Jornal de Classe ed. 01/Junho/2014

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Jornal de

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unimep Junho/2014 • Edição 01

Lucas Guizo

Dez anos sem Cartier-Bresson Reportagem fotografica homenageia sensibilidade, percepção aguçada e estilo geométrico do fotojornalista francês. Página 9 Alexandre Fonseca

Classe

1964 Em abril de 1964 o Brasil inicia uma das fases mais sombrias de sua história. Um golpe civil e militar depõe o presidente João Goulart e instala um estado de exceção que irá perdurar até o início dos anos 80. O período marcou a vida do país e, de modo especial, de muitos brasileiros que sofreram perseguição política, violência, tortura, foram presos, exilados e obrigados a viver na clandestinidade. Muitos piracicabanos e pessoas que passaram pela cidade foram vítimas destas atrocidades e hoje, 50 anos depois, ainda sentem os efeitos deste momento, mas já narram com serenidade o que passaram, inclusive para que as novas gerações possam ter a real dimensão do significado uma ditadura. Páginas 4 a 6 Marcos Muzi

Estudante e voluntário na Ásia Crônica de viagem narra atuação de estudante de jornalismo em três países do Sudeste Asiático: Myanmar, Malásia e Indonésia. Página 13

CIDADANIA

ENTREVISTA

Prática cultural muda vidas

Vencendo barreiras no esporte

A prática de atividades culturais contribui para a integração e mudança social. Crianças, jovens e adolescentes envolvidos com grupos de dança, música e artes ampliam suas perspectivas de vida e em determinados casos até superam problemas de saúde. Apesar dos conhecidos benefícios neste campo, especialistas e produtores revelam que obter recursos públicos ainda é desafio. Página 12

Única piloto profissional de motovelocidade a disputar o Superbike, Cris Trentim fala sobre os desafios do esporte. A atleta conta sua trajetória, relata o cotidiano de treinos e reclama que a falta de patrocínios é um dos fatores que impede a presença maior das mulheres na modalidade. Página 8

SAÚDE

Alzheimer afeta pacientes e a rotina dos seus familiares O Mal de Alzheimer atinge principalmente as mulheres a partir de 65 anos. Doença que não tem cura, afeta o sistema cerebral e compromete a memória recente dos doentes. O tratamento visa retardar o

desenvolvimento e o tempo até a fase mais aguda. Pacientes dependem do apoio dos familiares, que precisam alterar sua rotina para garantir condições de conforto aos diagnosticados com a doença. Página 3

Em 1984, piracicabanos se mobilizam e vão às ruas na luta pelas Diretas Já Em 1984, vinte anos depois de iniciado o maior período de ditadura que o Brasil já enfrentou, os brasileiros foram às ruas mobilizados pelo desejo de eleger de forma direta e livre o presidente da República. O movimento Diretas Já, que comemora 30 anos, somadas as manifestações que ocorreram em

todo o país, levou milhões de pessoas às ruas. Os piracicabanos participaram ativamente do processo. Na cidade foram realizados comícios e concentração para acompanhar a votação e rejeição pelo Congresso da emenda constitucional Dante de Oliveira, que restauraria o voto direto. Página 7


EDITORIAL

Jornalismo e pensamento crítico

Página

O

Jornal de Classe edição 01 • Junho/2014

jornalismo vive um momento de grandes transformações. Novas tecnologias de informação e as mudanças no comportamento das novas gerações, sobretudo a dos nativos digitais, implicam desafios enormes à profissão. O cenário exige que se repense o modelo de financiamento da atividade, suas rotinas e linguagens. A área do jornalismo mais afetada, sem dúvida, é a dos meios impressos, principalmente o jornal. Seu papel de informar, levar aos leitores um relato completo dos acontecimentos de interesse público, é alvo de questionamento por pesquisadores e lideranças profissionais. Para muitos caberá ao jornal, daqui para frente, outra função, a de contribui com o processo de dar sentido aos fatos, de oferecer elementos para a sua contextualização e análise. Nos primeiros anos da Internet, especulou-se muito sobre o destino do jornal. Desenharam-se alternativas de reação e um dos caminhos, que chegou a ser buscado por algumas empresas, foi o de aproximar-se do mundo digital e da imagem. Alguns jornais apostaram que diante do crescimento da rede e da informação visual, a saída era produzir um jornalismo impresso que também explorasse estes recursos, apresentando aos leitores

textos mais curtos, páginas mais coloridas e ilustradas. O caminho, no geral, não deu bons resultados. Outras empresas e iniciativas apostam em nova via, a de um jornalismo pautado pela reportagem, pela capacidade de contar boas histórias, pela possibilidade de ir além do mero relato do fato. A perspectiva é de um jornalismo de contexto, que investigue os problemas contemporâneos, que ofereça ao leitor conteúdo de qualidade, com informação apurada e bem editada. Esta é a aposta do Jornal de Classe, espaço laboratorial desenvolvido pelos alunos do 5º semestre do Curso de Jornalismo da Unimep. Nesta primeira edição, as reportagem exploram temas significativos, como a importância política deste 2014, no qual se rememoram fatos como o Golpe de 64 e as Diretas Já; o aumento assustador do número de homicídios na região; e a dificuldade enfrentada todos os dias por crianças da zona rural para chegar à escola. Nossa expectativa é de que realizar esta edição, em todas as suas etapas, tenha proporcionado aos estudantes bom exercício de pensar e praticar o jornalismo. Ao mesmo tempo, esperamos que os textos e imagens contribuam para estimular o debate e o pensamento críticos entre os nossos leitores.

PONTO DE VISTA

TELEVISÃO

EXPEDIENTE

Sobre o amor e seriados

Órgão laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba). Reitor: Gustavo Jacques Dias Alvim Diretor da Faculdade de Comunicação: Belarmino Cesar Guimarães de Costa.

Maria Luiza Gonçalves mgoncalvesmariano@gmail.com

Coordenador do Curso de Jornalismo: Paulo Roberto Botão

T

Orientação de Conteúdo e Editor Responsável: Paulo Roberto Botão (MTB 19.585). Orientação de Fotografia: Joyce Guadagnucci. Editores Assistentes: Isa Franco de Campos e Maria Luiza Gonçalves Mariano. Editor Assistente de Imagem: Lucas Gian Guizo. Repórteres: Alexandre Rezende Fonseca, Ariane Precoma, Bruno Henrique Miano Aguiar, Cristiano Aparecido Augusto Araujo, Diego Ulerich, Gloria Bonilha Cavaggioni, Isa Franco de Campos, Joanan de Oliveira Batista, João Victor Longo, José Luiz Zuliani Júnior, Júlia Alves Barbosa, Karine Fernanda Silva Florêncio, Laiane Maria Guastaldello, Leonardo Augusto Nocete, Lucas Gian Guizo, Lucas Neri Gerarde, Maria Luiza Gonçalves Mariano, Matheus de Munno Durante, Natália Cristina Elias, Nathalie Cristine Gallo, Patrícia Aparecida dos Santos, Stephanie Alves de Araujo, Thais de Cássia Firmino, Walkiria Pompeo. Ilustrações: Mateus Ferreira Lima, Danilo de Almeida Souza, Allan Prado dos Santos, Victor Vicentim(Alunos do 3º semestre de Design Gráfico, sob a orientação do professor Camilo Riani). Projeto Gráfico e Arte Final: Sérgio Silveira Campos (Laboratório de Planej. Gráfico) Versão digital: soureporter.com.br.

Correspondência: Faculdade de Comunicação – Campus Taquaral – Rodovia do Açúcar, Km 156 – Caixa Postal 68 – Telefone: (19) 3124.1676 - E-mail: prbotao@unimep.br Impressão: Jornal de Piracicaba. Tiragem: 1.000 exemplares.

Sexo frágil não foge à luta Isa Campos isafrancodecampos@gmail.com

A

capacidade das mulheres de alterar o rumo da sociedade e os valores das pessoas não é segredo nenhum. A história é prova concreta disso. O século XIX foi palco da reivindicação feminista mais notável: o direito de votar e fazer parte de escolhas políticas. Com início na Inglaterra e nos Estados Unidos, a reivindicação alterou a estrutura política dos países e influenciou outras nações a seguirem o mesmo caminho. Este é o caso do Brasil, que só liberou o direito ao voto às mulheres em 1932, no governo Getúlio Vargas. As três grandes fases do feminismo propuseram a alteração de padrões da sociedade em níveis culturais e políticos, principalmente no ocidente. As conquistas das mulheres abrangem o direito ao voto e à propriedade, o direito pela integridade de seu corpo, o direito à proteção contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, os direitos

trabalhistas, entre outros. O ponta pé inicial, dado no século XIX, tem reflexos até hoje no mundo inteiro. A busca por espaços na sociedade transformou gerações de mulheres e jovens em questão de anos e os conflitos ainda são visíveis. Ao analisar uma família comum, notamos nitidamente o conflito de valores entre avós e netas. Há 80 anos, falar para uma jovem que estava “pronta para casar” por seus dotes culinários ou domésticos era considerado elogio. Hoje, é considerado machismo, pois a ideia de submissão ao homem já não é mais aceita na sociedade com tanta naturalidade. A distinção de valores entre gerações foi influenciada por líderes feministas na busca de um modelo igualitário de sociedade e libertação de padrões opressores. Entre as mais notáveis, podemos citar a francesa Simone de Beauvoir, a alemã Olga Benário Prestes, a mexicana Frida Kahlo e a brasileira Patrícia Rehder Galvão, a Pagu. Nada mais justo! As mulheres já provaram que são

capazes de desenvolver tudo o que era considerado privilégio ou ‘tarefa’ dos homens e conquistaram, por mérito, um espaço de destaque na sociedade, mas essa luta está longe de terminar. O preconceito ainda existe em pensamentos machistas – até mesmo partindo das próprias mulheres – e a sociedade ainda não está acostumada com a ideia por completo. Essa realidade ficou clara esse ano quando o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou uma pesquisa em que 26% de quase 4 mil entrevistados responderam que mulheres que mostram o corpo “merecem ser estupradas”. A repercussão desse fato foi significativa, principalmente nas redes sociais, e desencadeou uma revolta feminina no país inteiro. Fica claro que, apesar das várias conquistas das mulheres, a cultura machista ainda persiste no Brasil e está longe de ser completamente dissolvida. Resta agora não encarar a luta feminista de forma temporária, e sim, como ações constantes e realmente significativas.

ão populares como as novelas, os seriados têm ganhado um número de fãs cada vez maior, tornando comum, hoje, encontrar pessoas que assistem, às vezes mais de um, e que têm um preferido. E com uma ajuda da internet, eles estão ficando cada vez mais populares, isso porque escolher assistir a um seriado pela televisão, no Brasil, significa ficar defasado em semanas, até mesmo meses, em relação aos episódios transmitidos fora do país. Os downloads gratuitos e transmissões simultâneas ajudam a alimentar esse relacionamento entre fã e série. Muitas vezes, uma relação de amor. Escolher um seriado para assistir é quase como entrar em um relacionamento. Os primeiros cinco episódios da primeira temporada são como a fase da conquista: você está conhecendo o “objeto”, sabendo o que faz, do que gosta e como se comporta. Se naquele período ele não conquistar seu coração, pode esquecer. Nem se esforce muito, pois pode ser que não seja uma série muito boa. São aqueles seriados que até chegamos a acompanhar, mas que quando terminam repentinamente, e às vezes até ficarmos tristes com isso, reconhecemos que foi para o melhor e que, pelo menos, tentamos. Para quem quiser testar a sensação, recomendo Flash Forward. Mas, se o seriado for aprovado, é a vez da fase de começo de namoro. Tudo é gostoso, tudo é novo, diferente, e cada encontro é esperado com grande expectativa e ansiedade. Mil perguntas se formam na cabeça, e é grande a vontade de saber mais e

de passar mais tempo com a pessoa. Este é o período do meio de temporada, no qual todos os problemas e grandes cenas acontecem para se desenrolar até o final. Mas, o final da temporada, esse sim pode ser comparado à época do primeiro “eu te amo”, da paixão arrebatadora. Alguns finais nos deixam tão atônitos que esperar meses por uma próxima temporada é um martírio. E assim são todos os últimos episódios de Game of Thrones, assim como Supernatural em sua fase de ouro e a nova série Arrow, sobre o Arqueiro Verde. Depois disso, é só conhecer a casa da sogra, ser apresentado para a família, e se sentir confortável no relacionamento. Estas são as segundas e terceiras temporadas em diante. As séries nos conquistam, sabemos que vamos nos encontrar naquele mesmo dia da semana, no mesmo horário durante meses, e quase já podemos prever alguns fatos, cenas e falas, já decoramos os bordões e cenários. E assim como em muitos relacionamentos, por anos vamos viver juntos. Friends, Gilmore Girls, Um Maluco no Pedaço, E.R., Sex and The City, How I Met Your Mother e inúmeras outras séries têm tido este potencial de impacto. No final das temporadas choramos e sofremos por dias, até mesmo semanas. Mas, claro, há dois modos de acabar: com um lindo final, ótimas lembranças e um sentimento de que valeu a pena, ou com raiva, depois de um péssimo final, sentindo que as últimas cenas foram as responsáveis por estragar toda a sua linda história de amor, quando na verdade você foi inocente demais para perceber os sinais de que ela já havia acabado há algum tempo.


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saúde

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Fotos: José Luiz Zuliani Junior

Alzheimer provoca perda da memória e afeta cotidiano dos portadores e familiares

José Luiz Zuliani Júnior zeluizuliani@gmail.com

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Naira Pacífico e sua mãe Neide, portadora da doença há dois anos: apoio faz a diferença

Convivendo

com o “Mal”

Portadores de Alzheimer sofrem com ausência de suporte do poder público; cotidiano dos familiares também é influenciado

restrito do poder público faz com que as famílias optem por instituições particulares para o auxílio e orientação. “As vagas disponíveis em instituições públicas como o Lar Betel, por exemplo, têm uma fila de espera grande e são disponibilizadas também com base no grau da doença que o portador se encontra, o que é detectado por uma entrevista física e mental feita antes”, acrescenta. Mas, segundo Cássia Sampaio, que também dirige a instituição, outros pontos

ro Perfil o núme m hão - É o 1,2 mil de pessoas c do estima r no Brasil total e Alzheim ões - Número os d h a il c m ti 35,6 iagnos do de d a m ti s e do os no mun acima 65 an res Mulhe maioria dos da - Perfil cados no país de sti o tiva n diag xpecta dor a s-Éae 12 ano ia de um porta éd vida m óstico o diagn partir d

Como detec tar o Alzheimer ? • Lapsos de memória frequentes , como esq uecer nomes de p essoas próxi mas, ou localizaç ão de objeto • Mudança s repentinas s de humor e co mportamen to • Senso de direção e localização prejudicad os (como por exemplo, es que o caminho de casa após cer sair para algum a • Repetição atividade) de ações e informaçõe s

Danilo de Almeida Souza

ma doença envolta em mitos, verdades e uma única certeza: sem cura conhecida. O mal de Alzheimer se encaixa na categoria das patologias neurodegenerativas, ou seja, que afetam o sistema cerebral e diminuem suas funções, como explica o neurologista clínico André Gallina: “Trata-se de uma doença de causa desconhecida, sendo seu principal sintoma a demência. Classicamente, se inicia comprometendo a memória recente do indivíduo, sendo posteriormente afetados a linguagem, a capacidade executiva, a orientação tempo-espacial e até o comportamento”. Segundo dados da ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer), no Brasil existem por volta de 1,2 milhão de casos, mas nem todos diagnosticados. Gallina observa que a doença se manifesta com mais frequência em mulheres na faixa etária acima dos 65 anos. Outro fator amplia o drama vivido pelos portadores é fato da doença ser considerada incurável. “Não existe cura comprovada, e certamente há muito (trabalho de pesquisas) sendo desenvolvido, mas muito pouco para ser colocado em prática na parte clínica do tratamento”, complementa. A única alternativa no tratamento é o uso de medicação e estimulação da atividade cerebral, mas, mesmo assim, os efeitos obtidos são apenas de retardamento da fase mais avançada. “O paciente tratado ou não tratado terá o mesmo tempo de sobrevida, mas o que não recebeu tratamento passará mais do seu tempo total da doença em uma condição pior”, explica Gallina. Para piorar a situação, quem depende do serviço público de saúde tende a enfrentar complicações para o tratamento dos portadores. A liberação de atendimento e medicação gratuita dependem de avaliação feita por um método chamado de Meem (Mini Exame do Estado Mental), aplicado aos pacientes diagnosticados pelos órgãos públicos de saúde. Dependendo da pontuação obtida pelo portador nesse teste cognitivo, ele é encaixado em um dos quatro graus de progressão (leve, moderado, moderadamente avançado e avançado). Nos casos em que se o grau já se encontrar em níveis elevados, a cessão de medicação gratuita não é autorizada, já que o alto investimento não teria os efeitos de retardo satisfatórios, configurando-se como “investimento sem retorno”. Gisele Capucci, enfermeira e uma das fundadoras da casa de repouso Nosso Lar, que atende 25 senhoras portadoras do Alzheimer, explica que o tratamento demanda um alto investimento financeiro, e esse suporte

Consequ ências • Perda d a capacid ade cogn e mental; itiva • Capacid ade moto ra comprom e • Em grau tida; s ele funções d vados, atinge as o • Por afeta sistema digestivo ; r diversos sistemas corpo, se do rve de po rta de entr para cânce ada re e outras d s, mal de Parkinso n oenças de generativ as.

ao de levar O que po er? Alzheim s de s passado io d ó is • Ep o depressã o sm li o o lc • A o m is g a • Tab rismo • Sedenta s • Diabete frequente • Estresse o nsã • Hiperte

Tratamento • É uma doença sem cura conhecida pela medicina • Possui um método paliativo de tratamento, via medicação • As fases mais graves da doença podem ser retardadas com apoio da família e amigos • Atividades que estimulam o lado mental e cognitivo dos portadores auxiliam no atraso da fase terminal

levam os familiares a procurarem auxílio profissional particular. “É muito difícil conseguir gente de confiança que trabalhe como cuidador de idosos, principalmente com Alzheimer. Além disso, o cuidador se encaixa na categoria de empregado doméstico, que agora conta com uma série de legalidades trabalhistas, o que encarece seu custo. E principalmente a dificuldade da família em cuidar dos portadores da doença, que demanda uma exclusividade muito grande de tempo dos envolvidos em relação ao cotidiano do portador”, esclarece. Na visão do neurologista André Gallina, a defasagem no atendimento público é

decorrente de diversos pontos, desde falta de pessoal especializado até a ausência de políticas públicas adequadas. O especialista mostra, entretanto, pontos positivos no atendimento. “Percebo que nosso sistema de saúde é falho quanto à disponibilidade de profissionais de triagem e especialistas qualificados para dar o suporte médico ao paciente. O que hoje está bom é a disponibilidade de pelo menos uma categoria de medicamento modificador da doença, distribuído pela farmácia de alto custo da cidade. Mas, infelizmente, a outra classe de medicamentos de primeira linha que complementa o tratamento não está disponível”, analisa.

Experiências O programador Vitor Lima, 22, teve um caso da doença em sua família. Seu pai faleceu aos 67 anos com complicações decorrentes do Alzheimer, e Lima relembra a dificuldade em optar por ações públicas no tratamento da doença. “Para o tratamento pagamos (internação) particular. Não optamos por tratamentos públicos, pois infelizmente não funciona em nosso país”, pontua. O contato entre família e portador é um dos pontos principais para se lidar com a doença, como relata Lima, que teve seu pai diagnosticado com Alzheimer há três anos. Logo após a confirmação da doença, toda a rotina da família se alterou. “Foi complicado. Tivemos que nos estruturar para cuidar de uma pessoa com uma doença diferente. Minha mãe parou de trabalhar, passamos a esconder as chaves da casa, coisas perigosas etc”, relembra. Os primeiros indícios da doença geraram preocupação na família do programador. Quando saiu para pagar algumas contas, “seu” Ari esqueceu o caminho de casa e se perdeu, sendo encontrado somente no outro dia. Lima lembra que o pai, mesmo com o diagnóstico comprovado, se negava a aceitá-la. “Ele dizia que não tinha nada, que estava tudo bem, mas nós percebíamos que ele respondia de um jeito como se não entendesse o que queríamos dizer. Parecia que estava vivendo em um mundo paralelo”. Ari faleceu três meses atrás, vítima de um câncer na faringe e com um grau avançado de Alzheimer. Seu filho lembra as experiências que o convívio proporcionou para ele e sua família e a importância da ação ativa de todos os familiares. “Aprendi que mesmo com a doença, mesmo ele vivendo em um mundo paralelo, a melhor coisa a se fazer era apoiá-lo, cuidar e dar carinho dizendo coisas boas que o confortassem. Fazê-lo feliz, mesmo doente”, complementa. Exemplo de que a convivência com um portador da doença é uma questão de adaptação e apoio é o da artista plástica Naira Pacífico, cuja mãe foi diagnosticada há dois anos com Alzheimer e atualmente está sob os cuidados de uma instituição particular de assistência. Naira explica que sua mãe não tem noção de que está doente, e que o cotidiano – na visão de sua mãe – continua o mesmo. “O mais importante é a família compreender e aceitar. Não fazer disso um drama. E dar todo o apoio necessário, estando sempre presente”, recomenda Naira. A artista plástica acrescenta que disposição e apoio são imprescindíveis nessa nova fase que sua mãe passa, e que o diálogo e convívio dos familiares e pessoas próximas em relação aos portadores faz com que o tratamento e adaptação sejam menos dolorosos. “Nós temos que aceitar os desafios. A vida nos leva a aprender e a conviver com eles da melhor forma possível”, finaliza.


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golpe de 64

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Contar a verdade 1964

Evandro Teixeira

Os anos da ditadura civil militar iniciada em 1964 transformaram o cenário do Brasil. Em todos os estados do país a censura e a repressão mudaram a história de muitos brasileiros heróis da resistência, que têm suas vidas marcadas pela prisão, morte, exílio, tortura e clandestinidade. Gloria Cavaggioni

A ditadura alienou completamente as pessoas da participação política. Vivemos em um mundo fake. Ana Mariza

Thais Firmino

A minha maior militância foi dentro da cadeia, eu passei dez anos preso, dez anos é uma existência. Manoel Cirilo

Já passaram 42 anos e as ossadas [do irmão Hiroaki] nunca foram localizadas. Shuniti Torigoi

Gloria Cavaggioni gloriacavaggioni@gmail.com Thais de Cássia Firmino thais.sfc@hotmail.com

PRISÃO Manoel Cirilo olha para o passado e vê uma uma contradição. Sente-se vencido pela ditadura: “fomos derrotados pelo inimigo”. Por outro lado tem a convicção de que, mesmo assim, estava no caminho certo: “faria tudo de novo”. Militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), participou de diversas ações armadas da guerrilha urbana nos anos de chumbo. Foi preso no dia 30 de setembro de 1969. “A minha maior militância foi dentro da cadeia, eu passei dez anos preso, dez anos é uma existência”, avalia. Foram dez anos difíceis. “Ao longo desse período eu vi de tudo. Vi toda a esquerda ser dizimada e não só a esquerda armada. Todas as organizações, todos os indivíduos que tinham o mínimo de dignidade que se revoltavam foram dizimados, torturados, chacinados”, desabafa. Na cadeia, Cirilo lutou pela sobrevivência física e psíquica. “Eu estava condenado a 54 anos, e a ditadura estava muito forte. Você tem que se apegar a alguma coisa. Eu me apeguei à minha ideologia, à minha posição política, à minha visão de luta. Só depois que consegui sair da cadeia é que me dei ao luxo de relaxar, abaixar a guarda”, afirma. Cirilo considera os militares vitoriosos. “Golbery e Geisel diziam ser necessário encontrar meios e caminhos para institucionalizar o golpe. Eu, modestamente, acho que eles ganharam, acho que nós somos institucionalizados. Essa história de que a democracia é um processo, que a gente está avançando, está conquistando, acho que é uma grande balela. Porque toda a estrutura e a superestrutura política, jurídica do país permaneceram a mesma. A legislação no que tinha de essencial continuou a mesma”, critica. Olhando para os anos de luta, avalia correta a estratégia. “Sou, sim, um defensor ferrenho da forma de luta que adotei. Tinha erros e a história mostrou que tinha, sim, nós fomos derrotados pelo nosso inimigo. Mas eu sou contra a posição de inúmeros outros companheiros meus que começam a fazer seus relatos pela autocrítica dos nossos erros. Cabe a

PASSO A PASSO DO REGIME

mim apresentar o que eu fiz e defender. Faria novamente? Faria novamente, sim, se as mesmas condições se apresentassem.” MORTE Estudante de medicina, preso em cinco de janeiro de 1972, Hiroaki Torigoi foi militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), da ALN (Ação Libertadora Nacional) e líder do Molipo. Baleado e morto sob tortura, seu corpo nunca foi encontrado. Hoje, como um destes caprichos do destino, o viaduto que leva o seu nome passa justamente sobre a avenida 31 de março. Mas, se Hiroaki tem um viaduto que leva seu nome, falta a ele um túmulo, uma lápide. Seu irmão, Shuniti Torigoi, testemunha a tristeza da família. “Foi muito difícil, principalmente para os meus pais. Pra mim também. Meu pai faleceu, minha mãe faleceu. Já passaram 42 anos e as ossadas nunca foram localizadas. Meu pai e minha mãe eram budistas e os budistas veneram muito os mortos.” Hiroaki foi torturado por uma equipe liderada pelo atual coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, na época o chefe do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo. A lei da anistia impediu o militar de ser preso pelos seus crimes. “O Brilhante Ustra, que foi um dos grandes torturadores, um dos grandes assassinos da época, está livre”, reclama Torigoi. A história dessa família reflete o clima pesado imposto pelos anos da ditadura no Brasil. Silêncio, opressão, truculência, desumanidade. Torigoi compreende que a política tomou outro rumo e que o país vive agora um período democrático. Mas quando relembra o assassinato do irmão, desabafa: “A dor ficou”. EXÍLIO “Aos 17 anos eu sofri um golpe.” Sim, o golpe não foi só no Brasil, mas em brasileiros como Ana Mariza Fontoura Vidal. Carioca de

Santa Tereza, em 1964 vivia em Recife com os pais. Trabalhava num órgão cultural do Instituto do Açúcar e do Álcool, o Museu do Açúcar e, através dele teve contato com a elite intelectual e artística de Recife, pessoas como Ariano Suassuna, Paulo Freire e Francisco Brennand. Em 1963 conheceu Paulo Freire, que fazia o treinamento do método que criou para alfabetizar adultos da periferia e do campo. “Era um método criativo maravilhoso, que ensinava a partir do contexto da comunidade, que mostrava o malefício da exploração do trabalho, da divisão de classes.” Com o golpe militar, em 64, todo esse trabalho parou. Segundo Ana Mariza, começaram as perseguições, as torturas e prisões em todas as áreas da sociedade que tinham um pensamento mais de esquerda. “Foi um choque muito grande, porque tudo o que eu fazia até aquele momento estava calcado em toda minha formação. E eu não conseguia ver aquilo como motivo de prisão, tortura e morte. Era uma coisa esquizofrênica, surrealista”, explica. Anos após o golpe, ela passou a ser perseguida, por ter trabalhado com Paulo Freire e, posteriormente, com dom Hél-

der Câmara e, seguindo a orientação de um advogado de presos políticos, ficou fora do país por dois anos. Nem mesmo seus pais conheciam seu endereço. Analisando o contexto atual, Ana Mariza apresenta uma visão crítica. “Isso que está aí e que chamam de democracia pelo menos nos garante o direito ao voto e à livre expressão. Mas que democracia é essa em que as pessoas pensam de acordo com o que ouvem na mídia? O que ouvem é montado ideologicamente”, dispara. “Eu me considero derrotada em ideais, em valores, em desejos e sonhos. Nós fomos derrotados no sonho de um país melhor, no sonho de um país do qual a gente tivesse orgulho”. A psicóloga lamenta a ilusão difundida pela imprensa de que um dia, um governo bom fará um país maravilhoso, sem a necessidade da participação e envolvimento do povo. “A ditadura alienou completamente as pessoas da participação política. Vivemos em um mundo fake. Todas essas palavras que dizem respeito ao ser huma-

19/03/1964

31/03/1964

09/04/1964

27/10/1965

13/12/1968

O protesto marcha da família com Deus pela liberdade reúne cerca de 500 mil pessoas em São Paulo.

Tropas militares se deslocam de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro para depor Jango.

Instaurado pelos militares, o AI-1 suspende os direitos políticos dos opositores.

O AI-2 torna indiretas as eleições para presidente e acaba com os partidos.

O AI-5 concede poderes ilimitados ao presidente da República.


golpe de 64

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dói

no: solidariedade, liberdade, consciência política, arte, tudo isso é fake. E aí, haja brilho artificial, porque não há mais brilho nos olhos, não há mais esperança.” Ana Mariza sente-se uma pessoa muito feliz por ter vivido metade do século XX, uma época que considera rica pela presença da ação de pessoas que, mesmo equivocadamente às vezes, batalharam pelo bem, tinham causas, ainda que ilusórias. Entretanto, é pessimista em relação à herança do período. “O legado do golpe, aliado à nossa cultura [política], é um país em ruínas.” TORTURA No último dia 03 de maio José de Lima completou 82 anos. “Mas tenho ainda lucidez suficiente para denunciar as sujeiras que esse pessoal fez”, afirma referindo-se aos militares. José de Lima, Lima ou Zezo para os familiares, é uma das pessoas que deixaram sua vida particular para se dedicarem à luta contra o regime ditatorial. Eletricista industrial, sindicalista e militante, foi o responsável pela formação da base da

ALN (Ação Libertadora Nacional) em Guarulhos. Ouvir suas histórias só reforça a percepção da truculência da ação dos militares no período. Prisões arbitrárias eram a rotina e a tortura prática comum. “Fiquei dez dias no DOI–CODI e fui torturado de uma maneira absurda. Depois me mandaram para o DOPS. Quando eu cheguei no DOPS [Departamento de Ordem Política e Social], às duas horas da manhã, fui direto para o pau de arara”, narra o ex sindicalista. Durante os sete meses em que ficou preso teve contato com diversos personagens que marcaram a história. Conta que frei Tito, ao deixar a prisão, fez questão de cumprimentar cada companheiro. Lembra também a solidão dos presos: “Na prisão a gente fala o menos possível. Mesmo com os companheiros, por mais que a gente tenha coisas em comum. Quanto menos falar melhor”. Quando saiu da prisão toda a organização havia sido dizimada. “Não tinha mais ninguém”, salienta. Lima procurou a justiça militar e denunciou as torturas sofridas, mas muitos companhei-

PRESIDENTES DA DITADURA MILITAR 1964 a 1967 1967 a 1969 1969 a 1974 1974 a 1979 1979 a 1985

Humberto de Alencar Castello Branco Arthur da Costa e Silva Emílio Garrastazu Médici Ernesto Geisel João Baptista Figueiredo

ros seus não suportaram e morreram. “Manoel Filho, Vladimir Herzog, foram assassinados brutalmente. Se eu não tivesse uma estrutura física muito boa eu tinha morrido. O que eu sempre digo, depois de tudo que a gente passou nessa ditadura militar, é que quem suportou é um vencedor. Até hoje eu tenho sequelas disso, eu sonho que estou sendo torturado. E isso não é de graça.” Fazendo as contas, afirma categoricamente: “Valeu a pena, faria tudo de novo. Tenho orgulho de ter feito o que fiz, porque eu não me acovardei. Vi uma cena na televisão, um dirigente do Comitê Central do Partido Comunista, Gregório Bezerra, amarrado na traseira de um jipe e arrastado pelas ruas de Recife, como se fosse um troféu. Isso é uma covardia. Naquele momento eu resolvi ir pra luta armada contra a ditadura militar, com muito orgulho”. Ativo, Lima continua envolvido com política. “Eu sempre digo que por pior que seja essa democracia em que nós estamos, nós temos que aperfeiçoá-la, não ir para uma ditadura. Na democracia temos a chance de fazer um país justo, sem tanta desigualdade social. A ditadura não conserta nada, ela só destrói, ela só mata, ela só aleija.”

Marcos Muzi

25/10/1975

02/03/1983

25/01/1984

15/01/1985

15/03/1985

O jornalista Vladimir Herzog é morto na sede do Doi-Codi em São Paulo.

O deputado federal Dante de Oliveira (MDB) propõe emenda que restaura eleições diretas para presidente.

Na Praça da Sé, em São Paulo, acontece o maior comício pelas Diretas Já.

Tancredo Neves vence Paulo Maluf em eleição indireta para presidente.

O presidente eleito Tancredo Neves não assume a Presidência por motivos de saúde, entra em cena o seu vice José Sarney.

CLANDESTINIDADE Diretor da faculdade de Gestão de Negócios da Unimep, Dorgival Henrique escrevia, no início dos anos 60, contra o aumento das mensalidades escolares num pequeno jornal fundado por ele e mais dois colegas, em São José do Rio Preto, atividade considerada “coisa de comunista”. “Não podemos deixar de considerar que vivíamos uma conjuntura internacional interessante. Nós vivíamos na guerra fria, era 1964. A revolução cubana tinha acontecido em 1959. Os EUA, como é bem sabido, financiavam tendências golpistas que interessavam à América do Norte, queriam um alinhamento automático nosso”, explica o professor. Durante a ditadura, estudou na UNB (Universidade de Brasília) e em 1968, um ano considerado por ele “bastante inflamado”, antes do Ato Institucional número 5, trabalhava de dia e estudava de noite. Experimentava o clima de uma grande universidade como militante da AP (Ação Popular). “A UNB vivia mobilizada e agitada em torno de assembleias, muitas passeatas. Vivia constantemente ameaçada de invasões. Se prezava muito a autonomia universitária, até haver a invasão da universidade para se prender o líder do DCE [Diretório Central dos Estudantes]”, conta. Com o AI 5, as coisas tomaram outro rumo. Tudo passou a ser clandestino. A ditadura criou um decreto chamado 477, que punia tanto os professores como os alunos considerados subversivos com a suspensão do direito de ministrarem ou assistirem aulas durante três anos. “Comecei a viver a militância clandestina nessa época”, diz Dorgival. Em 1972 houve o julgamento de um processo no qual seu nome estava envolvido e foi condenado por integrar organização subversiva.Vários companheiros de movimento estudantil foram presos. Resolveu, então, morar em São Paulo, clandestinamente. “Até a própria residência era difícil arrumar, porque tudo era vigiado”, lembra. Dorgival veio para Piracicaba em 1979. Segundo ele, na Unimep encontrou um clima muito interessante, muito participativo. “Fui ao Salão Nobre e encontrei o professor Elias Boaventura, que era o reitor da época, dizendo que a universidade não pode ser tecnoburocrata, que precisávamos ter participação de estudantes e professores. Isso em 79, sob o regime de João Batista Figueiredo”, relata. A cidade favorecia o encontro da oposição, pois o prefeito era João Herrmann Neto, que também teve sua militância na esquerda. A Unimep, por seu lado, começou a abrigar e dar guarida a vários congressos. “A Unimep com certeza foi um oásis para algumas pessoas. Para mim foi.” Ao analisar o passado, reconhece que teve uma trajetória muito difícil, porém salienta que, o fato da Unimep ser um espaço disponível para muitos perseguidos ou presos políticos recomeçarem suas vidas favoreceu a formação de uma universidade participativa. E completa: “Na Unimep esse caldo cultural efervescente fez com que fossem construídas políticas acadêmicas e fosse institucionalizada a questão da participação, dos colegiados, da democracia, que compõem o estatuto, o regimento e a cultura de gestão dessa universidade”.

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Análise

Rescaldos da ditadura Renato Simões *

O dia 31 de março de 1964 tem que ser lembrado como um dos mais trágicos da história do Brasil. A deposição do presidente da República João Goulart pelo golpe militar impediu que fossem realizadas reformas estruturais na sociedade brasileira que até hoje nos fazem falta. Apesar do curto período e de todas as tribulações ocorridas – quando houve, inclusive, um período em que Jango teve seu poder limitado, pois, em desrespeito às leis brasileiras da época, passou a vigorar o parlamentarismo no país– o mandato de João Goulart é um dos mais significativos que o Brasil já teve. Há mais de cinquenta anos, Jango pautou de maneira pioneira temas de fundamental importância para o país. Suas reformas de base, comandadas por nomes como Darcy Ribeiro, Celso Furtado, San Thiago Dantas, Roberto Lyra, Ulisses Guimarães e Afonso Arinos de Melo Franco, dentre outros, criaram marcos institucionais de referência para a democracia brasileira, como o Estatuto do Trabalhador Rural. As reformas propostas e tolhidas pelo golpe foram e são referências para as que ainda hoje estão sendo propostas para o país. Temas como o das reformas agrária e urbana adentraram na pauta nacional e os projetos então propostos são claramente inspiradores dos que hoje são debatidos no Congresso Nacional. Os militares viam “fantasmas” do comunismo em todos os lugares. Isso gerou o horror das torturas e desaparecimento de milhares de pessoas que se opunham ao regime. Tantas outras que sequer tinham qualquer envolvimento com os movimentos de oposição tiveram suas vidas ceifadas. A ditadura militar se tornou responsável direta pela maioria das injustiças sociais existentes no país quando tomou o poder de assalto e

impediu as mudanças que estavam sendo realizadas. A grande concentração de terras, a especulação imobiliária e financeira, a pesada carga tributária que recai majoritariamente sobre os trabalhadores e as classes populares da sociedade, enquanto os mais ricos têm seus tributos amenizados e, claro, a concentração e falta de democracia dos meios de comunicação que reina no Brasil são consequências da tomada de poder pelos militares e do regime de exceção que se implantou no país. A censura e a autocensura da imprensa não permitia que o conjunto da população percebesse o que estava acontecendo. Tanto no que se refere a aspectos sociais, quanto aos econômicos. As enormes dívidas interna e externa brasileiras tiveram um grande salto neste período. O chamado “milagre econômico” não passava de um truque, uma campanha de marketing, que se somava à repressão, para contribuir com imobilismo social. Uma velha tática de manutenção da hegemonia. A alteração das forças sociais foi retomada com a chegada do PT ao governo federal. Mas, engana-se quem acha que o poder está nas mãos do PT, nas mãos dos trabalhadores. Este é apenas o início da guerra. Muitas das denúncias contra o PT e seu governo fazem parte do jogo de poder que têm regras impostas pela atual elite dominante e têm a intenção de impedir que o PT e os movimentos sociais e populares que o apoiam se consolidem como a principal força social e realizem as reformas estruturais das quais o país precisa. *Renato Simões é filósofo, pós-graduado em direitos humanos. Membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, integrante da Comissão Especial de Indenização aos Ex-Presos Políticos do Estado de São Paulo, desempenha importante papel na defesa dos direitos humanos, inclusive em relação à violência do Estado contra o cidadão. Atualmente é deputado federal pelo PT/SP.

Gloria Cavaggioni

Valeu a pena, faria tudo de novo. Tenho orgulho de ter feito o que fiz, porque eu não me acovardei. José de Lima

Lucas Guizo

A Unimep com certeza foi um oásis para algumas pessoas. Para mim foi. Dorgival Henrique


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golpe de64/entrevista

edição 01 • Junho/2014

1964 Fotos: Lucas Guizo

Piracicaba caminha do apoio à reação ao golpe

Apoio aos perseguidos Não da pra se ter essa ilusão de que João Hermann e Elias concordavam em tudo, eles tinham diferenças sérias em muitas questões, mas no essencial eles concordavam, que era a necessidade de enfrentar os militares, de enfrentar a ditadura. E nesse aspecto Piracicaba realmente é uma referência, porque, tanto na prefeitura quanto na Unimep, pessoas quando chegavam do exílio e precisavam refazer a vida profissionalmente e politicamente tinham espaço.

Beatriz Vicentini estuda há anos o que aconteceu em Piracicaba durante o período da ditadura militar e com a participação de outros autores locais, organizou um livro sobre o tema. Nesta entrevista, avalia os impactos da ditadura em Piracicaba, fala sobre a reação inicial favorável da maioria da cidade e a mudança de postura, já no final dos anos 70.

As primeiras reações na cidade A cidade, no geral, apoiou o golpe. Foram poucas as reações contrárias aos militares naquele momento. Mais ou menos 10% da cidade eram formados por operários. Piracicaba já estava acostumada com uma movimentação grande de greves e de reivindicações, e talvez até por causa disso tivesse também o seu lado conservador, com as elites acostumadas, inclusive, a solicitar a ajuda da polícia desde os anos 40 e 50 pra combater esse tipo de manifestação. Os representantes do poder não reagiram contra, pelo contrário aplaudiram. O golpe acontece no dia 31 e os vereadores continuam falando sobre luz, água, buraco, como se nada houvesse. Marcha pela família O mais emblemático da cidade, de como ela apoia os militares, é a marcha pela família, que acontece no dia 9 de abril, depois do golpe. A convocação foi para as três da tarde. As indústrias pararam, o comércio fechou, as escolas dispensaram os alunos, ou seja, a cidade parou para que as pessoas pudessem ir à marcha. Ela começou na estação da Paulista e terminou aqui na catedral. Havia realmente uma multidão imensa. Todo tipo de entidade que você pudesse imaginar estava na marcha. A cidade após o golpe O clima da cidade é de preocupação, no sentido de que a repressão começa aparecer. O delegado regional, que é o representante do DOPS na cidade, prende as lideranças sindicais e alguns estudantes. Para Piracicaba vêm, por exemplo, alguns vereadores de cidades próximas que são considerados comunistas ou suspeitos de subversão. Os sindicalistas

ficam presos bem mais tempo. É como se a cidade tivesse um núcleo comunista, de subversivos, muito grande, porque em dois ou três dias a cadeia lota. Há prisões das mais absurdas, por causa de livros, por causa de quadro que tem o Marx em um desenho. É uma época em que tudo aquilo que você ouve, que você lê que acontece nas grandes cidades, acontece em Piracicaba, envolvendo notadamente estudantes e sindicalistas. Informantes da Unimep Há registros deixados pelo ex-reitor, o professor Elias Boaventura, de que a universidade era solicitada pelos órgãos da repressão a encaminhar informações sobre professores e alunos, com relação a atividades subversivas. Muitos professores, inclusive, não chegaram a ser

mesmo momento, estarem em postos de lideranças na cidade o João Hermann e o Elias Boaventura. A Unimep poderia ter um discurso acadêmico muito ousado pra época, mas se ela não tivesse um suporte na cidade para, politicamente, encaminhar as suas lutas, é provável que ela não tivesse tido uma papel tão significativo como teve. Os dois congressos da UNE aconteceram porque estavam juntos prefeitura e Unimep.

presos porque a universidade tinha informantes dentro da polícia, que faziam o jogo e que informavam antes que a repressão surgisse. Mudança de postura A partir dos anos 78, quando o João Hermann chega à prefeitura, há uma aliança entre ele e o reitor da Unimep, que permite que a quebra da ditadura comece a ser feita. Piracicaba deixa de ver a questão meramente local pra abrir espaço pra uma reação que começa a se formar nacionalmente, contra a questão da censura, pela anistia, contra a tortura, de reativação dos partidos políticos, de organizações populares. Então quem não

Você só vai conseguir formar novas gerações que entendam o que foi a ditadura se essas novas gerações se apropriarem dessas histórias pessoais

tem onde se reunir acaba vindo para Piracicaba. Os petroleiros de Paulínia, por exemplo, decretam a primeira greve depois de 64 num congresso que eles fazem no Campus Taquaral. Os metalúrgicos do ABC, que estão começando a ter a sua organização, se reúnem muitas vezes com Lula aqui. É um outro momento que a cidade começa a viver, é o processo de reação à ditadura. Parceira Unimep e prefeitura O papel da Unimep cresce realmente a partir do reitorado do professor Elias. Eu diria que não existe coincidência na história. O fato é que Piracicaba foi privilegiada por, no

História local Recontar a história de Piracicaba é falar em outras relações entre empresários e sindicalistas, em todo o processo em que eles eram presos, é falar de diretores de escolas que denunciaram professores, é falar, por exemplo, de estudantes que foram presos porque professores denunciaram. Quem é mais jovem não vai nunca entender o que é a ditadura se não conseguir saber dessas histórias, especialmente as histórias do vizinho, do pai, do irmão, do tio, da avó, do conhecido e do parente. Porque são justamente as pessoas a quem você é emocionalmente ligado que conseguem trazer para mais próximo de você a sensação do que é você ser censurado, preso, exilado, você perder o emprego, você ser vigiado. Você só vai conseguir formar novas gerações que entendam o que foi a ditadura se essas novas gerações se apropriarem dessas histórias pessoais e não apenas da teoria da história geral que aconteceu no país, e isso só acontece se você souber das histórias na cidade onde você vive.

Comissão apura violação de direitos humanos em Araras Diretoria de Comunicação da Câmara Municipal de Araras

Thais Firmino thais.sfc@hotmail.com

A Comissão Nacional da Verdade foi instituída em maio de 2012. Criada através da Lei Federal 12.528, de 2011, seu objetivo é explicar e apurar as violações aos direitos humanos que ocorreram no país entre 1964 e 1988 e como vivia o Brasil no período da ditadura militar. A iniciativa repercutiu em Araras (SP) e graças a uma proposta do presidente da Câmara Municipal, Breno Zanoni Cortella (PT), o grupo foi criado no município no dia 7 de maio de 2013. A comissão é composta por cinco membros: os vereadores Eduardo Elias Dias (PHS), Francisco Nucci Neto (PMDB) e Valdevir Carlos Anadão (PT) e o historiador

Integrantes da Comissão da Verdade em reunião na Câmara Municipal de Araras

Fábio Eduardo Cressoni, além do presidente. O principal objetivo da Comissão em Araras é esclarecer os fatos relacionados ao afastamento de um prefeito que foi impedido de exercer suas funções, coletar documentos e informações sobre a história da cidade durante a ditadura militar, e contribuir

com as comissões Nacional e Estadual da Verdade. Durante a ditadura, Araras sofreu uma intervenção federal, que resultou na cassação do mandato do então prefeito Milton Severino. Ele foi afastado do seu cargo em 1970, e quem assumiu, como interventor, foi o coronel Theodoro de Almeida Pupo.

“O nosso objeto de estudo não é o mandato da interventoria na cidade de Araras. O objetivo é a violação do direito dos cidadãos de Araras de não poderem eleger e serem governados por um dos seus representantes”, diz Cortella. O trabalho da Comissão incluiu pesquisa em acervos dos jornais locais e também nas atas das sessões da câmara na época. Também foram realizadas pesquisas em documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e do Distrito Industrial. O passo seguinte foi a captação de depoimentos, e de um total de 30 pessoas selecionadas apenas dez se dispuseram a falar. “As pessoas que viveram

naquela época têm certa restrição de falar, preferem deixar no passado esse período ruim, que não lhes trás boas lembranças”, avalia Cortella. Os trabalhos da Comissão deveriam ter sido concluídos no dia 1º de abril, mas o prazo para encerramento foi prorrogado por mais um ano. Os resultados ficarão armazenados na Câmara Municipal e poderão ser consultados pela população, o que pode facilitar a ação de pesquisadores interessados em fatos que ocorreram neste período. ”E a nossa Comissão da Verdade segue aquele mesmo espírito que nacionalmente tem sido divulgado, para que nunca mais se esqueça, para que nunca mais aconteça”, enfatiza Cortella.


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política

edição 01 • Junho/2014

na luta pelas

Diretas

Victor Vicentim

Piracicaba faz a diferença

Stefanie Araujo stefanie_aa@hotmail.com Lucas Neri lucasneri547@gmail.com

O

movimento Diretas Já, um dos mais expressivos da história política do Brasil, completa 30 anos em 2014. Em 1984 centenas de milhares de pessoas, em todo o país, foram às ruas para exigir eleições diretas para presidente da República e, com isso, encerrar de vez a ditadura que se instalou a partir de 1964. E Piracicaba foi um centro importante nesta mobilização popular, seus cidadãos participaram ativamente deste momento histórico. As primeiras manifestações contra a ditadura na cidade começaram antes, já em 1980. Elias Boaventura, reitor da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) e João Hermann Neto (MDB), prefeito da cidade na época, fizeram história ao viabilizarem a realização do primeiro congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) após sua proibição pelo regime militar. Com apoio da prefeitura e da universidade, a cidade sediou o 32º congresso da entidade. José Pedro Soares Martins, jornalista de O Diário de Piracicaba destaca o significado político da iniciativa para a cidade e em âmbito geral. “Foi uma festa de cidadania. Milhares de estudantes de todo país, pedindo o fim da ditadura, pedindo um ensino democrático, livre e gratuito para todos”, relata. O congresso foi o início de uma série de outras manifestações que se seguiram nos anos seguintes. O sociólogo Luis Fernando Amstalden explica que no fim de 1982 ocorreram diversas manifestações de protesto e pela democratização do país. “Em 1983 elas começaram a crescer e em 1984 chegaram ao auge”, observa. O ponto central da mobilização popular no país e na cidade a partir de 1983 passou a ser a chamada emenda Dante de Oliveira, que foi apresentada ao Congresso pelo então deputado federal, do MDB do Mato Grosso. Tratava-se de uma emenda

Primeiros anos da década de 80 foram de intensa mobilização em favor da democracia na cidade

constitucional objetiva, com apenas um artigo e um parágrafo único, mas que tinha a importância de, se aprovada, restabelecer a possibilidade do voto direto de todos os eleitores para eleger o presidente do Brasil. O país passou a se unir cada vez mais e em Piracicaba não foi diferente, como relata Martins: “Havia uma disputa grande entre os grupos políticos de esquerda, como o MR-8 (Movimento Revolucionário 08 de outubro), a Libelu (Liberdade e Luta), a Convergência Socialista, e o núcleo do PT que estava em formação na cidade e no Bra-

As pessoas tinham um grito na garganta que queriam por pra fora Marcos Muzi, fotógrafo

sil. Mas todos os grupos se uniam no momento de pedir as liberdades democráticas”. Para Marcos Muzi, na época fotógrafo de O Diário de Piracicaba, o momento era de intensa mobilização social em busca de um único objetivo. “As pessoas tinham um grito na garganta que queriam por pra fora, essa sensação da injustiça, da diferença social, da má educação, sabiam da onde vinha isso, sabiam que existia um inimigo comum a todos e que se mantinha só pela força”, observa. O bancário e vereador de Piracicaba, na época militante em prol do movimento, José Antonio Fernandes Paiva (PT) relembra a ansiedade da sociedade. “A gente presenciou, naquela oportunidade, o desejo que a cidade tinha de participar do processo de decisão e não mais admitia que as decisões se dessem pelo voto indireto”, enfatiza. Grande parte das pessoas atuantes no movimento das Diretas Já era composta por estudantes e professores que, por meio de seus ma-

nifestos, eram vistos como subversivos aos olhos dos setores conservadores e vigilantes da cidade. Bruno Pucci, docente da Unimep e participante ativo do movimento, observa que o corpo estudantil daquela época não movimentava apenas os setores acadêmicos, mas também as ruas, em defesa da democracia. “Os estudantes, tanto da Unimep, quanto da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) movimentavam não só os setores acadêmicos, mas também as ruas na defesa da democracia”. Bucci completa: “Piracicaba, através de seus poderes políticos e religiosos, de seus segmentos estudantil e docente, de seus partidos políticos, e de inúmeras organizações sociais, se transformou em uma pólis inquieta e combativa na luta pela democracia brasileira”. Nessa atmosfera de ebulição social, Piracicaba reunia lideranças das mais diferentes áreas da política, em atos que expressavam a vontade e o direito da população de decidir de forma direta quem

presidiria o país. Os atos em prol das Diretas Já foram realizados na Unimep e por toda a cidade, com destaque para a praça José Bonifácio, local em que a população em que ocorreram os comícios com maior número de participantes. Também foram realizadas passeatas pela cidade. Mas, segundo Amstanden, “o importante eram os comícios das Diretas Já que aconteciam”. O movimento atraía à cidade as principais lideranças políticas do Estado de São Paulo e do país. “Os principais políticos vinham até aqui. Piracicaba sempre foi e

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é até hoje um grande centro político, naquela época isso se mostrava, porque todos os grandes nomes da política estiveram nos comícios que Piracicaba organizou, era uma força, era um movimento tão forte quanto São Paulo, e sincero. Você via que não tinha manipulação de ninguém, era espontâneo”, observa Muzi. Uma das presenças marcantes na cidade foi a de Dante de Oliveira, que fez uma conferência na Unimep, no campus Centro. Juan Antonio Moreno Sebastianes, professor de química desde 1968 e hoje filiado do Partido Verde (PV), relata a dificuldade de lecionar naquela época. “Como professor de Química, não tinha muito espaço para falar sobre o assunto nas aulas, mas vesti camiseta das Diretas e defendia a proposta com curtas falas em aulas e fora delas, pois sempre defendi a democracia plena”. O ponto alto da mobilização ocorreu no dia 25 de abril de 1984, quando a emenda proposta por Dante de Oliveira foi votada no Congresso, e a expectativa que ela fosse aprovada era grande, tanto que foi declarado Estado de Emergência em Brasília. Em decorrência das comunicações naquela época serem restritas, a Unimep criou um “sistema” de recebimento de notícias através da televisão, rádio e telefone. As informações eram recebidas na universidade e levadas até a praça José Bonifácio, como conta o jornalista José Pedro Soares Martins: “As informações eram levadas para a praça José Bonifácio, onde havia uma grande concentração popular. Eu acabei agindo como um dos mensageiros para levar informações para o povo reunido na praça”. Para que a emenda fosse aprovada eram necessários 320 votos, mas apenas 298 deputados votaram a favor, os outros 65 votaram contra e três se abstiveram. Além disso, mais de 110 deputados não compareceram no dia da votação. Apesar de toda expectativa em relação à aprovação da emenda que concedia à população o direito de votar diretamente para presidente do Brasil, o resultado foi decepcionante em virtude da pequena quantidade de votos favoráveis que faltaram para garantir a aprovação. Mas, a sociedade não desistiu. A conquista do voto direto para presidente veio alguns anos depois, com a aprovação da Constituição de 1988. Em 1989 os brasileiro spuderam voltar às urnas, já em ambiente de liberdade de organização partidária, para votar de forma direta e livre para o cargo mais alto do Poder Executivo. Fotos: Lucas Guizo

Começou em 1983 e chegou ao auge da mobilização em 1984 Luis Fernando Amstalden, sociólogo


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entrevista

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Sobre duas rodas

Lucas Guizo

Cris Trentim corre desde 2011 e é a única mulher no Superbike.

Isa Campos isafrancodecampos@gmail.com Maria Luiza Gonçalves mgoncalvesmariano@gmail.com Lucas Guizo lucasguizo_19@hotmail.com

T

reinos de três a quatro horas de duração, geralmente debaixo de sol escaldante, em cima de uma moto de 1.000 cilindradas que chega a 299 km/h. Esta é a rotina de um piloto de motovelocidade, e há quem pense que as exigências estariam fora das possibilidades de uma mulher. Cristiane Aparecida Trentim, 35 anos, mais conhecida como Cris Trentim, prova o contrário. Piloto profissional desde 2011, ela é a única mulher do Superbike. Cris vive em Araraquara e sempre foi apaixonada por motos, mas há quatro anos essa paixão virou coisa séria. Desde então recebeu duas premiações, em sua primeira corrida, por ser a única mulher do campeonato, e conquistou o sétimo lugar em uma corrida debaixo de chuva, em Interlagos, sem nunca ter corrido sob estas condições antes. Na entrevista a seguir, fala sobre sua carreira, dificuldades, conquistas e a preocupação da família com a sua opção. Como você começou? Eu já andava de moto na rua. Na época eu pertencia a uma equipe e tinha um parceiro de equipe, e ele também andava de moto na rua, além de ter corrido em 2010. Ele sofreu um acidente na primeira etapa, parou e ficou o ano de 2010 inteirinho sem o campeonato. Nós nos encontramos, e ele comentou sobre isso. Ele queria que eu saísse das rodovias e fosse pra um autódromo competir, por causa dos perigos que existem. Eu propus a ele um acordo: “eu começo a pilotar no autódromo, mas você retorna comigo”. Ele voltou e começamos a treinar. Você sempre gostou de moto? Sempre gostei de carro e de moto, mas meu pai nunca me deixou tirar habilitação de moto. Se eu tirasse de moto, não ia ganhar a habilitação. Mas, eu comecei a namorar e meu marido, na época, tinha uma moto, e comecei a pegar gosto. Aí eu me casei, tirei carta e acabou. Ninguém manda mais em mim, nem o marido (risos). Como você se sente sendo a única mulher na sua categoria? Você não se sente a única mulher, porque a hora que você coloca o capacete e o macacão você se sente igual aos homens. Eu sou mais um piloto no meio de tantos que tem aqui. Porque a gente se rotula mulher, a

gente se rotula frágil, mas eu nunca me vi dessa forma e eles nunca me viram dessa forma, os meninos sempre me trataram de igual para igual. Esse negócio de: “tem que ter mais cuidado, ela é diferente” (não existe). Eu não sofri preconceito, era mais uma admiração. Então, preconceito não teve. No Brasil conseguir patrocínio é difícil. Você conseguiu rápido? Não. Eu achei que fosse mais fácil por ser a primeira mulher na motovelocidade, no Super Bike, apostarem que eu futuramente fosse dar frutos. Mas é igual para todo mundo. Porque pra nós, aqui no Brasil, é só futebol. A exposição (da motovelocidade) continua fraca. A gente é um público grande, que assiste a motovelocidade. São vários pilotos praticando o esporte, mas não é visto por todo mundo. Qual foi o maior desafio da sua carreira? Foi correr na chuva. Porque a hora que você se adapta com a coisa, que você está treinando, que você está fazendo, vem o imprevisto, que é a chuva. A gente treina no sol, a gente anda no sol, tem muito mais corridas com tempo bom do que com tempo ruim. Aí de repente você treina sexta-feira e sábado com um tempo maravilhoso e no domingo levanta e está chovendo.

E a maior conquista? Foi chegar em sétimo lugar na chuva, nesse mesmo dia, inclusive. Eu larguei em 23º e cheguei em sétimo embaixo de chuva. Então foi uma conquista e uma superação ao mesmo tempo. Em época de competição, como é sua rotina de treino? Em época de competição a gente aumenta um pouco o ritmo de treino. Eu treino em kartódromo para condicionamento físico e depois a gente acaba indo mais pra cidade de origem, como Interlagos, que são os lugares que mais têm as provas. Eu acabo saindo dos kartódromos e indo para Interlagos para treinar lá, porque aí eu estou dentro de casa, é maior. Eu faço isso três vezes por semana, às vezes duas, dependendo do meu ritmo, às vezes uma vez por semana em época de competição. Como é seu treino? Treino pra moto velocidade é mais condicionamento físico. Ficamos pouco sentados na moto e as pernas é que seguram, tem que forçar a perna no tanque da moto porque os braços têm que ficar bem suaves, pra fazer a curva, porque se tencionar o braço, é dureza. E pra mim o melhor condicionamento físico é quando vou ao kartódromo, porque é pequeno

Isa Campos

Piloto profissional de Superbike, Cris Trentim revela os desafios do esporte

e não dá tempo de explorar todas as marchas. Não faço academia, porque não podemos ganhar massa muscular, porque senão ficamos tensos. Mas tem que ter exercícios aeróbicos. E eu também faço zumba, pra agilidade. Qual o fato mais curioso da sua carreira? Foi a minha primeira corrida, quando ninguém sabia que eu era mulher. Muita gente não sabia, só quem vivia ali comigo, dentro do autódromo, pilotos, mas quem veio pra assistir não. Então gerava muito comentário: “Nossa! Parece uma mulher, mas será que é uma mulher ou um homossexual? Porque tem corpo de mulher, mas pode ser um menino”. E quando você decidiu que ia entrar no campeonato, como foi a reação da sua família? Então, na verdade, eu não pedi e não comuniquei. Eles achavam que não ia acontecer isso e, quando eles viram, eu já estava dentro do campeonato. Eu não passei muito por esse negócio de pedir permissão, comunicar. Eles reagem bem então? Não gostam. Meu pai prin-

É indescritível, é difícil falar. (Correr) É uma sensação de liberdade cipalmente. É sempre assim: “Esse ano você não vai, não é? Está bom já, não é?”, mas não batem de frente comigo, não impõem o que eles querem, não tem essa imposição, mas eu sei que não é do agrado. Existem muitas mulheres entrando no esporte, ele está se popularizando? Eu acho que sim, até porque logo que eu entrei, em Brasília, as meninas colocaram um grid feminino. Reuniram várias meninas, acho que eram sete. O esporte já começou a seguir para outro lado, mesmo quem não competia com os homens já tentava montar um grid feminino e as mulheres começaram a se encorajar com isso. Mas você sente falta de mais participação delas? Eu penso o seguinte: a gente sente falta dessa par-

ticipação feminina, mas a gente entende que é por causa de patrocínio que isso não acontece mais, porque você tem que trabalhar para pegar o dinheiro do seu trabalho para manter esse esporte, e aí isso se transforma em um O que você sente hobby porque o esporte no quando está correndo? país não é visto da forma que É indescritível, é difícil é visto o futebol. falar, seria o mesmo prazer que o chocólatra tem quando Você sente que tem algu- come chocolate, é um prazer, ma coisa em que os houma adrenalina que só quem mens são privilegiados? vai consegue sentir. É uma Não. O privilegio é o da sensação de liberdade. natureza, o homem é mais forte, talvez tenha mais conA corrida dura quanto dicionamento físico, mais tempo? Como você se por esse lado. Só que nós, sente quando chega ao mulheres, por sermos senfim? síveis e, às vezes mais leves, 30 minutos. E você tertambém temos o lado privi- mina cansada com dor nas legiado da natureza, que é o pernas, nas costas em tudo, sexto sentido, o racional, a mas é o prazer que conta. É o gente pensa muito pra fazer. mesmo que o lutador: quanto Os homens são mais impul- mais bate e apanha, melhor, sivos, as mulheres são mais e as marcas que deixam é a racionais. certeza de que você fez. Maria Luiza Gonçalves

Unimep inicia 22º Salão Universitário de Humor

Virada reúne 10 mil para ver Nação Zumbi Isa Campos isafrancodecampos@gmail.com

Isa Campos isafrancodecampos@gmail.com

A Unimep inaugura oficialmente, no próximo dia 06 de junho, a exposição dos trabalhos do 22º Salão Universitário de Humor de Piracicaba. A abertura acontece às 20h45, no átrio da Biglioteca, mas será antecedida por um debate com cartunistas, às 19h30, no Sala Vermelha. O Salão recebe todos os anos produções de alunos brasileiros e estrangeiro. Segundo Camilo Riani, professor do curso de Design Gráfico e presidente da comissão organizadora do evento, os trabalhos são classificados nas categorias charge, cartum, caricatura e histórias em quadrinho e todos são julgados por especialistas. Os autores dos trabalhos vencedores recebem prêmio em dinheiro. Além do prêmio em dinheiro, o trabalho vencedor na categoria temático que

Você já caiu? Cai uma vez só, a primeira vez que fui ao autódromo. Isso foi em novembro e o campeonato era em fevereiro. Eu andei o dia todo, e no final eu caí. E isso não me desmotivou em nada, muito pelo contrário, me deixou até com mais vontade porque aí eu queria mostrar que caí por imprudência minha, eu estava cansada, não tinha dormido e ainda estava acelerada, só caí por causa do abuso mesmo.

Para Riani, salão insere o humor gráfico na agenda universitária

trate de questões educacionais ainda recebe o Prêmio Educar para Crescer – Faculdade de Comunicação Unimep. Neste caso, a premiação inclui o pagamento referente

a dez obras do autor, que serão publicados pela Editora Abril. O regulamento e mais informações estão disponíveis no site do evento: www. unimep.br/salaodehumor.

Piracicaba recebeu a Virada Cultural Paulista nos dias 24 e 25 de maio em diversos pontos da cidade. Dentre inúmeras atrações, a banda pernambucana Nação Zumbi era a mais esperada e reuniu aproximadamente 10 mil pessoas no Parque do Engenho Central. Com uma estrutura bem montada e organização da equipe, apesar do grande número de pessoas, nenhum tumulto foi relatado. Além da música, o evento contou com apresentações de dança, teatro, cinema, artes visuais, artes plásticas e literatura. O grupo Nação Zumbi teve início em 1990 e hoje é influência para outras grandes bandas como Paralamas do Sucesso, Planet Hemp e O Rappa. Com músicas como “Maracatu Atômico” e “Quando a Maré Encher”, os pernambucanos inovaram a música brasileira nas melodias e nas letras e movimentaram Piracicaba.


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arte

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10 anos

Arquivo

REPORTAGEM FOTOGRÁFICA

sem Bresson Texto e Fotos: Lucas Guizo lucasguizo_19@hotmail.com

Geometria, sensibilidade, percepção aguçada. Talvez estas três palavras possam definir – de maneira modesta – os olhos do fotojornalista Henri Cartier-Bresson. Neste ano, completam-se 10 anos de sua morte, mais precisamente, no dia 02 de agosto de 2004, aos 95 anos. Esta reportagem fotográfica relembra o legado deixado por Bresson. Nasce do desafio de tentar (re)produzir, em Piracicaba e redondezas, imagens baseadas nas técnicas inventadas e utilizadas por ele. São cenas do cotidiano da sociedade e a beleza da urbanização. As fotografias representam sensações geométricas da estrutura da cidade, os passos rápidos dos cidadãos ocupados, momentos pitorescos – porém únicos – de equilíbrio que só podem ser imortalizados pela câmera. Uma homenagem ao fotógrafo que produzia essas cenas tão brilhantemente.

O “Olho do Século” Nascido em Montjustin, França, em 22 de agosto de 1908, Henri-Cartier Bresson foi um dos fotojornalistas mais importantes do século XX e denominado o pai do fotojornalismo, por dar início a uma percepção inovadora nesse quesito. Iniciou sua trajetória artística pela pintura, expressando criatividade por meio do surrealismo. Descobriu sua primeira máquina fotográfica, a famosa Leica, em 1932 e desde então se entregou completamente à fotografia. Em 1947, em parceria com os fotógrafos Robert Capa, George Rodger, David ‘Chim’ Seymour e William Vandivert, Cartier criou a agência de fotojornalismo Magnum, que resiste até hoje. Publicou inúmeros livros e artigos. Um dos principais é o Images à la sauvette, no qual explicou que não há nada no mundo que não tenha um momento decisivo. A obra recebeu o título de “instante decisivo”, atribuído por um tradutor do livro. Até sua aposentadoria, em 1970, Bresson dedicou-se a clicar a vida europeia com exímio. Sempre foi extremamente criterioso com a finalidade que suas fotografias poderiam tomar. Elaborava a composição e fotografava. Suas imagens eram sempre publicadas sem nenhum corte, realçando a borda negra do negativo, para confirmar sua veracidade. Cartier faleceu deixando um legado de conhecimento, livros, exposições, filmes e prêmios por todo o mundo.

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polícia

Quanto edição 01 • Junho/2014

Cresce número de assassinatos na região; Os motivos vão do uso de drogas e álcool à vingança e prática de roubos Laiane Guastaldello laianemg@gmail.com Joanan de Oliveira joanan@globomail.com Natália Crsitina Elias natielias21@yahoo.com.br

P

iracicaba registrou aumento de 23% no número de homicídios em 2013. Em Limeira o crescimento foi de 20,8% e em Rio Claro de 70%. No ano passado Piracicaba sofreu com 58 casos de assassinato contra 48 ocorridos em 2012. Em Limeira foram 25 mortes desse tipo em 2013 e 18 casos em 2012 e em Rio Claro o aumento foi maior, foram 27 casos em 2012 contra 45 no ano passado. Os números são da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. As armas mais usadas em assassinatos em Piracicaba são os revólveres de calibre 38 e as pistolas 380. As vítimas são, na maioria dos casos, homens, na faixa etária entre 20 e 30 anos. A idade dos matadores varia, principalmente, de 17 a 25 anos e preocupa também o envolvimento constante de menores. As informações da área de segurança também mostram que são vários os motivos que levam a um assassinato: vingança, motivo passional, raiva, autodefesa, dívida, latrocínio, homicídio seguido de suicídio, consumo de bebida, dívida de droga, uso de drogas, ganho pessoal, e disputa de ponto de tráfico. Apesar desta diversidade de causas, de acordo com o investigador André Luís Miyazaki, da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) de Piracicaba, a vingança é o principal motivo. “O que mais vemos é vingança, uma briga, um motivo torpe. Tem homicídio relacionado a ponto de venda de tráfico, ou relacionado com pseudo estupradores, que uma facção criminosa manda executar. Eles simplesmente pegam uma pessoa que alguém falou que é estuprador e matam”, explica.

Além disso, a desvalorização do ser humano e a falta de um sistema penal rígido ajudam a explicar a incidência alta do crime. “É a banalização da vida e a certeza da impunidade, pois a pessoa sabe que ao ser julgada receberá uma pena que logo terá uma progressão d e re g i m e”, re s s a l t a o investigador. Dados do Ministério Público divulgados em novembro de 2012 revelam que entre os anos de 2011 e 2012 os homicídios cometidos por impulso ou por motivos fúteis correspondem entre 25% e 80% das mortes identificadas no Brasil. No estado de São Paulo, 83% dos assassinatos esclarecidos tiveram essas motivações. A pesquisa incluiu na categoria “Impulso + Motivo Fútil” os homicídios classificados como briga, ciúme, conflito entre vizinhos, desavença, discussão, violência doméstica, trânsito, passional, consequência de vias de fato etc. No caso de vingança e rixa, o fato pode ser enquadrado tanto como homicídio cometido por impulso ou assassinato premeditado. A arma de fogo é o principal instrumento para as mortes, e o comércio ilegal está relacionado com isso, pois quase sempre a venda ilegal tem ligação com roubos. “É um comércio mais local mesmo, que vem dos furtos e roubos dos proprietários legítimos”, explica Miyazaki. Ele pondera, entretanto, que em brigas de família ou em bares, por exemplo, o tipo de recurso usado para matar é outro, a faca, que exige envolvimento maior com a vítima, a aproximação física, situação oposta a da arma de fogo, que pode ser usada a distância. O Mapa da Violência de 2013 indica que o Brasil é líder no ranking de mortes por armas de fogo entre os 12 países com a maior população mundial. De acordo com a estatística mais recente, Laiane Guas Taldello

uma vi Allan Prado dos Santos

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O Brasil é lider no ranking de mortes por armas de fogo entre os países com maior população; as estatísticas dos últimos 30 anos indicam alta de 346% de mortes provocadas por essas armas

nos últimos 30 anos o país teve uma alta de 346% em mortes provocadas por essas armas, sendo 8.710 mortes em 1980 e 36.792 homicídios por tiros em 2010. No total são 19 mortes por armas de fogo para cada 100 mil habitantes, praticamente o dobro do recomendado pela ONU (Organização das Nações Unidas). Nos Estados Unidos, no mesmo ano, o índice de assassinatos foi de apenas de 3,2 por 100 mil habitantes. Perícia Nem sempre os casos de homicídio são solucionados. Na maioria das vezes o principal obstáculo é identificar o

assassino e para isso é fundamental a atuação das equipes da Polícia Civil e do Instituto de Criminalística, que têm o objetivo de determinar a ocorrência dos fatos. Para chegar ao criminoso existem diversas etapas que vão desde a apuração de depoimentos até a criteriosa investigação pericial. A prova pericial é considerada uma prova objetiva, ou seja, qualquer elemento físico coletado na cena do crime. O pai da criminalística, Hanns Gross, dizia que o trabalho dos peritos criminais é uma análise sistemática de sinais que o suspeito deixou. A perita criminal Solange

Fátima Pousa, do Instituto de Criminalística de Piracicaba, explica que o trabalho envolve a mobilização de diversos tipos de recursos. Sempre que ocorre um crime contra pessoa, a perícia utiliza a chamada “maleta de local”, que contém equipamentos essenciais, entre os quais ela destaca as lanternas com luzes de diferentes frequências, que usadas em conjunto com um óculos especial permitem determinar a presença de fluidos corporais, como sangue e esperma, mesmo que o local já tenha sido lavado. Solange destaca a importância desses equipamentos para o trabalho da equipe.

“Essas maletas nos permitem coletar resíduos do local do crime como cabelo, farpas de tecidos, ou outras coisas que possam ser enviadas para um laboratório”. Esse material pode ser usado em uma comparação imediata ou futura, e até mesmo em testes de DNA. A preservação do local do crime também é importante para o trabalho da polícia científica. Qualquer descuido pode significar a perda de vestígios fundamentais para futuras análises em laboratório e por isso o artigo 169 do Código Penal Brasileiro garante a necessidade do isolamento e da preservação da cena do


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polícia

vale edição 01 • Junho/2014

da? crime. Uma das dificuldades nesta questão, segundo Solange, é que quem preserva o local são os policiais fardados ou policiais civis. “Muitas vezes eles não têm a mínima noção de como fazer isto e acabam prejudicando o nosso trabalho, por exemplo, ao pegar em objetos sem o uso de luva específica”, analisa.

Julgamento O homicídio, ou seja, o crime contra a vida, é o único que só pode ser julgado por um júri popular, mas nem sempre o resultado agrada a todas as partes. Há sempre os que dizem que a justiça foi feita, aqueles que consideram a condenação injusta e também aqueles que acreditam que o caso se encerrou na impunidade. Neste contexto, o advogado criminal Homero de Carvalho reforça que é preciso ter como referência o que diz a Constituição brasileira. “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório TIPOS DE HOMICÍDIOS

PENAS

Homicídio Qualificado

Reclusão de doze a trinta anos

Homicídio Privilegiado

A pena pode ser minorada de 1/6 até 1/3 da pena

Homicídio Culposo

Detenção de um a três anos

Homicídio Doloso

Reclusão de seis a vinte anos

e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Carvalho enfatiza que todos têm direito à defesa, e mesmo que o acusado seja confesso a defesa deverá ser exercida em toda a sua plenitude, sempre buscando um resultado dentro dos direitos que cabem ao réu. O trabalho de acusação também exige rigor, pois mesmo que todos tenham direito à defesa, os crimes não devem ficar impunes. O advogado explica que a acusação em casos de homicídio é exercida, na maioria das vezes, pelo Ministério Público. Carvalho comenta que quando o caso é levado a júri popular a sociedade sempre vivencia a sensação de impunidade. “Um estudo realizado pelo IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), revelou que 72% dos jurados estão mais dispostos à condenação, ainda que a prova seja duvidosa”, informa. Para o advogado, o contato com as famílias, tanto da vítima quanto do acusado, é de extrema importância e na defesa esse ponto pode ser também de grande ajuda. “Sempre que defendo algum acusado tenho contato com a família, pois dessa forma, muitas vezes descobrimos qual a motivação do indivíduo, o que o levou a cometer o delito. Não podemos pensar no crime apenas no exato momento em que ocorreu, mas também em seus antecedentes”, ressalta o especialista.

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Natália Elias

Homicídios estão ligados a criminalidade e problemas sociais e psicológicos

Crime é reflexo do contexto social Direitos humanos são os direitos fundamentais de todas as pessoas, e entre os direitos essenciais está o direito à vida. Quando um assassinato atinge o núcleo de uma família ele priva não somente quem morreu, mas todas as pessoas envolvidas com ela no dia a dia, pois o direito básico de ter a família completa foi violado brutalmente. Marcelo Borrasca, diretor e secretário geral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Piracicaba e também diretor coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Subseção de Piracicaba da OAB de São Paulo, acredita que o problema da elevação do número de homicídios é reflexo de um contexto social mais amplo, de descaso das autoridades com a população. O diretor da OAB explica que o aumento da taxa de homicídios na sociedade brasileira tende a acompanhar o aumento da

criminalidade como um todo. “Hoje, infelizmente, o cidadão está refém daqueles que vivem à margem da lei”, argumenta ao referir-se principalmente aos casos de homicídios ligados aos roubos, consumo de drogas e álcool. Na avaliação de Borrasca, o sistema não funciona como deveria, pois há policiais descontentes e em número insuficiente, ausência do Estado em determinados locais, uma educação pública precária e uma saúde pública que, na maioria das vezes, não consegue oferecer o básico. “Os direitos humanos não são afetados apenas e tão somente pelo aumento dos assassinatos, mas por todas estas questões ponderadas”, analisa. Para tentar melhorar a situação, a Comissão de Piracicaba promove reuniões constantes com os representantes do Poder Público. “Também estamos

disponíveis para atender a população e esclarecer o que for preciso, esse é o nosso comprometimento”, finaliza Borrasca. As posições são compartilhadas pela psicóloga Marina Ribeiro, para quem a análise da situação de quem comete um crime de homicídio precisa levar em conta um contexto mais amplo, que consiga averiguar qual a situação social do indivíduo e seu momento emocional no momento do assassinato. “Não se pode determinar sem ter contato e vínculo com o homicida, sem saber seu histórico, seus pensamentos, sua ideologia”. A especialista observa que é mais fácil individualizar, culpar totalmente o sujeito e esquecer o contexto em que ele está inserido. “Não podemos deixar de lado as questões políticas e culturais em que o indivíduo está inserido”, ressalta. A psicóloga exemplifica.

“Nos casos mais frequentes que acompanhamos na mídia, de assaltantes que matam as vítimas na sequência do roubo, muitos desses sujeitos estão em situação desfavorável no sistema, envoltos e nascidos na criminalidade, no seu histórico há discriminação e exploração, o que culmina em um momento de medo, desespero e frieza”. As políticas públicas de combate ao crime, segundo Marina, deveriam incluir uma abordagem psicológica. Uma das maneiras pode ser a prevenção, a partir da ação direta em locais vulneráveis ou diretamente com o sujeito que está em sofrimento psíquico. Para quem já passou pela situação há outro caminho. “É possível fazer um acompanhamento psicológico ou psicoterápico e direcionar o tratamento à família da vítima ou ao próprio sujeito que cometeu o homicídio”, finaliza Marina.

Famílias sofrem impactos permanentes No ano de 2011, o município de Saltinho presenciou um dos crimes mais chocantes registrados na cidade. No dia 7 de maio, por volta das sete da noite, um sítio foi invadido por dois indivíduos encapuzados e armados – um deles o menor C. S., de 14 anos – que mantiveram como reféns dois moradores. Enquanto os assaltantes aguardavam a chegada do comerciante e chefe de família Carmelindo Lopes, de 57 anos, e do filho dele, Valmir Lopes, de 20 anos, ameaçaram os moradores com arma de fogo para que entregassem o dinheiro. Após serem rendidos e obrigados a dar o montante exigido pelos assaltantes, o pai reagiu, entrou em luta corporal e foi atingido por cinco disparos. Carmelino Lopes não resistiu e morreu no local. O filho, Valmir, foi baleado na cabeça e após ser socorrido permaneceu em estado grave por 17 dias. Os assaltantes fugiram após os disparos e deixaram para trás uma mochila que continha cartões bancários

Lucas Guizo

A família de Dalton Bená usa túmulo para protestar contra demora na ação da justiça

dos infratores, o que permitiu à polícia identificar rapidamente os criminosos, pois um deles havia sido funcionário de estabelecimento de propriedade do comerciante assassinado. O homem responsável pelo assassinato foi condenado e permanece em regime fechado. Carmelindo era conhecido por ser uma pessoa que tinha

boa convivência com todos os que estavam à sua volta. “Ele ajudava todo mundo, ajudou até o homem que o matou”, afirma Valmir Lopes. Sobrevivente do assalto, ele diz o que sente em relação a tudo isso. “É muito difícil aceitar uma perda como a do meu pai, que era uma pessoa muito querida. No dia 7 ele foi assassinado e no dia 10

iria receber o prêmio de cidadão saltinhense”. O jovem ainda expõe a sua revolta contra os responsáveis pela morte do pai. “Os bandidos não mereciam estar vivos, porque não tem nenhuma maneira de trazer o meu pai de volta”. Caso Bená No dia 1º de maio de 1998,

por volta das 17 horas, na rua Tiradentes no Centro de Piracicaba, Dalton de Netuno Dorta Bená, 18 anos, foi assassinado pelo disparo de arma de fogo. Estava dentro de sua casa, acompanhado de dois amigos, sendo um deles o autor do disparo. A primeira versão sobre o fato, publicada no Jornal de Piracicaba, relatava a entrada de ladrões na casa. Como reação, um dos presentes teria feito dois disparos de revolver, um dos quais atingiu e matou Dalton Bená. Os jovens que estavam no local com ele fugiram e só se apresentaram à polícia sete dias depois, na companhia de seu advogado. Apresentaram então nova versão sobre o crime: o tiro fora acidental e ocorreu durante manuseio da arma. O processo se arrastou por 11 anos, até que em fevereiro de 2009 o acusado foi a júri popular e condenado a 12 anos de prisão em regime fechado. Seu advogado recorreu da sentença e por força de habeas corpus conseguiu que o réu respondesse em liberdade. O primeiro julga-

mento foi anulado, sob a tese de que o corpo de jurados foi contrário às provas dos autos. Quatro anos depois, o Tribunal do Júri de Piracicaba decidiu por nova condenação a 12 anos em regime fechado, por homicídio consumado, qualificado por uso de recurso que dificultou a defesa da vítima. Insatisfeita com o resultado do segundo julgamento, a defesa recorreu novamente da decisão e o réu permanece respondendo ao processo em liberdade, por ser primário. O pai de Dalton, Edemir Matias Bená, afirma ter certeza da culpa do acusado e lamenta a existência de tantas instâncias e possibilidades de recurso. “São as barbaridades decorrente destas leis esdrúxulas que regem esta desacreditada instituição chamada Judiciário”, diz. Decepcionado com o andamento do processo, ele também reclama das consequências do fato para sua família: “Recorrer do que mais meu Deus? O rombo que fez em minha família jamais será preenchido”.


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cultura

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Prática cultural promove Crianças, jovens e adultos se beneficiam e conquistam inclusão social

cidadania Nathalie Gallo

Maestro Rodrigo Müller, da Osli (Orquestra Sinfônica de Limeira); abaixo, o professor Lucas Frigeri, em aula com a turma de teatro do Colégio Objetivo Nova Odessa

Bruno Aguiar brunohma@hotmail.com Karine Florencio florenciokarine@gmail.com Nathalie Gallo nathaliecristine21@hotmail.com

A

dotado aos dez anos de idade, Renan de Souza Leite, 14, teve sua vida transformada após ganhar uma bolsa para praticar capoeira. O presente foi dado por João Henrique Afonso Dias, 32, campeão mundial do esporte e representante do grupo Muzenza de capoeira no exterior. “Íamos treinar saltos no jardim do Lago [bairro de Limeira] e víamos o Renan pulando. Lá ele viu a gente saltando, se interessou e eu ofereci uma bolsa a ele”, conta Dias, que é proprietário de uma academia de capoeira e jiu-jitsu em Limeira. “Renan passou a frequentar a academia após ter conseguido a bolsa e começou a desenvolver bem a luta. E toda vez que acabava a aula eu percebia que ele não tinha para onde ir e descobri que ele morava numa casa alugada e perdia dias de escola. Então eu o segurei comigo”, explica Dias, que acabou adotando o menino. Segundo ele, a mãe de Renan estava com problemas de saúde e pediu para que ficasse com o garoto. “A primeira coisa que fiz foi levá-lo à escola. Houve uma época em que ele queria fugir, porque a diretora queria levá-lo ao Conselho Tutelar, mas logo consegui sua guarda provisória. Contratei dois advogados e depois de dois meses me concederam sua guarda definitiva”, conta. A história familiar de Dias está interligada com sua história esportiva. Ele conheceu sua esposa, Neide Aparecida Vieira, 31, quando ela começou a treinar em sua equipe. Ela também é lutadora de capoeira e campeã de jiu-jitsu, e juntos eles têm mais dois filhos: Henrique Vieira Dias, 13, e Enmilly Vieira Dias, 6. “A capoeira ocupa meus três filhos e eles não ficam nas ruas. Todos os dias eles vão à escola e depois treinam à tarde. Eu procuro encaminhá-los pensando no futuro deles”, comenta o mestre, que dá aulas da luta desde 1995. Renan foi campeão em 1º lugar de capoeira na categoria infantil dos festivais brasileiros de 2011, 2012 e 2013,

Bruno Aguiar

e conquistou o 2º lugar no campeonato mundial da luta, em 2013, no Rio de Janeiro, na categoria juvenil, que engloba dos 13 aos 17 anos de idade. “Consigo ter a mesma disciplina do treino na escola. Quero ser mestre de capoeira, me formar em educação física e ter minha academia própria”, diz Renan, que se orgulha do esporte e das conquistas ao lado de sua nova família. Exemplo A superação de obstáculos ocorre também em outras áreas, como nas artes. Este é o caso da aluna de ballet Victoria Vieira Barbosa, 10. Apesar de ter nascido com problemas graves de saúde, ela pratica a dança há quatro anos na Emcea (Escola Municipal de Cultura e Artes Maestro Mário Tintori), de Limeira. “A Victoria nasceu com Artroglipose (rigidez que afeta os músculos e articulações), que não tem cura. Ela já passou por cinco cirurgias corretivas”, conta sua mãe, Raquel Cristina Vieira, 36. Segundo Raquel, a filha sempre quis ser bailarina. “Eu procurei a escola e a matriculamos no curso de ballet. Na época, o diretor da Emcea nos disse que se a Victoria não fosse uma bailarina de cima para baixo, seria de baixo para cima”, comenta. Graças às aulas de ballet, Victoria melhorou sua coordenação motora. “A dança foi uma das coisas que mais ajudou o desenvolvimento dela”, explica a mãe. A primeira apresentação de ballet de Victória se baseou na sua própria história. “O primeiro espetáculo dela foi muito emocionante para mim. Ela entrou no palco Karine Florencio

Professora Lerissa dando aula de expressão corporal aos alunos da terceira série no Colégio Ideal em Santa Barbára D’Oeste

na cadeira de rodas, vestida de princesa, quando o Papai Noel se aproximou dela. Logo em seguida, se levantou e começou a dançar”, ressalta. Atualmente a estudante está na sexta série do ensino fundamental, e além do ballet tem aulas de natação. “Meu sonho sempre foi ser bailarina. Gostei das primeiras aulas e hoje não me vejo sem o ballet”, diz Victória. A mãe completa: “Ela sempre me dizia que andaria aos sete anos de idade, e isso

aconteceu dois meses antes do seu aniversário. Cada conquista que ela consegue é uma vitória para mim. Ela não tem vitória apenas no nome”. Profissão A cultura também pode influenciar positivamente os adultos e as contribuições podem ir desde o fortalecimento da capacitação profissional até a mudanças de perfil. A professora de educação infantil Priscila Tonietto Felicio, 31, é exemplo nesta área, pois

utiliza seus conhecimentos de teatro em sua atividade de trabalho. Professora de Educação Infantil da rede municipal de ensino de Limeira, Priscila começou a desenvolver um trabalho diferenciado com seus alunos em 2012, após entrar para o curso de teatro de Limeira, na Emcea. “O teatro está atrelado à educação. As técnicas dele incorporadas às aulas colaboram para a ampliação dos conceitos

da criança, ideias, campo imaginativo e permite fazê-las pensar, se mover, refletir, criar algo novo, recriar”, diz Priscila. Atualmente estudante do quarto ano de teatro, a professora desenvolve durante a aula com seus alunos, de três anos de idade, intervenções teatrais, brincadeiras, contações de histórias utilizando fantoches, objetos de sala ou dedoches e inserindo os alunos como atores. Também aplica técnicas de alongamento e brincadeira musical. “Na história ‘Os três porquinhos’ as mesas da sala se transformam em casas. Faço intervenção sobre a dengue, usando objetos simbólicos. Em reunião, já fiz intervenção com os próprios pais”, explica a pedagoga. Priscila comenta que as técnicas e recursos de teatro em sua profissão colaboram para que as crianças ampliem seus conceitos de criação e de possibilidades, com foco na aprendizagem. “A teatralização em si consta no Referencial Curricular da Educação Infantil do Brasil. Com vontade e criatividade, somos capazes de levar a cultura a qualquer lugar”, explica.

Artistas e especialistas cobram mais apoio do poder público Apesar de muitos municípios desenvolverem projetos culturais e apoiarem iniciativas que promovam atividades ligadas à cultura, nem sempre a área é tratada como deveria. Segundo o maestro da Osli (Orquestra Sinfônica de Limeira), Rodrigo Müller, 38, o poder púbico investe em saúde e segurança, mas deveria investir também em cultura. “As crianças e jovens ocupam seu tempo ao estudar música e tocar seus instrumentos e não ficam nas ruas”, salienta Müller. Para Cleusa dos Santos, 48, diretora do Decadie (Departamento de Cultura Afro-Descendente e da Integração Étnica da Secretaria da Cultura de Limeira), o apoio do Estado à cultura fica além do que seria necessário. “So-

fremos bastante com a não valorização da classe artística”, diz. Lerissa Maziero, 25, bailarina formada pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e professora de ballet e jazz em Santa Bárbara D’Oeste, relata que o apoio do Estado, especialmente na dança, é feito através de seleção pública de projetos, que são aprovados e tem premiação feita pela Secretaria de Estado da Cultura. Segundo ela, o objetivo é fomentar as produções culturais do interior, revelando valores em segmentos que não teriam acesso aos meios de comunicação e com pouca visibilidade no meio cultural. Mas, em sua opinião, as oportunidades na área de dança são pequenas. “Infeliz-

mente o número de editais e incentivos fiscais é pequeno na área da dança, são poucas as companhias contempladas”, lamenta. Para o maestro Müller, através da música os alunos não aprendem somente a tocar instrumentos, como também teoria musical e sobre a vida dos músicos, e com isso adquirem responsabilidade, respeito e socialização. O problema, na sua avaliação, é que a falta de recursos leva muitos à desistência. “Acontece muito de alunos talentosos, que estão desenvolvendo bem, pararem de estudar música para trabalhar”, observa. Atualmente Conselheira do CMDCA (Conselho Municipal da Criança e do Adolescente), Cleusa destaca também os benefícios da

prática cultural diretamente com as crianças. “Através da cultura desenvolvemos a ética e a cidadania, utilizando a música, o teatro e a dança, que vão ajudar a criança a ter uma vida de qualidade e uma juventude consciente”, argumenta. Os profissionais também apontam propostas que deveriam ser pensadas para a melhoria e valorização da cultura. “Se todas as cidades tivessem uma orquestra, um corpo de ballet remunerados, por exemplo, isso faria muito a diferença”, diz Müller. Lerissa, por outro lado, defende a importância de investimentos nos talentos brasileiros e lamenta: “Infelizmente os grandes bailarinos e bailarinas acabam indo para companhias de outros países”.


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crônica de viagem

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Incubadoras dão suporte para criação de novas tecnologias Ariane Precoma ane.precoma@gmail.com

instituições. “Temos o próprio BNDES, o Desenvolve SP, universidades, institutos e agências governamentais. Existem também, na iniciativa privada, importantes instituições e empresas ‘ancoras’, como a Petrobrás e a Microsoft”, indica Barbosa. No caso de Faria, a empresa contou com o apoio do CNPq e, mesmo incubadora, já tem novos planos de atendimento aos clientes. A expectativa, ele destaca, é atender 20 clientes em 2014 e, para 2015, aumentar para 1.000.

Alexandre Rezende Fonseca aleehfon@gmail.com

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ou voluntário da AME (Associação Missão Esperança), ONG que nasceu da necessidade e visão de alcançar os povos na Ásia, socorrendo as pessoas que sofrem em catástrofes da natureza ou por razões humanas, como guerra e perseguição religiosa ou tribal, com atendimento de saúde, social e psicológico, visando sempre o aspecto espiritual. Entre dezembro de 2013 e janeiro deste ano, tive a oportunidade de conhecer três países: Myanmar, Malásia e Indonésia. Nesse período, fui fotógrafo e cinegrafista, estudei as culturas locais, atuei em projetos sociais e também tive contato com novos idiomas. Em Myanmar observei e interagi com um grupo de mulheres do estado Chin momentos antes de participarem da celebração de 200 anos da chegada do cristianismo ao país. Visitando orfanatos, percebi que os órfãos são tratados como filhos de verdade e com muito amor, em lares cuidados por cristãos, onde possuem alimento saudável e a oportunidade de irem à escola, tendo a chance de serem alguém na vida. Em um desses orfanatos, conheci um casal cristão recém casados com seus 13 filhos adotivos. Parece loucura, mas eles confiam em Deus e cuidam das crianças com amor genuíno. A cada dia todas as necessidades são supridas. Myanmar esteve cinquenta anos sob uma ditadura militar, mas abriu as portas para o mundo no início de 2012, período quando internet, TV e celular começaram a se popularizar. Há milhares de crianças órfãs vítimas de guerras, tráfico humano e desastres naturais, como o ciclone de 2008 que deixou mais de dois milhões de

es s

Referência no campo da educação no Estado de São Paulo, o Centro Paula Souza enfrenta, nos últimos anos, dificuldades na contratação de docentes, o que tem gerado reclamação por parte de alunos da instituição. As causas incluem salários insatisfatórios, condições de trabalho e concorrência com outros setores do mercado de trabalho. No início deste ano, a instituição chegou a enfrentar uma greve de professores e funcionários, que entre outras reivindicações, defendiam aumento salarial e plano de carreira. Para Wellington Aires da Cruz Pereira, diretor da Etec de Nova Odessa, o salário, entretanto, não é a única dificuldade para a contratação, a questão é mais ampla. “A carreira docente não é uma das mais atraentes, e isso não só em escolas técnicas”, comenta. Segundo ele, o quadro da Etec de Nova Odessa está completo. A situação, entretanto, não é a mesma na Etec Polivalente de Americana. Em funcionamento desde 1977, a unidade tem enfrentado problemas nesta área e os alunos e ex-alunos reclamam. “Nos dois primeiros anos, eu tive troca de professores no meio do ano letivo, e esse ano começamos sem professores de

semestre contrataram um professor realmente bom, que ficou até o final do ano”, recorda Amanda. Raquel Teresa Dainese, assistente administrativa da Etec Polivalente, justifica que a ausência prolongada do professor de Geografia neste ano se deu pela dificuldade de conseguir substituto para um docente que pediu afastamento após o início do semestre. “Mesmo havendo cadastrados para substituição, após o início das aulas alguns já assumiram compromissos em outras escolas. Isso limita a disponibilidade de horário e até inviabiliza a contratação”, explica. O diretor da Etec Professor Armando Bayeux da Silva, de Rio Claro, Jeferson Antonio Alves, explica que a dificuldade é maior para os docentes de cursos técnicos, que exigem a contratação de engenheiros, administradores, contadores e enfermeiras, principalmente por causa do salário inicial. O diretor da Etec de Nova Odessa, Wellington Aires da Cruz Pereira, em contrapartida, lembra que as escolas técnicas de São Paulo apresentam as melhores notas em exames como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) quando consideradas as escolas públicas. Para ele, isso é prova de que o processo de aprendizagem tem tido sucesso.

outro lado do mundo p ivo

Walkiria Pompeo walkpink@hotmail.com

três matérias”, conta Arthur Pompeo, do último ano do Ensino Médio. Para os alunos, o que preocupa é o futuro. “Quando contratarem um professor, ele vai ter que cumprir o cronograma anual, e exigir a matéria perdida. E no futuro, dependendo da faculdade que fizermos, essa falha pode atrapalhar nossa base de conhecimentos”, pondera a jovem Tamiris Milena, estudante do segundo ano escola. A queixa é reforçada por Renan Del Conte. “Eu comecei sem professores de duas matérias, que foram substituídos há algumas semanas”, critica. Segundo relatos de ex-alunos, o problema é antigo. “No mínimo há uns 15 anos isso prejudica o desenvolvimento do ensino na escola e parece que nada foi feito”, afirma Horus de Oliveira, que estudou na instituição entre 2003 e 2004. O ex-aluno reclama de constantes períodos de greve e faltas e troca excessiva de docentes. As estudantes Amanda Dilser e Thais Bueno, que se formaram em 2011, enfrentaram problemas semelhantes. “Ficamos sem professor até o fim do primeiro bimestre, quando entrou uma que nos avaliou. Ela saiu logo depois, ficamos sem professor por um bom tempo de novo, e no final do bimestre, aconteceu a mesma coisa. Só no segundo

Vivendo no

Mulheres Chin vestidas com roupas típicas

qu

Região Segundo mapeamento das Incubadoras de Base Tecnológica do Estado de São Paulo realizado pela Fusp, 17,6% das incubadoras estão na região de Campinas. Três delas estão localizadas na própria cidade de Campinas, duas em Piracicaba e uma em Jundiaí. Em Piracicaba, duas incubadoras se destacam: a EsalqTec – Incubadora Tecnológica, que atende, principalmente, clientes com projetos em agronegócio e é mantida pela Fealq (Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz) e Esalq (pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e a Incubadora de Empresas de Piracicaba, que tem foco em empresas de metal-mecânico e é mantida pela prefeitura em parceria com Acipi (Associação Comercial e Industrial de Piracicaba) e Simespi (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas, de Material Elétrico, Eletrônico, Siderúrgicas e Fundições de Piracicaba, Saltinho e Rio das Pedras), com o apoio do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas).

Estudantes de Etecs reclamam da ausência de professores Patrícia Santos p.a.interista@hotmail.com

Alexandre R. Fonseca

Ar

Mesmo com boa aceitação de serviço, a empresa de consultoria agrícola do engenheiro Luiz Faria não estava livre de problemas. Isso porque o modelo de trabalho que utilizava para fornecer informações espaciais e imagens de satélites aos clientes consumia, somente com cinco fazendas, todo tempo da equipe. Foi pensando em aumentar a escala de atendimento que Faria passou a investir em inovação tecnológica. “Diante dessa necessidade resolvemos incubar nosso projeto KPI Farm, um sistema WEB GIS, que mapeia as necessidades e processos dos clientes com aplicações na internet, atendendo assim diferentes demandas agrícolas e ambientais”, explica Faria, que desde 2013 tem sua empresa incubada na EsalqTec – Incubadora Tecnológica da USP (Universidade de São Paulo), em Piracicaba. A iniciativa não é isolada. Segundo mapeamento conduzido pela Fusp (Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo), no primeiro semestre de 2013, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, só no Estado de São Paulo 461 empresas estão incubadas em uma das 34 incubadoras existentes. E já há 452 empresas já graduada. “A incubação é o primeiro passo para tirar uma ideia inovadora do papel e colocar em prática. Afinal ela auxilia no direcionamento da inovação, do plano de negócio, e com isso leva sua ideia ao mercado”, explica Faria. De acordo com a Anprotec (Associação Nacional de En-

tidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores), uma incubadora tem como objetivo principal oferecer aos empreendedores infraestrutura com baixo custo (ou mesmo custo zero) por um tempo determinado. Ela também oferece capacitação e suporte gerencial e orienta sobre aspectos administrativos, comerciais, financeiros e jurídicos. Ainda segundo a Anprotec, no caso de empresas de base tecnológica, os empreendedores também têm oportunidade de acesso a universidades e instituições de pesquisa e desenvolvimento, com as quais muitas incubadoras mantêm vínculo. Isso ajuda a reduzir custos e riscos do processo de inovação, pois permite o acesso a laboratórios e equipamentos que exigiriam investimento elevado. Essas startups – empresas nascentes em fase de desenvolvimento – necessitam, na maioria das vezes, de aportes financeiros para poder se desenvolver. De acordo com José Antônio Silvério, coordenador de capacitação tecnológica do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), os recursos não reembolsáveis oferecidos pelo Programa de Subvenção Econômica, por intermédio de editais e chamadas públicas, e com parceira das Fapesp (Fundações de Apoio à Pesquisa dos Estado), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Finep são boas opções. No entanto, o gerente executivo da EsalqTec – Incubadora Tecnológica, Sergio Barbosa, explica que a viabilização do capital para o início do negócio também pode ser feita por outras

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No topo do Borobudur na Indonésia, um dos patrimônios mundiais da Unesco, visto saia para demonstrar respeito à cultura

desabrigados. Outras foram abandonadas, com poucos anos de idade, por seus pais não terem condições financeiras de pagar os estudos e muito menos alimentá-las. Na Malásia passei o primeiro Ano Novo longe de casa, mas meus pais, meu irmão e amigos estavam comigo, tornando essa data memorável e divertida. Não tivemos um banquete, e nem fez falta, porque todos estavam ali de coração, unidos como uma família. País de primeiro mundo, a Malásia é caracterizada pela presença de chineses, indianos e malaios, e cada povo tem maneiras diferentes de tratar as pessoas. Depois do malaio, o inglês é a segunda língua oficial. Na Indonésia, terceira e última parada, a posição ocupada pelas mulheres me chamou a atenção, por que elas são responsáveis sozinhas por todas as atividades domésticas. Os homens, por trabalharem fora, não fazem absolutamente nada em casa. Andando pela rua, fiquei chocado ao ver uma senhora carregando a mercadoria pesada nas costas, enquanto o homem a acompanhava, sem ter a gentileza de dar

auxílio. Infelizmente, essa cena é muito comum. Ficamos hospedados na casa de uma viúva, que nos deixou à vontade, mas na hora das refeições sempre comia sozinha. Em um dos dias que passamos juntos, nós a convidamos para jantar conosco. Durante a refeição ela ficou nervosa, não parava de falar e derramou lágrimas. Ficamos surpresos quando soubemos que foi a primeira refeição dela em família, e por isso não conseguiu segurar a emoção, acontecimentos raros na cultura indonésia. Considerado o maior arquipélago do mundo, a Indonésia tem aproximadamente 17.508 ilhas, sendo apenas seis mil habitadas. Localizada no “círculo de fogo”, possui 150 vulcões ativos. Foi colônia da Holanda durante três séculos e meio. A língua nacional, bahasa indonesia, é falada há apenas 94 anos. Deus abriu meus olhos para a realidade, e vi como o mundo precisa de pessoas que renunciem a própria vida para servi-lo e ajudar o próximo. O mundo está em caos, e vai continuar assim até que alguém tome uma atitude e faça a diferença, e é aí que minha vida começou a ter sentido.


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Jornal de Classe

educação

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Cristiano Araújo

O caminho diário até o ponto de encontro

Crianças da zona rural enfrentam quilômetros de estradas precárias para chegar à escola Cristiano Araújo cristiano3a@hotmail.com Júlia Alves jujuzenhas2@hotmail.com

N

a cidade de São Pedro, interior de São Paulo, chegar à escola é um desafio diário para as crianças que moram nas regiões mais afastadas do perímetro urbano, principalmente na zona rural. A maioria precisa viajar grandes distâncias e passa quase duas horas por dia dentro de peruas, ônibus ou micro ônibus. É o que vive Tamara Cristina Barbosa, 13 anos, que antes do sol nascer já está de pé e, assim que ouve a buzina da perua se movimenta para mais um dia de aula. Antes, porém, precisa enfrentar um trajeto de quilômetros de estrada, na maior parte de terra ou com pavimentação precária. Todo dia uma nova surpresa pode restringir a sua vontade de chegar até a escola e fazer o que mais gosta: interagir com os amigos. “A melhor parte do meu dia, com certeza, é conversar e brincar com os meus colegas”, conta. Seus horários precisam ser religiosamente respeitados. Às 5h30 ela acorda, o que lhe dá meia hora para se preparar até que o transporte chegue. São necessários 40 minutos para chegar à porta da escola. Na volta, após o período de aulas, o trajeto se repete e ela só consegue chegar a sua casa por volta de 12h40. É quando aproveita para comer e descansar. O sucesso nesta jornada depende ainda de não ocorrerem imprevistos, como quebra do veículo ou algum tipo de acidente. O trajeto percorrido pela aluna inclui buracos, animais na estrada, atoleiros quando chove, pedregulhos e uma pista sem condições adequadas de segurança. E a realidade é parecida com

a das crianças que moram nos bairros mais afastados, pois as estradas muitas vezes são mal sinalizadas, não têm acostamento e não há sequer um controle no tráfego de caminhões, que é constante nas áreas rurais. A distância também dificulta a interação com outras crianças da mesma idade e, segundo Tamara, quando ela não está na escola, suas alternativas são assistir televisão e se divertir com os jogos no celular. Como acontece com várias crianças dessas regiões, encontrar alguém com quem possa interagir e praticar as atividades de lazer é raro, o que torna ainda mais importante o papel das escolas em suas vidas. “Se pelo menos eu morasse na cidade, não teria esse ‘lance’ de esperar a vontade dos pais para ir até lá e encontrar com meus amigos”, reclama. Gabriel Sousa da Silva, 12 anos, enfrenta as mesmas dificuldades. Embora passe boa parte do dia na companhia de suas duas irmãs mais novas é na escola que ele se sente mais feliz. Contudo, não consegue esconder a insegurança que sente nos dias chuvosos. “Às vezes, quando dá aquela chuvarada, a Kombi atola e não dá pra gente chegar na escola”, revela. A preocupação se estende aos funcionários das redes de ensino que atendem essas crianças. Receber esses meninos e meninas e devolvê-los aos seus pais após um dia cheio de atividades, cinco dias da semana, preservando a integridade física e moral, é também a missão de professores e diretores que ficam apreensivos com a situação. “Os motoristas das peruas fazem um excelente trabalho e trazem os alunos com uma boa folga de tempo aqui para

‘viajar’

Júlia Alves

Para primeiro é preciso

Situação das estradas rurais piora e dificulta o transporte na época das chuvas

a escola, mas já aconteceu de um aluno meu não ter condições de vir pra cá, por causa do mau tempo e as condições das estradas”, conta Edna Veronesi, diretora da escola municipal Professor Joaquim Norberto de Toledo. “A verdade é que a gente não tem opção. Se dependesse da preocupação dos pais com as condições das estradas e a distância das escolas, as crianças aqui cresceriam burras”. É o que diz Maria de Lourdes Barbosa, 58 anos, avó de Tamara. “Quando chove então, eu morro de medo de mandar ela pra

escola. Aqui passa muito caminhão e por ser limite de município ninguém quer saber de dar suporte caso alguma coisa aconteça”, afirma. A região a que dona Maria se refere é limite do município de São Pedro, próximo à divisa com Santa Maria da Serra, conhecido apenas por ficar próximo ao aterro municipal. Escondidas por um ‘mar’ de cana-de-açúcar, várias famílias de origem simples passam suas vidas praticamente isoladas do mundo e, neste contexto, o transporte para as crianças é mais um entre os problemas enfrentados.

Apesar de todas as dificuldades, os motoristas que compõem a frota da Cooperativa de Transporte de São Pedro são muito queridos pelos pais e pelos próprios alunos que dependem da sua dedicação para chegarem até a escola. Ao todo, eles atendem 16 escolas no município, com uma frota de 47 veículos, entre Kombis, ônibus e micro-ônibus. Dados da Secretaria de Transportes mostram que são percorridos aproximadamente 6.767 quilômetros por dia, para atender em média a mais de mil alunos.

“Nossa prioridade é sair de casa com a cabeça limpa, estar tranquilo para poder fazer todo o trajeto com segurança, independente das condições do tempo e da estrada”, diz o motorista José Henrique Barbosa. “As piores situações são, sem dúvida, nos dias chuvosos, mas também têm os buracos, as poças d’água e os animais que eventualmente aparecem na pista”, completa. A relação entre esses motoristas e os alunos também é um capítulo importante nessa história, pois embora exista a insegurança, a união e o bom humor constroem uma relação de amizade entre eles, o que muitas vezes faz com que os obstáculos pareçam insignificantes. Tamara conta, por exemplo, que faz questão de não dormir durante todo o caminho. “Eu adoro o Zé. Ele conversa e faz a gente dar bastante risada”, diz. Segundo a Secretaria de Transportes do município de São Pedro, o custo com o transporte das crianças da zona rural é alto. O valor é dividido entre o Estado, que arca em média com 30% dos gastos, e os cofres públicos. “Nós atendemos aqui todos os alunos da zona rural a partir de quatro anos (Pré I) até o Ensino Médio. Além disso, seguimos todos os requisitos de regulamentação e segurança”, ressalta a diretora de Transporte Escolar da cidade Vera Lúcia Garcia. Embora a Secretaria alegue investir no transporte das crianças da zona rural, a cooperativa que presta serviço para o município diz não contar com toda a ajuda necessária. “A ajuda que a rede púbica nos dá é apenas na questão dos pagamentos e mais nada. Todo suporte de mecânica, de combustível e das faixas nos automóveis, vem da gente. A única coisa que eles fazem realmente é pintar a frente das escolas, mas isso aí é pra dizer que dão algum suporte”, argumenta Juliano Francisco Casacho, presidente da Cooperativa. A Cooperativa conta com quatro carros reserva, caso algum automóvel quebre. “Se uma Kombi, um ônibus ou um micro-ônibus quebrar, o responsável entra em contato com a gente aqui na sede para que possamos ir até o local e fazermos a substituição. O motorista, então, pega esse carro para continuar a linha e nós voltamos embora com o auxílio de um guincho ou deixamos nas mãos de um mecânico mesmo. Mas isso porque nós contamos com um seguro”, explica Casacho.


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esporte

edição 01 • Junho/2014

Rivalidade sem violência Times de futebol da região provocam disputa saudável entre torcedores João Victor Longo jaumlv@gmail.com Leonardo Nocete lcnepomuce@unimep.br

Leonardo Nocete

“C

Torcida do XV atenta ao jogo

lássico é clássico”. A expressão sempre aparece nas rodas de torcedores toda vez que se especula o resultado de um confronto entre dois times de futebol que são rivais, principalmente se estes clubes são de uma mesma cidade. Corinthians contra Palmeiras, Grêmio contra Internacional, Flamengo contra Vasco e, fora do Brasil Internazionale x Milan, na Itália, e Boca Juniors x River Plate na Argentina são exemplos da situação. No interior de São Paulo a situação se repete e, em alguns casos até com mais intensidade do que nas capitais. Na região, as disputas entre Internacional e Independente, em Limeira, e Rio Claro e Velo Clube, em Rio Claro, movimentam os torcedores locais, mas a competição é saudável e se mantém no contexto dos estádios. E a região também tem uma situação diferenciada, de “uma cidade de uma torcida só”. Em Piracicaba, o XV de Novembro, que completou 100 anos em 2014, é o único time profissional em ativida-

de não e tem adversário local. As diversas organizadas da equipe atuam em conjunto em favor de um bom desempenho dos jogadores do chamado alvinegro piracicabano. Limeira A cidade de Limeira é conhecida historicamente por suas plantações de laranja e, mais recentemente, também por ser a cidade das joias folheadas. A população, de 260.804 pessoas (de acordo com o Censo de 2010), se divide quando o assunto é futebol. E, mesmo com a má fase dos dois seus dois times – o Independente Futebol Clube e a Associação Atlética Internacional de Limeira Times – pois ambos disputam a série A3 do Campeonato Paulista neste ano, a rivalidade é uma marca e os torcedores de lado a lado fazem questão de evidenciar sua preferência. O Independente, conhecido por seus torcedores como “Galo”, apelido relacionado à prática comum de rinhas de galos na década de 1940, e também por que o animal representa garra e fibra, foi fundado em 19 de janeiro de 1944. Ainda como clube amador disputou várias competições e somente em 1972 se tornou profissional. No ano seguinte ganhou o título da Segunda Divisão do Paulista. Já a rival Internacional, nome dado por seus fundadores para homenagear o imigrantes radicados no município, foi fundada em 5 de outubro de 1913. Seu título mais importante foi a conquista da série A1 do Campeonato Paulista em 1986. Tem como mascote o “Leão”, adotado graças a uma partida disputada contra o Comercial de Ribeirão Preto, quando a acabou com a invencibilidade do adversário. Apesar de serem equipes tradicionais nas competições

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João Victor Longo

Torcida incentiva a Inter durante disputa com o Independente, em Limeira

paulistas, poucos derbies foram registrados entre os clubes: oficialmente foram 19 partidas, nas quais nunca foram registrados casos de violência entre as torcidas. “É uma rivalidade muito gostosa, tanto que os maiores públicos nos últimos três anos foram vistos em dois derbies. São os maiores públicos e os jogos mais legais”, conta Allan Massari, ex-presidente da torcida organizada “Força Jovem Inter” e conselheiro da atual administração da Internacional. A história dos clubes também mostra que é possível atuar em um time após passagem pelo adversário. Este é o caso do atacante Chuck, que atualmente joga pela Internacional, mas jogou no ano passado pelo Independente. “No começo teve alguns boatos, mas eu sou profissional e tenho que defender a camisa que visto agora que é a da Inter”, afirma o jogador. O atleta também não sente hostilidade por parte das torcidas e diz que sua situação tem sido bem aceita. “Hoje jogo tranquilo, dando meu melhor em campo”, observa. O que mais entristece os torcedores é a situação vivida atualmente pelo Galo. José Henrique Leite afirma que a diretoria não colabora para que o clube saia dessa situação, mas que seu amor que pelo time não muda. “O Galo, para mim, representa tudo. O Galo é minha vida”, enfatiza. A posição é a mesma para Carlos Moreira, torcedor da Inter, para quem “a rivalidade existente é saudável”. Ele afirma que ficaria mais satisfeito se os dois times estivessem em situação melhor. “Por mais que seja um rival da gente, se os dois times estivessem bem, a cidade estaria melhor ainda, mais reconhecida”, garante. Cidade Azul Em Rio Claro também existem dois times profissionais de futebol, mas o quadro atual é diferente. O Rio Claro Futebol Clube já encerrou sua participação no Campeonato Paulista na série A1, e obteve ótimo desempenho, chegando à última rodada com chances de passar à segunda fase da competição. Já

a rival Associação Esportiva Velo Clube, atualmente disputa a série A2 do Paulista, sem chances de classificação para a série A1. Fundado no ano de 1909, o Rio Claro Futebol Clube é o terceiro mais antigo do estado de São Paulo. Os mais antigos são a Ponte Preta, de 1900, e a Internacional de Bebedouro, de 1906. A Associação Esportiva Velo Clube foi fundada no ano seguinte, em agosto de 1910, mas como um clube que promovia o ciclismo na cidade de Rio Claro. Só em 1920 o futebol começou a fazer parte do clube. No mesmo ano, Velo Clube e Comercial Futebol Clube se fundiram, dando origem a atual Associação Esportiva Velo Clube Rio-clarense. A rivalidade começa pelo fato dos dois times terem a mesma mascote, o Galo, que no caso do Rio Claro é azul e enquanto no Velo é vermelho. O confronto entre as equipes registra 128 jogos, com vantagem para o Rio Claro, e a última partida ocorreu em 2012, com empate em 2 a 2. A mensagem da página inicial do Facebook da Torcida Rio Clarista não deixa dúvidas sobre a temperatura da disputa. “Não prezamos pela quantidade e sim pela qualidade, se você é um apaixonado pelo azulão junte-se a nós, se não, caia fora”. Com 1.152 curtidas, a página é frequentemente atualizada, estabelecendo uma interatividade com o torcedor. ”A página é de fundamental importância para informar, cobrar e incentivar os torcedores”, diz o responsável pela publicação, que prefere não se identificar. . Os dois times têm torcedores apaixonados, e a rivalidade é forte, entretanto, não há registro de confrontos violentos entre as torcidas. “Existe a rivalidade, sempre vai existir. Tanto o Velo ia joga lá ou o Rio Claro vem jogar aqui, nunca aconteceu nada. É isso aí, é tranquilo.”, afirma Hélio dos Santos, torcedor do Velo. Esta também é a visão de Roberto Santana, torcedor assíduo do Rio Claro, para quem o importante é que a disputa sempre ficou dentro do campo.

XV de Piracicaba Já Piracicaba tem um cenário diferente, pois conta com uma única equipe no futebol profissional: o tradicional E.C. XV de Novembro. Fundado em 15 de novembro de 1913, o Nhô Quim é praticamente unanimidade entre os que gostam de futebol e possui uma história com muitas conquistas, entre as quais o Campeonato Brasileiro da série C, em 1995, o vice-campeonato Paulista da primeira divisão, em 1976, e diversos títulos de campeão paulista na série A2. Entre os muitos torcedores do clube está Felipe Jorge Dario, o Gema, presidente da torcida organizada Esquadrão. Gema conta que a sua paixão pelo alvinegro vem do berço, e que não se recorda do primeiro jogo que viu no estádio, já que seu pai sempre o levava ao estádio Barão da Serra Negra, onde o XV manda seus jogos. “Ser apaixonado e viver o XV é igual a almoçar, acordar, dormir: é natural, faz parte da minha vida”. A Esquadrão foi fundada no dia 15 de novembro de 2002 e desde então seus participantes começaram a acompanhar o XV fora do município. Seu presidente se orgulha do fato do time ser conhecido em todo o Brasil. ‘’O time carrega o nome da cidade, aonde você vai todos conhecem Piracicaba pelo XV e o XV por Piracicaba, é muito bom isso, pois a cidade tem o time como referência e ostenta com orgulho’’, salienta. Na cidade também não há confronto entre as diversas torcidas alvinegras. O que ocorre são embates com organizadas de outros times da região. Carlos Leite, conselheiro do XV e fundador da torcida Amor Real XV, ou AR-XV, se diz contra a violência, o que considera equívoco, mas afirma entender a atitude do torcedor em determinados momentos . “O torcedor é movido pela paixão, paga ingresso, muitas vezes viaja 100, 200 quilômetros pra ver o time em uma situação ruim, como exemplo. E o ‘sangue sobe’ com provocações por parte da torcia adversária”.


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esporte

edição 01 • Junho/2014

Kunigami: coração dividido em 2006

Brasileiros relatam alegrias, tristezas e fatos curiosos vividos nas Copas do Mundo de Futebol Diego Ulerich diego.ulerich@yahoo.com

Matheus de Munno Durante mtmdurante@unimep.br

O

futebol é o esporte mais conhecido e praticado no Brasil, que sedia a partir do próximo dia 12 de junto a Copa do Mundo de 2014. E a paixão do brasileiro pelo evento faz com que muitas pessoas guardem na memória histórias que viveram durante a competição, que já foi realizada no país em 1950. São dramas familiares, casamentos, reencontros, vitórias e derrotas que nunca serão esquecidos. Algumas destas histórias ficarão registradas também nesta reportagem.

M a th

Alberico: Recordações da Copa de 1950

eus

M. Du

2014 O estudante Pedro Bogo, de apenas 16 anos, terá o privilégio de ver, no dia 12 de junho, a abertura da Copa 2014 e assistir ao jogo inicial entre Brasil e Croácia. Encomendou o ingresso pelo site oficial da Fifa e já recebeu a confirmação da compra. ‘’Tive que economizar dinheiro e ser rápido. Quase não consegui’’, conta. Morador de Limeira, Bogo já planejou sua ida e a estadia em São Paulo e revela que está realizando dois sonhos, já que vai

presenciar pela primeira vez um jogo da seleção ao vivo no estádio do seu clube de coração, o Corinthians. ‘’É a primeira vez que irei para lá. Mal posso esperar para ver o Brasil jogando na Arena Corinthians’’, ressalta. Já o estudante Raul Tolentino, 19 anos, irá assistir à Copa em casa, como fez em 2002, 2006 e 2010. Tolentino nasceu na madrugada do dia 17 de julho de 1994, data em que o Brasil conquistou o tetra campeonato mundial nos Estados Unidos. “Nossa família adora futebol e meu pai fez questão de instalar uma TV portátil no quarto do hospital onde minha mãe estava para assistir à final e foi uma festa. Após o nascimento do filho, o Brasil venceu a Itália e ganhou o título”, relata. Reencontro No dia 28 de junho de 2002, enquanto trabalhava na portaria de um prédio de Piracicaba, Ismael Souza Neto, 45 anos, atendeu o celular e quase não acreditou quando ouviu seu irmão Cláudio dizer que estava voltando ao Brasil para nunca mais sair. O irmão estava no Japão fazia mais de 20 anos e não dava notícias a pelo menos 19. “Fiquei sem palavras. Não estava acreditando no que ele estava me falando”, recorda. Cláudio voltou para Piracicaba poucos dias antes do início da copa. “Foi maravilhoso. Esse ano nunca sairá de mim. O Brasil conquistou o pentacampeonato e Cláudio estava comemorando junto com a

ra

n

te

A emoção de ver a copa de 1950 Nascido em São Paulo, no tradicional bairro da Mocca, o aposentado Alberico Penha, 80 anos, teve a oportunidade de assistir a um dos confrontos da seleção brasileira durante a Copa do Mundo de 1950. Na época com 16 anos, Penha trabalhava como engraxate na praça da Sé e conseguiu juntar o dinheiro para comprar a entrada da partida entre Brasil e Suíça, no estádio do Pacaembu, válido pela fase inicial do torneio. ‘’Foi emocionante ver os

craques que eu mais admirava jogarem. Lembro que meu avô teve que me levar, pois meu pai era policial e estava trabalhando’’, conta Penha, que acompanhou a caminhada da seleção até o final da competição. ‘’Não pude viajar ao Rio de Janeiro para a final, pois era muito jovem na época e meus pais não tinham condições de sair de São Paulo, mas ouvi os 90 minutos inteiros pelo rádio do meu avô. Infelizmente o título não veio, mas me

considero feliz por ter tido a oportunidade de ver Ademir “Queixada”, Zizinho, Baltazar, Jair, Maneca e Chico em campo’’, afirma. O aposentado, que atualmente mora em Piracicaba, não vê com bons olhos a realização da segunda edição do torneio no Brasil. Penha acredita que o país não vive o momento certo para realizar mais uma vez um evento desse porte e que deveria se preocupar em investir nas necessidades básicas da população.

Souza relembra reencontro com irmão em 2002

Fotos: Diego Ul erich

torcedor

Selma e Anderson: sorte no amor na Copa de 2006

Matheus M. Durante

História de

Cremonese apostou e “se deu bem” na Copa do Japão

Scomparin: ansiedade no hospital e final feliz

Eliza: orgulho pela presença do primo Chicão em 1978

A COPA 6 ESTÁDIOS foram construídos para EM a Copa 2014: Estádio Nacional Mané NÚMEROS Garrincha-df, Arena Pantanal, Arena Pernambuco-PE, Arena da AmazôniaAM, Arena Fonte Nova-PE e Arena Corinthians-SP. 22 CIDADES irão receber as seleções participantes da Copa, oito delas no estado de São Paulo: Sorocaba, São Paulo, Cotia, Campinas, Itu, Santos, Porto Feliz, Guarujá e Mogi das Cruzes. A Copa de 2014 contará com 32 SELEÇÕES, e apenas uma, a da Bósnia-Herzegóvina, disputa o torneio pela primeira vez. A copa será disputada em 12 ESTÁDIOS E 12 SEDES. São 6 arenas (construídas para o evento) e outros 6 estádios, um criado a partir do zero (Brasília) e outros 5 reformados para o evento. O valor gasto em estádios para a Copa de 2014 é 285% superior à previsão de R$ 2,8 BILHÕES anunciada pelo governo federal em outubro de 2000.

gente depois de tanto tempo longe”, relembra. A Copa seguinte, da Alemanha, marcou a vida de Jonathan Kunigami, 33 anos, brasileiro e descendente de japoneses. Ele acompanha a competição desde 1990, mas se sentiu realmente emocionado em 2006, quando o Brasil, se defrontou com o time do país dos seus descendentes, o Japão, no dia 22 de junho, na última rodada da fase de grupos. A seleção canarinho goleou por 4 a 1. “O resultado pouco importou naquele dia, pois o mais importante foi a emoção vivida”, conta. O rioclarense Kunigami torceu pelo Brasil, mas admite o vínculo com o Japão, expresso no sobrenome. Os parentes distantes e a culinária sempre foram presentes na família que mantém proximidade com vários elementos da cultura do país. “Naquele dia 22 me vi dividido, porém realizado, pois sabia que era brasileiro de coração, mas consciente das minhas raízes nipônicas”, diz. Final feliz Gabriel Scomparin, 19 anos, não acompanhou muitas copas, mas guarda uma memória curiosa da Copa de 2010, realizada na África do Sul. “Pouco antes da estreia do Brasil eu fiquei doente, peguei uma séria pneumonia e fiquei internado por mais

de uma semana”, conta. Dois dias antes do primeiro jogo da seleção brasileira, a situação piorou, pois a TV de seu quarto estava quebrada e ele não poderia assistir ao jogo. Para sua sorte, seu quadro melhorou rapidamente e no dia seguinte à internação já estava no hospital apenas para observação. Entretanto, 24 horas antes do jogo contra a Coréia do Norte, permanecia internado. “Só recebi alta cinco horas antes do jogo, mas felizmente pude ver a partida em casa, com os amigos. E o melhor é que o Brasil venceu por 2 a 1”, revela. As histórias de copas também envolvem parentesco que movimentam famílias inteiras, pois a emoção de ver alguém “do próprio sangue” em campo defendendo o país é especial. Esta é a situação que narra Eliza Avanzi, 77 anos, para quem o torneio de 1978 foi especial. Motivo: a presença no time do primo Chicão, jogador que passou pelo São Paulo, Santos, Atlético Mineiro e XV de Piracicaba. O jogador morreu de câncer em 2008. Eliza se recorda orgulhosa do único jogo no qual o volante atuou na Argentina, contra o time da casa. Chicão jogou os 90 minutos da chamada “Batalha de Rosário” e o jogo extremamente truncado justificou a opção do treinador, pois sua atuação

foi decisiva para garantir o empate sem gols. “Foi um jogo muito difícil, um 0 a 0 bem disputado, com muitas entradas duras e uso de força física, e a escolha pelo Chicão pra mim foi clara, já que ele sempre foi um marcador muito bom”, afirma. Sorte O ditado diz sorte no jogo azar no amor. A escrita, entretanto, pode ser refeita se consideradas as histórias de Selma Regina e Anderson Soares e Ariel Cremonese. Em 2006, Selma Regina, 32 anos, e Anderson Soares, 30 anos, ainda não se conheciam e como muitos brasileiros optaram por assistirem aos jogos da copa em telões. O local escolhido foi a praça central de Capivari e o que era para ser somente mais uma partida de futebol se tornou um grande passo na vida dos dois, que estão juntos há oito anos. Soares recorda o fato: “Brasil e Austrália iriam jogar pela segunda rodada da fase de grupos e em meio a tanta emoção e um grito de gol nós nos conhecemos”. Nos jogos seguintes eles sempre marcavam para assistirem juntos e depois de cinco anos de namoro, em 2011 solidificaram sua relação e se casaram. Sorte no amor Ariel Cremonese, 31 anos, não conheceu seu grande amor numa copa, mas também deu muita sorte. Apostou na seleção brasileira e se deu muito bem. A Copa foi a de 2002, e devido à fraca participação do time nas eliminatórias e aos maus resultados em amistosos e na Olimpíada, muitos brasileiros não depositavam muita fé no time de Felipão [Luiz Felipe Scolari]. Mas esse não foi o caso de Cremonese, que apostou pesado em um bolão e não se arrependeu. “Cda participante deveria apostar em uma possível final e cravar o vencedor. Até aí tudo bem, mas o que deixou muitos com um pé atrás foi o valor inicial da aposta: cerca de R$ 50 na fase de grupos e R$ 100 a partir das oitavas de final. O vencedor levaria um carro 0 km para casa”, relembra. Na contramão da maioria, Cremonese apostou em um Brasil x Alemanha na final, com vitória sul-americana por 1 a 0. Errou o placar, que foi de 2 a 0, mas acertou o que era preciso, os times da final e a vitória brasileira. Foi o suficiente para ganhar um Gol e desde a aposta bem sucedida sempre participa de bolões. Sorte no jogo.


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