhor atendimento oferecido pelos órgãos do Estado, principalmente as delegacias “especializadas”, que, segundo Silvana Veríssimo, integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o tratamento está longe de como deveria ser.

Mulheres que participaram da primeira aula do curso Promotoras Legais Populares de Piracicaba, em março deste ano

Poder da informação De acordo com Bianca, toda mulher que faz ou fez o curso e é PLP tem condições de encaminhar uma mulher para uma rede de atendimento público. “O que acontece nesse curso é que você forma uma rede, você acaba conhecendo o que é uma Defensoria Pública, então ela consegue encaminhar uma mulher para a defensoria ou para o Centro de Referência de Atendimento à Mulher. A ideia é que todas tenham condições de acesso a direitos”.

Segundo a promotora legal Luiza Kame, as PLPs tiveram início em solo piracicabano no período de ocupação das escolas, em 2015, com o apoio da advogada Danielle Godói e demais parceiras da capital paulista e de Piracicaba. Segundo a organização, a ação é apartidária e não possui verba e edital, tudo é feito de forma autônoma e colaborativa.

Criado pela União de Mulheres do Município de São Paulo, com o apoio da organização Themis – Gênero e justiça (RS), do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP), e do movimento do Ministério Público Democrático (PPD), o 1º curso para se tornar Promotora Legal Popular no Brasil teve início na cidade de Porto Alegre, em 1993. Hoje, o projeto cresceu e está presente em Guarujá, Santo André, São Carlos, São Paulo (Bela Vista e Zona Sul), Sorocaba, Mauá, São Bernardo do Campo, Piracicaba, Águas de São Pedro, Itaquaquecetuba, Diadema, Jundiaí e Brasília.

O movimento, segundo Bianca Coré, foi encabeçado no Brasil por mulheres mais velhas, mas a presença das jovens tem aumentado gradativamente. Em Piracicaba, a idade das promotoras varia (a mais nova tem 16), mas a média está entre 20 e 30 anos. Atualmente existem 23 PLPs na cidade, e o curso em 2017 teve, até abril, 75 inscrições. A ideia, segundo elas, é justamente ensinar as mulheres para que propaguem o conhecimento na comunidade onde vivem, podendo, inclusive, criar novas turmas, como em Águas de São Pedro.    painel

[33]


[

“A ideia é que todas tenham condições de acesso a direitos”

CRIMES

CONTRA ELAS

Levantamento sobre a violência contra a mulher no estado de São Paulo Janeiro a Janeiro a Fevereiro Fevereiro 2016 2017 Homicídio doloso

17

16

Homicídio culposo

3

2

Tentativa de homicídio

55

49

9303

8743

Lesão corporal dolosa Maus tratos

62

58

Calúnia/ difamação/injúria

2459

2223

Constragimento legal

17

14

10047

10126

Invasão domiciliar

108

52

Dano

158

150

Estrupo consumado

92

96

Estrupo tentado

6

13

Estrupo de vulnerável

65

29

Outros c/c dignidade sexual

7

13

Ameaça

Fonte: Secretaria de Segurança Pública/SP

A jovem Priscila Padilha quer se tornar promotora para ajudar a empoderar mulheres

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painel

]

Sobre as ações tomadas pelas promotoras, Luiza Kame menciona um caso de Águas de São Pedro, onde a prefeitura afirmava a uma mãe que, para conseguir vaga na creche, era necessária a entrega do holerite comprovando trabalho em período integral. O caso foi resolvido por uma PLP, que trabalhava na prefeitura e, ao saber do caso, conversou com uma defensora pública e conseguiu a vaga. Em Piracicaba, o curso é realizado na periferia. O local foi escolhido a dedo pela PLP e educadora infantil Mayra Camargo. “Aqui é a maior região e a mais populosa, onde mais acontece violência contra a mulher”. Ela destaca que seu primeiro atendimento como promotora legal foi em março, com uma conhecida que apanhou do marido. Mayra levou a vítima até o IML para o exame de corpo de delito e precisou se posicionar para conseguir o atendimento. A promotora continua: “aprendi que a gente pode muita coisa, que a Justiça fica escondida e não nos dá essas falas

todas. Então, a gente fica nesse mundo machista. Você chega na DDM e pode representar na hora, mas ninguém fala isso, e até tentam desencorajar os casos de mulheres que tentam”. A atendente e técnica em mecânica industrial Priscila de Oliveira Padilha, inscrita no curso deste ano, conhece muitos casos de violência contra a mulher. “Uma senhora do meu bairro faleceu com 47 anos esfaqueada pelo ex-marido dela. Infelizmente isso é normal, ainda mais sendo na periferia”. A futura PLP pretende compartilhar o que aprender com quem precisa, e mostrar que as mulheres devem se unir para lutar pelos direitos. Violência contra a mulher no Brasil Segundo os dados da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, entre os anos de 2005 e 2015 foram realizados cerca de 4,7 milhões de atendimentos, sendo 552 mil relatos de violência. O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de crimes do gênero do Mapa da Violência de 2015, contabilizando 4,8 feminicídios a cada 100 mil mulheres. Segundo levantamento do Datafolha, em 2016, 503 mulheres sofreram algum tipo de violência por hora no Brasil. A primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) foi criada em 1985 no estado de São Paulo, que foi o primeiro a contar com esse atendimento de mulheres vítimas de violência, seja ela física, sexual ou moral. Entretanto, o número de DDM ou Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher) não acompanhou o crescimento significativo de crimes contra a mulher no Brasil. Em 2007, eram 397 espalhadas em todo o território nacional. Atualmente são 447, ou seja, em 10 anos foram abertas apenas 50 novas delegacias desse tipo. edição 83 | agosto | 2017


Como procurar ajuda na região Em Santa Barbara d’Oeste, as vítimas de violência podem procurar a DDM ou via WhatsApp. Por meio do aplicativo é possível tirar dúvidas como registrar boletins de ocorrência, o que fazer após uma situação de agressão e outras necessidades. As informações são prestadas por profissionais que trabalham na delegacia. O número para contato é (19) 99477-1321.

Proporção do número de cidades com DDM/DEAM por estado Fonte: Mapa Interativo/Revista AzMina Arte : Marcela Freitas

Outro problema é a distribuição delas: dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 424 possuem esse serviço, cerca de 7,6% do total: uma para cada 233,457 mulheres. O Sudeste é região que mais concentra delegacias especializadas, com 48,54%, seguida do Nordeste (18,56%), Sul (14,09%), Norte (9,39%) e Centro Oeste (8,94%). O estado com maior número é São Paulo, com 131 e o menor é o Acre, com apenas uma. Piracicaba conta com uma DDM. Na região, as especializadas estão presentes, também, em Santa Bárbara d’Oeste, Americana, Limeira, Sumaré e, em breve, Rio Claro. Uma funcionária da DDM de Sumaré, que pediu para não ser identificada, explicou que muitas mulheres denunciam seus agressores quando não veem perspectiva de melhora. Segundo ela, existem casos de mulheres que querem apenas ameaçá-los: “Muitas mulheres vão até a DDM para ‘dar um susto’ no agressor, achando que o simples fato de registrar o B.O (boletim de ocorrência) irá assustá-lo e que ele não irá mais agredi-la”. A função das funcionárias de uma DDM, de acordo com a funcionária, é muito edição 83 | agosto | 2017

mais do que registrar as denúncias. Elas trabalham o lado psicológico das vítimas, tentando conscientizá-las de seus direitos e formas de sair daquela situação. “O respeito é primordial nesse tipo de atendimento porque a mulher está fragilizada pelos ocorridos, foi na DDM para pedir socorro, não para ser humilhada ou rechaçada, nós precisamos ter essa preocupação e ter cuidado na abordagem”, explica. O delegado da DDM Sumaré, Elias Kobayashi, afirma que a delegacia precisa de melhor estrutura para atender de forma imediata às vítimas. Entretanto, ele também comenta que as mulheres hoje têm mais coragem para denunciar, pois sentem-se mais protegidas. A escrivã da DDM Americana, Ana Furtado, comenta que as ocorrências mais comuns são injúria e ameaça, e que, por dia, são atendidas de 5 a 10 mulheres, principalmente às segundas e terças-feiras, porque muitos dos crimes ocorrem no fim de semana. A delegacia tem parceria com uma faculdade da cidade, oferecendo estágios para estudantes de psicologia que realizam atendimento às vítimas. A atendente da DDM de Limeira se recusou a responder perguntas da reportagem. Já a DDM Piracicaba alegou que, devido ao grande fluxo de atendimentos, não seria possível retornar o contato.  

A vítima também pode ligar para o 190 (número de emergência da Polícia Militar) e pedir o encaminhamento da ligação para a DDM mais próxima. Outra opção é o 180, criado especificamente para mulheres em situação de risco e violência. Limeira foi a primeira cidade do Estado a adotar o projeto Programa Priscila Munhoz, popularmente conhecido como botão do pânico, criado em homenagem à jovem de 26 anos que foi assassinada pelo ex-namorado em 2013. Ao ser acionado, o dispositivo emite um sinal para o Centro de Operações da Guarda Municipal e o aparelho grava a conversa, transmitindo a mensagem para a Central, que envia uma equipe ao local da ocorrência. Americana tem o Lar da Mãe Esperança, abrigo para mulheres vítimas de violência que precisam sair de casa e não têm onde ficar. Já Piracicaba possui o Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram), serviço público que conta com psicóloga, advogada e assistência social preparadas para atender mulheres em situações de risco. O Cram fica na Rua Coronel João Pereira Almeida, n° 230, Nova América. O atendimento é realizado de segunda a sexta, das 8h às 17h.

painel

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crime

Não é sexo, é violência

Em uma década, número de estupros aumentou 280% nas quatro maiores cidades da região de Piracicaba ANA CLARA GASPARETO anacgaspareto@gmail.com

VITOR FEREZINI vitor.ferezini@gmail.com

N

o dia 17 de maio de 2015 foi ao ar um episódio controverso da série “Game of Thrones”, da HBO. O episódio terminava mostrando a noite de núpcias da personagem Sansa Stark, após um casamento forçado. Nele, o novo marido, Ramsay Bolton, a obriga a se despir e a estupra enquanto faz seu próprio irmão assistir à ação. O capítulo causou grande comoção nos telespectadores e, logo após a exibição, transformou-se em grande polêmica. Diversas pessoas julgaram a cena como desnecessária; outras defendiam a série, justificando que o contexto do roteiro tinha certa liberdade para trazer cenas chocantes como essa. Várias discussões se estenderam pelas redes sociais, mas o que ninguém poderia negar é que sempre que o assunto “estupro” é colocado em pauta, gera perturbação e uma disparidade de opiniões. Polêmica à parte, há um ponto em que todos concordam: estuprar alguém é uma atitude abominável. No entanto,

[36]

painel

segundo o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2016, um estupro ocorreu a cada 11 minutos no Brasil. Na região de Piracicaba, levantamento realizado pela equipe da Painel, com base em informações disponíveis no site da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), tirando a média do número de estupro nas quatro maiores cidades da região – Americana, Limeira, Piracicaba e Rio Claro –, em 2006, e comparando com os registros de 2016, houve aumento de 280%. Entre as quatro cidades, Limeira teve o maior aumento, passando de oito casos, em 2006, para 82, em 2016. Percentualmente, o aumento passou de 900%. Quando procurado pela reportagem, o delegado Antônio Luis Tuckumantel, da Seccional de Limeira, não quis dar informações sobre o trabalho desenvolvido na cidade para evitar esse tipo de crime. Em 7 de agosto de 2009 foi sancionada a lei nº 12.015, que fez com que o crime de estupro fosse reunido ao de atentado violento ao pudor. Com isso, todo e qualquer ato libidinoso passou a edição 83 | agosto | 2017


Alanna Antonio, Beatriz Réckia, Josiane Barros, Lucas Pedreira, Rafaela Sales

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ser considerado estupro. O aumento do número de estupros, no entanto, não se justifica apenas pelo vigor da lei que ampliou as situações que se enquadram nesse tipo de crime, pois antes da mesma ser sancionada os números continuavam crescendo ano a ano.

Clara Garcia Grizotto criou um grupo no WhatsApp chamado “Ajuda das Minas”, que conta com aproximadamente 200 mulheres da cidade e da região que utilizam o grupo para mandar mensagens de socorro no caso de estarem passando por uma situação de risco.

O déficit de policiais civis ajuda a explicar a falta de investigação em parte dos casos. Embora a SSP informe, em nota, que 3 mil policiais foram contratados desde 2011, e R$ 241 milhões foram investidos na compra de viaturas, o Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo (Sindpesp) aponta déficit de 9 mil policiais.

Clara conta que a ideia de criar o grupo surgiu depois de ver as notícias sobre o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos, no Rio de Janeiro, em maio de 2016. Segundo ela, “a ideia nunca foi oferecer proteção, mas um espaço seguro para as minas se apoiarem, se acalmarem e oferecerem ajuda em situações de risco. As leis são frágeis, as delegacias especializadas não funcionam aos fins de semana, o tratamento às vítimas beira o desumano - isso sem fazer recorte de gênero, classe e cor”, pontua.

A precariedade por parte dos órgãos públicos contribui para que mulheres busquem alternativas para a própria proteção. Em Piracicaba, a jornalista edição 83 | agosto | 2017

“Toda mulher sabe como é sofrer com o machismo”

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Para a psicóloga Thayná Baltieri, a questão do estupro é cultural, visto que vivemos em uma sociedade na qual ainda permeia a mentalidade machista, como pode ser observado por uma pesquisa de 2016, realizada pelo Datafolha, que aponta que um em cada três brasileiros acredita que, nos casos de estupro, a culpa é da mulher. “Quando dizemos que o estupro não é sobre sexo, mas sobre violência, queremos dizer sobre as relações de poder que permeiam os relacionamentos entre homens e mulheres. Os homens cometem estupro porque sabem que têm o poder de cometer. Romper com o olhar que coloca estupradores em uma caixinha de ‘’anormais’’ é um grande passo para erradicar o problema, uma vez que ele passa a ser tratado com a dimensão estrutural da cultura, e não como um problema mental, orgânico, individual”, afirma a psicóloga. Projeto de lei e pena No dia 7 de fevereiro de 2017 foi colocado em pauta na Câmara dos Deputados o projeto de lei para a criação do Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. O projeto, que ainda não foi votado, visa criar um fundo para receber orçamento de doações, convênios e rendimentos para investir no combate à violência de gênero. A pena para crimes contra a dignidade sexual é reclusão de 6 a 10 anos. Se houver lesão corporal grave ou se a vítima tiver entre 14 e 18 anos, a pena varia de 8 a 12 anos, e de 12 a 30 anos se a ação resultar em morte.   painel

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proteção

Sexo

Fotos: Graziela Reina

frágil?

Força, reconhecimento e espaço conquistado pelas mulheres nas corporações da segurança nos últimos 60 anos no Brasil

Christiane Aparecida da Cunha integra o pelotão feminino da Gama há sete anos

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painel

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GRAZIELA REINA grazielajnr@outlook.com

JULIA ZINI juliazini@outlook.com

Q

uando se pensa em segurança, imagens que representam força física vêm à mente com facilidade. Por essa razão, é comum que a atuação das mulheres nas corporações de segurança ainda cause surpresa em algumas pessoas, embora elas sejam tão essenciais à proteção da sociedade quanto os homens. Mesmo assim, foi só na década de 50 que elas ganharam espaço. Em 1953, a assistente da cadeira de criminologia da Escola de Polícia de São Paulo, Hilda Macedo, defendeu a igualdade entre homens e mulheres em uma tese sobre a PM no 1º Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Criminologia. Mas foi só dois anos mais tarde que a criação do corpo de Policiamento Especial Feminino na Guarda Civil de São Paulo, do qual Hilda Macedo foi nomeada primeira comandante, rendeu ao Brasil o pioneirismo na América Latina. As missões das oficiais hoje englobam todos os campos de atuação, do policiamento ostensivo nas ruas às atividades como policiamento escolar e corregedoria. O pelotão feminino da Guarda Municipal de Americana (Gama), que conta com 39 integrantes, foi criado há sete anos. Jessica Belatine faz parte do pelotão desde a sua implantação, e conta que a novidade provocou receio em relação a como as mulheres iriam se desenvolver. A resposta veio com o trabalho. “Desenvolvemos nosso papel, cumprindo nosso dever, resolvendo as situações com as mesmas responsabilidades e deveres de um policial homem”, explica. Com 1,60 metros e 50 quilos, Jéssica gosta de ação. Já participou de atividades que envolviam tráfico de drogas e prefere muito mais a adrenalina de

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pular o muro de uma casa do que fazer relatórios no escritório. Há muitos relatos e considerações acerca da facilidade com que algumas policiais lidam com situações consideradas perdidas. Calma, boa capacidade de comunicação e racionalidade, características mais relacionadas ao gênero feminino, são alguns dos diferenciais das mulheres que atuam na segurança. Existem mulheres que sonham desde criança com a carreira no combate ao crime. É o caso de Christiane Aparecida da Cunha, instrutora na Gama, que

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“A polícia tem que agir com inteligência, não com a força”

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garante que as mulheres não deixam nada a desejar. “Não existe sexo frágil. A polícia tem que agir com inteligência, não com a força”, ressalta. O 19º Batalhão da Polícia Militar de Americana, que atende cinco cidades, possui 44 policiais femininas. A cabo Alcina Maria da Costa entrou para a PM em 1992, e explica que a qualidade do policial é medida principalmente pelo desempenho mental. A cabo conquistou uma medalha por sua ação em uma ocorrência lembrada por ela com emoção.

Tenente Alessandra Neves e cabo Alcina da Costa fazem parte do 19º Batalhão da PM, em Americana

“Era nove horas da manhã, vi um carro vindo na contramão. Olhamos e estranhamos a situação. Pensamos: tem alguma coisa errada com este veículo. Achamos que a princípio fosse apenas uma infração de trânsito, mas fomos abordar. O veículo saiu em marcha à ré, bateu no poste. Dentro do carro havia três homens, duas armas, e eles tinham acabado de roubar uma residência. A família toda estava presa dentro de um dos cômodos. Prendemos os criminosos e a família ficou traumatizada, mas agradecida”. Já a 1º tenente da Policia Militar, Alessandra Cristina Neves, se interessou pela carreira por influência de familiares que integram a corporação. “Somos iguais. É isso que as pessoas não podem esquecer. O efetivo feminino tem crescido muito nos últimos anos, e isso é motivo de grande orgulho, mas ainda vejo que há discrepância de valores ao se referir à policial feminina”, observa a tenente. Com uma jornada de 30 anos na PM, a coronel Adriana Cristina Sgrigneiro ganhou, em 2011, o prêmio da paz, pelo índice de zero crimes durante um ano na companhia comandada por ela. “Isso mostra que ação preventiva e o envolvimento com a comunidade são o caminho para a solução. Acredito que o dever do policial seja esse, e, além disso, que devemos focar na raiz do problema, no porquê das coisas. Usar mais a cabeça”, avalia.   painel

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pornografia

VÍCIO E VORACIDADE

LUIZ SILVA luiz_03@terra.com.br

Ilustração: Marcus Miranda / Pedro Giambroni

Consumo excessivo de material pornográfico estimula insensibilidade, violência física e verbal na relação entre homens e mulheres

A

primeira vez que a palavra “pornografia” apareceu foi na Grécia, há dois milênios. Os gregos tinham o costume de organizar concursos nos quais escolhiam as mulheres com os corpos mais bonitos. Nos séculos seguintes, com a devoção religiosa ganhando força, as igrejas criaram os pecados capitais e incluíram a luxúria como um deles. Após muitos séculos de repressão, eis que surgiram os primeiros artistas que usavam de suas obras para confrontar o clero e seus hábitos. Até meados do século 18, o que existia eram apenas contos pornográficos. Seguindo a ascensão – tecnológica e pornográfica – surgiram os longas-metragens e, junto deles, a nudez feminina nas telas de cinema.

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A facilidade para encontrar conteúdo pornográfico, seja em filmes ou canções, causa riscos à fase de descobertas e transformações corporais dos jovens. O vício em pornografia invade os pensamentos do espectador e a indústria pornográfica busca estimular e realizar todo tipo de desejo masculino, com isso a maior parte dos longas produzidos contém muita violência, seja ela física ou verbal, contra mulheres. O professor de sociologia, Gessé Marques, destaca que a pornografia não é gênero exclusivo nos filmes. “Vivemos em um mundo imaterial, nos dias de

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A fase na qual as pessoas aparentam estar mais propensas em viciar em conteúdo pornográfico é na adolescência, pois o diálogo entre pais e filhos ainda é um tabu, uma vez que muitos não encontram maneiras para alertar os mais jovens sobre os perigos que o consumo pode causar. “Tudo começa pelo interesse. Precisamente na fase de descobertas, modificações corporais e sensações prazerosas tanto ao toque quanto à estimulação por meio de filme, leitura ou comunicação”, explica a psicopedagoga Ana Paula Zumpano. Segundo ela, a lacuna deixada pela falta de diálogo dentro de casa abre um vazio na mente do jovem que, para sanar sua curiosidade, acaba buscando referência com amigos ou filmes. “A pornografia está ligada à depravação sexual, ao que é considerado obsceno, principalmente porque relaciona-se com a violência e relações subordinadas. Essa exposição coloca os usuários sob risco crescente de desenvolver tendências de desvios comportamentais e sexuais”, alerta Ana Paula. Após consumir pornografia, o usuário se sente recompensado, pois sua necessidade sexual foi saciada graças à liberação de dopamina, neurotransmissor responsável pelo mecanismo de recompensa do cérebro e pela produção hormonal. A pornografia também estimula o consumidor a buscar a relação sexual como dominação. Entram em cena as garotas de progra-

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ma que, em troca de dinheiro, buscam realizar as fantasias de cada cliente. B.T. trabalha como acompanhante há três anos e contou sobre a rotina no ramo da prostituição. “É um submundo. Existe tráfico de mulheres, drogas, violência. Ela ressalta que a pornografia serve como aprendizado para muitos jovens, os quais buscam por programas para tentar colocar isso em prática. “Alguns clientes mais novos tentam usar de tapas, submissão ou violência verbal, o que eu não aceito. Muitos tentam até negociar, mas eu não aceito de forma alguma. Toda mulher merece respeito acima de tudo”. B.N. se prostitui há menos de um ano e revela que a experiência de relacionamentos amorosos influenciaram na decisão de se prostituir. “Conforte fui crescendo, tive alguns namorados e todos já tratavam a relação sexual como fator predominante no relacionamento. Me sentia totalmente objetificada e com o passar do tempo surgiram algumas dificuldades financeiras, o que culminou de trabalhar como acompanhante”, explica. “A pornografia é apenas uma fantasia, na qual muitos homens se encontram usados por ela. Uma relação sexual mostrada em um filme não é como a que acontece na vida real. A indústria pornográfica, além de confundir o espectador, mente pra ele, mas muitos homens não conseguem controlar seus impulsos e o desejo para encenar verdadeiramente cenas da ficção se torna um impulso totalmente violento”, desabafa B.N.

muitas vezes, é usada para suprir um vazio sentimental. O psicólogo Bruno Rhein destaca as consequências da dependência desse tipo de material. “Essa obsessão começa a interferir nas relações sociais. Esse é o primeiro agravante. Isso limita a pessoa, enquanto ela usa como um remédio para aliviar tensões e sofrimentos”. “O vício serve para remediar sentimentos, porém não é uma solução, o que acaba interferindo muito na vida da pessoa, pois isso não a encoraja a lidar com a verdadeira causa. Junto do comprometimento físico, vem uma necessidade fisiológica, o que pode gerar uma compulsão. A pornografia conta com suas particularidades e quem a consome acaba tomando esse costume como o consumo de uma droga lícita”, finaliza.    Confira a entrevista sou completa no site reporter .com.br

Psicopedagoga Ana Paula Zumpano ressalta que o diálogo entre pais e filhos, sobre sexo, na fase de descobertas, é imprescindível

Divulg ação

hoje existe uma maior liberalização da sexualidade. O corpo também passou por alterações. A devassidão não se encontra apenas em películas, está presente também nos “pornofunks”, digo isso pois muitas músicas tratam o assunto de maneira explícita. Um hábito social que abre espaço para a violência”, acredita o professor.

“Relação sexual mostrada em filme não é como acontece na vida real”

A pornografia serve como um escape, seja para a tristeza, solidão e, por

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Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians/Fotos Públicas

futebol

LEONARDO COUTINHO lscoutin@gmail.com

MAURO ADAMOLI

citam a violência nos recintos esportivos como justificativa para deixar de acompanhar o futebol in loco.

mauro88adamoli@gmail.com

WESLEY SUDRÉ wesley_sudre@hotmail.com

S

ete em cada dez brasileiros tem o futebol como esporte preferido. Paixão nacional, a modalidade é uma das maiores representações da identidade brasileira mundo afora. No entanto, isso não necessariamente se reflete nas arquibancadas – o Brasil ocupa apenas a 34ª posição na taxa de ocupação de estádios, ficando atrás de países com um engajamento recente na promoção do futebol, como Japão e Estados Unidos. O preço dos ingressos, o horário dos jogos, a precariedade dos serviços de transporte público e o pay-per-view são alguns dos motivos levantados para o baixo comparecimento de público às partidas. Segundo dados do pesquisador Mauricio Murad, no entanto, dois terços dos torcedores

O desinteresse do brasileiro em se deslocar ao estádio é respaldado pelos números. De 1999 a 2016, foram 176 mortes conectadas diretamente ao futebol – índice que coloca o país como o mais violento entre aqueles de “primeiro mundo”, que possuem pesquisas mais confiáveis sobre o tema. E pior: 68,8% das mortes são de torcedores sem vinculação com os responsáveis diretos pelas agressões. Ou seja, em grande parte, quem paga o pato é o torcedor comum. Como retaliação à morte de um idoso de 60 anos, em uma praça de São Paulo, após um clássico entre Corinthians e Palmeiras, em abril de 2016, o Ministério Público de São Paulo instaurou a torcida única nos jogos envolvendo os quatro clubes grandes do Estado. Além disso, também houve

‘Torcida única é a falência do Estado’ Pesquisador condena medidas adotadas pelo Ministério Público de São Paulo para conter a violência nos estádios

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a proibição de faixas e adereços de organizadas. Inicialmente a medida teria validade até o fim do ano passado, mas foi ampliada e não tem prazo para acabar. E essa é justamente a crítica de jornalistas e pesquisadores. “Acho que seriam aceitáveis se fossem medidas paliativas. Você exclui parte importante do espetáculo de um jogo de futebol para supostamente facilitar o trabalho das autoridades, mas não resolve nada de maneira definitiva”, ressalta o jornalista da ESPN, Gian Oddi. Outra falha, destacada por Mauricio Murad, sociólogo e pesquisador do edição 83 | agosto | 2017

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“Eles depredam, eles agridem, eles matam, saqueiam”

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Proibição de artefatos nos estádios empobrece o espetáculo, segundo analistas

tema há 26 anos, é o fato de que a torcida única concentra esforços na contenção da violência dentro dos estádios, sendo que cerca de 90% dos conflitos, agressões e até mesmo mortes, acontecem no trajeto das partidas. “Nós tivemos conflitos em uma distância de até 60 quilômetros da porta do estádio, e em dias e horários diferentes dos jogos. O trabalho é concentrado onde a situação está sob controle”, avalia.   painel

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Polícia Militar escolta torcida são-paulina a caminho do estádio

Criticadas por grande parte da imprensa, as estratégias adotadas pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo são bem avaliadas pela cúpula do órgão e pelo Ministério Público. “A experiência de torcida única foi exitosa. Conseguimos uma redução de cerca de 80% na violência em eventos esportivos, não só dentro do estádio, como no acesso”, comenta o promotor Paulo Castilho. Organizadas são o cerne do problema? O debate mais presente quando se é abordada a violência no futebol é o papel que as torcidas organizadas exercem e qual o impacto delas

no alto índice de mortes registrado nas últimas duas décadas. No Brasil, hoje, aproximadamente 2,5 milhões de pessoas integram esses grupos. Castilho não hesita em classificar essa parcela de torcedores como maior causadora da violência. “Eles se reúnem com a intenção de arrecadar dinheiro e praticar atos de barbárie. Eles depredam, eles agridem, eles matam, saqueiam. Já tem, inclusive, deputados em Brasília que cogitam a criação de uma lei que proíba a existência dessas organizadas”, ressalta. Na contramão do pensamento das autoridades, Murad lembra que a violência entre torcedores, no Brasil, é prati-

PRINCIPAIS CONFRONTOS ENTRE TORCEDORES

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Robson Fernandjes/Fotos Públicas

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“É a decretação da falência do Estado”

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sidade de uma reformulação, André Azevedo, um dos criadores da associação, descarta culpar as torcidas pela violência. “Não existe violência no futebol. Existe violência social. Eu, às vezes, me pergunto se a galera acha que a gente mora na Suíça, e o futebol é um caso à parte. As pessoas se espantam com a violência no futebol como se a violência não fosse urbana, não fosse do nosso cotidiano”.

cada por uma minoria de vândalos – de 5% a 7% dos membros pertencentes às organizadas. “É importante que se diga que não são as organizadas como um todo, mas gangues delinquentes que se relacionam com o tráfico de drogas e o crime organizado, e se infiltram nas torcidas para se esconder nelas e cometer seus delitos”, acredita. Entre as próprias organizadas, existe a consciência de que algo precisa ser mudado. A Associação Nacional de Torcidas Organizadas (Anatorg) foi criada em 2014 com o objetivo de unir as torcidas, e hoje conta com a adesão de mais de 100 grupos espalhados pelo país. Apesar de admitir a neces-

Mata-se o gado para acabar com o carrapato, compara pesquisador No Brasil, se gasta três vezes mais com as consequências da violência do que com a prevenção, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Dos R$ 277 bilhões gastos em segurança no ano de 2015, R$ 210 bilhões foram empregados na política de repressão. Para Mauricio Murad, a instituição da torcida única está inserida neste contexto. “É a decretação da falência do Estado, da segurança pública, é a vitória da bandidagem e da transgressão. Esse tipo de medida é querer matar o gado para acabar com o carrapato. É o reconhecimento de que a segurança pública não consegue conter essas gangues infiltradas nas organizadas. Fere a Constituição, fere a cultura do futebol e fere o direito de ir e vir das pessoas”, completa o sociólogo e pesquisador.   

Fontes: ESPN, Folha de S. Paulo, UOL Esporte, Blog Rodrigo Mattos

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[ ] “Tivemos conflitos em uma distância de até 60 quilômetros do estádio”

Despreparo brasileiro e o exemplo inglês Um dos pontos centrais na discussão que envolve segurança em grandes espetáculos. No Brasil, o único trabalho voltado exclusivamente ao treinamento de oficiais para a atuação em jogos de futebol é realizado no Rio de Janeiro, pelo Grupamento Especializado de Policiamento nos Estádios (GEPE). Autoridades inglesas conseguiram reduzir a violência nos estádios após tragédias em 86 e 90

“É necessário um treinamento específico da policia para lidar com multidões. O individuo que se sente invisível,

quando inserido em uma multidão, se sente no direito de fazer o que não faria sozinho ou em pequenos grupos”, analisa o pesquisador Mauricio Murad. O exemplo mais recente de sucesso no combate à violência nos estádios vem da Inglaterra, onde duas tragédias, entre 1985 e 1989, mataram 135 torcedores. Ambos os episódios fizeram com que a primeira ministra na época, Margareth Thatcher, determinasse a elaboração de uma detalhada investigação sobre as causas do incidente e de melhorias para evitar novas mortes. Escrito pelo magistrado Peter Murray Taylor, o Relatório Taylor mudou radicalmente o futebol inglês. Desde então, 30 estádios foram construídos, e os que já existiam Gil Leonardi/Imprensa MG

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NÚMEROS ENVOLVENDO BRIGAS DE TORCIDAS NO BRASIL Brasil é 1º em mortes de torcedores

São ao todo 700 organizadas cadastradas 435 atuantes

5% a 7% dos integrantes de organizadas, são violentos

176 mortes entre 99 a 2016 2010 a 2016 - 117 mortes, média de quase 17 por ano

udré esley S Arte: W

90% dos conflitos são fora do estádio

1999 a 2008 - 42 mortes

2009 a 2011 - 31 mortes

foram reformados para atender às novas exigências. Alambrados foram extintos. A política de repressão deu lugar a uma postura de prevenção da violência. O foco não era mais conter o problema e, sim, antecipá-lo. Sistemas de monitoramento por câmeras se tornaram obrigatórios nos estádios. A truculência policial foi substituída pelo trabalho de inteligência.

E esse é justamente um dos pontos mais cruciais na política britânica de combate à violência no futebol. Foram 2.456 prisões de torcedores na temporada 2012-2013. E em grande parte dos casos, os infratores recebem punições que variam de três a dez anos afastados dos jogos. E ainda precisam ficar em uma delegacia no horário em que seu time joga.

Aplicação efetiva da lei Em 2015 e 2016, 97% dos crimes ocorridos no futebol brasileiro não sofreram as sanções determinadas pela legislação. Enquanto a massa de torcedores é penalizada pela agressão de poucos, é justamente essa minoria que continua livre e impune para voltar aos estádios e cometer os mesmos crimes.

O esporte espetáculo Torcidas mistas em clássicos paulistas? Esqueça, pelo menos por um tempo. Uma vai ao estádio, a outra assiste em casa. Sinalizadores, bandeiras, instrumentos musicais? Nada disso. Existe um limite, o portão de entrada é quase como uma fronteira entre um país e outro.

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As medidas tomadas pelo MP para reforçar a segurança nos estádios, para muitos, fizeram mal ao espetáculo. “O futebol tem a emoção como força motriz. Tudo aquilo que diminui as emoções e sensações que torcedores, jogadores e também a imprensa sentem em um estádio acaba por empobrecer o espetáculo e o futebol como um todo”, acredita Gian Oddi, jornalista da ESPN Brasil. Fato é que as imagens de estádios lotados por torcidas mistas, iluminados com sinalizadores, no ritmo dos batuques, ficarão apenas em lembranças, por tempo indeterminado. É a imprudência de alguns justificando a punição de milhares de outros.   painel

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Mayra Merlyn

alimentação

A maçã é uma das frutas que mais possuem resíduos de agrotóxicos

Galões de veneno direto da horta Brasileiro consome por ano o equivalente a cinco litros de agrotóxicos por meio da contaminação dos produtos de hortifrúti


ANA RÍZIA CALDEIRA anariziacaldeira@gmail.com

JAQUELINE ALTOMANI jaquelinealtomani@gmail.com

LÍVIA MARIA livia.ms@outlook.com

THAINARA CABRAL thainara.cabral18@gmail.com

V

ocê é o que você come, e isso todo mundo sempre ouviu falar. Coma fast-food e tenha problemas de saúde, coma industrializados e tenha riscos de infecções, coma comida fresca com produtos da feira e se sujeite ao câncer. Sim, até mesmo a salada, a “mocinha” da mesa de muitas dietas, carrega consigo tantos malefícios quanto uma refeição repleta de gorduras trans e quilos de sódio. Na busca por uma alimentação saudável, a regra sempre foi acreditar que frutas, verduras e legumes seriam as estrelas de uma vida com melhor qualidade. A alternativa até se mostra fácil, considerando que o Brasil tem como principal economia o agronegócio e, em uma estimativa para 2017, segundo a SNA (Sociedade Nacional de Agricultura), terá uma safra girando em torno de 215 milhões de toneladas de alimentos dessa categoria. Para essa produção em larga escala, no entanto, é necessário o uso de agrotóxicos, agentes responsáveis por garantir a produtividade da lavoura e aumentar a oferta de alimentos a uma população que só cresce. Desde 2008, o país é o líder mundial no ranking de consumo de defensivos agrícolas, sendo que parte deles, considerados ainda mais perigosos, são banidos na Europa e nos Estados Unidos (veja no box).

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Segundo a Lei nº 7.802/1989, os agrotóxicos são “os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção”, com o objetivo de “alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos”. O engenheiro agrônomo Carlos Antonio Nascimento acredita que hoje, sem o defensivo agrícola, não é possível manter a lavoura até o fim. “Temos experimentos com áreas do mesmo tamanho e a que utiliza defensivos tem produção duas vezes maior do que aquela que não utiliza”. Nascimento ainda fala sobre os preços dos produtos, que ficariam de quatro a cinco vezes mais caros sem a aplicação de agrotóxicos, o que resultaria no uso de extensões maiores de terra para se obter os mesmos resultados existentes hoje. Para ele, a fome poderia ser 15 vezes maior sem a utilização dos defensivos agrícolas. Atualmente, a aprovação de um agrotóxico no Brasil passa pelos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Para que o produto possa ser utilizado, é necessário também a prescrição por um agrônomo – como se fosse um remédio. A Anvisa pode, também, a qualquer momento, revisar o uso de um defensivo caso haja novas evidências de que ele é mais nocivo à saúde. No entanto, segundo o último relatório do Para (Programa de Análise de Resíduos Agrotóxicos) – principal balanço acompanhado pelo governo brasileiro – realizado em 2011, resíduos de  

Mais agrotóxicos e menos impostos, por favor (?) Incentivos fiscais: Durante muito tempo, o sistema de créditos no Brasil só concedia créditos para o agricultor que usasse agrotóxicos, o que incentivava o uso desses defensivos. Como o governo brasileiro ainda estimula a produção de novas moléculas, o registro de um agrotóxico no país é, no mínimo, 12 vezes menor que o registro nos EUA, por exemplo. Além disso, cada reavaliação de ingredientes ativos naquele país custa US$ 150 mil. O governo concede, de acordo com o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), redução de 60% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), isenção total do PIS/COFINS (contribuições para a Seguridade Social) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) à produção e comércio dos pesticidas. O que resta de imposto sobre os agrotóxicos representa 22% do valor do produto. Fonte: Priscila Fortes, engenheira agrônoma. painel

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Ilustrações: Anderson Diniz

AGROTÓXICOS NA MESA Ranking de alimentos de acordo com percentual de amostras inadequadas para consumo, segundo a Anvisa

1º - Pimentão (91,8%) 2º - Morango (63,4%) 3º - Pepino (57,4% 4º Alface (54,2%) 5º - Cenoura (49,6%) 6º - Abacaxi (32,8%) 7º - Beterraba (32,6%) 8º - Couve (31,9%) 9º - Mamão (30,4%) 10º - Tomate (16,3%) 11º - Laranja (12,2%) 12º - Maçã (8,9%) 13º - Arroz (7,4%) 14º - Feijão (6,5%) 15º - Repolho (6,3%) 16º - Manga (4%) 17º - Cebola (3,3%) 18º - Batata (0%)

agrotóxicos foram encontrados acima do limite permitido, além de substâncias químicas não autorizadas. Para o Inca (Instituto Nacional do Câncer), a presença de agrotóxicos não ocorre apenas em alimentos vegetais, mas também nos processados pela indústria, como biscoitos, salgadinhos, pizzas e pães, que são derivados de trigo e milho, por exemplo. Ainda de acordo com a instituição, cada brasileiro consome anualmente um galão de cinco litros de veneno, resultado da ingestão dos resíduos depositados nos produtos agrícolas. A nutricionista Juliana Togni acredita que os compostos químicos inseri-

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“Área que utiliza defensivos tem produção duas vezes maior”

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dos nos alimentos, se consumidos frequentemente, podem levar a inúmeras disfunções, como alergias, problemas gástricos, desregulação metabólica e neurológica e até mesmo ao câncer. “Estas substâncias são testadas antes de serem liberadas para a indústria utilizar em seus produtos. Porém, os efeitos destes aditivos a longo prazo podem trazer prejuízos à saúde, principalmente se somados ao sedentarismo, estresse e alimentação pobre em vitaminas, sais minerais e fibras”, afirma. Em 2015, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), os agrotóxicos eram responsáveis, anualmente, por 70 mil intoxicações agudas e crônicas entre os países em desenvolvimento. Embaixadora do Thought for Food no Brasil, e estudante de agronomia, Jéssica Gimenes vê a indústria brasileira como uma empresa que segue a legislação e as normas padrão de produção. “O consumidor tem que ficar atento à qualidade dos seus produtos e exigir cada vez mais da indústria, já que ela só mudará se nós estivermos insatisfeitos com seus produtos e pararmos de consumi-los”, conclui. Embalado e duvidoso Na indústria alimentícia, a criação de produtos não perecíveis ou congelados é responsável também por atender a demanda alimentar da população. Apesar da facilidade proporcionada pela compra direto da prateleira, existe um alerta quanto ao consumo de alimentos processados - aqueles que geralmente recebem adição de açúcar e sal e se mantém em conserva - e ultraprocessados - os quais a fabricação envolve várias etapas e técnicas de conservação e/ou realce de sabor antes de chegar nas prateleiras. edição 83 | agosto | 2017


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Fome poderia ser 15 vezes maior sem a utilização dos defensivos

Em 2016, a Anvisa proibiu a venda e distribuição de alguns lotes de extrato de tomate de várias marcas, por conter excesso de insetos e pelos de roedores. Essa, porém, não foi a primeira vez que o problema ocorreu. Irregularidades na carne fornecida por alguns frigoríficos do país no início deste ano também mostraram que a manipulação incorreta e adulteração dos itens adquiridos no mercado não é nada singular. Dados da US Pharmacopeia, organização científica independente que monitora as fraudes de alimentos em vários países, comprovam que as anomalias com a carne começaram em 2015. Já o leite tem sido um problema constante, no qual, além de ureia e formol, há também a adição de água oxigenada. Não obstante, a bebida contém ainda substâncias para diminuir sua acidez quando já vencida e seu derivado, o creme de leite, apresentou acréscimo de água para amolecer o produto envelhecido. Óleos que se passam por azeites e adulteração do café com casca da própria planta (além de soja e milho, que são mais baratos) são alguns dos outros casos que enganam e colocam em risco a vida do consumidor. Se comparado a outros países, o Brasil possui normas que se diferenciam pela permissão de aditivos, partículas e compostos químicos em maior quantidade ou proibidos pelos regulamentos internacionais. Como exemplo, o refrigerante da marca Coca-Cola, produzido no país, é o que apresenta maior índice da substância cancerígena 4-MI, uma composição presente no corante Caramelo IV. Já edição 83 | agosto | 2017

na Califórnia, nos Estados Unidos, a substância é praticamente inexistente na bebida, devido aos limites estipulados pelo governo estadual. Nacionalmente, a restrição de substâncias químicas e algumas partículas é definida pela Anvisa. De acordo com a cientista de alimentos da Esalq/ USP, Carmen Castillo, esses elementos são necessários para manter a conservação do alimento. Ela afirma que o nitrito, por exemplo, é um aditivo utilizado em carnes para curá-las, ou seja, quando adicionado junto ao sal, ele favorece na fixação da cor e na conservação do alimento, evitando também a contaminação por bactérias (veja no box).   

Vigilância sanitária Em Piracicaba, a fiscalização de estabelecimentos comerciais alimentícios é feita pela Vigilância Sanitária Municipal, órgão da Secretária de Saúde. Conforme a instituição, as normas seguidas são as definidas pela Anvisa. Com a repercussão da Operação Carne Fraca, a Vigilância visitou o comércio de carnes e não encontrou irregularidade. Para tanto, a fiscalização é feita anualmente ou em casos de denúncia. As queixas mais comuns são de alimentos vencidos nos supermercados. painel

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Lívia Maria

Orgânicos e minimamente processados são alternativas consideradas seguras

Outro histórico conhecido dos casos de insegurança na indústria alimentícia está relacionado aos agentes Salmonella Typhi, bactéria encontrada em aves e ovos mal condicionados; E. coli, que normalmente habita sistema digestivo humano e animal, mas se consumida através de água e alimentos contaminados, causa doenças do trato urinário e intestinal; norovírus, um dos principais causadores de gastroenterites virais no Brasil, os sintomas mais comuns são vômito, diarreia, febre e dores abdominais e de cabeça; e o botulismo, uma forma de intoxicação rara, mas potencialmente fatal, causada por uma toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, presente no solo e em alimentos mal conservados. Conforme dados da OMS, publicados em abril de 2016, anualmente 582 milhões de pessoas adoecem e, dessas, 351 mil morrem por ingerirem alimentos contaminados. O contágio pode causar mais de 200 tipos de doenças, desde diarreia a câncer, sendo a África e o Sudeste Asiático as regiões mais afetadas pelos casos. Mais de 40% dos doentes são crianças com menos de cinco anos.

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Ainda segundo Carmen, “o Brasil precisa de uma fiscalização mais forte e permanente, tanto animal quanto vegetal, desde a produção até o consumidor”. Para ela, esse controle deve ser completo e diário, além de ser realizado pelos governos e não de maneira terceirizada, a fim de garantir maior veracidade nos resultados. Verde de verdade Mesmo com a grande quantidade de produtos químicos inseridos na maioria dos alimentos, ainda é possível encontrar alternativa para uma alimentação segura. A principal é o consumo de produtos orgânicos. A agricultura orgânica é aquela que busca evitar danos sociais ao meio ambiente, excluindo a utilização de agrotóxicos. “Procuramos utilizar práticas de consórcio e rotação de culturas para evitar doenças e ataques massivos de insetos. Outro elemento importante é plantar de acordo com a sazonalidade, com isso já evitamos uma série de problemas que a produção convencional enfrenta”, afirma a produtora Manuela Silveira. O Brasil se destaca como a quinta maior potência mundial em agricultura edição 83 | agosto | 2017


[ ] “O Brasil precisa de uma fiscalização mais forte e permanente”

orgânica, conforme dados de 2016, com cerca de 940 mil hectares cultivados. Se comparados aos 240 milhões de hectares dedicados à agropecuária convencional e a uma reserva de terras de 55 milhões de hectares que podem ser exploradas, o país produz muito pouco. A Austrália, líder no ranking mundial, aparece com 17,2 milhões de hectares de cultivo orgânico. Os alimentos orgânicos ainda são encarados como luxo no país, o que, em tese, dificulta o acesso às minorias. No entanto, para a colaboradora do projeto Casa Nômade, Fran Lodde, com o trabalho de aproximação e valorização do pequeno produtor, é possível interferir em várias passagens que aumentariam o custo do alimento até o consumidor final. “Muitas vezes realizamos pesquisas e o orgânico está muito parecido ou igual, até mesmo inferior, aos preços do supermercado”, conta. Fran ainda ressalta o trabalho de resgate das Pancs (Plantas Alimentícias Não-Convencionais). “Se todo mundo tiver consciência de que o ‘mato’ é comestível, a fome não seria mais um mal”. Ela acredita que o acesso à informação e conhecimento sobre frutas e plantas é o que pode dar mais acesso. “Enquanto todo mundo tiver a cultura de que orgânico é caro, ‘ser saudável é só para emagrecer’, vamos viver isso: as minorias não terem acesso”, conclui. Apesar de ser conhecida, a reutilização de alimentos ainda é pouco trabalhada com a sociedade em geral. A nutricionista Juliana Togni afirma que a boa alimentação não precisa ser cara, mas estar cada vez mais próxima do que a natureza nos oferece. “Por exemplo, uma garrafa de refrigerante fica o mesmo preço, ou às vezes, até mais edição 83 | agosto | 2017

cara que um abacaxi, que você pode usar como sobremesa e ainda fazer suco da casca”. Para ela, uma alimentação na qual seja possível descascar, fatiar e picar mais os alimentos pode ser muito mais barata, saudável e natural do que aquela em que os alimentos são prontos e embalados. E engana-se quem pensa que todo alimento processado é maléfico à saúde. Manuela explica que os primeiros alimentos processados passavam por interações com o ambiente, que agia como modificador, e foi a partir daí que o ser humano começou a selecionar as interações que lhe eram benéficas – sendo elas com micro-organismos, como leveduras e fungos (gerando vinho, queijos, pães e etc.) – ou na interação com o calor (assando a carne ou secando-a ao sol). “Nós procuramos resgatar os modos de beneficiamento tradicionais, desidratando frutas, doces em compotas e geleias, com a fermentação produzindo cerveja, vinhos, vinagres, queijos e etc.”, conta a produtora. De acordo com a docente da Esalq-USP, Giovana Verginia, e a pesquisadora científica da APTA - Polo Regional Centro Sul, Marise Cagnin, é importante lembrar que a segurança de alimentos não se refere apenas à presença de resíduos de agrotóxicos, sendo as últimas grandes ocorrências resultantes da contaminação microbiológica, inclusive em produção orgânica. Por isso, vale se atentar também à preparação dos alimentos, conforme se posicionou a engenheira agrônoma Anita de Souza Gutierrez. A OMS (Organização Mundial da Saúde), preparou as “Cinco Chaves Para uma Alimentação mais Segura” (veja no box): “O risco do não consumo dos alimentos nutricionalmente mais saudáveis é muito superior ao risco de consumo de alimentos potencialmente contaminados, ou seja, é recomendável o consumo de frutas e hortaliças frescas”, disseram.  

Cinco Chaves

PARA UMA ALIMENTAÇÃO MAIS SEGURA, SEGUNDO A OMS

1

Mantenha a limpeza – higiene pessoal, com destaque para higienização das mãos, higienização adequada do ambiente de processamento dos alimentos;

2

Separe alimentos crus de cozidos – para evitar contaminações cruzadas;

3

Cozinhe bem os alimentos – especialmente carnes, ovos e peixes (considera-se atingir 74ºC no centro geométrico do alimento uma temperatura de segurança);

4

Mantenha alimentos sempre em temperatura seguras – alimentos perecíveis quando não consumidos imediatamente devem ser mantidos sob refrigeração (≤5ºC) ou, no caso de alimentos quentes, aquecidos (>60ºC) até o momento do consumo;

5

Utilize água e matérias-primas seguras – utilize água potável; utilize leite sempre pasteurizado; higienize adequadamente os vegetais; não utilize alimentos com prazo de validade expirado. Não consuma alimentos de origem duvidosa ou clandestinos.

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Pixabay

artistas de rua

A ARTE do

desprezo Leis para assegurar e proteger artistas de rua são ineficientes RAÍSSA CICCHELI raissa.ciccheli@gmail.com

RAISSA SECOMANDI raissasecomandi@hotmail.com

Q

uando você vê um artista nas ruas grafitando, fazendo malabares no semáforo ou vestido de um personagem, qual a sua atitude? Se a primeira resposta que lhe vier à cabeça for: ‘bando de vagabundos’, deviam procurar o que fazer’, ‘eu xingo, mesmo’, então repense. Hoje, a profissão é regulamentada e faz parte da nossa história. O artista de rua surgiu com a comédia dell’arte, teatro popular do século 15, na Itália. Os atores chegavam às cidades, pediam permissão para se apresentarem com acrobacias, malabarismo e peças de humor, e o palco era a própria carroça improvisada. Entreter e provocar o riso eram os principais objetivos desta modalidade, o que tornava mais leve a vida estressante dos banqueiros, negociantes, nobres e plebeus.

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Voltando ao século 21, podemos encontrar alguns casos de agressões contra artistas de rua divulgados pela mídia, mas nenhum dado abrangente em delegacias. Perante a Constituição, não existe nenhum tipo de censura para este tipo de trabalho: “Art. 5º IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Bom, se o espaço é público e ser artista é profissão, por que eles não denunciam os agressores? E mais, o que assegura os artistas contra essas violências? Luis Augusto Batista de Lima, 26, é formado em arte dramática com DRT ativo (registro profissional de artista) e trabalha como ator e dançarino. Ele representa a classe desses profissionais autônomos que lutam pelo direito de se expressar e de garantir o seu ‘ganha pão’. Lima conta que já sofreu vários tipos de agressões, físicas e verbais, e que se sente inseguro na profissão.   


Tikka Meszaros

Artistas de rua têm o trabalho incompreendido por grande parte da sociedade; agressões físicas e verbais estão entre as “retribuições”; ao lado, grafiteira Ana Carolina Meszaros faz arte urbana desde os 15 anos

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“Quando vou fazer um trabalho de rua fico sempre na dúvida de como as pessoas vão reagir. Conheço muitos outros artistas que já sofreram agressões”, evidencia com um tom de voz baixo. Ele começou bem cedo a se profissionalizar. Deu os primeiros passos na dança aos 8 anos e iniciou no teatro com 12. Participou de grupos de axé em Piracicaba e logo depois foi para escolas profissionais. Desde pequeno se importava com as minorias, levando teatro nas periferias da cidade através de uma oficina chamada ‘Cultura nos bairros’. O motivo? “Eles não tinham a oportunidade de saber o que era cultura, de vivenciar isto”, explica. De maneira muito espontânea e natural, ele defende que além da arte urbana ser uma fonte de renda, é uma demonstração de sentimentos e que ilustra formas sociais. Nem tudo são flores Apesar de amar o que faz, os artistas sofrem o risco por estar nas ruas. “Já sofri agressões principalmente em semáforos, porque é onde tem um fluxo maior de pessoas direcionadas pra mim”, conta o artista. Com a voz embargada, ele elenca as agressões físicas e verbais, como xingos, empurrões e até de jogarem

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Trabalhos de Tikka ficam expostos nos centros urbanos; artista diz que é comum ser hostilizada enquanto trabalha

[ ] “Já me jogaram balas velhas sabe, aquelas que a gente não quer mais”

objetos como latinha, papel e tampinha de garrafa. “Já me jogaram balas velhas, sabe, aquelas que a gente não quer mais”, evidencia. No fim do ano, ao fazer trabalhos como Papai Noel no centro da cidade, o artista desvia-se das más brincadeiras para conseguir terminar o ano com as contas pagas. As crianças tendem a dar tapas e chutes e os pais, por sua vez, somente olham e dão risada. “A gente finge que não ouve e dá uma risadinha, às vezes eu faço cara feia e tento impor respeito para evitar briga. E não adianta anotar a placa de um carro e levar para a delegacia, é somente perda de tempo”.

Tikka Meszaros

E ao ser perguntado se gostaria de algum recurso que o protegesse, ele responde que “seria muito bacana ter uma lei que acolhesse os artistas de rua. Seria um primeiro passo de melhoria para a cultura no geral”, acredita.

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Com tantas experiências na área, ele sorri ao dizer que o seu maior diploma é a vida, e por isso nunca irá parar de se reinventar, mesmo com todos os empecilhos. Ao fim da entrevista, ele agradece, recompõe-se e revela a pessoa íntegra e trabalhadora que é: gente como a gente, ou até melhor.   

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Sem lei, sem proteção A

na Carolina Meszaros, conhecida como Tikka Meszaros, começou a grafitar aos 15 anos. Para ela, a arte de rua humaniza a cidade e expõe individualidade e expressão em um local cotidiano. “Gosto muito da ideia de apresentar um cenário mágico em que as pessoas que passam pelo meu trabalho na rua possam se sentir, nem que por um segundo, transportadas para aquele local, que se sintam-se parte da pintura”, conta.

Em algumas capitais, como São Paulo e Curitiba, existem leis que definem os horários em que as apresentações devem ocorrer e garantem direitos dos artistas. Apesar disso, não existe uma legislação nacional os proteja dos perigos das ruas. A importância do artista de rua para as prefeituras está no aumento do turismo e movimentação da economia que a cultura é capaz de trazer, além do entretenimento. Raíssa Secomandi

Artistas de rua que atuam na região não contam com leis que garantem segurança ao exercício da atividade

Para regulamentar o exercício da profissão aos artistas de rua existe a Lei Federal aprovada em 2011 (nº 1.096), atualizada em 2014 (nº 7.982), e substituída em 2016, que

garante a liberdade de expressão aos artistas que se arriscam a mostrar sua arte em vias públicas, porém a lei não garante a segurança do artista, que muitas vezes fica exposto ao risco de violência e discriminação.

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[ ] “Conheço pessoas que tiveram problemas sérios e até que já fugiram de tiro”

Tikka que já viveu em Piracicaba e atualmente está em São Paulo, fala da hostilidade com que os artistas são tratados nas ruas, principalmente devido às recentes ações da Prefeitura de São Paulo, que encobriu diversos trabalhos artísticos pela cidade. Porém, a maior parte dos casos de agressões Tikka diz que vem da polícia e de seguranças particulares. “Conheço muitas pessoas que tiveram problemas sérios e até que já fugiram de tiro. Acredito que seja contra a lei uma pessoa sofrer violência se ela não está oferecendo risco às outras, mas me parece que nem um direto tão básico assim pode ser garantido numa sociedade com tanto ódio”, lamenta. Na região de Piracicaba também não são encontrados leis ou projetos específicos que protejam os artistas locais. Em Piracicaba, existe a Frente das Culturas de Piracicaba (FCP), grupo formado para debater os rumos das políticas públicas em relação aos artistas da cidade, a fim de solucionar problemas, como o cadastro municipal de artistas realizado uma vez por ano, somente para profissionais com CNPJ. O administrador da fanpage na rede social da FCP, Mário Camargo, desconhece alguma lei que proteja os artistas na cidade, muito menos os artistas de rua. Como assessor parlamentar na Câmara de Piracicaba, Camargo encontrou apenas duas citações a festejos de rua, dentro do código de postura do município (Lei 178/2006), mas nada específico. A equipe de reportagem da Painel procurou as secretarias de Cultura de Americana, Santa Bárbara d’Oeste e Piracicaba, porém nenhuma se pronunciou.    edição 83 | agosto | 2017

Para ver!

Confira os vídeos que representam a importância dos artistas de rua:

Tiago Iorc – Alexandria

Use seu leitor de QR code para assistir ao clipe na Avenida Paulista

Senhora em Bruxelas, na Bélgica, dança enquanto artista faz beatbox

Use seu leitor de QR code para assistir ao vídeo com mais de 11 milhões de visualizações

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polícia x ‘polícia’

Alexandre Carvalho/A2img/Fotos Públicas

‘Quem poderá nos defender?’

Corregedorias têm a difícil missão de investigar agentes de segurança pública suspeitos de participação em crimes [60]

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Maíra Bacellar

GUILHERME AUGUSTO MILANI talktomilani@live.com

MAÍRA RODRIGUES BACELLAR mairarodriguesbacellar@gmail.com

A

ssalto, assassinato, estupro, sequestro, superpopulação dos presídios, rebeliões, fugas, corrupção. Aos olhos do povo, parece que a polícia é a única responsável pela atuação na linha de frente da segurança pública. E quando a polícia, que deve garantir segurança à população, faz parte do crime, cometendo abusos e extorsões? Como é feita a denúncia? Quem investiga? Quem julga? As corregedorias. Órgãos responsáveis por apurar suspeitas de irregularidades cometidas por integrantes de corporações policiais. Cada instituição tem a sua própria corregedoria, formada por membros da polícia, para investigar seus companheiros de profissão. Desde 2014, a Polícia Militar de São Paulo expulsou 472 oficiais. Os dados da Corregedoria da PM apontam que os números caíram desde então, com 177 policiais desligados em 2014, 164 em 2015, e 131 em 2016. Embora a corregedoria não informe o motivo pelo qual os agentes foram expulsos, a PM deixa claro que os casos de expulsões são os mais graves dentro da corporação. Na Polícia Militar de São Paulo, a corregedoria foi criada pelo então governador Ademar de Barros, em 1949. Com o nome de Delegacia da Polícia Militar (DPM), era subordinada diretamente ao Comando Geral. A Polícia Civil de São Paulo criou o Serviço Disciplinar da Polícia, em 1956, com o intuito de aplicar e sistematizar a disciplina entre os policiais. Em 1975, o SDR deu lugar à Corregedoria da Policia Civil, que foi estruturada nos moldes atuais em 15 de setembro de 1989. Quando condenados, os policiais civis são levados ao Presídio Especial da Polícia Civil de São Paulo, no Caran-

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Quando condenados, policiais civis e miliares são expulsos das corporações e podem ser levados a presídios especiais

diru, zona norte da capital paulista, e os militares vão para o Presídio Militar Romão Gomes, na Água Fria, também localizado na zona norte. Segundo o investigador policial, José Nilton Pires, as denúncias podem ser realizadas por meio de diversos órgãos. A vítima deve entrar em contato com a Corregedoria da Polícia Civil (Coinpol), ONG’s e Disque-Denúncia, corregedorias regionais de polícia ou de guardas municipais, Corregedoria Geral Unificada (CGU) entre outras. A partir das denúncias de fatos concretos é realizada uma apuração preliminar convocando as partes envolvidas para

[ ] “Investigar um colega de profissão é muito desgastante”

prestarem esclarecimentos. Caso haja indícios de autoria e materialidade dos fatos, a investigação é iniciada. José Luiz Pereira de Cabral, primeiro corregedor de Americana e encarregado de ensino e instrução da Gama (Guarda Municipal de Americana), explica que após a apuração, se a denúncia for confirmada, o diretor comandante instaura um Processo Administrativo Disciplinar. “Ao ser formalizado (o processo), volta para a corregedoria, que vai dar andamento, já com ampla defesa e com todos os direitos e garantias que a Constituição e a legislação preveem”, explica.

O policial investigado continua trabalhando normalmente e, na maioria das vezes, só é afastado caso a corregedoria julgue viável, ou caso esteja prejudicando ou adotando medidas que dificultem as investigações. O processo até o afastamento dos policiais dura de 60 a 120 dias. “Dependendo da complexidade do caso a corregedoria pode pedir um aditamento ou prorrogação do prazo, mas é necessário que o motivo seja bem justificado”, avalia Cabral. Fogo amigo Abuso de autoridade, extorsão, corrupção, prevaricação, mau atendimento em sede policial e lesão corporal são os motivos mais frequentes de denúncia e investigação. Investigar colegas de profissão é uma das tarefas mais difíceis, segundo os entrevistados, pois além de gerar inimizades, ao serem indiciados, na maioria das vezes, os policiais acreditam que estão sendo injustiçados e que a investigação é uma perseguição da corregedoria ou do policial à frente das investigações. “Investigar um colega de profissão é muito desgastante, pois o policial investigado pode se sentir punido com a pena da demissão”, conta o investigador José Nilton Pires. Segundo Pires, por se tratar de investigações internas ou sigilosas, os veículos de comunicação não têm nenhum acesso às informações. Os corregedores procuram, na medida do possível, evitar esse tipo de aproximação, informando apenas o resultado final de apurações ou decisões que forem tomadas.   painel

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tratamento

Descaso aos

traumatizados Com a falta de políticas públicas específicas, vítimas de violência não têm a quem recorrer para receber o apoio necessário para superar episódios de violência

CAROL CADIZ carol0pires@hotmail.com

MARINA GOMES ma_camposg@hotmail.com

“E

u fui até a rede pública pedir ajuda, mas apenas me ofereceram remédios e disseram que em relação ao meu sobrinho nada poderia ser feito”. Este é o relato de uma mulher que passou por um grande trauma, e que, infelizmente, como todos os demais indivíduos traumatizados, não conseguiu ajuda do poder público. João (nome fictício) é uma das diversas crianças que sofreram algum tipo de trauma e não receberam o tratamento devido. Com apenas 6 anos, o menino presenciou o ataque de fúria do namorado de sua mãe, que a esfaqueou. João, sem entender o que estava acontecendo, ficou ao lado do corpo da mãe até a chegada de vizinhos. A tia por parte de mãe, Maria (nome fictício), entrou em depressão após o ocorrido, e João se portou

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apático a tudo que havia acontecido. Sem condições financeiras para recorrer a um tratamento privado, Maria buscou ajuda na rede pública, mas infelizmente não conseguiu assistência. Segundo Maria, a única coisa que ofereceram a ela foram remédios para curar a depressão e para o sobrinho disseram que não poderiam fazer nada até o juiz decidir com quem ficaria a guarda do menino. A assistente social Karol Lopes, que acabou conhecendo o caso após realizar edição 83 | agosto | 2017


[ ] cípios no Brasil conta com psicólogos na rede pública, mas os profissionais não têm atuação específica para o tratamento de vítimas de violência. O crescimento desordenado da urbanização amplia cada vez mais o déficit habitacional e a falta de segurança. Com esses aumentos, a falta de políticas para auxiliar vítimas de traumas causados pela violência fica cada vez mais evidente. Para a assistente social Karol Lopes, os programas que auxiliam pessoas que passaram por algum tipo de trauma teriam que estar ligados à saúde mental e à inclusão social. “Hoje, vivemos uma grande carência na saúde mental, pois nossos governantes não incentivam o desenvolvimento de tal segmento, e os envolvidos acabam ficando sem nenhum tipo de tratamento”, analisa. Ela reconhece ainda que a inclusão social está antiquada, pois o cidadão não está pronto para se desenvolver emocionalmente sozinho nesses casos.

uma visita de rotina na comunidade onde as vítimas viviam, chegou a reportar o ocorrido à rede pública, mas também não obteve retorno.

isso deixa uma sequela psicológica muito grande e nas crianças é pior, elas podem até se tonar um novo malfeitor na sociedade”, avalia o advogado. Nappi explica que quando um menor presencia uma situação de homicídio e não recebe um acompanhameto psicológico em relação ao que aconteceu, ele pode nunca conseguir digerir o que vivenciou, tornando-se revoltado. Por isso as políticas públicas para o acompanhamento das vítimas são extremamente necessárias. É obrigação das políticas públicas fornecer boa educação moral, religiossa, psicológica e profissional. “Você tem que investir em educação para que daqui a 20 anos você não invista em presídio”, considera Nappi, que lamenta a falta de interesse por parte dos governos. “Para nós atuarmos nessa área, nós necessitamos dos órgãos que são munidos do poder e que tenham competência de impor uma obrigação legal ao violador”, conclui.  

Investimento De acordo com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Piracicaba, Adriano Flabio Nappi, as políticas públicas precisam ser ampliadas. “Quando ocorre um homicídio, não é só a morte da pessoa, é a família que ficou, o filho que depende do sustento de quem faleceu, às vezes

Marcos Santos/USP/Fotos Públicas

Ilust raçã o: Vin ícius Alve s

“O maior problema da situação é a falta de investimento na educação”

A ausência de ajuda a pessoas traumatizadas é uma falha preocupante, relacionada à falta de políticas públicas de uma cidade. Não existem programas específicos de ajuda aos traumatizados. O único programa existente fica no Distrito Federal, e chama-se Pró Vítima, porém atende apenas aos moradores de Brasília. Parte dos muniedição 83 | agosto | 2017

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Alexandre Carvalho/ A2img/ Fotos Públicas

desmilitarização

O DILEMA DA POLÍCIA BRASILEIRA Propostas de unificação das polícias militar e civil divide opiniões LUCAS VAZ lucasvaz206@gmail.com

A

realidade da polícia brasileira - a que mais mata e uma das que mais morrem em trabalho no mundo - segundo relatório da Anistia Internacional divulgado em 2015, deixa claro parte do drama envolvendo a segurança pública no país. Para muitos, a melhoria virá com o fim da vinculação da corporação às forças armadas, aproximando, assim, a polícia da sociedade; para outros, porém, a mudança resultará apenas na concentração de poder da polícia nas mãos dos governantes.

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A divisão entre polícia Civil e Militar está no artigo 144 da Constituição Federal. A Polícia Civil, controlada por delegados de polícia, cabem as funções de polícia judiciária e os casos de infrações penais. A Polícia Militar, por sua vez, fica responsável pelo policiamento ostensivo (rondas) e a preservação da ordem pública. A desmilitarização propõe uma mudança na Constituição, unindo as corporações civil e militar num único grupo no qual todos tenham formação civil. Pesquisa feita com policiais de todo o país aponta que 77,2% deles são a favor da desmilitarização da PM. A pesquisa Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública foi promovida edição 83 | agosto | 2017


Formatura de 2.482 soldados da Polícia Militar em São Paulo, dia 25 de maio Francisco Antônio (Mídia Ninja)

Pesquisa feita com policiais de todo o país aponta que 77,2% deles são a favor da desmilitarização da PM

pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, no ano de 2014.

[

]

“Somos a instituição número um em casos de suicídio’’

Entre os policiais contrários à mudança está o Cabo Rogério Jean da Silva, que atuam em São Roque, e está na PM há 13 anos. “No Brasil, o crime impera. Ao meu ver, a desmilitarização seria arma muito poderosa para quem convive com o que é errado”. Por outro lado, o policial Carlos Eduardo Oliveira, que integra a PM desde 1990, acredita que a fusão ajudaria a desburocratizar a atuação policial. “No serviço externo facilitaria, pois em uma ocorrência o policial poderia tomar todas as atitudes cabíveis no momento, não havendo necessidade de aguardar por outro órgão policial’’, observa.

direitos do Estado, quando deveria ter a função de proteger a sociedade. É assim que pensa o Sociólogo Marcos Scopinho. “A polícia tem a sua ação baseada no confronto, está a serviço do Estado que, por sua vez, está a serviço de interesses de grupos que detêm o poder econômico. Neste sentido, age de maneira a preservar a “ordem” estabelecida por estes grupos dominantes, e não na defesa daqueles que são excluídos dos seus direitos básicos, como por exemplo, o acesso à terra, à educação, à escola”.

Um dos pontos mais tocados no assunto da desmilitarização é que o treinamento recebido pela Polícia Militar desumaniza o serviço do policial e não condiz com a sua real função, pois é feito para proteger os

Segundo levantamento feito em 2014 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Fundação Getúlio Vargas e Secretaria Nacional de Segurança Pública, 28% dos PMs ouvidos afirmaram terem sido “vítimas de tortura em treinamento ou fora dele”, e 60%

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narraram situações de desrespeito ou humilhação por superiores. “Sinceramente, no meu ponto de vista, a PM não dá nenhum suporte psicológico à sua tropa, muito pelo contrário, apenas suga o seu policial, tanto que somos a instituição número um em casos de suicídio”, lamenta o policial. Existem projetos com o intuito de desmilitarizar a PM. Um deles é o do senador Lindberg Farias (PT), no qual prevê a união de todos os órgãos policiais, dando autonomia aos Estados para estruturarem os próprios órgãos de segurança pública, fazendo com que a polícia tenha a responsabilidade tanto dos trabalhos ostensivos quanto de investigações. O debate sobre a desmilitarização da polícia precisa urgentemente ganhar destaque, não só pelas questões trabalhistas dos policiais, mas, principalmente, por questões sociais, pois o país se encontra num verdadeiro caos armado, no qual todos os lados pedem por socorro.    painel

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polícia

Heróis

Sistema da Polícia Militar atende 36 municípios da região de Piracicaba; recém-nascido foi salvo após ligação da mãe ao Centro de Operações da PM

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Jeniffer Reis

de farda BEATRIZ SUPRIANO bia_512@hotmail.com

JENIFFER REIS jeniffer.reis@outlook.com.br

NATÁLIA CORDEIRO nataliacordeam@gmail.com

S

er responsável pela segurança da população é uma tarefa difícil. Quando se trata da vida de um recém-nascido, a pressão é ainda maior. Recentemente, o cabo Gabriel Luiz Warriche, que trabalha no Centro de Operações da Policia Militar (Copom) Piracicaba, passou por essa experiência pela primeira vez. Ele conseguiu, por telefone, ajudar uma mãe desesperada a salvar a vida de seu filho, recém-nascido, que estava inconsciente em seus braços. O bebê estava engasgado com leite e já não apresentava sinais vitais, além de estar com a pele roxa. Depois de acalmar a mãe do outro lado da linha, Warriche a aconselhou a colocar o bebê de barriga para baixo e, repetitivamente, dar tapas nas costas com a mão em formato de concha.

Despachadores se comunicam com as viaturas que atuam em 36 cidades da região de Piracicaba

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Após as instruções do cabo, a mãe anunciou que a criança havia soltado o leite pela boca e voltava a apresentar sinais de vida. Após a ligação ser encerrada, o policial orientou uma viatura que estava próxima ao local a passar na residência para verificar se a criança estava bem. As ligações de emergências sobre bebês engasgados, por exemplo, são resolvidas pelo primeiro PM que atende à ligação. Na linha, o policial precisa, além de manter a calma, tentar manter a outra pessoa estável, para que obedeça adequadamente suas instruções. “Elas ligam desesperadas, quando o bebê já está roxo. Nossa primeira função é tentar acalmá-las, para depois passar as instruções sobre posicionamento da criança e como agir”, explica Warriche. Essa é uma das milhares de ligações que passam diariamente pelo sistema de inteligência do Copom através de ligações para o 190. A sede de Piracicaba atende 36 cidades e recebe em média 5.700 chamadas diárias nos cinco dias úteis. Aos finais de semana, o número aumenta para 7 mil. Para atender essa demanda, o Copom conta com 32 policiais divididos em duas equipes que trabalham 12 horas cada. Os PMs passam diariamente   

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[ ] “As informações chegam para cidades vizinhas em questão de segundos”

por uma preleção de 30 minutos, na qual recebem instruções sobre como agir em cada situação. Todo dia o assunto abordado é diferente, porém o mesmo tema é tratado diversas vezes, testando a compreensão de cada policial. Quando as instruções são referentes a afogamentos, o Corpo de Bombeiros fica responsável por repassar os ensinamentos. Além das instruções recebidas na preleção, os PMs têm em seus computadores de trabalho um extenso manual que contém informações sobre como agir em emergências. No caso de engasgamento de bebês, o manual contém todos os passos que precisam ser explicados à pessoa do outro lado da linha, como posição adequada que o bebê precisa ficar, e o local exato de bater com o punho da mão para que ele solte o leite engasgado. Sistema O sistema inteligente do Copom está interligado em todas as viaturas das 36 cidades que a sede em Piracicaba atende. Em seu prédio, duas cabines

são separadas com distintas funções. Na primeira ficam os policiais que recebem as ligações, filtram de acordo com a importância, e anotam os dados do autor da denúncia, como nome completo e endereço, bem como detalhes do chamado. Após essa filtragem, a ligação é encerrada e os dados são transferidos para a segunda cabine, que possui um PM para cada cidade – ou cidades e municípios ao redor. Um supervisor fica nas cabines para casos de emergência extrema, quando o policial não consegue resolver sozinho. Os supervisores são mais preparados e capacitados para lidar com todas as situações, como afogamento, assalto e convulsões. “Nós temos que estar preparados para todos os tipos de situações. Cada dia são novas histórias e emergências e precisamos estar aptos para qualquer coisa”, destaca Warriche. De acordo com a tenente Larissa Fernanda Marcucci Sanches, o sistema do Copom conta com eficiência e rapidez em transferir ligações e situações recebidas diariamente. “Há pessoas que ligam aqui e quando falamos que é de Piracicaba, elas desistem e desligam o telefone com o pensamento de que irá demorar para sua reclamação ser atendida. Gostaríamos que as pessoas entendessem que, apesar de estarmos em Piracicaba, as informações chegam para cidades vizinhas em questão de segundos”, ressalta a tenente.

COMO FUNCIONA O ATENDIMENTO 190? A atendente cadastra a ocorrência no Sistema Informatizado de Operações

O cidadão liga para o 190 para fazer uma denúncia

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Ela recolhe informações detalhadas, como características físicas do criminoso e placa do veículo

O próprio sistema envia informações para os chamados despachadores, que são separados por região

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Outra situação bastante corriqueira no dia a dia dos policiais é tirar uma pessoa de sequestro emocional. “Recebemos muitas ligações de pessoas em situação de sequestro emocional. Muitas vezes ela está trancada no carro, sozinha, e começa a se desesperar e imaginar que está sequestrada. Nós passamos as instruções de como identificar esse problema e o que falar para tirar a pessoa desse transe. Depois do choque passar, a pessoa abre a porta do carro e consegue voltar em si”, explica Larissa.

LISTA DE EMERGÊNCIA! Cada serviço possui sistema próprio e pessoas capacitadas para melhor atender sua emergência. Para ter seu problema solucionado mais rápido e da melhor forma, contate o número adequado!

O segredo para filtrar trotes e chamados reais, conta a tenente, é ficar atento ao número de telefone chamado. “Tem pessoas que ligam tantas vezes aqui sem nenhum motivo que nós até gravamos o número. Claro que não deixamos de atender, porém os PMs são treinados para reconhecer uma denúncia falsa”, reforça Larissa.  

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BOMBEIROS 193

EMERGÊNCIA PRÉHOSPITALARES

INCÊNDIO E AFOGAMENTO

MULHER 180

ANIMAIS 156

VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

MAUS-TRATOS DE ANIMAIS

RODOVIAS 198

DEFESA CIVIL 199

ACIDENTES DE TRÂNSITO, VEÍCULOS SUSPEITOS OU ROUBO DE AUTOMÓVEIS

INUNDAÇÕES, DESLIZAMENTOS OU PROBLEMAS AMBIENTAIS

OUTROS 100 - Secretaria dos Direitos Humanos 132 - Assistência a dependentes de agentes químicos 153 - Guarda Municipal 181 - Disque Denúncia 194 - Polícia Federal 197 - Polícia Civil

O trabalho realizado no Copom muitas vezes salva vidas a distância. Apesar de vários casos não serem de responsabilidade da Polícia Militar, o treinamento e instruções recebidos todos os dias os deixam capacitados para todos os tipos de situação. Arte: Jeniffer Reis

Pelo rádio, os despachadores chamam a viatura mais próxima e passam todos os dados disponíveis A viatura chega ao local para atender a ocorrência em pouco tempo

SAMU 192

Natália Cordeiro

Apesar de receber inúmeros trotes (23% das ligações), Larissa destaca que nenhuma ligação é ignorada pelo Copom. “Qualquer ligação pode nos levar a algo maior”, diz. Inclusive, houve um caso de uma ligação que levou os policiais a desvendarem um esquema de tráfico de drogas internacional. “Uma mulher nos ligou desesperada e estava falando coisas com sentido. Depois de muita insistência e atenção, conseguimos a localização da ligação e descobrimos esse tráfico internacional de entorpecentes”, lembra.

“Os celulares possuem aquela função de ligação de emergência, que cai direto aqui, no 190. Não há um filtro nessa ligação para destinar ao local adequado, como Corpo de Bombeiros ou Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), por exemplo. Tudo cai aqui, então temos de estar preparados”, aponta Warriche.

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entretenimento

Ilustração: José Antonio Chagas

VINICIUS DE ASSIS BRINGEL ab.vinicius.95@hotmail.com

YURI DIAS BARBOSA yuridiasbarbosa@gmail.com

S

eguir à risca regras para a realização de festas em locais abertos e fechados, providenciando segurança aos frequentadores, não está entre as principais preocupações de quem promove eventos. Pelo menos não na prática. A falta de conhecimento sobre as leis e, principalmente, falta de fiscalização permanente por parte da prefeitura e do Corpo de Bombeiros, em eventos públicos e privados, tornam iminente o risco de tragédias como a registrada na Boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 2014, que deixou 242 mortos. Após quatro anos do incidente na Boate Kiss, a equipe da revista Painel visitou casas noturnas da região de Piracicaba para verificar o que mudou. A conclusão é que pouco foi feito diante dos problemas evidenciados em Santa Maria. A única mudança identificada em todas as casas foi a criação de saídas de emergências, item que passou a ser obrigatório para emissão do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB).

TRAGÉDIA em vão

Por outro lado, dentre todas as boates e danceterias visitadas, a equipe percebeu que nenhuma delas têm todos os equipamentos obrigatórios para garantir segurança contra incêndios. O maior problema encontrado foi o nú-

Quatro anos após o incêndio da boate Kiss, no Rio Grande do Sul, poucas medidas de segurança foram efetivamente adotadas em parte das casas noturnas da região de Piracicaba [70]

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Wilson Dias / Agência Brasil / Fotos Públicas

Tragédia na cidade de Santa Maria deixou 242 mortos e 680 feridos, em 2014

mero pequeno de extintores em espaços considerados grandes. Além disso, em nenhum local havia sprinkler (equipamento colocado no teto, ao lado das lâmpadas, que dispara jatos d´água quando detecta foco de incêndio. Em alguns locais não havia informação sobre a capacidade das casas noturnas. Atualmente, de acordo com o Corpo de Bombeiros de Americana, para conseguir autorização para colocar em funcionamento qualquer edifício, exceto casas e moradias, é necessário o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PCCI). É ele que determina se um local está apto para receber determinada atividade ou não. O dono do local deve apresentar um projeto com todas as especificações. A partir disso será determinado se o local deverá ou não receber a visita de um profissional para avaliar sua estrutura. Porém, caso o dono do local queira driblar a fiscalização e alterar algo na planta após a vistoria do corpo de bombeiros, ele pode ser indiciado como responsável por qualquer problema relacionado a incêndios, além de pôr em risco a vida de quem frequenta o local. Luciano Mendonça Seiler, engenheiro do Centro de Atividades do Corpo de Bombeiros de Joinville, ressalta que houve avanço na fiscalização desde o ocorrido na boate Kiss. Porém, segundo ele, ainda falta muito para que todos os problemas sejam resolvidos. Para ele, falta a conscientização da sociedade e dos donos dos estabelecimentos em entender que a edição 83 | agosto | 2017

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]

“Ninguém questiona sobre segurança contra incêndios”

falta de segurança é um risco para a própria vida de quem utiliza os locais. O estudante João Carlos de Oliveira Júnior, 20, que costuma ir às festas em casas noturnas alerta que os frequentadores não se preocupam com a segurança, mas sim com as atrações e com aquilo que o local pode oferecer em relação à entretenimento. Além disso, ao ser questionado sobre a segurança contra incêndios do local em que frequenta, ele sentencia: “se eu pensar na segurança dos locais, eu não saio de casa”. Da mesma forma, a promotora de eventos Jéssica Alves, 24, diz que ao convidar as pessoas para festas, poucas delas perguntam sobre a quantidade de segurança que o evento oferece, quem são as atrações da noite. Porém, ninguém a questiona sobre segurança que o recinto oferece contra incêndios. O engenheiro avalia que faltam leis federais que tratem do assunto, e que, na maioria das vezes, cabe a cada Estado fiscalizar a situação das casas noturnas, podendo ter diferenças em alguns aspectos ao avaliar os locais de festas, tornando a fiscalização arbitrária.  

ITENS OBRIGATÓRIOS CONTRA INCÊNDIOS • Extintores: de forma simples e rápida são capazes de eliminar focos de incêndio dos mais variados tipos, impedindo que o fogo ganhe proporções maiores; • Iluminação de emergência: serve para iluminar os ambientes da melhor maneira possível, indicando a saída de emergência; • Alarme de incêndio: sistema responsável pela informação a todos os usuários envolvidos em uma determinada área sobre a ocorrência de incêndio; • Hidrantes e mangotinhos: itens indispensáveis em locais de médio e grande portes, principalmente por serem utilizados por brigadistas ou pelo Corpo de Bombeiros no combate a incêndios; • Detector de fumaça: aparelhos encarregados de fazer vigilância permanente do local. Constituem a parte sensível de instalação de detecção automática de incêndio; • Brigada de incêndio: pode atuar preventivamente evitando situações que causam riscos. Além disso, auxiliam na evacuação do estabelecimento e prestação de primeiros socorros; • Sprinkler: componente do sistema de combate a incêndio que descarrega água quando a temperatura predeterminada foi excedida.

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constrangimento

Cúmulo

da segurança Quando medidas de segurança em bancos e presídios geram incômodo ao invés de proteger

GABRIELA FASSIS gabriela.fv6@gmail.com

KELLY SUZAN kelly-suzan@hotmail.com

“E

m toda revista sinto o mesmo frio na barriga, como se fosse a primeira vez”, conta Jessica de Souza, 26, moradora de Campinas. Mulher de um presidiário, há três anos ela tem de passar por revista íntima antes de visitar o marido. “Entramos em 13 mulheres, de uma só vez. Passamos por um detector de metais, depois ficamos de frente com as agentes, tirando peça por peça de roupa e entregamos nas mãos delas. Fazemos agachamentos: três vezes de frente e três de costas, sentamos em um banquinho que elas [agentes] dizem ter um detector de metal, e depois de tudo podemos nos vestir”, explica. O constrangimento sofrido pelas visitantes já virou rotina, e em alguns casos acaba se tornando ainda maior pela falta de respeito das agentes penitenciárias. O responsável pela revista íntima é o Poder Executivo dos Estados. Esse tipo de revista ocorre com o objetivo de evitar a entrada de objetos não permitidos no regime prisional fechado. “Já presenciei senhoras sendo revistadas. Elas não conseguem agachar por causas de do-

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res nas pernas, mas, mesmo assim, as agentes não sentem dó, e ainda dizem: “se está com dor, fica em casa”, relata. A lei federal 13.271/2016 proíbe a realização de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata desse tipo de checagem em ambientes prisionais. Nos Estados do Rio Grande do Sul, Ceará, Mato Grosso, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Piauí, as revistas íntimas são proibidas. Porém, em São Paulo e em Minas Gerais os procedimentos ainda são registrados. Em Goiás, por exemplo, a revista é humanizada. As mulheres não precisam se despir totalmente, nem fazer o agachamento. Nos Estados Unidos e na Colômbia esse tipo de revista é proibido, mas na Argentina e no Brasil ainda ocorre. A reportagem da Painel entrou em contato com a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo, que recomendou contato com o Comitê de Ética. O comitê encaminhou o pedido de entrevista ao Departamento Penitenciário (Depen) que, por sua vez, não respondeu ao pedido por informações. Outro procedimento de segurança com potencial para causar constrangimento é ser barrado na porta giratória das agências bancárias. É muito comum uma pessoa ficar “presa” no dispositivo por causa de objetos metálicos levados no bolso, como chaves, moedas, cintos entre outros. “Esse tipo de medida preventiva deve ser realizada com a máxima cautela para que não haja ofensas às pessoas. Então, as agências devem, sim, manter os sistemas de segurança, mas devem zelar pela dignidade das pessoas e jamais coloca-las em sinais de constrangimento”, orienta o advogado Carlos Trevisan. edição 83 | agosto | 2017


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“Saía das revistas chorando por causa da estupidez”

]

ilustração: Wagner Luis Gomes Zuttin

As agências bancárias são um dos principais alvos dos criminosos, por isso é necessário um sistema de segurança eficiente e que dê proteção aos usuários. Além dos seguranças, as agências possuem porta giratória e detector de metais. De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em 2016 foram registrados 339 assaltos e tentativas de assaltos no Brasil, sendo que este foi o menor número nos últimos 17 anos.

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Trabalhadores que usam sapatos de segurança com bico de ferro são as principais vítimas dos detectores de metais. “Eu precisava ir ao banco, porém estava com o calçado de segurança e não me permitiram entrar. Então, pedi que o gerente viesse me atender do lado de fora, pois só tinha aquele momento para resolver o problema. Ele veio, mas não me ajudou. Disse para eu voltar quando não tivesse com o calçado de segurança”, conta Paulo Rodrigo Pedro, 32, técnico em mecânica. Ele ainda defende que os bancos poderiam adotar outro sistema de revista. “Poderia ser feita uma revista fora da porta detectora de metais, para dar mais acesso às pessoas”. Qualquer pessoa que se sinta ofendida pode pedir reparação de danos, mas entrar com o processo de danos morais contra o banco não é tão fácil, pois é necessário provar a situação de constrangimento, através de testemunhas ou vídeo. “O consumidor, quando se sentir constrangido, deve procurar o Procon, a ouvidoria do Banco Central e um advogado”, orienta Carlos Trevisan. A indenização deve buscar um valor que permita minimizar o sofrimento da vítima e punir o banco.   painel

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animais

MAUS-TRATOS vão além da agressão física

Cresce o número cães e gatos abandonados nas ruas de Piracicaba

FLÁVIA DE ALMEIDA RIBEIRO vinhalmeida_r@hotmail.com

MAYARA ROBERTA PIANTAVINA DA SILVA

Flagrantes de agressões são registrados principalmente em ambientes onde supostamente os animais deveriam ser protegidos

mayara2000_st@hotmail.com

Flávia de Almeida Ribeiro

O

s flagrantes de maus-tratos e agressões a animais crescem a cada dia, principalmente em ambientes onde supostamente eles deveriam ser protegidos. Segundo dados da Centro de Controle de Zoonoses de Piracicaba (CCZ), no ano de 2016 o total de animais abandonados foi de 534, média de 45 por mês. A lei federal 9.605/98, em seu artigo 32, estabelece pena de prisão de três meses a um ano, além do pagamento de multa, para quem pratica ato de abuso, maus-tratos, fere ou mutila animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. São considerados crimes abandonar, espancar, golpear, envenenar, manter preso permanentemente em correntes, manter em locais peque-

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Gabriel Jabur/Agência Brasília/Fotos Públicas

Abandono, falta de assistência veterinária e privação de alimentação estão entre os crimes mais comuns cometidos contra os animais

nos e anti-higiênicos, não oferecer água e comida, entre outros. Os casos mais comuns são abandono de animal, falta de higiene no ambiente, confinamento inadequado (lugar pequeno, animal preso em corda curta, etc.), falta de assistência veterinária, privação de alimentação, violência física e crueldade. Segundo a veterinária Renata Campos, do CCZ de Piracicaba, a população normalmente faz a denúncia de maus-tratos pelo telefone 156. A equipe do Canil Municipal vai ao local para averiguar a chamada. O pedido também pode ser feito para a retirada de animais de rua e doentes. “Só realizamos o recolhimento ao Canil Municipal após o atendimento do mesmo pelo médico veterinário, e se o animal realmente estiver debilitado. O abrigo do CCZ tem hoje em torno de 80 animais entre gatos e cachorros vítimas de abandono e violência, sendo os cães maioria. edição 83 | agosto | 2017

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“Denúncias de maus-tratos geralmente são anônimas”

]

A voluntária da ONG Vira-Lata Vira Vida, Taís Romanelli, que acolhe animais vítimas de violência e abandono, diz que nos últimos anos o número aumentou na cidade de Piracicaba. Só na ONG, que está com a capacidade esgotada, vivem 300 cachorros. E com isso não é feito mais o recolhimento desses animais, a não ser quando eles são abandonados em frente à instituição. No Canil Municipal, os cães passam por tratamento, vacinação, castração, microchipagem e são colocados para doação. A veterinária do CCZ, Eliane de Carvalho Silva, fala sobre o perfil dos agressores. “Muitos estudos mostram que pessoas que cometem atos de crueldade contra animais são capazes de fazer o mesmo com

pessoas. Apontam, ainda, que pessoas que sofrem violência na infância reproduzem tal ato contra os animais enquanto crianças e adolescentes, e têm maior possibilidade de se tornarem agressores e até criminosos violentos quando adultos”. Eliane diz que a maioria dos agressores é do sexo masculino e tem entre 12 e 18 anos. Segundo dados da Polícia Civil, em 2016 foram registradas 21 denúncias de maus-tratos a animais por dia no estado de São Paulo. Só nos primeiros seis meses de 2016, as delegacias registraram 4,4 mil boletins de ocorrência, cerca de 628 casos desse tipo de crime por mês. A média é maior do que a registrada nos últimos anos. As denúncias também podem ser feitas à Policia Militar. Existe ainda a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (Depa), criada pelo governo estadual de São Paulo, que recebe ocorrências pelo endereço www.ssp.sp.gov.brdepa   painel

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ação

PEDRO GASPAR pggasparr@gmail.com

C

Por conta própria Invenções, grupos de vizinhos em aplicativos, alarmes e outros gadgets são opções da população à falta de segurança nas cidades

omprar ou trocar de carro ou moto está entre os desejos de grande parte dos brasileiros. Ir à concessionária, escolher o modelo dos sonhos e levar para casa. Parece simples, mas some a isso o crescimento assustador dos roubos e furtos de veículos no estado de São Paulo - só no ano passado foram mais de 180 mil. Foi pensando nisso que o rio-clarense Rafael Nadai enxergou em meio à crise a oportunidade de complementar a renda e, ao mesmo tempo, fornecer proteção aos motoristas. Ele criou uma trava que ajuda a evitar o furto de motos. A invenção fez sucesso! Foram mais de cem unidades vendidas em dois meses. “A ideia surgiu justamente em função de uma necessidade. Eu comprei uma moto, mas me dei conta que Fotos: Pexels.com

Grupo no WhatsApp ajuda vizinhos a trocarem informações sobre segurança no bairro

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painel

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tinha nas mãos uma das marcas e dos modelos mais procurados pelos bandidos”, relembra. Segundo Nadai, não há necessidade de fazer grandes alterações na moto. Depois que a trava é posicionada, o motociclista coloca um cadeado para impedir o movimento do pedal de câmbio. “Desde que o câmbio esteja na posição neutro, a trava neutraliza o câmbio de maneira que o bandido não consegue engatar a primeira marcha para baixo, nem a segunda para cima”, explica. Ele brinca ao dizer que a trava custa menos que uma pizza. Um investimento que não pesa no bolso e pode evitar dores de cabeça. Mas engane-se quem pensa que Nadai é o único a ter ideias simples e eficazes. Já pensou em ter um portão que permite a passagem de apenas um carro por vez? Uma TV falsa que passa a impressão de que sempre tem alguém em casa? Ou um alarme com som de cachorro? Todas essas invenções foram criadas por pessoas que queriam um mecanismo eficaz e de custo baixo. Mudança de rota A criminalidade mudou a forma de o cidadão brasileiro se relacionar com a cidade onde vive. Cansados de cobrar investimentos do governo no combate à violência, as pessoas preferem criar barreiras para evitar que se tornem vítimas dos bandidos. De acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 70% dos brasileiros tomam alguma medida restritiva, como evitar andar com dinheiro, sair à noite, deixar de circular por alguns bairros, aumentar a segurança privada, e até mesmo trocar de casa. Aliada Para evitar furtos e assaltos e reforçar a segurança na cidade de Santa Gertrudes, moradores do Jd. Luciana se uniram para tentar diminuir as estatísticas. Eles criaram um grupo no WhatsApp para compartilhar informações sobre atitudes que consideram suspeitas. A iniciativa ajuda a Polícia Militar e faz com que a vizinhança edição 83 | agosto | 2017

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“Ficamos de olho em tudo o que está acontecendo”

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fique mais tranquila. Quem mora na região diz que o número de roubos despencou nos últimos meses. Cansados da onda de crimes no bairro, cerca de 30 moradores trocam mensagens diariamente a respeito de movimentos suspeitos pelas ruas. A manicure Patrícia Meyer, administradora do grupo, relembra que a união de moradores começou após uma tentativa de assalto. “Ele [criminoso] fez a dona da casa de refém e, depois, foi pulando de telhado em telhado, passando em praticamente por cima de todas as casas. Como nossa rua é muito movimentada e existe uma ligação entre portas nos quintais, no momento que meus pais perceberam que havia alguém no quintal, eles ligaram para nós, que moramos em frente, e pediram socorro”. Desde que o grupo foi criado, há oito meses, duas ações criminosas foram impedidas no bairro e os ladrões foram presos. O número de moradores adeptos a comunidade virtual dobrou após as ações bem-sucedidas. Ausência de luz Para o especialista em segurança pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Adriano Marchi, a luta contra a insegurança nas pequenas e

Cansados de cobrar em vão por investimentos do governo, cidadãos preferem criar barreiras para evitar a criminalidade

grandes cidades há tempos deixou de ser um assunto apenas para o poder público e requer o envolvimento de toda a população. “Quando falamos em segurança precisamos ter um conceito mais amplo. Segurança é, sim, um dever do poder público, mas também uma responsabilidade de todos. Temos que estar integrados na construção de estruturas que melhoram não só a segurança, mas toda a vida do cidadão”. Para o advogado, a raiz do problema está muito além dos crimes em si. “Todas essas alternativas de combate ao crime são paliativas, tratam apenas dos efeitos da criminalidade, mas não chegam à sua causa. A evasão escolar, a falta de acesso dos jovens a um emprego formal, a falha na leitura das leis e a superlotação dos presídios são reflexos da sociedade”, analisa. A solução para o combate eficaz da violência, segundo Marchi, depende do engajamento da sociedade. “Encaramos nossa participação como sociedade apenas a cada quatro anos, nos domingos de eleição. Temos o dever de cobrar o poder público! Não apenas cobrar, mas também nos engajarmos e contribuirmos com ideias e sugestões. Albert Einstein dizia que o mal é a ausência do bem, assim como a escuridão é ausência da luz. Acredito que precisamos estar mais presentes; não apenas filosofando, mas também participando”, finaliza.   painel

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trânsito

Acidentes fatais crescem 214% Nos quatro primeiros meses deste ano 22 pessoas morreram em Piracicaba; especialistas apontam a imprudência como principal responsável pelas mortes VINÍCIUS QUEIROZ vinicius.queiroz.santos@gmail.com

E

Vinícius Queiroz

A combinação de juventude, álcool e direção contribui para colocar o Brasil entre os países com trânsito mais violento

m Piracicaba, de janeiro a abril deste ano, houve aumento de 214% no número de mortes por acidentes no trânsito, na comparação com o igual período de 2016. Isso representa 22 acidentes fatais contra 7 casos no primeiro quadrimestre do ano passado, de acordo com dados do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga).

Na correria do dia a dia, as ruas são tomadas por inúmeros carros que dividem praticamente o mesmo espaço. Do motorista que acordou atrasado e precisa correr para chegar a tempo ao trabalho, àquele que não dá espaço para ninguém, acreditando ter o domínio das vias públicas, todos querem cumprir suas agendas e, às vezes, se esquecem da responsabilidade na condução de um veículo. “O trânsito é visto como um atraso nos compromissos pessoais, por isso, todos se sentem no direito de correr para não atrasar”, afirma a estudante Mayara Vanzelli, habilitada há quatro anos. A imprudência coloca o Brasil entre os países que mais registram mortes no trânsito. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o país apresenta a taxa de 23,4 mortes para cada 100 mil habitantes, o que em dados atuais equivale a 48.438 mil mortes por ano. São várias as motivações para tantos acidentes. As mais comuns são embriaguez ao volante e uso de celular enquanto se dirige. Para o especialista em trânsito, José Almeida Sobrinho, que participou da elaboração do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a educação no trânsito

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painel

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Gabriel Jabur/ Agência Brasília/Fotos Públicas

deve ser apresentada aos jovens nas escolas e em campanhas permanentes dirigidas aos condutores e pedestres. “O problema é que a população brasileira sofre de carência de cidadania. Todos querem benefícios, mas ninguém quer assumir responsabilidades. Tem mania de desrespeitar as normas e depois ficar protestando por sofrer as consequências. O caminho é fazer o povo mais civilizado”, afirma. O CTB sofreu diversas alterações nos últimos anos. Uma delas foi o aumento na punição aplicada ao motorista que for flagrado dirigindo sob influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa. Antes, o condutor embriagado se recusava a passar pelo teste do bafômetro ou fazer exame de sangue, o que tornava quase impossível a constatação de embriaguez ao volante. A Lei Seca, criada em 2012 permite que a autoridade de trânsito considere os sinais na mudança da habilitação psicomotora do condutor como forma de avaliação, e em 2016 edição 83 | agosto | 2017

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“População brasileira sofre de carência de cidadania”

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Campanha alerta para o risco de manusear o celular enquanto se dirige

a lei passou a considerar infração a recusa do condutor em submeter-se ao teste, exame clínico e perícia. De acordo com o advogado Rafael Possobon, “com a alteração do CTB em 2016, qualquer que seja a quantidade de álcool no sangue torna-se passível de multa gravíssima, gerando suspensão da habilitação por 12 meses e apreensão do veículo. Caso seja encontrado no condutor uma concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, ele deverá ser preso em flagrante e responder por crime, com pena de detenção de seis meses a três anos. Além disso, caso o motorista alcoolizado provoque um acidente fatal, poderá responder por homicídio doloso, ou seja, com intenção de matar”, ressalta.   painel

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drogas

MARIANA MONDINI mmondini95@hotmail.com

TAINÁ OLIVEIRA tay_palmeiras@hotmail.com

P

Para expandir o número de usuários, os traficantes não poupam crianças e adolescentes. Ao contrário, enxergam nas escolas a oportunidade de aumentar os lucros fidelizando dezenas de consumidores de entorpecentes em um único ponto. Marcelo Casall Jr/ Agência Pública/ Fotos Públicas

DESAFIO às escolas

esquisa feita pela “Prova Brasil”, principal avaliação de rendimento aplicada pelo Ministério da Educação nas escolas públicas do país, mostra que uma em cada três instituições de ensino convivem com o tráfico de drogas.

Tráfico não poupa crianças e adolescentes nas instituições de ensino no Brasil; programa da Polícia Militar oferece orientações aos alunos

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painel

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Omar Freire/ Imprensa MG/Fotos Públicas

Na maioria das cidades, as escolas na periferia são as que demandam maior atenção das forças de segurança

O desafio permanente dos espaços de aprendizado públicos passou a ser, além do ensino, o combate às drogas. Procurando prevenção, as escolas contam com palestras que abordam os riscos e os danos que as drogas causam à saúde. Em entrevista à revista Painel, o comandante do Pelotão Escolar de Piracicaba, Narzi Alves Novaes, revela que o número de ocorrências sobre tráfico de drogas nas escolas é grande, e que os traficantes procuram aliciar os jovens desinformados para que atuem também como vendedores. Segundo Narzi, a faixa etária de adolescentes envolvidos com drogas é de 10 a 18 anos. “Um número grande que precisa do apoio total do pelotão escolar, mas que, antes de tudo, precisa das orientações dos pais. Por isso há um programa nas escolas sobre drogas, bullyings, violência e orientação sobre onde buscar ajuda”, explica. De acordo com o comandante, as áreas periféricas de Piracicaba precisam de maior atenção. A maioria das denúncias parte dos bairros Bosque do Lenheiro, Jaraguá, Piracicamirim, Novo Horizonte. Além do apoio do pelotão escolar, existe o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), que foi inspirado em um programa americano de combate às drogas. O programa foi implantado no Brasil em 1992, pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, e hoje é adotado em todo o país. edição 83 | agosto | 2017

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“Maconha e bebidas alcoólicas são as drogas mais comuns”

A cabo Sandra Pinheiro, instrutora do Proerd em Piracicaba, explica que as orientações são passadas aos alunos uma vez na semana. “O Proerd é bem recebido nas escolas, tanto pela direção quanto pelos alunos. Conversamos sobre drogas, violência, responsabilidade, formas de lidar com situações difíceis, comportamento, etc.”. O curso dura dez semanas e os alunos participam de formatura e recebem diploma e medalha do Proerd. Sandra conta como atrair a atenção dos alunos. “Trabalhamos com imagens, vídeos, e isso faz com que eles se interessem mais pela aula. Levamos uma caixinha para que eles coloquem perguntas que responderemos na aula seguinte. Eles interagem bastante e perguntam sobre o trabalho da polícia, sobre violência, sobre cadeia, mas não precisam revelar o nome”, ressalta. Sobre as drogas, a instrutora explica que quando os instrutores descobrem alunos com problemas dentro das escolas, a Ronda Escolar faz a abordagem. “Na maioria dos casos a própria direção da escola entra em contato conosco e vamos até lá chamar o aluno para revistarmos a mochila. No caso

de encontrar alguma droga ilícita, chamamos os responsáveis e a polícia para se apresentarem em uma delegacia, pois o problema nunca é resolvido no local. Se for um cigarro, por exemplo, proibido para menores de idade, tem que ir até a delegacia”, orienta. Maconha e bebidas alcoólicas são as drogas mais comuns entre os alunos. “Geralmente de um a cinco papelotes de maconha e um litro de vinho ou licor são os mais comuns que encontramos. Quando esses produtos são vendidos no entorno das escolas, o número de drogas é ainda maior”, conta Sandra. Professor Para Carlos Sumitomo, professor dos ensinos fundamental e médio da rede pública de Piracicaba, as escolas procuram orientar e ajudar os alunos. “O problema vem de fora, quando eles se encontram alguma dificuldade e não têm apoio em casa. Aí eles procuram apoio nas ruas e nos amigos, até chegar nas drogas”, avalia Sumitomo. O professor cita que as drogas não estão apenas nas escolas públicas, mas que os números são maiores nas escolas do governo. “O problema é social e falta cultura para os pais orientarem seus filhos. A influência maior é dos responsáveis e, geralmente, os pais de alunos das escolas particulares se importam e participam mais da vida dos filhos”, observa. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo encaminhou pedido de entrevista à Diretoria de Ensino de Piracicaba que, por sua vez, não se pronunciou sobre o assunto.   painel

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punição

Código

da discórdia

Ilustração: Giovanni Martins

Projeto que institui novo Código Penal no Brasil divide opiniões entre especialistas em direito e delegados

DAIANE SANTOS

do novo código tramita no Senado desde julho de 2012, e foi aprovado por uma comissão temporária de senadores. Atualmente está em avaliação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da casa.

santos.daiane@outlook.com.br

R

enovar foi a saída que a comissão de juristas criada para analisar a validade do novo Código Penal encontrou para melhorar a segurança brasileira. O assunto, porém, é pauta para debates, já que uma nova legislação é considerada, por parte dos especialistas em direito, desnecessária pelo fato de já existirem no país leis para cada tipo de crime. O projeto

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painel

Os aumentos de penas e tipos de crimes certamente levarão mais pessoas às prisões, deixando ainda pior o sistema carcerário do Brasil, além de caminhar na contramão da maioria dos países desenvolvidos, que defende o desencarceramento como uma das etapas para o desenvolvimento mundial. Isso faz com que a criação de um novo código divida opiniões entre delegados e juristas. edição 83 | agosto | 2017


Caroline Castilho

Delegado José Luiz Joveli defende mudanças apenas em pontos específicos da legislação vigente

Há indicações de especialistas sobre o que deveria ser incluído no código visando atender aos problemas urgentes da sociedade. Porém o proposto é remodelar as leis já existentes. Apesar de grande parte da população interpretar o Código Penal vigente como inoperante, o delegado José Luiz Joveli defende que a legislação geral é suficiente. Ele chama a atenção apenas para a necessidade de mudanças em pontos específicos, como violência doméstica, interceptação telefônica e crimes hediondos. “O cidadão desconhece que existem, além do Código Penal, outras leis em matéria penal, fazendo com que as pessoas não vejam o sistema como um todo”, afirma. A reforma geral pela qual passou o código, em 1984, é considerada ultrapassada, mas Joveli a classifica como conveniente nos dias atuais, havendo discordância apenas entre tópicos da Lei Especial Penal e a ressocialização do indivíduo condenado, o que tornam as funções de pena impotentes. Ele acrescenta ainda que há espaço para incluir no código textos específicos para casos como crimes contra homossexuais, por exemplo, que, apesar de serem edição 83 | agosto | 2017

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Renovação visa adequar legislação ao atual contexto social

atendidos pelas leis gerais e possuirem previsões suficientes, estão cada vez mais intensificados na sociedade. Neste ano, a previsão é que mais reuniões sejam realizadas podendo haver audiências públicas para debater a implantação de um novo Código Penal. Foram adicionados ao texto o aumento da pena mínima para o crime de homicídio, a leitura da corrupção como crime hediondo, e a comissão estuda mais possibilidades de substituição da pena de prisão para ações contra a lei de menor potencial ofensivo. A jurista Yadia Machado Sallum considera a reforma positiva, já que sua renovação visa adequar a legislação penal pátria ao atual contexto social, não só brasileiro, mas mundial. Porém, ela ressalta que na prática o encarceramento continuará sendo a fórmula utilizada como principal combate à cri-

minalidade. “Essa tática não se mostra eficaz, ao menos nos moldes atuais. Possuímos um sistema prisional falido. O previsível aumento de penas aos crimes só trará mais colapso prisional, social e financeiro”, reforça. Dentre as mudanças que são entendidas como urgentes por parte dos juristas, e que não são mencionadas no projeto de atualização do CP, está a penalidade para empresas que recebem dinheiro desviado de obras públicas, por exemplo. Quando é comprovada a prática desse crime contra a administração pública, na opinião do delegado Eduardo Alberto Pinca, é viável que haja uma pena específica determinante ou até a suspensão ou extinção absoluta das atividades da empresa. Aprovado pela comissão anterior composta por senadores, o texto passa por segunda fase de avaliação pela comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ). O senador e relator do projeto, Antonio Anastasia, disse, no dia 17 de março, em entrevista à Rádio Senado, que o relatório do projeto será entregue no inicio do segundo semestre deste ano.   painel

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lição para a vida

Como o

Rondon

contribui para a vida dos universitários Fotos: Divulgação

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painel

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Alunos e professores são escolhidos para desenvolver projetos direcionados a diferentes áreas do conhecimento

JAQUELINE ALTOMANI jaquelinealtomani@gmail.com

“U

ma vez rondonista, sempre rondonista”. Essa foi a primeira fala do capitão de fragata José Antônio, um dos coordenadores do Projeto Rondon, durante a abertura da Operação Tocantins. O impacto de ser um dos oito alunos selecionados para participar do projeto no primeiro semestre de 2017 ficou ainda maior depois de compreender que a missão é algo vitalício. O projeto é realizado semestralmente e 32 universidades do país são selecionadas para cada edição, nas quais oito alunos e dois professores orientadores são escolhidos para desenvolver projetos direcionados a diferentes áreas do conhecimento. Essas universidades são distribuídas em 16 municípios em um Estado selecionado através do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), sendo selecionados apenas os municípios com os índices mais baixos. A Universidade

Aluna do curso de Jornalismo, Jaqueline Altomani atuou 15 dias na cidade de Novo Acordo, no Tocantins

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As pessoas acenavam quando nosso ônibus passava

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Metodista de Piracicaba (Unimep) é escolhida há sete anos consecutivos para fazer parte desta extensão. A cidade que foi destinada a nós foi Novo Acordo, que fica 76 quilômetros de Palmas, capital do Tocantins. Chegamos no domingo pela manhã, e logo senti uma emoção gigantesca. Eram perceptíveis as dificuldades do município e, ao mesmo tempo, o carinho e a expectativa que aquela comunidade depositava em nós. Havia uma faixa pintada a mão: “Novo Acordo recebe de braços aberto a equipe do projeto Rondon”. As pessoas acenavam quando nosso ônibus passava em frente às casas. Realmente estavam nos esperando. Aquele carinho e simplicidade deram vida às nossas atividades. Trabalhamos no município durante 15 dias, sendo oito dentro da cidade, três na agrovila do Assentamento Primogênito, e quatro na Taboca, região rural de Novo Acordo, com terras indígenas não reconhecidas.

Em todos os espaços que atuamos a população estava disposta a realizar as atividades. A dinâmica do Rondon é muito intensa, desde as coisas mais banais do dia a dia, como jantar ou caminhar pela cidade, oficinas, rodas de conversa, atividades recreativas. Tudo era cercado por muitos sentimentos, e saber lidar com essa montanha russa, talvez, seja a parte mais complicada em fazer parte desse trabalho. Experiência O Rondon, além de ser uma troca, é uma experiência de autoconhecimento e a grande lição que todos os alunos e professores levam é a de ser mais humano. Quando se tem a oportunidade de conhecer uma realidade diferente, com costumes e culturas diferentes das que conhecemos, é onde se começa a perceber o que podemos melhorar como pessoas, e também compreender o leque de possibilidades do que é ser humano. Acredito que depois do Rondon eu serei uma profissional melhor. É difícil quantificar o quão essa experiência é valiosa por ser única e eterna. Você é rondonista uma vez só, e uma vez rondonista pra sempre rondonista. Foi honroso, maravilhoso e espero que mais e mais alunos possam ter essa oportunidade de autoconhecimento e crescimento.   painel

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resenha

Proteja-me CAROLINE CADIZ carol10pires@hotmail.com

O

casamento, aos 40 anos, de uma mulher bem cuidada, porém de origem humilde, e um político influente, traz a ideia de que não passou de um golpe de interesse da mulher. Isso não deixa de ser verdade, mas de uma forma diferente do que estamos acostumados. Celina é praticante de BDSM, sigla que representa várias práticas e expressões eróticas: Bondage e Disciplina (B/D), Dominação e submissão (D/s) e Sadismo e Masoquismo (S/M). Submissa assumida que procurou durante a vida toda um dominador que a tratasse como ela acha que merece, com carinho, respeito e disciplina. Celina acredita que acertou quando fisgou o poderoso viúvo Ramon Moura Lenox. Uma vida regada de luxo e um senhor para servir. A convivência dos dois é mínima e ela tem apenas migalhas do que esperava ter depois do casamento. Um ato de carinho só existe em público, quando Ramon faz questão de exibir sua família linda, a esposa exuberante e seus dois filhos, Drian e Lya. Lya não admite a presença da madrasta, já Drian mesmo desgostando, tenta entender o lado de Celina e a cada dia se sente mais encantado e atraído pela mulher de seu pai, pai esse que dificilmente está em casa para cuidar de sua esposa. Esse livro trata sobre violência doméstica e amor proibido, conta sobre um relacionamento abusivo, no qual a vítima é manipulada a acreditar que tem uma vida perfeita. E isso é recorrente na vida real. Tem homens

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painel

que conseguem fazer uma lavagem cerebral tão forte que a pessoa passa a concordar com todas as atrocidades do outro achando tudo lindo. Celina não sabe que tem vontades. Sua criação não estimulou isso e seu atual marido quer que ela continue assim, sendo a submissa que nunca questiona nada, sua esposa modelo. Drian, o primogênito, percebe que há algo errado na relação do pai, se aproxima da madrasta e percebe o quanto essa mulher tem potencial para fazer o que tiver vontade. Aos poucos, eles vão se envolvendo e ele mostra um leque de oportunidades a ela. Na situação de vítima, ela demora a perceber que precisa se libertar dessa vida que passa longe de ser perfeita. As autoras colocaram na escrita do livro o que muitas mulheres vivem. Existe a prática saudável de BDSM e existem as pessoas que se escondem atrás desse fetiche para exercer o relacionamento abusivo com outras pessoas. Os submissos dificilmente iram perceber a linha tênue entre essas duas relações. Essa ideia de colocar o enteado para mostrar à vítima que ela pode ser amada e ter uma vida completa foi uma grande sacada, pois só alguém realmente próximo pode abrir os olhos do abusado. As autoras estão em busca de criar personagens femininas fortes e independentes. Ver uma personagem diferente surpreendeu de forma positiva. Sempre achei pesada essa relação dominador/submissa, e não imaginava o quanto é difícil separar uma relação saudável de uma abusiva. É um livro que mostra a importância da segurança pessoal e mental.  

Sinopse: Celina buscava um casamento estável com um dominador, e tem orgulho de ter esperado o homem certo aparecer. Pouco importa que só aconteceu aos 40 anos, que Ramon seja viúvo e tenha dois filhos do primeiro casamento. Ainda na lua de mel, Celina descobre que o relacionamento com um político influente pode destruir o romantismo que sempre sonhou vivenciar. Para piorar a situação, seus enteados, Drian e Lya, não aceitam que ela ocupe o lugar da mãe. A ausência constante do poderoso marido a aproxima de Drian, o primogênito sério e disposto a seguir os passos do pai na carreira pública. http://www.milawander.com/ | http://www.josystoque.com.br/

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