Painel edição 80

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editorial

Painel:

feita por leitores para leitores N

a construção da pauta, definição do tema e produção das matérias, os desafios de se fazer uma revista não são poucos. A revista perdura, produz um encanto que os jornais diários não têm, e cada detalhe faz a diferença. E a responsabilidade aumenta ainda mais quando o objetivo é apresentar ao leitor uma publicação que ganhou uma nova roupagem, que desde a capa até seu último “ponto final” foi totalmente remodelada para que tivesse um conteúdo visual tão atraente quanto o editorial. Mas, assim como os desafios, o aprendizado também foi grande. Nesta edição, você encontra um núcleo temático sobre “trabalho”. Do jovem empreendedor ao aposentado, de quem trabalha home office àqueles que têm o esporte como profissão, os repórteres mergulharam neste universo, que nos acompanha desde a universidade (ou muito antes para

alguns) até a terceira idade, e que se torna motivo de paixão, como é, para nós, a profissão de jornalista. O destaque da seção sobre trabalho vai para a matéria sobre exploração do trabalho infantil em olarias de Piracicaba. Por isso, seis páginas e a capa desta edição da Painel foram dedicadas ao assunto, que merece atenção. E fora deste núcleo temático, matérias sobre saúde, esporte, games, turismo, tecnologia também marcam presença na revista, para complementar o material levado até você, que terá a oportunidade de acompanhar de maneira diferenciada o conteúdo proposto por toda a equipe da revista Painel, desde a equipe de repórteres, passando pela equipe de fotografia, criação visual e diagramação. Entretanto, o maior aprendizado surgiu com a entrevista, destaque

da edição. Muitos foram os nomes cogitados, mas Muricy Ramalho caiu como uma luva. Devoto fervoroso do trabalho, em entrevista exclusiva aos editores, Muricy nos lembrou que, com amor, dedicação e estudos constantes, o trabalho gera frutos, como sucesso e reconhecimento. O treinador é conhecido na imprensa por ser monossilábico e por vezes duro em suas respostas, mas recebeu os editores da revista com simpatia ímpar e não economizou nas palavras ao falar, não só sobre futebol, mas também sobre política dentro e fora do campo e a sociedade brasileira atual. E assim como destacou nosso entrevistado – e que você confere nas próximas páginas – esta edição da “nova” Painel foi feita com base em muita dedicação, pesquisa e trabalho, para que você, leitor, aprecie ela com o mesmo prazer que tivemos em criá-la, página por página.

expediente Órgão Laboratorial de Comunicação Universidade Metodista de Piracicaba Reitor Prof. Dr. Gustavo Jacques Dias Alvim Diretor da Faculdade de Comunicação Belarmino César Guimarães da Costa Coordenador do Curso de Jornalismo Paulo Roberto Botão Editor João Turquiai Junior MTB 39.938 Editores-Executivos José Luiz Zuliani Junior Leon Botão Maria Luiza Gonçalves Rodrigo Alonso Editores de Fotografia Lucas Jacinto Walkiria Pompeo

Redatores Aline Miranda, Aline Soriani, Bianca Azzali, Bruna Pires, Bruna Togni, Bruno Aguiar, Carolina Figueira, Clara Grizotto, Cristiano Araújo, Diego Ulerich, Dora Allice Vitti, Evandro Pelligrinotti, Fabio Pesaresi Filho, Gabriela Andrade Ferraz, Gloria Bonilha Cavaggioni, Homero de Carvalho, Iamaris Malvestiti, Isa Campos, Isabella Uliani, Jéssica Souza, Joanan de Oliveira Batista, Joao Victor Longo, Julia Alves, Karen Costa, Laiane Gastaldello, Larissa Mizuhira, Leonardo Nocete, Leonardo Alves, Liliane Maracajá, Lucas Gian, Lucas Neri, Marcela Gallo, Matheus de Munno Durante, Murilo Busolin, Natalia Elias, Nathalie Gallo, Nayara Tramontina, Patrícia Santos, Raiza Tronquin, Renan Bosquilia, Stefanie Araújo e Thaís Firmino. Diagramação Caique Castro Jonathans Trevisan Lucas Fogaça

Supervisão Gráfica Sérgio Silveira Campos Laborátório de Planejamento Gráfico Foto de Capa Lucas Jacinto Agradecimento especial aos professores Oliver Mann e Camilo Riani Correspondência Faculdade de Comunicação Campus Taquaral, Rodovia do Acúcar, KM 156 – Caixa Postal 69 CEP 13.400-911 Telefone (19) 3124-1677 unimep.br

sou reporter .com.br nov. 2014 | edição 80

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sumário edição 80

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painel

Entrevista Trabalho e futebol com Muricy Ramalho Opinião Mais Médicos e a situação do esporte no Brasil Empreendedorismo Jovens bem-sucedidos revelam seus segredos Informalidade Mais de 17 milhões de brasileiros “fora” do mercado Licença-maternidade O desafio de adaptar a carreira com a chegada dos filhos Home office Quando a casa é o ambiente ideal para trabalhar

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Orientação profissional Vantagens em buscar ajuda antes de entrar na faculdade Profissão esportista Os desafios da carreira no interior Música Quando o prazer do trabalho vale mais que o dinheiro Profissionais do sexo Ambição e riscos pelo glamour Legislação trabalhista Especialistas discutem a CLT Capa Reportagem flagra exploração de trabalho infantil em olaria de Piracicaba


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Redes Sociais O perigo do desabafo coletivo

70 Assédio Quando o trabalho se transforma em pesadelo Aposentadoria Conhecimento como diferencial no trabalho Religião Mudanças de costumes para uma nova geração de padres Bem-estar O poder do sorriso na medicina Saúde Jovens que venceram o câncer Sustentabilidade Ideias para um mundo melhor

Esporte Football caminha para a profissionalização no Brasil

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72 76 78 80 82 84

Turismo Sem grana para viajar? Dicas para cair na estrada de mochilão Cultura Novos caminhos impulsionam produções independentes no Brasil Entretenimento Conheça os dubladores de personagens famosos Games Experiência interativa eleva o nível dos jogos Design Tudo sobre o novo projeto gráfico da revista Painel Mobgrafia Tire a câmera do bolso e garanta cliques surpreendentes nov. 2014 | edição 80

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Fotos: Walkiria Pompeo

entrevista

‘Aqui é

TRABALHO , meu filho’ Muricy Ramalho, treinador do São Paulo, fala sobre futebol e trabalho em entrevista exclusiva à revista Painel


JOSÉ LUIZ ZULIANI JUNIOR zeluizuliani@gmail.com

LEON BOTÃO lbotao@gmail.com

MARIA LUIZA GONÇALVES mgoncalvesmariano@gmail.com

RODRIGO ALONSO rodrigo.alonso_@hotmail.com

WALKIRIA POMPEO waalpompeo@hotmail.com

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om quatro títulos brasileiros, sete estaduais, uma Copa Conmebol, uma Copa Master da Conmebol, uma Copa da China, uma Libertadores da América e uma Recopa Sul-Americana como treinador, além de mais de 40 anos no mundo do futebol, contando as carreiras de jogador e treinador, Muricy Ramalho ama o que faz. As palavras diretas e o jeito “duro” das coletivas de imprensa não mostram o Muricy dos bastidores, que gastaria um dia inteiro falando sobre futebol. Mas, seja qual for o assunto, o treinador não tem “papas na língua”. De futebol a política, defende a ética e critica a falta dela em seu meio de trabalho.

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“Para mim, é obrigação a pessoa ser correta”

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Do início da carreira como jogador do São Paulo aos problemas com o calendário apertado que enfrenta atualmente como treinador do clube, passando pela recente internação no mês de setembro devido a um quadro de arritmia cardíaca provocada por estresse, Muricy ensina que, com dedicação e constante aprendizado, o trabalho rende frutos, como sucesso e reconhecimento. A filosofia de vida do técnico pode ser resumida em apenas uma frase, enfatizada por ele em momentos que o valor da dedicação mostrou-se fundamental em sua carreira: “aqui é trabalho, meu filho!”.

Painel: Como e em qual momento surgiu o bordão “aqui é trabalho, meu filho”? Muricy: Não penso muito em criar essas palavras. Surgiu em um momento que a gente tinha sucesso e veio essa coisa, que é verdadeira. Cada cidadão tem uma maneira de pensar, cada um tem uma criação. Tive uma criação assim. Meu pai acordava à 1h da manhã para trabalhar no mercado e vender verdura. De vez em quando, ele me levava também. Sem sacrifício, você não consegue nada na vida. Não pode vir simplesmente fazer só aquelas horinhas e ir embora para casa. Tem que sempre ir além. Por isso sou um pouco exigente nesse sentido. Como a intensidade do seu trabalho afeta na sua vida pessoal? Afeta ela toda. É uma coisa que quem está fora pensa que é uma maravilha. Mas não é isso. Isso aqui é uma rotina maluca, a gente não tem um dia da semana para ficar em casa. No futebol, você ganha bem, mas ele tira tudo. Tira sua juventude, você não cria seus filhos, não participa da família, não tem mais os amigos. É uma coisa duríssima. Os jogadores não ficam com as suas esposas, a convivência é muito pouca. O que você costuma fazer fora do ambiente de trabalho? Não faço muita coisa. O que mais gosto é ver futebol em casa. É muito difícil eu sair. Eu tenho uma casa que fiz para um dia eu morar, perto de Ibiúna. Quando tenho a oportunidade, que é muito difícil, é onde eu fico. Tenho também um lugar na praia, mas também não vou porque não tenho tempo. Sou caseiro. Adoro ficar com os meus filhos e com a minha esposa. Já estamos há 34 anos juntos.

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“Caxias”, Muricy se concentra com os jogadores antes das partidas mesmo quando não precisa

Antes do seu sucesso como jogador e depois como técnico, como era a sua vida? Você chegou a ter outro emprego? Não. Fui jogador por muitos anos. Quando comecei a pensar em parar, conversando com amigos e profissionais do futebol, as pessoas achavam que eu tinha perfil para continuar no futebol pela minha maneira de ser como jogador. Então, comecei a estudar, fazer cursos e estágios para ser um bom técnico. Não dá para parar de ser jogador e ser técnico já em seguida. Assim, tem pouca chance de ter sucesso. Minha vida sempre foi o futebol. Estou há 40 e poucos anos já no futebol, entre jogador e técnico. Não sei fazer outra coisa. Qual é a diferença na rotina de quando você era jogador e agora como técnico? É totalmente diferente. Os jogadores de futebol, quando acaba (o treino),

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saem correndo. Às vezes, nem comem. Poucos estudam o adversário. Eu, como técnico, tenho que fazer tudo. Não posso simplesmente, agora que acabou o treino, ir para casa. Tenho que fazer o planejamento da semana que vem. É uma rotina muito maior do que a do jogador. O jogador não se preocupa com nada. E o técnico é um pouco terceirizado. Quando eu jogava, eu podia fazer a diferença dentro de campo. Hoje não. Dependo do jogador para fazer isso. Isso que é o pior para o treinador. Como você enxerga a classe dos treinadores do Brasil e o panorama da profissão no país atualmente? A nossa classe melhorou um pouco no que diz respeito à ética. O nosso meio é uma loucura, porque todo mundo quer o lugar de todo mundo. As pessoas dizem que o treinador ganha bem, mas poucos ganham bem. E poucos jogadores ganham bem também. No Brasil, quase 90%


não ganha bem. Jogadores passam dificuldade, não recebem. As pessoas só veem os jogadores que aparecem na televisão todo dia e acham que aquilo é o futebol, mas não é. A dificuldade é muito grande. A classe dos treinadores, infelizmente, não tem nenhuma segurança, que é o que o sindicato está tentando fazer, que os clubes cumpram com as suas obrigações e que mude um pouco essa cultura de que, se ganhou, ganha o time e, se perdeu, perde o treinador. É uma cultura burra e que não é verdade. Essa classe tem muito a melhorar. Você acha que falta ética no seu ramo? Falta muita. No futebol e em tudo que envolve muito dinheiro, falta respeito e ética. Todo mundo quer atropelar, ainda mais com os maus exemplos que a gente tem no nosso país. Infelizmente, é muito difícil ter uma pessoa que possa dar bom exemplo. Todo dia vemos coisas de mau exemplo. As pessoas se apegam nisso. No meu caso, não faço acordo com ninguém. Para mim, é obrigação a pessoa ser correta, não é uma virtude. Estamos em uma situação ruim. O quanto a mudança nas datas de partida e o grande número de competições influenciam no seu trabalho? No Brasil, quando sentamos para discutir o planejamento, a gente nunca sabe o que vai acontecer. É um absurdo. As pessoas não sabem como é fazer uma viagem em cima da hora. Um time de futebol não é duas ou três pessoas, é 50. Não é fácil conseguir um bom voo de uma semana para outra, temos que ficar pegando escalas. Aí os comentaristas querem comparar nosso futebol com o da Europa, mas não dá. Lá o jogo que está marcado para daqui um ano acontece no horário marcado. O jogo não muda, mas nem que o presidente do país peça para mudar. Aqui não. A consequência é que ficamos com vários jogadores machucados, técnico não pode contar nunca com o time ideal, não conseguimos treinar. Aí querem ver um grande espetáculo na

Após o problema no coração, o técnico tenta se preocupar menos e ficar mais tranquilo em relação ao trabalho

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quarta-feira e no domingo. A opinião não bate com o que é a realidade do futebol. Qual sua opinião sobre o Bom Senso FC, que busca justamente essas melhorias nas condições de trabalho? Eu acho que eles têm que ser mais duros. Pararam de fazer o movimento, têm que mostrar mais. Em junho de 2013 foi assim com o povo brasileiro: foram para a rua e nunca mais. E tudo continua como estava: corrupção, falta de escolas, pessoas morrendo nos hospitais. Essa falta de consciência é a mesma entre os atletas. Na Argentina, se um time não paga os salários, todos os jogadores dos outros times param de jogar. No Brasil, eles pensam individualmente. O Bom Senso tem que aparecer mais. Mas o brasileiro é assim, pacífico, aceita demais as coisas.

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“No futebol, você ganha bem, mas ele tira tudo”

Você já atuou bastante tempo no México, há muitas diferenças entre o trabalho nos dois países? Os mexicanos são parecidos com a gente, não são tão organizados assim. A vantagem é que o México está próximo de Estados Unidos e Canadá, isso possibilita um intercâmbio de organização com esses países. Mas no geral os povos são bem parecidos, eles são festeiros como nós, não se preocupam se vão ter dinheiro para amanhã, querem viver o hoje. Mas é um lugar excepcional, morei seis anos lá e gostei bastante. Como você lida com a pressão do clube, da torcida e da imprensa? A coisa principal de qualquer profissional é ser bem preparado e ter convicções. Não se pode parar nunca de estudar e de trabalhar bastante, mesmo quando se está ganhando. O que as pessoas têm que saber é que você só sobrevive com resultado. Por isso às vezes não aceito a opinião de

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alguém que queira analisar o meu trabalho. Não adianta ser bonzinho, “do bem”, amigo de todo mundo e não ter resultado. Eu também sou “do bem”, só que tenho minha opinião. As pessoas esquecem tudo, o que eu fiz ano passado (quando assumiu o time e evitou um possível rebaixamento do São Paulo no Campeonato Brasileiro) foi maior do que um título. Se esse gigante aqui tivesse ido para a segunda divisão, seria o maior desastre da história. Mas isso vai ser esquecido pelos dirigentes. Fiquei quatro anos fora do clube e, em todo lugar que eu ia, recebia o carinho da torcida do São Paulo. E foi essa torcida que me trouxe de volta. O torcedor, sim, reconhece o que eu fiz no ano passado. O problema de saúde que você teve recentemente fez você repensar algumas coisas no seu trabalho e na sua vida? Com certeza. Nunca tive problema de coração, nem nada que me fizesse ficar no hospital assim. Pensei nos meus três filhos, na minha esposa. Passa muita coisa pela cabeça. Eu não curto a vida, trabalho de segunda a segunda. A vida não é só ganhar dinheiro. Depois disso, eu passei a me preocupar menos, evito tentar consertar o mundo sozinho, que era o que eu fazia. Como eles fizeram todos os exames em mim e não acharam nada, os médicos concluíram que era estresse. O estresse é silencioso, ele te mata e você nem percebe. Estou tomando remédios, fazendo atividade física. O problema é que sou muito “caxias” no meu trabalho. Vou para a concentração com os atletas mesmo sem precisar, porque não acho justo ficar em casa com eles presos aqui. Sou pressionado desde a má fase do ano passado. Isso vai acumulando. Só resolvo problemas aqui. O que mudou na sua rotina? Bastante coisa. Fico um pouco mais tranquilo no CT, estou contando mais com a ajuda dos meus auxiliares, que sempre estiveram à disposição, mas eu acabava centralizando o trabalho em


mim. Mas tem a parte física também. Cortei o café, que eu adorava, mas sei que é um veneno para o problema que eu tive. Estou deixando passar mais as coisas, seja com jogadores ou imprensa. Estou agindo com menos intensidade. Qual a real influência do Telê Santana na sua carreira? Toda. Ela é toda porque o Telê foi meu treinador primeiro, eu não o conheci só depois que eu de jogar. Já que o Telê ia parar (de treinar) em cinco anos, foi a projeção que ele fez, ele tinha esses cinco anos para treinar um técnico para substituí-lo. Na época eu trabalhava na base do São Paulo e ele já me conhecia, mas eu ainda estava muito no início da minha preparação. E aí eles tentaram com mais um ou dois ex-jogadores para treinador. Mas parece que não deu muito certo, porque era muito difícil de trabalhar com o Telê. E, como ele já me conhecia e eu sou muito parecido com ele, porque a pessoa para trabalhar com um cara como ele tem que saber do dia a dia dele, eu dei certo com ele. A gente se trocava no mesmo vestiário, mas tinha vezes que passava uma semana que ele não me falava um “bom dia”. Mas era o jeito dele, ele não era uma pessoa ruim. E eu fui me adaptando, até que chegou o momento que perguntaram pra ele: “E aí, o que você acha? Não estamos achando o cara para você preparar”. Ele me achou e disse. “Está aí o cara que eu posso melhorar e preparar para o futuro”. Ele me trouxe pra cá (no time profissional) para que eu ficasse com ele por um tempo, mas também dirigindo os juniores. Mas aí ele começou a ficar um pouco mais cansado e, no final do ano, falava que ia curtir a casa dele em Porto Seguro (BA). Ele falou para a diretoria que, ao invés de pegar um mês de férias, pegaria dois, porque já estava muito cansado e falou que eu iria dirigir o time profissional. Mas era uma loucura, porque o time que eu ia dirigir era bicampeão do mundo, não era simplesmente um time. Era uma equipe que só tinha “monstros”, só

Para o treinador, falta ética entre os treinadores e as pessoas não conhecem as dificuldades do futebol brasileiro

tinha cara “fera”, e eu era garoto ainda para ser treinador. Mas eu comecei a ir bem, sempre conversando com ele pelo telefone, pedindo opinião. Só que infelizmente o tempo que a gente combinou para a preparação nós tivemos que antecipar, porque ele ficou doente. Sou muito parecido com ele em todos os sentidos e eu acho que o que a gente mais se parece mesmo é no caráter, de querer ser correto, porque ele também não aceitava nada. Ele era muito pior que eu, ele era terrível. Trabalhava demais. Às 6h da manhã, ele já estava ajudando a limpar o campo. Era maluco mesmo. Assim como em qualquer outra profissão, a gente tem o exemplo de alguém, mas vamos criando algumas coisas, colocando o seu jeito de fazer. Sou muito grato a ele. ∆

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opinião

Mais (ou menos) médicos? MATHEUS DE MUNNO DURANTE mdmatheus2@hotmail..com

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ecebido com desconfiança pela população e alvo de críticas duras por parte de profissionais da saúde, o programa Mais Médicos, no início, conseguiu passar uma imagem positiva durante a sua implantação. Mas logo pereceu diante da péssima estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) e da falta de recursos básicos repassados ao setor, algo que, em lugares como comunidades carentes e aldeias indígenas, beira o descaso. Lançado em julho de 2013 pelo governo federal, o programa conta com 14.400 médicos em exercício no país atualmente, dos quais 11.400 são de Cuba, segundo informações do Ministério da Saúde. No entanto, inúmeros relatos de profissionais cubanos irromperam de cidades do interior das regiões Nordeste, Norte e Sudeste criticando as péssimas condições de trabalho oferecidas pelas administrações municipais, além da precariedade da infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e dos Programas de Saúde da Família (PSF), somadas à falta frequente de remédios e à dificuldade em marcar exames diagnósticos e consultas especializadas. Muitos desses estrangeiros desistiram de continuar atuando no programa. Por meio de seu site oficial, o Ministério da Saúde informou que 35 cubanos já deixaram o Brasil. Entre os casos mais alarmantes

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registrados e divulgados pela mídia até agora, figuram agressões físicas, verbais e subtração e extravio de salários. Muitos cubanos abandonaram os serviços no Brasil por não receberem o dinheiro a que têm direito. O governo federal paga às autoridades de Cuba R$ 10 mil mensais por cada profissional que integra o programa no Brasil. Porém, o regime socialista da ilha caribenha diz repassar apenas R$ 2.400 aos médicos, apropriando-se de todo o resto do montante. Isso é o que o governo dos irmãos Castro afirma e os médicos, em contrapartida, desmentem. Cá entre nós, sabemos em quem acreditar, pois o tal do socialismo – que supostamente deveria garantir direitos iguais a todas as pessoas que integram a sociedade - é falho no país insular. Portanto, é de fácil compreensão que o nosso governo atual está financiando diretamente o governo de Cuba, ao invés de financiar quem realmente deveria para o sucesso do Mais Médicos: os profissionais importados. Logo, a relação entre os médicos cubanos e a ditadura sufocante e retrógrada comandada com mãos de ferro por Fidel e Raúl Castro não pode ser chamada de “vínculo empregatício”, mas de “exploração” descarada. E a nossa presidente, infelizmente, se faz conivente com isso tudo, incentivando a debandada de profissionais descontentes. ∆


Sem apoio, sem conquistas DIEGO ULERICH diego.ulerich@yahoo.com

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ucesso no esporte é decorrente do apoio que o governo e patrocinadores dão ao mesmo. Exigir alto rendimento no polo aquático ou no ciclismo, por exemplo, é irreal perante a realidade de mínimo suporte dado a estes. Os brasileiros cobram resultados de modo descomunal, independente da modalidade em questão. Vencer é objetivo central e qualquer resultado fora a conquista passa a ser descartado, considerado inválido diante do nível de exigência dos torcedores e da imprensa. Para exigir algo de alguém é necessário saber o quanto este pode lhe dar. No esporte não é diferente. E quando comparamos países como França, Austrália e Alemanha, territorialmente bem menores que o Brasil, seja em Jogos Olímpicos ou campeonatos mundiais individuais, se tem uma noção do semiprofissionalismo existente, gerado pela falta de apoio a tais e não pela falta de capacidade dos atletas, muitas vezes questionados pela crítica. Condizendo com a dura realidade da falta de recursos aos esportes olímpicos, apenas em 2012 criou-se o Plano Brasil Medalhas, que tem como objetivo colocar o nosso país entre os dez primeiros colocados nos Jogos Olímpicos e entre os cinco nos Jogos Paraolímpicos,

visando as Olímpiadas de 2016, que acontecerão no Rio de Janeiro. A ideia é formar novas gerações de atletas e estruturar centros de treinamentos que atendam desde as equipes principais até as categorias de base. O plano assegurou R$ 1 bilhão de investimentos para as modalidades. Apesar de a teoria ser válida, ainda vemos a prática ser bem diferente. Desde a criação do projeto, os esportes olímpicos não tiveram grande mudança. Conquistas e, principalmente, a estrutura para os atletas ainda são desconhecidas. Resta esperar o tempo para confirmar se a iniciativa do governo foi concreta ou não passava de um plano estratégico para fazer uma boa Olimpíada diante do seu torcedor, pouco se importando com a sequência do trabalho e resultados futuros. De modo geral, é possível afirmar que falta muita coisa no segmento esportivo. Além de estrutura para treinamento e capacitação profissional, falta o primordial, que é o incentivo ao estudo, visando formar cidadãos corretos e não apenas máquinas centradas a conquista de medalhas. Porém, isso só será possível se o governo deixar o imediatismo de lado, se propondo a profissionalizar tais esportes, dando o primeiro passo de uma longa caminhada. ∆

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empreendedorismo

Idade não é

DOCUMENTO Com ideias inovadoras e talento, jovens empreendedores provam que idade não é empecilho para o sucesso

JOSÉ LUIZ ZULIANI JUNIOR zeluizuliani@gmail.com

MARIA LUIZA GONÇALVES MARIANO mgoncalvesmariano@gmail.com

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ill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg, Tony Stark, Willy Wonka. A vida real e a ficção estão cheias de jovens empreendedores de sucesso, que a partir de uma boa e inovadora ideia construíram ou aprimoraram seus impérios. A tecnologia, tão presente na vida social dos jovens, age também como instrumento para alavancar a carreira profissional. Esse é o papel das startups, uma nova categoria de empreendimento na qual o jovem sugere uma ideia ou solução inovadora ligada ao mundo da tecnologia, mostra seu potencial de criação e crescimento e de quebra recebe incentivos financeiros para bancar sua empresa. O gestor de projetos da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), Vinícius Machado, explica qual a essência de atuação de uma empresa

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desse ramo. “As startups são empresas em fase inicial que desenvolvem produtos ou serviços inovadores, com potencial de rápido crescimento. Ou seja, é (a reunião de) um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza”. Segundo Machado, o perfil desse tipo de empreendedor é composto por jovens com criatividade e curiosidade aguçadas, que possuem ligação direta com o mundo tecnológico e que apostam em uma fórmula simples, que envolve o desejo de criar soluções para diferentes problemas e claro, conquistar uma estabilidade financeira. “O caráter desbravador, destemido e sem medo de ousar dos jovens pode transformá-los em grandes empreendedores. É preciso ser centrado e dedicado para fazer

acontecer, e o jovem tem mais facilidade para aprender e se adaptar a novos paradigmas tecnológicos”, indica. A jornalista e empresária Greta Paz, 23, criou uma produtora de vídeos para o YouTube – a MPQuatro - com um foco diferente. “O propósito (da empresa) é a democratização da produção de vídeo, fazendo com que as produções tornem-se acessíveis também para pequenas e médias empresas, simplificando os processos de produção”, explica. Greta destaca que os jovens chegam ao mercado de trabalho cheios de ideias, sem medo de ousar e trazem inovações, e que isso é fator de peso para que encontrem nas startups um meio de difusão. “A informação está muito mais acessível e existem vários movimentos que dão suporte para jovens que querem empreender”, pontua a empresária.


Fotos: Divulgação

Criadores da franquia Los Paleteros, Gean Chu e Gilberto Verona; pesquisa e inovação são os pontos de sucesso para jovens empreendedores

Doce empreendimento

As paletas, sorvete típico do México, se tornaram febre no mercado brasileiro e principal motivo do empreendimento de sucesso dos sócios Gilberto Verona, 24, e Gean Chu, 24. Não se preocupe caso não os conheça por seus nomes de batismo, pois eles (e a razão do seu sucesso) são conhecidos por outra alcunha: Los Paleteros. Chu explica de onde surgiu a ideia de investir nas paletas. “Eu e meu sócio já buscávamos há algum tempo novas ideias para criar uma empresa com grande potencial de impacto. Por sermos da área de tecnologia, achávamos que abriríamos uma empresa neste ramo, mas ampliando o horizonte de possibilidades, verificamos que o mercado de sorvetes premium apresentava grande crescimento nos últimos anos. Estudando um pouco

Recheio é um dos principais diferenciais dos sorvetes mexicanos, que também não deixam a desejar no visual

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Até o final deste ano a franquia deve alcançar a marca de 70 unidades no Brasil

mais sobre esse mercado, identificamos que nenhuma dessas empresas estava explorando o conceito de um produto mais natural, mais saudável”, conta. Depois dessa pesquisa, ambos perceberam que os investimentos na área dos sorvetes seguiam sempre a mesma opção: o italiano. O problema é que este tipo de sorvete, segundo Chu, tende a ser mais gorduroso e artificial. O próximo passo era encontrar um tipo de sorvete mais natural, e que ganhasse os clientes pelo sabor e visual. Depois de mais uma etapa de pesquisa, os sócios chegaram às paletas mexicanas, tradicionais em seu país de origem, mas nunca antes exploradas por aqui. Toda essa fase de pesquisa de produtos, a melhor maneira de apresentá-lo ao público

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[ ] “É preciso ser centrado e dedicado para fazer acontecer”

e também a forma com que ele será comercializado, de acordo com o sócio-proprietário, é essencial para que um empreendimento tenha êxito. Inaugurada em dezembro de 2012, a franquia teve investimento inicial de R$ 750 mil, e a previsão dos proprietários é que este ano se encerre com faturamento de cerca de R$ 70 milhões, sendo que esse valor é proveniente só da venda direta de paletas ao cliente final nas 47 unidades espalhadas pelo país. A primeira loja da franquia foi aberta em Balneário Camboriú (SC), em pleno verão, o que colaborou para a arrancada de sucesso da marca. A escolha de uma cidade turística litorânea, justamente em uma época em que o calor é intenso, não foi à toa. Poucas horas após a abertura, já tinha


fila fora da loja. “Isso se deve muito ao estudo que foi feito para a escolha do ponto comercial e época para abertura”, justifica. A produção atual gira em torno de 700 mil unidades/mês, mas a meta, segundo o sócio-proprietário, é chegar a marca de 2 milhões de paletas mensais, até o fim de 2014. “Quando começamos, possuíamos um corpo de 15 profissionais, juntando a franqueadora Los Paleteros, a loja de Balneário Camboriú, e a fábrica. Hoje, somando todas as franquias, franqueadora e fábricas, contamos com cerca de 290 profissionais. Se somarmos os empregos indiretos relacionados à nossa cadeia logística, fornecedores e prestadores de serviço, que foram desenvolvidos junto ao nosso crescimento, esse número deve chegar próximo a 500 pessoas”, aponta Chu. Para a jornalista e empresária Greta Paz, os jovens conquistam reconhecimento como empreendedores por sua ousadia

Empreendedores precoces

Empreendedores de sucesso na faixa dos 20 e poucos anos já surpreendem. O que dizer, então, daqueles que nem alcançaram a casa da dezena? O programa Jovens Empreendedores Primeiros Passos, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) capacita professores da rede pública e privada para disseminar a cultura empreendedora entre crianças e jovens do Ensino Fundamental para estimular o protagonismo juvenil. O programa existe desde 1994 mas só foi implantado em Piracicaba em 2013. A disciplina possui temas adaptados do 1º ao 9º ano, de acordo com a realidade de cada faixa etária. Tatiana Petrin, analista do Sebrae de Piracicaba, explica como

funciona o programa. “São oficinas lúdicas que trabalham a questão do empreendedorismo. Através de apostilas a criança começa a entender o valor do dinheiro, o que ela pode fazer com produtos recicláveis, o que ela pode fazer para gerar retorno para a renda de casa”. Conceitos como sustentabilidade, ética e cidadania são trabalhados no programa. Segundo Roque Rezende Ribeiro, também analista do Sebrae de Piracicaba, o planejamento e características empreendedoras são trabalhadas no curso, como busca de informação, busca de oportunidade, rede de contatos, persuasão, comprometimento, persistência, resiliência, monitoramento sistemático e estabelecimento de metas. Estes conceitos são reforçados todos os anos. ∆

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informalidade

À sombra do

MERCADO

Da venda de doces, salgados e chocolate às roupas e produtos eletrônicos, mais de 17 milhões de brasileiros ainda vivem longe de obrigações e benefícios do trabalho formal

BRUNA TOGNI brunagctogni@gmail.com

IAMARIS MALVESTITI malvestiti.ma@hotmail.com

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arcelo Monteiro é pai de três filhos e um exemplo de brasileiro que vive na informalidade. Atualmente, ele vende doces nas ruas e no Terminal Central de Integração de Piracicaba. Durante um determinado período, Monteiro conseguia ganhar uma renda suficiente para o sustento da família, mas com a desvalorização da moeda, e principalmente com a proibição de ambulantes em ônibus, tudo mudou, inclusive os ganhos. Porém, pela dificuldade de conseguir um trabalho formal, ele continua como ambulante nas ruas. “Eu não tenho como sair da informalidade, pois no momento não tenho condições nem ao menos de manter o estoque da mercadoria que eu vendo, quanto mais de arcar com os custos da legalização e impostos”, conta Monteiro. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) o nível de informalidade no país apresentou baixa

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este ano. A taxa foi de 32,2%. Em 2013, o país apresentava taxa de 33% e em 2012, 34%. Apesar dessa queda, o país possui atualmente 17,1 milhões de pessoas vivendo na mesma condição de Monteiro, sem seus direitos, como férias, aposentadoria e demais benefícios. O número foi divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Mauro Morgeti é mais um brasileiro que vive na ilegalidade. Casou-se com 16 anos e para sustentar a família precisou abandonar os estudos. No início conseguiu um emprego com carteira assinada, mas os salários formais não eram suficientes. Por esta razão, aos 17, começou a complementar sua renda como vendedor ambulante. Com o tempo conseguiu um espaço em um camelódromo da cidade de Piracicaba. Morgeti vende de tudo: eletrônicos, roupas, brinquedos, acessórios, e confessa: “não são todos os produtos que tenho nota fiscal e isso dificulta a minha legalização”. Além de sua loja no camelódromo, a família também o ajuda na renda

como ambulante nas ruas, vendendo pequenos objetos em cruzamentos da cidade. Por exemplo: no verão, quando faz muito calor, eles vendem frutas. No inverno, Morgeti vende chocolate. De acordo com os entrevistados, os produtos pirateados importados são uma das grandes razões de os trabalhadores informais não se legalizarem, pois mediante a uma fiscalização essa venda não seria autorizada. No ramo de serviço o que figura como fator para ilegalidade é falta de especialização e localização adequada. Para ter um salão de cabeleireiro, por exemplo, é necessário seguir algumas regras para concessão de alvará e qualificação.

Regularização A manutenção dos trabalhadores informais contribui para que não sejam arrecadados pela Previdência Social e pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), aproximadamente R$ 50 bilhões por ano. Como forma de combater e reverter essa situação, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lançou em maio deste ano o Plano Nacional de Combate à Informalidade dos Trabalhadores Empregados


Luciana Mattos saiu da informalidade em 2010 para abrir o próprio bufê, que hoje emprega dez pessoas

Fotos: Bruna Togni

(PNCITE). Com sua implementação, o MTE visa reduzir os índices de informalidade para garantir aos trabalhadores os benefícios previdenciários, como seguro contra acidentes de trabalho, além de direitos decorrentes do contrato formal, como FGTS, férias, repouso remunerado, entre outros. A formalização dos trabalhadores atacará também a concorrência desleal ao impedir que maus empregadores reduzam seus custos por meio da sonegação. Muitos informais estão optando por fazer um investimento e sair dessa condição. Luciana Mattos durante muito tempo vendeu salgados, sanduíches e sucos pelas ruas de Piracicaba, mas com a ajuda do Micro Empreendedor Individual (MEI) e os incentivos fiscais para os micros empresários, ela saiu da informalidade e passou a trabalhar como empresária em 2010. Dois anos depois, Luciana precisou migrar de MEI para uma Empresa de Categoria Limitada (Ltda). Ela aumentou seu negócio e hoje é dona de um bufê com mais de 10 funcionários. “Não tem nada melhor do que trabalhar por conta própria, mas de forma legal com seu Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), ter notas fiscais, abrir conta em banco, ter crédito. No

começo eu fiz um investimento de R$ 5 mil, porém esse valor foi pago já no terceiro mês de atividade legal. A mudança trouxe ainda mais sucesso e reconhecimento do meu trabalho”, explica a empresária. Para aumentar as facilidades de legalização no mês de agosto foi sancionada a lei complementar que “universaliza”, a partir de 2015, o acesso ao Simples Nacional. Segundo o ministro Guilherme Afif Domingos, o programa deve apresentar com as novas regras e as principais mudanças aspectos que irão favorecer as micro e pequenas empresas, tais como a universalização da categoria, a regulamentação da substituição tributária e a importância da criação de um cadastro único para os pequenos negócios. O programa unifica o pagamento de oito tributos cobrados pela União, estados e municípios das micro e pequenas empresas.

uma vitória dos que trabalham pela simplificação e desoneração do sistema produtivo como forma de criar um ambiente mais favorável para o livre empreender. Ao incluir parcela tão expressiva de atividades criadoras de postos de trabalho e renda, avançamos muito. Agora é preciso divulgar e orientar sobre esta e outras mudanças que aconteceram na Lei Geral. ∆

Apesar da queda nos últimos anos, mais de 17 milhões de brasileiros ainda trabalham sem recolher impostos

De acordo com Afif, outra vantagem da atualização da Lei do Simples é a desburocratização, pois haverá um cadastro único por CNPJ, dispensando os demais cadastros estaduais e municipais. Além disso, também haverá simplificação dos procedimentos de abertura e fechamento das empresas, fazendo com que o prazo para essas operações diminua. “A universalização do Simples foi

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MÃE família

Dilema de

Mulher contemporânea enfrenta o desafio de adaptar a carreira após a licença-maternidade

Foto: Gabriela Ferraz

Roberta Koenigkan Campos redirecionou a carreira para conciliar as responsabilidades de ser mãe e atuar como analista financeira

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Foto: Nilo Belotto

Solange Strozzi em meio à agitação da redação e à novidade de ser mãe

BRUNA PIRES bruunapiires@hotmail.com

GABRIELA ANDRADE FERRAZ gandradeferraz@gmail.com

“N

a minha cabeça alternavam preocupações como: tenho foto para a capa? Será que ele mamou? Aumentaram duas páginas do suplemento, como vamos fechar? Será que já dormiu?”, relata a jornalista Solange Strozzi, ao contar sua experiência de retorno ao trabalho em um jornal após o período de licençamaternidade. Isso revela o dilema da mulher contemporânea, que não se contenta apenas com o sucesso profissional, mas também busca realizar-se como mãe.

Assim que se descobre grávida, a mulher teme perder seu espaço no mercado de trabalho, no acirrado jogo que é manter um bom emprego. Porém, ao fim da licença-maternidade, eis que surge a verdadeira questão: como manter o profissionalismo e o desempenho em alta com um bebê em casa? A maternidade implica uma mudança completa de rotina e o retorno ao trabalho após os primeiros meses dedicados à criança é “um exercício de equilíbrio entre a necessidade de se atualizar e incorporar a rotina profissional e a culpa, dúvida e medos de deixar o bebê em casa ou na escolinha”, conta Solange. Na época, a nova mãe que

desempenhava a função de editora recebeu quatro meses de licença e a concessão de férias após o período, além da possibilidade de trabalhar durante dois meses no esquema home office, o que implica a realização de atividades profissionais na própria residência, facilitando a questão do deslocamento e da separação com o filho. Para ela, esse tempo contribuiu para que seu filho pudesse ser alimentado pelo leite materno, o que permitiu que a saúde do pequeno se fortalecesse. Quando retornou ao trabalho, redirecionou sua função de editora para um segmento mais tranquilo e com horários mais flexíveis, pois a atividade que antes era prioridade passou a nov. 2014 | edição 80

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intercalar aflições de mãe. Mesmo equilibrando as funções, Solange disse que faria diferente. “Ainda acho que dedico muito mais tempo da minha vida ao trabalho do que ao meu filho. Isso não é apenas a minha realidade, mas a de 90% das mães”, desabafa. Para a maioria das mães, esse momento é de grande conflito interno. Roberta Koenigkan Campos, analista financeira, decidiu redirecionar a carreira por enfrentar dificuldades na conciliação entre trabalhar e ser mãe, principalmente por seu filho adoecer logo que começou a frequentar a escolinha, aos seis meses. Hoje ela auxilia seu marido, que trabalha com odontologia estética. “Foi difícil sair, tomar essa decisão. Mas hoje eles (filhos) me completam, fazem com que eu não sinta essa falta”, relata. De acordo com Roberta, toda a família sentiu os efeitos positivos com a flexibilidade no novo trabalho. “Eles estão mais felizes. Almoçamos todos juntos”.

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“Não ia conseguir ser mãe, mulher e profissional”

A jornalista Juliana Pinheiro também julgou estressante lidar com todas as ocupações simultaneamente. Como primeira opção, ela deixou a pequena Júlia aos cuidados da avó durante dois anos. Juliana percebeu, porém, que estava perdendo o crescimento da filha. “Na rotina eu vi que não era bem assim. Não ia conseguir ser mãe, mulher e profissional”. A solução então foi redirecionar sua carreira, impedindo que a saída do trabalho gerasse uma frustração profissional. Hoje ela gerencia sua própria assessoria de eventos e imprensa, prestando serviços em empresas e também em sua casa. “Eu admiro muito a Suécia, onde os casais têm juntos 480 dias para cuidar do bebê”, diz a administradora de

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empresas Isabella Machado Azevedo, ao concluir que o tempo disponível de licença-maternidade no Brasil é muito curto. Isabella engravidou pela segunda vez quando trabalhava na área administrativa de hotéis, em uma empresa de tecnologia e ainda em uma universidade. Ela contou que retornou ao trabalho principalmente porque contribuía com o sustento da família, o que foi bem complicado, pois seu filho havia sido diagnosticado, por meio do teste do pezinho, com um distúrbio hormonal. “Recebi uma ligação do diretor da empresa onde trabalhava que eu havia sido promovida e teria que assumir a nova função”. No quarto mês de licença-maternidade, ela retornou ao serviço, porém com diminuição da carga de trabalho para sete horas durante dois meses e também auxílio creche até que seu filho completasse 18 meses. “Para mim foi mais complicado, pois me culpava muito por não poder estar próxima dele e pelo tempo que passava longe, pois o meu trabalho ficava a 60 quilômetros de Piracicaba e nem conseguia vê-lo no horário de almoço”, conta ao comparar a adaptação dela e da criança, que reagia bem à nova situação. Hoje, trabalhando no esquema home office, o que teria sido um encaixe perfeito no período pós-gravidez, Isabella acredita ter desempenhado bem o seu trabalho na época, sem trazer impactos negativos para a empresa. “Eu sabia que, no tempo em que estava trabalhando, eu era focada 100% na empresa, para que depois do expediente eu pudesse estar integralmente disponível para meus filhos. Tudo é uma questão de disciplina”. “Sem dúvida, essa separação precoce terá influências, pois a criança passou de um momento de superação (o parto) e começa a se adaptar ao mundo externo, através da mãe”, explica a psicóloga Teresinha Guideroli, especialista em neuropsicologia


Foto: Gabriela Ferraz

Deixar o filho aos cuidados de um parente tranquiliza as mães no momento de sair de casa para trabalhar

infantil, que tranquiliza as mães ao explicar que os traumas do rompimento do cordão umbilical podem ser minimizados. Teresinha ressalta que o afeto nessa fase de desenvolvimento é importante e que ficar aos cuidados de algum ente querido é o suficiente para a criança. Para ela, as mães não devem ter pressa para matricular seus filhos em escolinhas, já que as aprendizagens essenciais como sentar e engatinhar devem ser acompanhadas. “Esses cuidados são para que não haja uma separação abrupta, o que geraria na criança uma angústia de separação e traumas psicológicos”, pontua. ∆

O que diz a A primeira lei que trata dos direitos trabalhistas das mães no Brasil é de 1923 e previa descanso de 30 dias antes do parto e 30 dias após dar à luz. Hoje, o setor privado oferece 120 dias de afastamento, sendo possível por meio da Lei 11.770/2011 60 dias extras quando necessário, que devem estar acordados entre patrão e funcionária. Já no setor público as mães recebem 180 dias.

LEI O projeto nº162 de 2013 “pretende ampliar definitivamente o período de licença-maternidade para 180 dias”. O direito à licençamaternidade é garantido a todas as mães, inclusive em caso de adoção: “também há benefícios relacionados a assuntos como estabilidade no emprego e direito a períodos de amamentação”, explica o advogado Paulo Bitante.

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home office

Foto: Leon Botão

No estúdio montado no porão de casa, Vitor Galvão consegue unir trabalho e proximidade com a família

Minha

CASA S/A Conforto e privacidade fazem do trabalho longe da empresa o ambiente ideal para profissionais versáteis e qualificados

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ALINE SORIANI

CRISTIANO ARAÚJO

WALKIRIA POMPEO

alinesoriani@gmail.com

cristiano3a@gmail.com

waalpompeo@hotmail.com

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J

á se imaginou no escritório, segunda-feira logo pela manhã, ainda com cara de sono, vestindo bermuda e chinelos? Insano? Não, uma realidade. Pouco difundido no Brasil, o sistema de trabalho remoto, conhecido como home office, não oferece vantagens só para quem trabalha, mas para quem emprega também, e vem ganhando cada vez mais espaço em empresas nacionais. O modelo não é de fato novo, se levarmos em consideração os trabalhadores antes do século 19 que exerciam suas atividades em oficinas improvisadas em suas próprias casas. Foi então que a Revolução Industrial veio para mudar tais características, os trabalhadores passaram a levar sua mão de obra até as fábricas, produzindo sob péssimas condições de trabalho, mas com a garantia de salários fixos. E como o mundo dá voltas, trabalhar em casa entra em cena novamente, mas com uma roupagem diferente. Agora, os escritórios ganham espaço dentro de casa e trabalhar nunca foi

tão prazeroso. É isso que mostram pesquisas da Jala International, companhia americana de teletrabalho, que indica que até 2030 cerca de 300 milhões de pessoas trabalharão nesse segmento ao redor do mundo, principalmente em países da Europa e nos EUA. Já no Brasil, 5% da população trabalha integralmente em casa, e outros 23,2% adotam, ao longo do mês, alguma forma de trabalho a distância, segundo dados da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt). Exemplo disso é o piracicabano Luis Fernando Gonçalves, 27, que é analista administrativo em uma transportadora em Cosmópolis. Depois de trabalhar por anos em escritórios, foi em sua casa que encontrou maior satisfação. “Um amigo que me fez essa proposta, fizemos um teste e ambos ficamos satisfeitos”, conta. A comunicação fica por conta da internet, principal ferramenta que consolida hoje o sistema de trabalho remoto. “Eu levanto às 8h da manhã e, pelo Skype, dou bom dia para meus

Foto: Walkiria Pompeo

Na companhia de “Miúcha”, Luis Fernando trabalha em casa como analista administrativo de uma transportadora

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Formado em Radio e TV, Vitor Galvão fez da própria casa o espaço ideal para trabalhar

Foto: Leon Botão

[ ] A tecnologia atual é a padroeira do home office

colegas de trabalho. É assim que eu registro minha entrada”, explica. Gonçalves cumpre rigorosamente seus horários e garante que não é por estar em casa que deixa de ser profissional. “Eles recebem meu serviço feito, muitas vezes, antes do prazo. Não tem erro”, afirma. Embora muitos profissionais que trabalham no esquema de home office separem um cômodo da casa para exercer suas tarefas, Gonçalves optou em integrar suas ferramentas com seu próprio quarto, e afirma que não teve nenhum espaço particular invadido. “Se eu preciso fazer qualquer coisa particular, fica muito mais fácil. Eu

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aviso pelo computador que preciso sair por uns instantes e o celular garante nossa comunicação nesse meio tempo”, explica. Ou seja, a atual tecnologia é caracterizada de fato como a padroeira do home office. E quem pensa que esse ambiente só existe quando o trabalhador é contratado por uma empresa, se engana. Pequenos negócios, ao invés de buscarem espaço nos grandes centros comerciais, nascem e se desenvolvem dentro de casa. Esse é o caso do produtor musical Vitor Galvão, 33, que montou seu estúdio de gravação no próprio porão. Após conhecer o estúdio de um amigo, que era no subsolo da casa, Vitor se engajou na ideia para montar o seu. “Desde então, procurei uma casa pensando em ter um porão que eu pudesse adaptar. E já faz sete anos que está funcionando”, ressalta Galvão. “A tranquilidade é o melhor de se trabalhar em casa. Eu vejo a diferença entre os horários, o trânsito, estresse e prefiro muito mais trabalhar em casa, porque qualquer coisa que preciso está aqui. Além disso, minha família participa de todo o processo comigo, ficamos muito unidos”, conta. ∆


Quais são seus direitos

Faça o seu

?

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ão tem certeza de como funciona o cumprimento de horários, as regras e os direitos do trabalhador home office? A advogada trabalhista Ana Claudia Soares Orsini explica de maneira simples e direta como funciona. OS DIREITOS: Os direitos de quem labora em casa são os mesmos dos funcionários que exercem seu labor dentro da empresa, com exceção, em alguns casos, do pagamento de vale transporte, haja vista a ausência de deslocamento. A carga horária em regra é a mesma, de oito horas diárias. Os outros direitos como Vale Refeição, férias e licenças são preservados. HORAS EXTRAS: Normalmente não há pagamento de horas extras, já que o trabalho é equiparado ao trabalho externo, sem a fiscalização da jornada. No entanto, caso a empresa fiscalize o trabalho do funcionário, como já é feito em alguns casos, deverá haver pagamento das horas extras. Para comprovação das horas, o trabalhador poderá utilizar e-mails, acessos online, e testemunhas. GASTOS: Não há uma posição definitiva sobre a obrigatoriedade das empresas fornecerem os equipamentos e custarem as despesas desse home office. Temos decisões isentando a empresa, e outras determinando que ela forneça os equipamentos, bem como arque com despesas de luz, telefone e internet. O ideal é definir todos esses aspectos no momento da contratação, de preferência documentando todas essas informações.

!

S

e você curtiu a ideia de trabalhar em casa e pretende criar um ambiente legal, separamos algumas dicas da jornalista Marina Sell Brik, uma das criadoras do site gohome.com que é referência no assunto. PRIMEIROS PASSOS: É muito importante você trabalhar por alguns dias no seu home office antes de sair comprando mil coisas que depois não terão utilidade. Anote tudo o que for precisando para o seu dia a dia no escritório. O AMBIENTE: Mesa e cadeira ergonômicas, um arquivo (ou estante para armazenamento), telefone, multifuncional. Também é recomendável ter à mão o material básico de escritório para não ter que ficar levantando o tempo todo e se dispersando. Também tenha uma garrafa de água e copo na mesa. ORGANIZAÇÃO: Se o espaço for pequeno, é interessante fazer móveis sob medida, assim aproveita-se todo e qualquer cantinho. Uma dica básica é tirar as medidas do espaço antes de comprar os móveis. Afinal, você pode acabar comprando uma cadeira que depois não encaixa na escrivaninha, ou um armário que vai atravancar o cômodo. Móveis com dupla função também são um bom investimento, por exemplo, pufe com espaço para guardar coisas dentro, um gaveteiro com rodízio e almofada em cima, etc. CONCENTRAÇÃO: Existem alguns acessórios que ajudam a se concentrar no trabalho: fones com redução de ruídos, aviso na porta do escritório para não ser interrompido, e pouca distração na mesa de trabalho.

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orientação

AUTOCONHECIMENTO é a chave Especialistas apontam as vantagens de se fazer orientação profissional antes de entrar na universidade NATHALIE GALLO nathaliecristinegallo21@gmail.com

JÉSSICA SOUZA jessicasouza91@hotmail.com

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Foto: Jéssica Souza

O

que você vai ser quando crescer? Muitas crianças ouvem essa pergunta, porém, quando jovens, nem sempre conseguem ter autonomia para fazer a escolha do caminho profissional ideal. Quer acertar na escolha do curso? Aposte na orientação profissional. Danillo Badolato Athayde, 23, passou em sete faculdades públicas e optou por estudar ciência da computação na Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos. No segundo ano do curso descobriu que não era isso que queria. Resolveu fazer um ano de cursinho para concorrer à vaga de engenharia ambiental e passou na USP e Universidade Estadual de Capinas

(Unicamp), optando pela primeira. “A desistência e o fato de ter que começar a construir uma nova carreira parecem aterradores, porém, é melhor desistir do curso assim que se descobre que não é aquilo que quer”, diz Athayde, que está feliz com a escolha atual.

A educação física “perseguiu” a professora Alessandra Pedroneze Rodrigues desde a infância

A educação física “perseguiu” a professora de uma academia, Alessandra Pedroneze Rodrigues, desde a infância. Formada em 2013, ela explica que sempre quis lecionar. “Na escola, percebi que gostava de jogar bola e de fazer outras atividades que um professor exigia. Foi na dedicação e amor dele que encontrei minha vocação”, recorda. Alessandra conta que no início foi difícil, pois escutou nov. 2014 | edição 80

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Foto: Nathalie Gallo

opiniões contrárias a sua escolha. “O importante é procurar informações e ouvir o coração. Tudo que é feito com amor é prazeroso”, afirma. Segundo a psicopedagoga Josiela Battistella, fazer orientação profissional contribui para uma escolha assertiva e para o bom desempenho na faculdade. “Assim o jovem vai conseguir conquistas, ao contrário da pessoa que escolher um curso com o qual não se identifica”, explica Josiela. As orientações são feitas por etapas, com mediação e atividades propostas por um psicólogo. Josiela conta que durante o processo de escolha da profissão a seguir, normalmente o jovem procura olhar “para fora”, se aproxima de cursos da moda, publicidades, e acaba frustrado depois da decisão. “A resposta está dentro da pessoa. Trabalhamos a busca da profissão pelo autoconhecimento”. De acordo com Josiela, no processo é estipulado o perfil de personalidade, que é relacionar o eu da pessoa com aquilo que ela está proposta a realizar. “Então estabelecemos relações entre o perfil do profissional e o mercado de trabalho”, explica.

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“A resposta está dentro da pessoa”

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Para a psicóloga Andréia Jacon, o curso técnico pode ajudar a pessoa a se direcionar. A estudante Talita Heloísa Cabrini optou por esse caminho, após fazer orientação profissional. “Com as atividades, conhecemos coisas novas, facilitando qual caminho seguir”, diz. Ela conta que ao concluir o ensino médio, ingressou no curso de mecânica. “O técnico me mostrou áreas que gosto, e percebi que quero cursar engenharia mecânica”, frisa. Outra possibilidade é procurar estágios, que podem ser feitos antes

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da entrada na universidade ou durante a graduação. Thayná De Lima Souza, 17, é aprendiz no Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Limeira (Saae), onde desenvolve a parte jurídica como função. Ela está no segundo ano do ensino médio. “Estagiar é bom, pois você aprende mais, e até o ajuda a fazer a escolha profissional, porém, estou em dúvida se cursarei farmácia futuramente”. Para o psicólogo e gestor de empresa, Edgar Pereira Júnior, o estágio fornece informações para explorar as áreas de carreira. “Recomendo experiências profissionais, antes do ingresso no ensino superior”. Bruna Caroline Cipriano de Souza, 20, cursou técnico em química, antes de entrar no mesmo curso, na faculdade. Atualmente ela estagia em uma escola estadual. “Eu queria terminar o ensino médio com uma profissão, optei por química e me identifiquei”, conta. Segundo Pereira Júnior, com o estágio, o início da carreira tende a ser mais fácil. “As pessoas que se formam sem esta experiência têm mais dificuldade de colocação no mercado de trabalho”, destaca. Para trabalhar a orientação profissional, Josiela Battistella aplica

A pedagoga Josiela Battistella e a psicóloga Andréia Jacon defendem que a orientação profissional seja abordada desde a infância


a metodologia Orientação Profissional, Empreendedorismo e Empregabilidade (OPEE), uma coleção de livros sobre o tema, organizados desde a educação infantil ao terceiro ano do ensino médio. O psicoterapeuta Leo Fraiman, autor da metodologia, explica que é preciso que os alunos aprendam sobre a vida em sociedade, si mesmo e o mundo do trabalho. Ele enfatiza que ao trabalhar o autoconhecimento do orientando, o enfoque é saber seu histórico de escolhas e quais são seus valores. “Para um psicólogo é importante uma carreira que trabalhe com a verdade. Já um advogado, pode priorizar o valor da Justiça”, exemplifica. Josiela Battistella comenta, ainda, que há critérios que não devem ser considerados no momento da escolha, como optar por um curso por considerá-lo mais fácil; pensar que na trajetória não terá momentos de sacrifício; achar que a profissão fará de si um bom profissional e o fará ganhar bem, porque ser um bom profissional é que vai levá-lo ao sucesso da carreira. Outro problema enfrentado por graduandos é ver que não se identificam com aquilo que estão estudando. “Antes de optar pela desistência, é preciso ver com o que se relaciona na profissão, ter ajuda de um psicólogo, buscar estágios, conversar com profissionais da área”, alerta a psicopedagoga. Leo Fraiman explica que nas orientações profissionais também é trabalhada a influência da família, o estilo de vida da pessoa e objetos com os quais ela vai trabalhar. Em seguida, segundo Fraiman, o orientando faz um teste, é colocado em contato com várias profissões e elabora uma pesquisa sobre a carreira escolhida. “Um trabalho bem feito impacta para o bem. Já um trabalho sem qualidade, irá prejudicar outras pessoas. Escolher a profissão e trabalhar naquilo que gosta, são grandes atos éticos de uma vida”, finaliza. ∆

Coaching ajuda no desenvolvimento profissional Coaching, que significa treinamento, é uma ferramenta muito utilizada por empresas do Brasil e do mundo. O objetivo é auxiliar pessoas na carreira profissional. A tendência que mais está em alta é o coaching de carreira, na qual especialistas orientam e fazem a gestão de jovens que estão ingressando no mercado. O profissional que aplica o coaching é chamado de coacher, e seu cliente, coachee. “O coaching ajuda a entender o processo interno de necessidades do coachee. No decorrer das sessões, o cliente aprende a organizar e utilizar suas competências, e assim, alcança seus objetivos”, explica Melissa Oliver, que trabalha com Coach de Carreira há 11 anos. De acordo com ela, qualquer pessoa pode fazer sessões de coaching. “No caso de jovens que estão iniciando a carreira profissional, esta ferramenta auxilia nas escolhas de empresas para trabalhar, na postura e nas relações de trabalho”, explica.

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atletas

Foto: Clรกudio Coradini

Piracicabano, Bruno Bulldoguinho integra uma das principais equipes de MMA no Brasil


Apoiados no

TALENTO EVANDRO PELLIGRINOTTI evandrop.jornal@gmail.com

FABIO PESARESI fabiopesaresi@hotmail.com

LEONARDO ALVES

Foto: Leonardo Alves

Atletas do interior têm o desafio de se manter em alto rendimento mesmo com poucos recursos

alvesfleonardo@gmail.com

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o Brasil, quando o objetivo é ter o esporte como profissão, a situação é delicada. Seguir esse caminho fica praticamente inviável com as oportunidades cada vez mais escassas e o baixo investimento. Como cantou Samuel Rosa, da banda Skank, quem não sonhou em ser um jogador de futebol? O problema é que, na verdade, sobram barreiras que dificultam que o atleta sobreviva somente do esporte e alcance as suas metas na respectiva modalidade, ainda mais quando se mora no interior de São Paulo. O professor de judô e ex-lutador Jayme Polido, 83, começou a trabalhar cedo, mas como eletricista. Morador de Rio Claro, ele teve que esperar pela estabilidade financeira para trilhar seu verdadeiro amor, que não se escondia em fios de cobre, mas sim dentro de um tatame. Aos 48 anos, começou a treinar e segue firme até hoje, 35 anos

depois, sendo um dos únicos brasileiros graduados como faixa preta de sexto nível e que continuam exercendo a profissão.

Aulas têm valor simbólico e sensei afirma que, se cobrasse mais caro, não teria alunos

“Não é fácil viver de esporte, ainda mais no interior. Aqui, não tem investimento para que a gente consiga levar esses planos adiante”, desabafa.

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Antigamente, as aulas ministradas no mesmo tatame, um dos poucos exemplares no mundo de origem oriental, eram realizadas para mais de 130 atletas. Hoje, o mestre se empenha no trabalho infantil e quer continuar dessa maneira até que não tenha qualquer condição física de treinar os alunos. “Cobro R$ 10 de cada aluno e tenho 25. Se eu cobrasse R$ 50, não sei nem se teria aluno. Como sobreviver com isso?”, lamenta. Mas, mesmo com pouco apoio, existem esportistas que conseguem se destacar trabalhando com o que mais gostam. Esse é o caso do lutador de taekwondo Guilherme Cezario Félix. Nascido em Vila Velha, no Espírito Santo, o atleta se mudou para Piracicaba, município reconhecido nacionalmente como um dos polos da modalidade. Atualmente, o capixaba é um dos fortes candidatos a disputar os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.

Mesmo após o lutador conseguir maior destaque e participar de grandes competições internacionais, a falta de recursos continuou presente na vida do atleta. Félix demorou seis anos como profissional para ter condições de alugar um apartamento e conquistar pequenos bens em sua vida. “Recebo três bolsas: do Governo do Estado, do Governo Federal e da Marinha. Só consegui esse avanço por causa do planejamento para as Olimpíadas. Depois, não sei se esse dinheiro que está entrando para apoiar o esporte irá continuar”, relata o lutador, que tem uma renda de oito a dez salários mínimos. Hoje, o que mais preocupa Félix é a “vida curta” de atleta. Então, ele procura guardar dinheiro para depois que se aposentar como lutador, mas as despesas da modalidade dificultam essa economia. “Pago viagens com esse valor que recebo. Só neste ano gastei o equivalente a um carro zero

Foto: Cinara Picollo/CBHb

Mariana Costa foi campeã mundial de handebol com a seleção brasileira em 2013, na Sérvia


Foto: Fabio Pesaresi

Com ousadia e determinação, Bulldoguinho entrou na Team Nogueira, dos irmãos Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro

só com despesas. Desse dinheiro que entra, não fico com o total, gasto muito. No ano passado tive que pedir emprestado para amigos e familiares para competir. Preciso administrar muito bem para conseguir ter um pé de meia quando me aposentar”, afirma o atual campeão pan-americano. Com as dificuldades encontradas no interior de São Paulo, alguns atletas se mudam para as capitais. Esse é o caso do piracicabano Bruno Gustavo Aparecido da Silva, 24, conhecido como Bruno Bulldoguinho. Lutador de MMA (sigla em inglês para artes marciais mistas), ele foi ao Rio de Janeiro e começou a fazer parte da Team Nogueira, dos irmãos Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro e reconhecida mundialmente no meio das artes marciais. O atleta viu a chance de integrar a equipe quando ganhou uma promoção de suplementos nutricionais e recebeu a oportunidade de visitar a academia do grupo. “Decidi ser ousado. Tirei a camisa no meio da academia e dei dois mortais. Foi assim que consegui a atenção dele (do Minotauro) e pude contar a minha história. Em seguida, ele ligou para o pessoal da promoção e comunicou que eu iria ficar lá durante uma semana para fazer um teste”, lembra. Porém, Bulldoguinho encontrou outro desafio: encontrar um local barato para passar a primeira noite na cidade. “Perguntei para um motoboy se ele poderia me levar até o hotel onde estavam os outros vencedores da

promoção. No caminho, fui contando a minha história e pedi para ficar na casa dele diante de uma ajuda financeira. Ambos estavam desconfiados um do outro porque não nos conhecíamos. Mesmo assim, ele aceitou”, conta. Mariana Costa, 22, foi mais longe, literalmente. Formada no Projeto Desporto de Base (PDB) da Prefeitura de Piracicaba, ela foi campeã mundial de handebol com a seleção brasileira em 2013, na Sérvia. Filha de professores de educação física e desde sempre incentivada à pratica esportiva, a piracicabana conseguiu o apoio que necessitava dentro do PDB. “Esse projeto foi uma das portas mais importantes para o meu crescimento no esporte e como pessoa”, diz. Outro fator importante para o desenvolvimento de carreira de Mariana foi ter se tornado profissional muito jovem. “Eu me profissionalizei muito cedo. No começo da minha carreira, eu recebia uma ajuda de custo, não era muito, mas ajudava bastante a aliviar as contas e a comprar algumas coisas para mim. Quando fui convocada pela primeira vez para as categorias de base da seleção brasileira comecei a receber uma ajuda do clube em que atuava (ainda em Piracicaba) e do governo (Bolsa-Atleta). A partir daí, passei a viver só do esporte”.

A parte ruim, segundo Mariana, foi conciliar o esporte com os estudos no início da carreira. “Fica aquela dúvida: ‘Será que é isso mesmo o que vou querer para o resto da vida?’. Mas sempre tive isso muito claro na minha cabeça. Sempre desejei seguir no esporte”, declara. Depois de atuar pelo extinto Clube Piracicabano de Handebol, a atleta jogou pelo VendsysselHandbold, da Dinamarca, e atualmente defende o Hypo, da Áustria. “Hoje, jogando fora do Brasil, a situação está melhor. Na Europa, os atletas vivem realmente somente do esporte que praticam”, relata. Segundo Diego Spigolon, técnico da seleção brasileira de karatê, a chegada do programa Bolsa-Atleta é eficaz na ajuda aos atletas de alto rendimento, mas a pessoa que quer seguir como profissional depende também de auxílio privado. “O cenário do esporte no interior está muito melhor, mas ainda é muito difícil alguém conseguir ajuda de uma empresa privada em forma de patrocínio, ainda mais quando a modalidade não tem muito destaque na mídia. Mas, para melhorar esse quadro, a ajuda de empresas privadas é muito importante”, comenta Spigolon. ∆ nov. 2014 | edição 80

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música Kauê Fernandes faz várias apresentações e pretende investir na carreira de DJ

CAROLINA FIGUEIRA caarolfigueira@hotmail.com

MARCELA GALLO magallo94@gmail.com

Foto: Bruna Moreira

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Jovens adotam música como profissão e afirmam que trabalhar com o que amam compensa qualquer salário

úsica faz parte do cotidiano de muitas pessoas, mas para alguns, a paixão pelos ritmos ganha outra importância, vira profissão. Jovens adotam uma rotina de gente grande e dividem o tempo entre ensaios, gravações e shows. Por apresentação, alguns chegam a ganhar até R$ 3 mil, mas o dinheiro não é o mais importante, já que os músicos são unânimes em dizer que construir carreira com o que amam supera qualquer valor financeiro. E eles também garantem: a profissão exige estudo, conhecimento, investimento e profissionalismo. Ramon Ruiz Rainha, 25, é DJ e fez faculdade de música em São Paulo. Ele atua na área há 11 anos e garante que esse é um trabalho que exige foco, empenho e dedicação. “Sem dúvidas tem que ter dom, talento e habilidades para desempenhar essa profissão”, diz Rainha. Além da carreira de DJ, Rainha investe em empreendimentos na área. “Tenho agência de DJs, gravadora de música eletrônica, sou engenheiro de áudio e faço muitas outras coisas envolvendo música”, completa. Em todas as apresentações, DJ exige um contrato que garante o que a casa do evento fornecerá os equipamentos de áudio, e isso permite que ele não tenha gastos.


Davi Selingardi é outro exemplo de jovem que se sustenta através da música. Após uma apresentação musical no ensino médio, ele recebeu um convite para cantar profissionalmente em uma casa noturna e desde então não parou. “Há seis anos comecei um projeto musical, uma banda que se chama ‘Voltare’, onde atuo como vocalista, programador e compositor. Tenho o prazer de trabalhar e viver meu sonho com meus amigos”, conta Selingardi, que chega a passar quase 12 horas por dia dentro do estúdio para produzir suas músicas. Apesar de terem estilos musicais diferentes, tanto Rainha quanto Selingardi apontam dificuldades similares que encontraram durante anos nesse ramo profissional. “Faltam oportunidades de poder mostrar seu trabalho em eventos grandes, abrindo portas para o reconhecimento”, explica o DJ. “A cena musical independente está complicada, as portas parecem estar fechadas para novos artistas” aponta Selingardi. Ele ainda destaca o modo como alguns músicos encaram a realidade. “Se a pessoa estiver disposta a pegar um violão e cantar Djavan num barzinho ou restaurante, ótimo, mas consolidar uma carreira com músicas próprias não é tarefa para quem desiste na primeira dificuldade”, completa.

Um fator considerado pelos músicos como auxiliador na hora de impulsionar a carreira é a internet. De acordo com Selingardi, ela proporciona uma expansão nunca vista antes, com todas as dificuldades que são encontradas pelo caminho. Ele conta que já colhe bons frutos de seu esforço na profissão. “Você grava uma música na sua sala, no outro dia tem um cara na Holanda curtindo seu som”, relata animado. Selingardi completa nove anos de carreira musical em 2014 e sua formação, de acordo com ele, é o palco. O músico conta que já sentiu diversas sensações com o trabalho, mas se diz satisfeito com o que faz. “As sensações e sentimentos passaram por mutações, já senti prazer, medo, ansiedade, mas hoje a descrição é realização, cada vez que uma porta é aberta pra que eu possa mostrar meu trabalho fico grato, porque além de tudo esse é meu sonho”, explica.

O cantor não soube dizer quanto dinheiro investiu na carreira desde o começo, mas nomeou algumas coisas que ajudaram para o progresso de seu trabalho. “O investimento na música foi gradativo, um bom violão, um microfone. Depois a coisa vai ficando séria, um computador adequado, interfaces de áudio, é um mundo que não tem fim”, explica.

[ ] “Já senti prazer, medo, ansiedade... mas hoje sou realizado”

Assim como Selingardi e Rainha, Kauê Fernandes pretende seguir carreira artística. Ele tem apenas 16 anos e atualmente enxerga a atividade como prazer, mas sua intenção é se tornar profissional. “Hoje eu faço por hobby, o dinheiro que eu recebo, gasto comigo, mas é uma coisa que eu gosto e pretendo seguir”. Aos 14, ele começou curso de DJ, e hoje faz várias apresentações na região de Piracicaba, além de já ter sido convidado para tocar em shows de artistas conhecidos, como Projota e Mc Gui. Fernandes conta que escolheu a profissão por ser uma área independente. “Você pode criar suas músicas e pode fazer do jeito que você quiser, não depende de banda nem nada”, conta ele. Selingardi, Rainha e Fernandes são provas de que é possível seguir essa profissão no interior. Geralmente fazem suas apresentações em bares, restaurantes, casas noturnas e eventos fechados. Além disso, Rainha é exemplo de que se pode alçar voos mais altos, já que se apresentou diversas vezes no exterior, como em cinco eventos em Barcelona e em Ibiza. ∆

Foto:Carolina Figueira

Músicas gravadas em casa por Davi Selingardi foram ouvidas na Europa

Em média, Rainha trabalha de três a seis horas por show, e o valor recebido é correspondente à quantidade de horas. “Hoje em dia, não só na música como em outras áreas, há uma valorização maior. A música não é mais vista somente como diversão e hobby, mas como um investimento também”, explica Rainha.

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prostituição

Opelo CORPO glamour Passeios de helicópteros, iates e viagens ao exterior, fazem parte da rotina das acompanhantes de luxo

KAREN COSTA karencosta4@gmail.com

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ão 11 horas e Mariana* acaba de acordar. Ao começar a preparar o café da manhã/almoço, o celular toca. É Ricardo*, um empresário milionário. Assim que desliga, deixa os preparativos de lado e corre para o closet à procura de uma roupa que combine com a ocasião: um almoço no hotel Fasano, um dos melhores e mais caros de São Paulo. “Nesses casos não abuso tanto da maquiagem e monto um ‘look’ mais casual. Quanto menos chamar a atenção, melhor. Apesar de ser meio difícil quando se está ao lado de um homem de 62 anos e que não pesa menos de 100 quilos”, conta ela com bom humor. Ela faz parte das milhares de garotas de programa que vivem em São Paulo, e engana-se quem acha que elas são apenas jovens com um corpo definido e uma conta bancária de dar inveja a qualquer trabalhador brasileiro. Essas

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painel

garotas são também estudantes universitárias, donas de casa, esposas, mães, e passam por momentos complicados. Mariana*, 25, por exemplo, mudou-se para São Paulo há três anos para estudar direito, mas com o passar dos meses percebeu que estar longe da família e estudar em uma das universidades mais caras do país estava além de seu alcance: R$ 8.500 por mês. “No início minha mãe tentava bancar algumas despesas, mas não queria mais precisar do dinheiro dela. Precisava encontrar uma maneira de me sustentar e de manter os luxos que sempre tive e gostei”, conta. A amiga dela, Andréia*, é mãe de um garoto de 6 anos e conheceu Mariana* numa festa na famosa casa noturna “The Week”, também na capital paulista. Elas foram apresentadas por


Foto: Lucas Gian

A tecnologia facilita a marcação de encontros entre as prostitutas de luxo e seus clientes

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amigos em comum e em menos de dois meses já estavam morando juntas. Em pouco tempo de convivência, conheceram lugares como Ibiza, Veneza, Roma e Londres, tudo graças à profissão.

[ ] “Há finais de semana que chego a ganhar R$ 15 mil”

Passar uma hora com elas não custa menos que R$ 1 mil, também por isso, a clientela é formada principalmente por empresários. “Há finais de semana que chego a ganhar R$ 15 mil, e quando surgem as viagens para o exterior é a glória. Ganhamos presentes, nos divertimos, conhecemos pessoas”, conta Mariana*, mostrando as fotos cheias de curtidas em sua conta no Instagram.

Perigo camuflado

Mas nem só o glamour é apresentado às prostitutas de luxo. Para enfrentar a dificuldade de estar longe do filho, numa cidade praticamente desconhecida e ter que sair com homens pelos quais não sentia nenhuma atração, Andreia* começou a usar drogas pesadas. “No começo eu bebia uma dose de uísque ou vodca, mas como fui perdendo o controle da quantidade que bebia, parei e procurei outra coisa que me desse prazer durante os programas”, revela. Foi quando ela se envolveu com a cocaína e, em dois anos que morou em São Paulo, foi do auge da profissão ao “fundo do poço”.

*

Nomes originais omitidos a pedido dos entrevistados.

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painel

“Meus pais descobriram como eu ganhava tanto dinheiro. Chegaram numa tarde no meu apartamento com o meu filho e me viram ‘no lixo’. Já tinha vendido meu carro, não conseguia mais dar conta dos clientes e acabei perdendo praticamente tudo que havia

conquistado. Uma coisa eu aprendi: tudo que vem fácil, também vai embora fácil”, conta Andréia relembrando o momento mais difícil de sua vida.

Clientes

As acompanhantes de luxo são iguais às mulheres que se encontram em festas, a diferença é que com as garotas de programa não há risco de se envolver e com as outras, sim. “Além dessas mulheres serem maravilhosas, elas te tratam bem, fazem elogios, te escutam, aumentam sua autoestima. Por mais que o casamento esteja maravilhoso, às vezes não há tempo de ter esses momentos. Com essas garotas é só o lado bom do relacionamento”, explica o empresário Paulo*, 55, casado, pai de três filhos e cliente de Mariana.

Motivos

A ambição e a ganância são pontos fundamentais na escolha de muitas garotas que entram nessa vida. Mas como tudo tem dois lados, a vida de uma acompanhante não é um mar de rosas. É preciso estar sempre bem arrumada, de unhas feitas, cabelos escovados, e o mais importante: “não se importar”. “Nós não podemos ter ciúmes, nos envolver, muito menos sermos orgulhosas, e o mais difícil: temos que ter estômago para encarar tudo isso”, afirma Laura*, que foi para São Paulo aos 19 anos para trabalhar como modelo de passarela, mas descobriu que na verdade o serviço era outro: sexo por dinheiro. No início, resistiu, mas os altos cachês a fizeram aceitar. Com um brinco de R$ 800 da Tiffany’s, Laura conta que o máximo que já ganhou em um programa foi R$ 12 mil e que seus trabalhos favoritos são aqueles em que não têm que fazer praticamente nada. “Muitos clientes pedem uma horinha apenas para conversar, descontrair, tem uns que são tão velhos que nem conseguem usufruir o que pagaram para ter”, conta ela com bom humor. ∆


Prostituição era profissão respeitada e até incentivada na Grécia antiga

Foto: Reprodução/Lawrence Alma-Tadema

LUCAS GIAN lucasguizo_19@hotmail.com

LAIANE GASTALDELLO

Profissão antiga

laianemg@gmail.com

A

prostituição era um trabalho requisitado já nas civilizações da antiguidade, como na Grécia, em 1.600 a.C, onde as prostitutas de classe alta, chamadas de “hetairas”, eram livres, cultas e famosas e recebiam em suas casas homens importantes da sociedade grega. Naquele tempo, a prostituição era um meio de trabalho como qualquer outro. Além de ser uma prática controlada pelo Estado, as prostitutas legalizadas pagavam altos impostos e se vestiam de forma que pudessem ser identificadas como tal. Somente elas tinham acesso a conhecimento e a profissão era, inclusive, incentivada nas famílias. De acordo com o psicanalista Paulo Roberto Ceccarelli, a posição delas

na sociedade era diferente. “Elas não tinham a mesma conotação que têm hoje. Eram sacerdotisas, tinham conhecimento”, explica. No entanto, as mulheres consideradas prostitutas vulgares eram escravas, viviam em prostíbulos e tinham a conduta fiscalizada pelo Estado. No caso das prostitutas de luxo, a beleza é fundamental, e mais do que apenas um corpo bem cuidado, as garotas precisam ter objetos de valor, influência social e discrição. Um estudo da fundação francesa Scelles, que combate a exploração sexual, revelou que em 24 países do mundo, o número de pessoas que se prostituem pode chegar aos 45 milhões. As prostituas podem ser modelos, atrizes e até estudantes universitárias.

São conhecidas como acompanhantes de luxo por terem condições de ir com clientes a eventos e mascarar sua real função nessas ocasiões. “Em uma reunião de negócios, elas sabem falar duas ou três línguas, vão conversar com todo mundo”, comenta Ceccarelli. As garotas são encontradas por clientes por meio da publicidade. Muitas possuem sites próprios e até anunciam o trabalho em classificados de jornais de grande circulação. O requinte da profissão esconde o real perigo de se estar neste ramo. Prova disso é que, entre 2005 e 2011, a Polícia Federal abriu 157 inquéritos por tráfico internacional de pessoas e a maior incidência é para fins de exploração sexual. Das 475 vítimas identificadas pelo Ministério das Relações Exteriores, 337 sofreram exploração sexual. ∆

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legislação

DIREITO consolidado e polêmico Como pensam representantes da classe trabalhadora, do patronato, os sindicalistas e o Poder Judiciário sobre a Consolidação das Leis Trabalhistas

BIANCA AZZALI bibidalpozzo@hotmail.com

HOMERO DE CARVALHO homerodecarvalho@adv.oabsp.org.br

RENAN BOSQUILIA renan.bosquilia@gmail.com

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ivemos tempos de grandes desafios. As tecnologias da informação fizeram diminuir a mão de obra em todo o mundo. O aumento da população nas últimas décadas acirrou a competição no mercado de trabalho que, por sua vez, exige profissionais cada vez mais capacitados e dispostos a trabalhar mais tempo. Diante desse panorama, como fica amparado, por lei, o trabalhador brasileiro? E o empregador, como encara o tema? A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) rege o trabalho no Brasil e, apesar de reunir leis já existentes, passou a dar uniformidade ao mercado de trabalho a partir de seu decreto, em 1943. Ela tem o objetivo de regulamentar as relações

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Foto: Cláudio Coradini

individuais e coletivas do trabalho e assegurar os direitos trabalhistas. Em 71 anos de existência, a CLT sofreu cerca de 500 alterações, como a instituição do 13º salário, direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), direito a férias remuneradas de 30 dias e proibição do trabalho antes dos 14 anos. O mais recente avanço foi a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos trabalhadores domésticos. Boa parte das conquistas ocorreu após a Constituição de 1988. “As modificações mais importantes da CLT vieram com a Constituição Federal de 1988 e dizem respeito, por

exemplo, ao fim da redução de salários por meio de negociação ou acordo coletivo”, afirma a juíza federal da 15ª Região do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), Adriene Sidnei de Moura David Diamantino.

José Osmir Bertazzoni acredita na busca pela igualdade entre as partes

O advogado e sindicalista José Osmir Bertazzoni, de 56 anos, tem experiência em direito coletivo do trabalho e aponta que a CLT, mesmo sendo uma lei antiga, não é ultrapassada, como alguns empresários defendem. “É uma legislação que se perpetuou ao longo de muitos anos, resolvendo conflitos entre empregadores e funcionários. O que poderia haver é uma modernização em alguns artigos da CLT, para que seja mais bem interpretada e possa nov. 2014 | edição 80

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Foto: Homero de Carvalho

A juíza do trabalho Adriene Diamantino defende a CLT nas relações entre patrão e empregado

realmente dar o amparo necessário ao trabalhador”, avalia. A juíza Adriene concorda. “Apesar das relações serem mais complexas atualmente, os princípios da CLT ainda são cabíveis e ajudam a defender o trabalhador”, garante.

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“O banco de horas tem que ser extinto”

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O dinamismo das relações de trabalho nos últimos anos fez crescer a demanda por negociações informais entre patrões e empregados. Para o empresário do ramo aeronáutico Mauro Matta, 55, acordos entre empregador e funcionário podem ser benéficos. “Às vezes, a CLT é muito rígida e, com negociações informais, fica mais fácil para os dois lados”, admite. Já o diretor de uma empresa do ramo alcooleiro,

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Eduardo Koroiva, 30, discorda: “negociações devem ser sempre regidas conforme a CLT ou convenção coletiva. Qualquer outro tipo de acordo causa prejuízo para os dois lados”, considera. Adriene Diamantino explica que as negociações informais não podem prejudicar o trabalhador: “ao contrariarem normas trabalhistas, as negociações são nulas. Os direitos do trabalhador não podem ser alterados, ser prejudiciais a ele. Por exemplo, as alterações de contrato que dizem respeito à redução do intervalo, à venda de períodos de férias, à inexistência de descanso semanal, ao pagamento de valores inferiores ao salário mínimo ou ao piso da categoria”, explica. A saúde e o bem-estar do trabalhador são outros assuntos em destaque quando o assunto é relações de trabalho. Uma funcionária de 24 anos de uma empresa da região de


Piracicaba, que pediu para ter a sua identidade preservada, afirma que tem sido prejudicada e, por medo de ser dispensada, prefere o silêncio. “Me sinto constrangida todos os dias quando estou no trabalho”, conta. Segundo a jovem, o motivo é o abuso do banco de horas a que todos da empresa são submetidos ou se submetem. “Diariamente, preciso avisar quando vou sair no meu horário normal do fim de expediente. Se precisarem do meu serviço, me sinto obrigada a ficar no trabalho sem ter a previsão de hora para ir embora, como se eu estivesse errada em poder ter vida social”, desabafa a jovem, mesmo sabendo que, por lei, só poderia trabalhar até dez horas diárias. Ainda de acordo com ela, esse limite é facilmente ultrapassado na empresa. Esse relato traz à tona uma das muitas questões que permeiam as relações do trabalho. Para Bertazzoni, o uso do banco de horas afeta diretamente o empregado, passando a ser benéfico somente ao empregador: “não só coage, como na verdade é um abuso do capitalismo”, diz. O sindicalista é enfático: “o banco de horas tem que ser extinto, pois é absolutamente prejudicial à saúde do trabalhador”, completa. Com o “estica-e-puxa” dessa relação patrão-empregado, o que é realmente importante para garantir o equilíbrio quando há interesses, muitas vezes, contrários? A resposta pode estar no que Bertazzoni afirma: “no código penal temos de buscar a paridade de armas, ou seja, a igualdade. Sem isso, jamais haverá um bom relacionamento entre patrão e empregado”, defende. Ao olhar para o futuro das relações de trabalho, a juíza Adriene Diamantino é otimista. “É preciso ter esperança de ver um dia a diminuição dos conflitos trabalhistas e observar que a negação dos direitos básicos dos trabalhadores e as condições degradantes do trabalho infantil tornaram-se coisa do passado”, finaliza. ∆

CAMINHO até aqui

F

oram mais de 500 modificações e adequações até a CLT chegar ao que é hoje, com 71 anos de existência. Inicialmente, ela tinha alcance limitado, pois ficaram de fora os trabalhadores domésticos, funcionários públicos, rurais e de autarquias paraestatais (termo que era utilizado para toda a administração pública indireta). Contendo 922 artigos, a CLT surgiu após 13 anos de elaboração por renomados juristas (1930-1943). Destacam-se como importantes avanços regulatórios na história da CLT a instituição do 13º salário, em 1963, chamado de “gratificação natalina”, que só foi conquistada após greve geral organizada pela primeira central sindical; o direito a férias remuneradas de 30 dias e a venda de dez desses dias; possibilidade de acordo entre trabalhadores e patrões com regras mais flexíveis, como o contrato temporário de trabalho, em 1996 e assinatura das convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que proíbem o trabalho antes dos 14 anos, em 2000. Outras conquistas dos trabalhadores foram ainda a jornada de 44 horas semanais, adicional de 50% na hora extra, adicional de 1/3 sobre o salário nas férias, licença de 120 dias para gestantes e de cinco dias para os pais, jornada ininterrupta de no máximo seis horas, segurodesemprego e autonomia para criação e funcionamento de sindicatos. ∆

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capa

Olaria explora

TRABALHO INFANTIL em Piracicaba Reportagem da Painel flagra três menores em trabalho braçal pesado; mercado ainda se beneficia de mão de obra irregular

LUCAS JACINTO lucas.j.jornal@gmail.com

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istórias de crianças e adolescentes atuando irregularmente em diversos setores do mercado e falta de fiscalização nos postos de trabalho são situações comuns no Brasil. Em Piracicaba, o cenário não é diferente. Resultado desse descaso, no último dia 17 de outubro, após uma denúncia do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Piracicaba, a procuradoria do Ministério Público do Trabalho (MPT) visitou, na companhia do órgão municipal, uma olaria no bairro Campestre, em Piracicaba, e flagrou exploração de trabalho infantil e condições precárias de trabalho. A reportagem da Painel acompanhou a ação. Na abordagem, três adolescentes, com idade entre 15 e 16 anos, faziam trabalho braçal pesado com jornada

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de nove horas por dia na área interna do barracão, abafado, manuseando máquinas e baldeando tijolos. Além dos menores, a abordagem encontrou na empresa máquinas que não possuíam grades, tampouco guarda-corpos adequados, o único equipamento de segurança que os funcionários usavam eram botas e calça. Osvaldo Airton Schiavolin, proprietário da olaria inspecionada, e presidente da Associação de Empresas e Empresários de Olarias e Cerâmicas Vermelhas de Piracicaba e Região (Asocerv), afirma que os meninos trabalhavam com consentimento da família. “Os pais me procuram para dar emprego a eles. Não fosse isso, eles estariam nas ruas”, comenta. Entretanto, a gravidade do problema é notável por conta do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que proíbe o trabalho de


Foto: Lucas Jacinto

TrĂŞs garotos, com idade entre 15 e 16, foram flagrados trabalhando em uma olaria em Piracicaba


Foto: Lucas Jacinto

Piracicaba, a falta de infraestrutura nos órgãos fiscalizadores é a deixa para que problemas como esses sejam cotidianos. “Temos poucos funcionários operando no MTE. São cinco servidores públicos para atender 15 cidades”, aponta Fontanelli.

Menores são proibidos de trabalhar na produção das olarias, devido à exposição ao calor e à baixa umidade

menores de 18 anos em olarias, na área de fornos, ou com exposição à umidade excessiva. Sobre a falta de segurança das máquinas, o empresário se defende dizendo que para quem vê de fora é mais fácil indicar o que é ou não perigoso. “Nós que estamos acostumados com o trabalho não visualizamos o perigo”, conclui. Os três adolescentes foram acolhidos pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semdes) e pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), e serão encaminhados para projetos de acompanhamento para que não mais trabalhem de forma irregular. “Fazemos intervenções repentinas para acompanhar o que tem sido feito nas olarias. É um setor muito importante para a economia da cidade, porém, devemos sempre orientálos e fiscalizá-los para que não haja mais esse tipo de problema”, explica Marcos Hister, técnico de segurança do trabalho do Cerest. Segundo Everson Rossi, procurador do MPT, um relatório que inclui todas as irregularidades da olaria, tanto das

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máquinas quanto dos menores, foi elaborado. “A partir desse documento, será aberto um procedimento para acompanhar se a empresa vai realmente se regularizar, caso isso não aconteça, podemos tomar outras medidas, como multa e até lacração”, explica o procurador. A olaria não foi autuada, pois o proprietário colaborou com a fiscalização e se comprometeu a dar atenção ao caso.

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“Os pais me procuram para dar emprego a eles”

Semanas antes, no dia 2 de outubro, a reportagem da Painel também flagrou um funcionário calçando chinelos enquanto trabalhava no forno de tijolos, além de máquinas sem proteções, em uma olaria que fica na região do Pau Queimado, também em Piracicaba.

Fiscalização Evidentemente, como confirma Heloisa Marques Miotto Fontanelli, chefe de fiscalizações do MTE de

A encarregada explica que a dificuldade em identificar e relacionar dados correspondentes aos índices de trabalho infantil no município existe por conta dos baixos números de infrações que envolvem este problema. “Recebemos muitas denúncias, mas nem todas são verdadeiras. Além disso, em muitos dos casos, são crianças trabalhando para familiares ou sem vínculo empregatício, o que dificulta nosso rastreamento”. Ainda segundo Fontanelli, proporcionalmente, Piracicaba não está entre as cidades com grande número de ocorrências de exploração de trabalho infantil. “Existem cidades menores com um número muito maior de crianças trabalhando de forma irregular”, explica. Provavelmente, por esta maneira de tratar o assunto – trabalho infantil – e por poucos investimentos em quadro de servidores para fiscalizações, foi registrado em 2012, que o Brasil empregava 900 mil crianças de 5 a 14 anos, segundo dados do IBGE apresentados pela Rádio Câmara. A nota aponta ainda que, adolescentes de 15 a 17 anos somavam mais de 2,5 milhões, mas nem um em cada quatro estava com a carteira assinada, como estabelece a lei.

Multa Em São Paulo, a multa para a exploração do trabalho infantil vai de R$ 810 a R$ 4 mil, atingindo R$ 8,1 mil apenas em casos de reincidência com


mais de cinco crianças ou adolescentes vitimados. Em âmbito nacional, a multa varia de R$ 724 a R$ 3.620, atingindo R$ 7.240 apenas no caso de reincidência com mais de cinco crianças ou adolescentes vitimados. Consideradas insuficientes para a erradicação do trabalho infantil, as multas administrativas para estes casos poderão aumentar, de acordo com projeto de lei que esta para ser votado desde janeiro de 2014 na Assembleia Legislativa de São Paulo, que prevê o pagamento de multas entre R$ 10 mil e R$ 40 mil por menor empregado irregularmente.

condição análoga à de escravidão. “Por ser analfabeta e não ter nenhum parente, essa mulher trabalhou por anos em troca de teto e comida. Doente, tinha medo de não conseguir nem mesmo se alimentar caso não pudesse mais trabalhar”, explica o técnico. De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida são características de uma situação análoga à de escravidão. O artigo diz ainda que os elementos podem vir juntos ou isoladamente. Para entender melhor o caso, fiscais do órgão municipal foram até a olaria onde trabalhava a mulher e, segundo

Flagrante na estrada velha do Pau Queimado revela homem abastecendo o forno de tijolos sem sapato de segurança

Foto: Lucas Jacinto

O começo de tudo Os flagrantes chamam a atenção porque apresentam um contraste ao projeto do poder público realizado há oito anos para evitar irregularidades como essas. Exclusivamente no caso das olarias em Piracicaba, o fato de

ainda haver exploração de trabalho infantil no setor é marcante. Isso porque, contrariando o que aponta Heloisa Marques Miotto Fontanelli, chefe de fiscalizações do MTE de Piracicaba, após a implantação de políticas públicas e acompanhamento contínuo de órgãos como o Cerest e o próprio MTE, o setor já deveria ter se adequado ao mercado e às leis trabalhistas. Em 2006, a queixa de uma funcionária de olaria chegou ao Cerest de Piracicaba. Na ocasião, a mulher estava com grave doença muscular e mesmo assim não havia conseguido afastamento do trabalho. “Ela havia recebido alta do médico do Sistema Único de Saúde (SUS) e se queixava por realmente não conseguir trabalhar”, diz Marcos Hister. Mas o chamariz da história era o fato dela trabalhar em

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Hister, se depararam com uma situação extrema. “A situação era de calamidade. Crianças trabalhando, esgoto a céu aberto. Os funcionários não usavam equipamentos de segurança e tampouco a própria instalação da olaria era segura”, relata. Naquele momento, Hister notava um desafio. “Já cheguei a autuar e interditar até oito empreendimentos em um único dia. Mas esse caso era diferente. Alguma coisa tinha que ser feita visando resultados a longo prazo”, conta. Segundo o fiscal, o local não tinha exploração, e sim desinformação. “Os oleiros não tinham conhecimento nenhum de administração, legislação trabalhista, segurança do trabalho e muito menos sobre o mercado da construção civil. A sensação era de que havíamos descoberto um ponto por onde a globalização e o capitalismo se esqueceram de passar”, desabafa.

O tamanho do problema A partir da primeira visita, Marcos Hister acionou o Sinticomp (Sindicato Fiscal do Cerest, Marcos Hister cobra melhorias do setor desde 2006

dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Piracicaba) e o MTE. “Mapeamos as olarias da região, visitando uma a uma”. Segundo Hister, existiam na época 41 olarias na região de Piracicaba, sendo 31 no município. Ainda de acordo com o técnico, todas as olarias de Piracicaba estavam na mesma situaçãoirregulares, sem segurança e com crianças trabalhando. Outro problema identificado era relacionado à legalidade da extração de argila para fabricar tijolos. “Tudo que está no solo é do proprietário do terreno demarcado. O que está no subsolo, é da União”, afirma Milton Costa, presidente do Sinticomp. Segundo os órgãos envolvidos, apenas uma minoria dos empresários estava em dia com o governo federal.

Buscando solução Por meio de um acordo entre Cerest, MTE e Sinticomp, foi elaborado um projeto de futuro para o setor. “Passamos a realizar fóruns com estes empresários para informá-los sobre o mercado, segurança do trabalho e construção civil”, explica Antenor de Jesus Varola, gerente do MTE em Piracicaba. Segundo o gerente, o setor precisava de conhecimento, incentivo e investimento para depois buscar linhas de crédito para financiamento de máquinas e infraestrutura.

Foto: Lucas Jacinto

Decorrente desta ação conjunta foi fundada a Asocerv, em 2011. Alcides Benedito Canalle, um dos fundadores e atual vice-presidente da associação, lembra que os oleiros foram lesados por muitos anos por conta de orientações equivocadas.

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painel

Canalle, que teve parte de sua produção automatizada graças aos incentivos dos órgãos municipais, se diz grato pelo trabalho realizado. “A olaria está em minha família há 26 anos e se não fosse essa abordagem educativa, não sei o que seria de mim”, ressalta.


Em contrapartida, Costa revela que o problema em relação a documentações e infraestrutura não está solucionado, e que irregularidades são frequentes no setor. “Até hoje os empresários sofrem os reflexos das más gestões realizadas no passado. Documentos perdidos, irregulares, estão atrapalhando o desenvolvimento econômico das olarias”, enfatiza. De acordo com Costa, houve também vitórias dos trabalhadores nesse tempo. “Hoje, o piso do profissional da área é de R$ 1.476 e o salário pode chegar a R$ 5.912. Os trabalhadores têm direito a cesta básica e participação no rendimento anual da empresa. Além das horas extras, que rendem 60% em dias de semana, e 100% aos sábados e domingos”, conclui.

Resultado Insatisfatório Conforme os relatos, entre mudanças positivas e negativas no setor de olarias, por enquanto o saldo positivo esta voltado apenas à produção e lucro. “Hoje eles estão automatizados, possuem conhecimento para administrar suas produções. Conseguem financiamentos”, enfatiza Marcos Hister. Para o técnico, existe um fator negativo neste contexto. “Capitalizados, agora eles buscam por mais lucro, o que está levando os funcionários à exaustão”, afirma Hister. O técnico revela ainda que a forma como são pagos é também um grande problema. “A maioria deles recebe por produção e não mais por carga horária, isso é um atentado contra a saúde de qualquer trabalhador”, comenta. Contradizendo o flagrante realizado pela equipe da revista Painel, Milton Costa discorda. “Não há mais trabalho infantil, trabalho em condição análoga à de escravidão e houve implantação de equipamentos de segurança. A situação das olarias está regularizada”, afirma o sindicalista. ∆

Realidade do

TRABALHO INFANTIL no Brasil

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egundo o Censo, 3,4 milhões de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos trabalhavam em 2010. Desde 2000, a redução foi de 13,4% mas a frequência aumentou 1,5% entre 10 a 13 anos. O estudo “Brasil livre de trabalho infantil”, realizado pela organização não governamental (ONG) Repórter Brasil, que tem como foco principal denunciar exploração de mão de obra infantil em todo o país, aponta que em diversos setores apresentam argumentos favoráveis às atividades laborais de crianças e adolescentes com a justificativa de mantêlos “longe do crime” ou “dignificá-los”. A Justiça Estadual ainda concede autorizações prévias para que menores de 16 anos ingressem no mercado, medida considerada inconstitucional. Só em 2011, foram 3.134 casos. Há autorizações para adolescentes e crianças trabalharem em lixões, na pavimentação de ruas e em fábricas de fertilizantes. Dados estatísticos apresentados pela ONG indicam que, atualmente, 3,6 milhões de menores estão trabalhando no país. Crianças com idade entre cinco e nove anos somam 89 mil, com idade entre 10 e 13 anos, 614 mil. Adolescentes com idade entre 14 e 17 anos, atingem a marca de 2,9 milhões. O material revela ainda que as regiões onde mais se encontra trabalho infantil são a nordeste, com 1,2 milhões de crianças empregadas, e a sudeste, com um milhão de menores exercendo atividades laborais. ∆

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comportamento

Desabafo

PERIGOSO Usar as redes sociais para criticar colegas de trabalho pode resultar na perda do emprego e até em processos

ALINE MIRANDA alinecrm@hotmail.com

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Cláudio Fernandes, 28, publicitário, sofreu as consequências de escrever o que não devia em uma rede social. “No calor do momento, após uma discussão com meu chefe na época, postei no Facebook um xingamento, que não

citava o nome, mas quem lesse saberia de quem eu estava escrevendo”, relata Fernandes. Ele tinha o antigo chefe na rede social, que viu a publicação, sentiu-se ofendido e o despediu dois dias depois. “Hoje, no meu atual emprego, se tenho algum problema com qualquer pessoa no ambiente de trabalho, eu desabafo com os amigos e com a família, nunca mais no Facebook”, afirma o publicitário.

Ilustração: Ariane Pachere

epois de um dia estressante de trabalho, cheio de tarefas e com algum desentendimento, você já pensou em postar uma indireta no Facebook para os colegas da empresa ou até mesmo para o seu chefe? Você expõe a sua vida de maneira exagerada, desde o “bom dia” até as curtições com

os amigos? Cuidado, pois o desabafo coletivo pode te prejudicar antes mesmo da sua postagem receber as primeiras curtidas.

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O que muitos não sabem também é que os empregadores, antes de contratar o possível funcionário, analisam suas redes sociais para olhar se o perfil do candidato se adequa à política da empresa. “Algumas das empresas exigem que façamos um relatório sobre o candidato, constando essa análise sobre o perfil da pessoa no Facebook, por exemplo”, conta Camila Souto de Andrade, gerente da empresa Auge RH de São Paulo. E se o perfil for bloqueado? Camila explica que algumas multinacionais chegam a deixar o candidato de lado por não conseguir conhecer o comportamento dele fora do ambiente de trabalho. “Claro que não podemos informar o possível contratado que vamos olhar o seu Facebook. Ele pode apagar ou ocultar publicações comprometedoras”, conta a gerente.

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“Muitos não imaginam a gravidade de expor opinião”

Camila ainda alerta para o risco de o prejuízo com o desabafo na rede ir além da perda do emprego. No caso de Fernandes, ele ainda teve sorte de ser somente despedido. Há problemas muito mais sérios para esse tipo de atitude hoje em dia. “Prestamos serviço a uma empresa que decidiu levar o caso para fora do ambiente de trabalho. Os dirigentes acharam que a imagem da empresa foi prejudicada com o comentário postado na época e abriu um processo civil contra o ex-funcionário, que está até hoje em andamento”, relata Camila. O advogado civil Ricardo Souto Marchi explica que qualquer pessoa que cause um prejuízo pode ser condenada a indenizar a prejudicada por danos materiais caso seja possível aferir valores que esta empresa deixou de ganhar por conta da conduta repudiada. “Se a pessoa perde o emprego ou é prejudicada em uma

Ilustração: Leonardo Padoveze

promoção, por exemplo, os prejuízos deverão ser reparados também”, conta. Para o advogado, a internet alcança milhões de brasileiros e esses, muitas vezes, não sabem que suas condutas e declarações podem ser causadoras de prejuízos a terceiros. “Muitas vezes há também postagens anônimas causando prejuízos. As pessoas acreditam que nunca serão descobertas e apostam na impunidade. Mas as ferramentas para encontrar tais pessoas estão ficando cada vez mais modernas e de fácil acesso, então elas poderão ser punidas também nas esferas pertinentes (cível, trabalhista e criminal)”, explica Marchi. Em relação a processos criminais, o advogado Glauber Ortolan explica que o autor das postagens pode ter consequências graves, como multa de valor alto ou até prisão. “Muitos não imaginam a gravidade de expor uma opinião em redes sociais. Acham que, só porque é uma página pessoal, podem ofender sem escrúpulos outras pessoas. É aí que entra o meu trabalho de processar criminalmente os infratores”, explica. Por isso, é necessário ter muito cuidado ao escrever em redes sociais. Além de poder prejudicar uma nova contratação de emprego, pode fazer com que a pessoa se sinta ofendida a ponto de abrir um processo, tanto civil como criminal, contra quem escreveu. “Não se esqueça que por mais que não estejam te vendo atrás de um computador, tudo que é postado online é considerado perante a lei como se fosse ofensa verbal”, finaliza o advogado criminalista. Antes de escrever sobre seu colega de trabalho, o chefe ou até mesmo o porteiro da empresa em redes sociais, lembre-se de que o maior prejudicado pode ser você. Conte até dez, respire e desabafe com um amigo ou parente. É muito mais seguro agir assim do que ser “cutucado” por uma intimação ou mandado judicial. ∆

Confira abaixo os tipos de penalidades criminais para quem passa dos limites:

1

Calúnia é afirmar que a vítima praticou algum fato criminoso. Um exemplo comum é o caso de mensagens deixadas no perfil de um usuário que imputa a ele a prática de determinado crime, como por exemplo, um furto. A pena para este tipo de delito é de detenção de seis meses a dois anos e multa.

2

Difamação é propagar fatos ofensivos contra a reputação da vítima. O delito tem uma pena de detenção de três meses a um ano e multa.

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Injúria é ofender a dignidade ou o decoro de outras pessoas. A pena é de detenção e varia entre um a seis meses ou multa. Se a injúria for composta de elementos relacionados com a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, o crime se agrava e a pena passa a ser de reclusão de um a três anos e multa.

4

Ameaçar a vítima também acontece em redes sociais, na maioria das vezes implicitamente ou de maneira indireta. É considerado de mal injusto e grave. A pena consiste na detenção de um a seis meses ou multa.

5

Molestar ou perturbar a tranquilidade não é crime e sim uma contravenção penal que permite punir aquele que envia mensagens desagradáveis e capazes de incomodar a vítima. A pena para essa figura delitiva é de prisão simples, de 15 dias a dois meses ou multa.

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assédio

Quando o trabalho vira

PESADELO Xingamentos, humilhação, insinuação sexual: tudo isso pode configurar assédio

DORA VITTI dallice.vitti@gmail.com

“E

u era vendedora de cursos de idiomas em uma franquia famosa do Brasil. E eu era boa. Meu chefe sempre elogiava minha competência e me usava como exemplo para as demais funcionárias aprenderem como ‘ganhar um cliente’. Um dia, surgiu uma viagem com a promessa de um grande negócio. O chefe quis ir junto. Achei que era uma forma de me apoiar, incentivar, até que no meio do caminho, na estrada, ele colocou a mão em minha perna e começou a se insinuar”. O relato é de Lisa*, que viu sua carreira promissora como vendedora de pacotes de idiomas escorrer pelo ralo após de ser assediada pelo gerente geral da empresa em que trabalhava. “Ele era casado, e depois que recusei a investida dele, passou a me perseguir. O clima ficou pesado e qualquer coisa era motivo para implicâncias”, recorda Lisa. Pouco tempo foi necessário para que ela desistisse do emprego, a convite do próprio agressor. Lisa é apenas uma entre milhares de mulheres que passaram por

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situações constrangedoras envolvendo intimidade e trabalho. No mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 52% das mulheres já sofreram assédio sexual, mas a falta de informação somada à vergonha desestimulam as vítimas a denunciarem seus agressores. “Não contei para ninguém e passei a me autopunir, achando que era minha culpa chamar a atenção do meu chefe”, desabafa Lisa.

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“Não contei para ninguém e passei a me autopunir”

O assédio sexual é considerado crime desde 2001, e além dessa prática abusiva, o Ministério do Trabalho e Emprego tem voltado sua atenção a um tipo de assédio mais velado e recorrente do que se imagina: o moral. Sobre a justificativa de “alcançar um excelente desempenho profissional”, empregadores exageram nas cobranças e colocam os funcionários em situações desconfortáveis.

De acordo com o advogado Felipe Vieira, o assédio não é um fenômeno novo. “Ele sempre existiu, o que acontece é que agora se fala mais”, diz, alertando para o fato de que é preciso se informar sobre o assunto: “As pessoas pensam, por exemplo, que muita cobrança é assédio, o que quase sempre não configura”, completa. Pedro esperou um ano para conquistar um cargo numa sapataria de varejo de Piracicaba. Ansioso por querer “fazer dar certo”, o empregado trabalhava além do expediente em dias que a loja fazia o balanço de vendas. “Um dia, ficamos até às 21h trabalhando”, conta. No dia seguinte, mesmo com 16 horas trabalhadas no dia anterior, a loja ainda estava um pouco bagunçada e uma caixa de sapatos havia sumido. “O gerente fez uma reunião com a gente (os funcionários). Nos ofendeu, disse que não fazíamos nada direito e que naquele dia não iria nos dispensar no horário. Proibiu o intervalo que tínhamos direito duas vezes ao dia e ainda nos fez pagar pelo par de sapatos perdido”, lembra Pedro, que preferiu deixar a empresa e não entrar com nenhum processo judicial.


Para o advogado Vieira, o silêncio das vítimas pode refletir o medo de sofrer uma represália maior do agressor processado. “Dependendo do empresário e sua influência, ele pode inviabilizar a entrada do empregado em outros serviços e empresas”, finaliza. E os danos não são só morais, uma vez que as vítimas não percebem o quanto são humilhadas em ambientes onde deveriam ser estimadas. “Algumas pessoas desenvolvem a sensação de perseguição, outras, de um quadro depressivo, que quando não tratado pode desencadear uma depressão”, alerta a psicóloga Maria Teresa Bonilha. Em alguns casos, o crivo pessoal não delimita o que é assédio moral/ sexual, e a vítima passa a achar que aquilo é normal. “A autoestima baixa torna o elemento vulnerável dentre os outros colegas de trabalho, o que, provavelmente será o ‘saco de pancadas’ do agressor”, completa a psicóloga.

Foto: Beatriz Furlan

Batendo de frente Enquanto crescem as denúncias de casos de assédio em todo o Brasil, o Sindicato dos Bancários de Piracicaba (Sindiban) denuncia que 19,67% dos empregados sofreram algum tipo de assédio nas agências bancárias da cidade, de acordo com pesquisa realizada em janeiro deste ano. Desse total, 15,87% declaram ter sofrido moral, 0,07% sexual e 3,50% não quiseram responder a pesquisa.

Nesse viés, além de sindicatos, surgem empresas que se especializam no assunto. De acordo com Fred Filho, que trabalha nesse ramo, o foco é informar empregador e empregado sobre o assunto. “Para os empregadores significa a diminuição da probabilidade de condenação em ações trabalhistas e o aumento da produtividade dos trabalhadores. Já os empregados conquistam qualidade de vida no trabalho”, diz o empresário.

Segundo a entidade, em caso de denúncia, a primeira posição do sindicato é uma conversa com o gestor denunciado e é oferecido apoio psicológico. Caso ele não entenda a gravidade do ato, o sindicato afirma que organiza atos públicos ou internos para que as agências saibam que a entidade quer proteger os funcionários. Em última estância, a denúncia é levada à regional do banco em questão para que sejam tomadas as medidas necessárias.

Para quem foi vítima de algum tipo de assédio, Felipe Vieira orienta a procurar um advogado de confiança e descrever como foi o assédio, além de levar provas legítimas do que aconteceu. Com a exposição dos casos, Fred Filho acredita que o Ministério Público do Trabalho consegue pesadas indenizações contra empresas, e que há uma tendência delas se preocuparem com sua imagem diante da sociedade, começando, assim, a tratar o assunto com mais seriedade. ∆

Vergonha e falta de informação impedem as vítimas de denunciarem o assédio sexual

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Nomes originais omitidos a pedido das vítimas

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aposentadoria

Experiência e conhecimento são vantagens de muitos aposentados que retornam ao mercado de trabalho em busca de atividade ou renda extra

GLORIA BONILHA CAVAGGIONI gloriacavaggioni@gmail.com

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ão cinco da manhã. Antonio Valdir Dalmazo, 67, sai de casa para uma caminhada de seis quilômetros. Com porte físico e disposição excelentes, ele atribui a boa saúde a esse exercício diário. Aposentado, tem casa própria e filhos independentes. O que recebe da previdência é suficiente para garantir o sustento da família. Depois da caminhada poderia curtir uma boa partida de dama com os amigos, a leitura do jornal ou até mesmo uma sonequinha sob o sol da manhã. Porém, o que se segue é uma jornada de trabalho de oito horas como porteiro de um prédio, no Centro de Piracicaba. Entre ligações do interfone, solicitações de condôminos, entrega de correspondências e o abre e fecha do portão, Dalmazo conta que por 30 anos

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foi metalúrgico, 26 deles numa mesma empresa, controlando a fabricação de vergalhões. “Minha especialidade é trabalhar sentado”, graceja. Depois de aposentado, por sugestão da mulher, conseguiu emprego de porteiro, pois a função não exige esforço físico. “Imagina esses 19 anos parado. Nem sei se eu estaria aqui”, comenta. Segundo o médico do trabalho Felipe Oshiro, estudos comprovam que pessoas que continuam em atividade após a aposentadoria têm um ganho na saúde física, sentem-se mais motivados e se cuidam melhor. A falta de compromissos leva as pessoas a diminuírem o ritmo. Muitas vezes ganham peso e desenvolvem doenças como diabetes e hipertensão, como reflexo da nova dinâmica de vida. “Cada caso é um caso, não podemos


A base da política previdenciária é a ideia de que a idade avançada acarreta fragilidades físicas, mentais e cognitivas. Nesse contexto, até 1970, a aposentadoria marcava a passagem da vida adulta ativa para a velhice inativa. A realidade agora é outra. “Nós temos observado que a maior longevidade alcançada pela população brasileira faz com que se aposente ainda jovem, com capacidade produtiva e cognitiva. Isso faz com que retorne ao mercado de trabalho”, comenta Lúcia Garcia, supervisora do Sistema Pesquisa de Emprego e Desemprego do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (Ipea), um dos efeitos da política da previdência do Brasil é a redução da pobreza. Estudos mostram que em 2011 a proporção de idosos pobres foi de 4,8% e a de não idosos de 16,7%. Esses números apontam para o rompimento da tradicional relação entre envelhecimento e pobreza. “Há um impacto na economia porque essa população com uma condição financeira melhorada impulsiona diversos segmentos, através do consumo”, explica a pesquisadora do Dieese. Mariza Gonçalves sente a necessidade de contribuir com a renda familiar. Seu salário e os benefícios oferecidos

Fotos: Gloria Bonilha Cavaggioni

generalizar, mas há uma relação de falta de atividade e queda na qualidade de vida das pessoas”, analisa Oshiro.

pelo empregador fazem diferença no orçamento. “Vou ficando, vamos ver até quando”, diz Mariza, que pretende trabalhar pelo menos até o ano que vem, quando a neta se forma. “Ela é meu orgulho, é tudo pra mim. Eu quero ajuda-la”.

O porteiro Antonio Valdir atribui a boa saúde ao trabalho

Depois de 20 anos trabalhando num mesmo hipermercado, Mariza se aposentou como tesoureira e continua desempenhando a mesma função. Com 67 anos, acredita que seus chefes nem pensam em dispensá-la. “Eles dizem que se eu quiser sair vou ter que pedir a conta”. Seu cargo exige atenção, responsabilidade e comprometimento. “As meninas não gostam de trabalhar sábado, domingo e feriado. Eu já acostumei”. Um estudo realizado em 2013 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela consultoria PwC evidencia um pequeno movimento na direção da valorização de profissionais mais velhos como alternativa à escassez de mão de obra. “Os aposentados retornam ao mercado de trabalho com uma condição diferenciada de capacidade de aprendizagem em relação aos jovens”, nov. 2014 | edição 80

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Ralfo Lopes: conhecimento bem aproveitado como consultor de empresas

esclarece Lúcia. A pesquisadora salienta que nem todos são atraentes para o mercado. “Toda população envelhece, mas a que vai voltar para o mercado de trabalho com uma idade mais avançada é a que, ao longo da sua carreira teve condições de qualificação e saúde. Não será uma população pobre e envelhecida”, completa. Embora 94% das empresas considerem a experiência a maior vantagem de um profissional sênior, poucas aproveitam essa bagagem em programas de mentoring (profissional com mais experiência é mentor de outro menos experiente) e treinamento. Ralfo Lopes foi contratado pela Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) aos 23 anos de idade. Ficou na empresa durante 32. Começou como auxiliar técnico e encerrou sua trajetória como gerente distrital de Piracicaba. Com a aposentadoria, foi automaticamente desligado da companhia. Fez, então, o que seu empregador perdeu a chance de fazer:

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aproveitou seu conhecimento adquirido durante anos. Assim, abriu uma consultoria para empresas. “Aproveitei esse gancho do conhecimento que eu tinha com a necessidade do empresariado para trabalhar na área de orientação na redução do custo com energia elétrica”, explica. “O idoso que se aposenta e não faz mais nada acaba ficando numa condição de desvalia”, afirma a psicóloga Adriana Martins. Sua experiência profissional mostra que há um rompimento amplo dos laços criados. “O aposentado perde não só o trabalho, mas toda a situação que envolve o trabalho. Existe a questão da socialização, dos amigos, do sentir-se pertencente a um grupo”, detalha a psicóloga. Sem a atividade profissional, a pessoa volta para a família, que muitas vezes já não conta com os filhos. Vive uma fase em que precisa lidar com questões


como a perda da capacidade física, da jovialidade. Adriana esclarece: “O aposentado que estava engajado num trabalho no qual ele sentia prazer, quando se aposenta, fica com a sensação de que parte da identidade dele também se perde. Não é só a condição financeira o que propicia a volta. É também esse resgatar a identidade”. “É juntar o trabalho com o prazer também”. Essa é a receita de Ary Werneck, 80, ator de teatro engajado em diversas tarefas. Sem atividade formal, participa de projetos, como o que ocupou sua agenda numa manhã de quinta–feira, com uma reunião na Diretoria de Ensino de Piracicaba.

“Tenho grandes projetos que não posso executar mais, mas mantenho projetos pequenos”. Um deles é o “Cultura na Escola”. Com o patrocínio do Ministério da Cultura e participação do Rotary Club São Dimas, compatibiliza o conteúdo cultural e o pedagógico, usando recursos da arte cênica e envolve alunos da escola pública. Werneck é um homem dinâmico, de conversa interessante e envolvente. O trabalho e pequenas tarefas o fazem sentir-se vivo e participante. É o que chama de “prazer das miudezas”. Bem relacionado, ideias a serem implantadas não lhe faltam. “Não se deve deixar envelhecer o que está dentro, isso é que é terrível”, ensina o ativo morador do Lar dos Velhinhos.∆

Ary Werneck: “Não se deve deixar envelhecer o que está por dentro”

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Fotos: León Botão

religião

Em meio à multidão de jovens católicos, seminarista Felipe Borges divulga Ordem Premonstratense

Padres2.0

Jovens conciliam formação religiosa com redes sociais no celular e até tomam chope com colegas da faculdade LEON BOTÃO lbotao@gmail.com

RODRIGO ALONSO rodrigo.alonso_@hotmail.com

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decisão já estava tomada antes mesmo da família saber: Felipe Borges, hoje com 27 anos, iria para o seminário estudar para ser padre e nem mesmo o fato de ter uma namorada o faria desistir. Essa escolha pela vida religiosa foi tomada pelo rapaz quando tinha 17 anos. Hoje, ele faz parte da Ordem Premonstratense e finaliza seus estudos para ser ordenado sacerdote em 2016.


Como muitos outros jovens, Borges teve dificuldade na hora de se decidir, e o motivo é claro, inclusive para o abade superior da congregação, Dom Oswaldo Paulino: a dificuldade em se desapegar das coisas que o mundo oferece. Também por isso, a Ordem vem apostando em uma formação mais flexível, que permite, por exemplo, que os seminaristas saiam com colegas, tenham perfis em redes sociais e até celulares com WhatsApp. É impossível negar que o avanço da tecnologia tenha provocado mudanças na sociedade, e isso se aplica também aos seminários. “Hoje o jovem tem muitas opções, faz faculdade, trabalha, visualiza o futuro, tem a tecnologia à disposição e muito conhecimento. A falta de vocação se dá pela dificuldade de renunciar àquilo que temos, o espaço cômodo”, avalia Dom Oswaldo, que é líder dos cônegos da Ordem Premonstratense no Brasil, fundada há quase 900 anos por São Norberto, na França, e que hoje tem casas e paróquias no mundo inteiro. O religioso lembra que há menos de três décadas o cenário da formação de padres era outro. Os jovens tinham menos opções, normalmente vinham da zona rural e não tinham tanto acesso à informação. “Em 1989, por exemplo, estive em um seminário em Salgado Filho, no Paraná, onde 22 jovens estavam ainda terminando o colegial. Eles vinham da zona rural e não tinham acesso a nada, só sabiam trabalhar na roça, mesmo assim, vários não se tornaram padres porque a vocação que sentiam não era autêntica”, conta. De acordo com Dom Oswaldo, a vocação religiosa se descobre pelo chamado. “É algo muito pessoal que é sentido no coração e o jovem dá uma resposta a esse chamado. Isso pode ser verdadeiro, ou não ser autêntico, quem saberá responder é somente a pessoa. Para isso serve a experiência, pois somente quem tiver a vocação para a vida religiosa irá conseguir chegar ao

sacerdócio”, afirma. Outra dificuldade que surge atualmente, segundo o religioso, é a “falta de silêncio” para escutar o chamado de Deus. “Vivemos em um mundo muito barulhento, há muita informação. Se a pessoa não estiver atenta, não silenciar o coração e ficar um pouco sozinha, não vai conseguir ouvir a voz do Senhor”, diz.

Felipe reza diariamente com outros padres

Vida Social Para quebrar as barreiras impostas pelo confinamento praticado em décadas passadas, em que os seminaristas não tinham visitas e contatos externos, algumas congregações vêm apostando em uma rotina mais livre aos jovens, com menos restrições. Na Ordem Premonstratense, por exemplo, os seminaristas têm celular com internet, usam redes sociais, e até passeiam aos finais de semana. Uma espécie de teste de maturidade para os jovens.

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“Religioso do século 21 não pode temer o mundo”

“É importante para ver a responsabilidade de cada um. Não adianta prendê-los. Se o seminarista não tiver uma vocação autêntica, ele sairá pela porta dos fundos ou pela janela. A pessoa tem que ter certa liberdade para mostrar que sabe qual é o ambiente certo para ela. Se o jovem não consegue honrar os votos de pobreza, obediência e castidade, está no lugar errado”, considera o padre. Para Borges, essa interação com o mundo fora do convento deixa os futuros padres mais atentos às necessidades do povo. “O religioso do século 21 não pode ter medo de enfrentar o mundo, afinal, ele é mais

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um na sociedade”, diz o jovem. Segundo ele, há padres e católicos que reprovam essa conduta mais liberal, no entanto, o seminarista tem outra opinião. “É fácil ser religioso dentro de um convento, cercado por muros, mas o mundo lá fora precisa de nós”, afirma.

Rotina Em meio a estudos e obrigações com a Igreja, Borges cursa teologia e conta que procura encontrar tempo para conciliar os deveres com lazer. Todos os dias, o seminarista reserva uma hora “para ele”. “Corro no Ibirapuera, passeio no bairro, vou ao cinema. Consigo dividir bem o meu dia e às vezes até

saio com alguns colegas da faculdade para tomar um chope”, conta. “É possível ter vida social e ao mesmo tempo ser religioso”, completa. Por mais responsável que seja, Borges não consegue controlar as atitudes das outras pessoas e revela que receber cantadas – de mulheres e homens – é algo considerado até comum. “A gente tem que saber como lidar com isso. No começo tinha dificuldade, ficava com vergonha, hoje lido com mais naturalidade. Assim como o marido precisa ser fiel à esposa, o padre tem que ter fidelidade à igreja”.

Foto: León Botão

Dom Oswaldo Paulino acredita que formação mais aberta testa responsabilidade dos jovens

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Foto: Émerson Lima

Felipe (esquerda) e outros seminaristas “enfrentam o mundo” na cidade de São Paulo

Do lado de dentro LEON BOTÃO

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arecia um rapaz de meia idade qualquer. Eu aguardava na saída da estação Faria Lima do metrô de São Paulo quando o seminarista Felipe apareceu para me dar uma carona até a casa da Ordem Premonstratense, que fica no Jardim Europa. Ele me encontrou logo após uma corrida no Parque do Ibirapuera. O silêncio e a calma do seminário contrastavam com o ambiente externo, com avenidas cheias de carros e o céu cheio de aviões e helicópteros. Depois de me levar até o quarto em que eu ficaria – com uma cama, um armário, uma escrivaninha e um banheiro – Felipe me passou a senha do Wi-fi da casa. Felipe e Oswaldo moram em dois em uma casa com capacidade para mais de dez religiosos – reflexo da falta de vocações. As orações da manhã, da tarde e da noite, além das refeições, são feitas em conjunto e seguem um cronograma. Para se comunicarem e avisarem que estão prontos para determinado compromisso, os dois “aposentaram” o sino e usam o aplicativo WhatsApp. Após um dia de divulgação da Ordem Premonstratense em um evento de música católica, Felipe voltou a vestir roupas normais

e se tornou mais um paulistano em busca de uma vaga para estacionar o carro em um shopping da capital. Para acompanhar a pizza, ele não hesitou em pedir um chope. Passar a noite em um seminário foi uma experiência singular, e curta, já que às 6h15 (ou um pouco depois disso, já que me atrasei) encontrei Felipe e Oswaldo na capela para rezar as Laudes, a primeira oração do dia. Com salmos proclamados numa espécie de revezamento – que incluiu também o repórter – rezamos por cerca de 20 minutos. Ouvi-los proclamando os salmos era bonito, reconfortante, até o momento em que fui convidado a rezar algumas partes em voz alta, ou nem tanto, afinal eram 6h30 da manhã e minha voz demorou a acordar. O ambiente dentro do seminário é o mais favorável possível a uma vida de estudo e oração. Mesmo estando em São Paulo, a casa é como uma fortaleza para o mundo externo, mas com pontes como o acesso à internet, televisão a cabo e permissão para sair e receber visitas de amigos e familiares. O estilo de vida é único, e sábio é Dom Oswaldo em dizer que somente com uma vocação autêntica é possível adotá-lo. ∆ nov. 2014 | edição 80

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bem-estar

SORRIR é VIVER A ciência mostra que o bom humor é, de fato, um grande aliado no tratamento de pacientes com diversos tipos de doenças, além de promover a longevidade LUCAS NERI lucas.neri@gmail.com Com visitas bem humoradas, o Projeto do Bem presta solidariedade aos moradores do Lar dos Velhinhos de São Vicente de Paulo

RAIZA TRONQUIN rtronquin@gmail.com

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sala vazia dá espaço aos mais variados apetrechos. Sobre a única mesa presente estão os potes de tintas, perucas, chaveiros, pantufas e o mais importante, as bexigas. Vestidos com roupas largas e coloridas, voluntários de várias idades, com diferentes graus de instrução, se reúnem semanalmente para exercer o que eles chamam de dom. Após a caracterização, todos dão as mãos e fecham os olhos para uma breve oração, um Pai Nosso. O grito de guerra abafado anuncia que a alegria veio, novamente, fazer uma visita.

Foto: Raiza Tronquin

O velho ditado “rir é o melhor remédio” é cientificamente comprovado com dados que apontam que o bom humor alivia as dores, reforça o sistema imunológico, entre outros benefícios proporcionados aos pacientes. Segundo José Getúlio Thuler,

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painel


[ ] “A partir do bem-estar, as serotoninas do nosso corpo aumentam”

da alegria, que é muito importante, pois liberta e resgata a criança que existe dentro de cada um, e isso traz um bem-estar incrível, especialmente para o idoso. Hoje, a medicina trabalha muito para que o indivíduo tenha a capacidade de sentir as sensações do seu próprio corpo”, observa Thuler. Pensando nisso, alguns grupos se dedicam à cura por meio do riso, como é o caso do Projeto do Bem, que atua no Lar dos Velhinhos de São Vicente de Paulo, em Americana. O grupo, composto por 20 artistas que se caracterizam de palhaços, leva alegria para idosos com apresentações de danças, brincadeiras e muito carinho. “Eles aparecem aqui cheios de bexigas e piadinhas. Eu me divirto muito toda vez que tem visita, porque acontece de os palhaços virem mais vezes do que os meus meninos (filhos)”, assume o morador Diógenes Mercado, 76. Além do atendimento em asilos,

existem grupos que realizam as clássicas visitas em hospitais, como o SOS - Sorria ou Sorria. Com 14 integrantes, a equipe de Piracicaba também opta pela fantasia de palhaço e, em visitas semanais, leva alegria para os leitos. “Os médicos sabem que tratar de alguém que está alegre é muito mais fácil, pois evita o recuo ou o medo que muitos pacientes têm do tratamento”, explica o integrante e presidente do grupo, Anderson Previatti. João Gabriel Pieri, 27, ficou internado em leito individual durante 40 dias, por causa de uma cirurgia de apêndice, e conta que considera as visitas dos

Para o geriatra José Getúlio Thuler, o riso é a expressão da alegria que liberta e resgata a criança que existe dentro de cada um Foto: Raiza Tronquin

Um estudo conduzido pela psicóloga americana Kathleen M. Dillon analisou dois grupos de indivíduos: o primeiro assistiu a uma comédia; o segundo, a um documentário. Ao final da sessão, coletas de saliva desses indivíduos revelaram que os membros do primeiro grupo tiveram um acréscimo nos níveis de imunoglobulina A (IgA), anticorpo responsável por combater infecções respiratórias. “O riso é a expressão

Foto: Lucas Neri

presidente do Hospital São Lucas, em Americana, promover o resgate da parte lúdica do ser humano ajuda de forma significativa em seu quadro de saúde, uma vez que o faz sair do estado de rigidez. “A partir do riso, do bem-estar e de uma série de outras sensações, as serotoninas do nosso corpo aumentam”, afirma o médico geriatra.

De maneira descontraída, o grupo leva solidariedade aos moradores

grupos fundamentais. “Eu ficava muito feliz quando os palhaços entravam no quarto, pois era certeza que a tarde seria mais animada. Agora imagine o que as crianças sentem!”, reflete. Já a pequena Maria Helena, 9, teve a companhia da mãe, Patrícia Melo, após a cirurgia que fez no ouvido. Mesmo acompanhada, a menina não continha o entusiasmo ao ser visitada. “Quando eles saíam, Maria me dizia que eles eram muito legais, porque usavam narizes de bolinha, sapatos grandes e cantavam para ela. Esse tipo de atendimento foi fundamental para a recuperação da minha filha”, relembra. Nas palavras de Thuler, a vida é um verdadeiro teatro e, pautados pela filosofia do médico romeno Jacob Levy Moreno, os grupos filantrópicos auxiliam no tratamento de pacientes de todas as idades. “Esse grande estudioso do comportamento humano propôs a terapia do psicodrama. Ou seja, quando você vê a palhaçada ou faz a palhaçada, além de resgatar sua criança interior, você se torna capaz de gerar espontaneidade, criatividade e interação com outros corpos. Isso é muito bom e bem-vindo em qualquer tratamento. Nós deveríamos ser muito mais palhaços”, finaliza. ∆ nov. 2014 | edição 80

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saúde

SUPERAÇÃO na adolescência Apoio de amigos, tratamento adequado, muita garra e vontade de vencer são as principais armas na luta contra o câncer

LARISSA MIZUHIRA la_mizuhira@hotmail.com

NAYARA TRAMONTINA na_tramontina@hotmail.com

“E

u estava internada no Hospital Santa Isabel por conta de um linfoma no meu corpo, mas não sabia exatamente o que isso significava. Só me toquei que tinha câncer quando soube que iria para o Boldrini (hospital que luta contra o câncer infantil) fazer mais exames, e aí minha mãe disse que não teve coragem de me contar antes”. Linfoma é um câncer que começa nas células do sistema linfático e ocorre quando uma célula normal desse sistema se transforma, cresce sem parar e se dissemina pelo organismo. No final do ano passado, Lorena Abdala, 16, sentia fortes dores nas costas, mas nos exames sempre estava tudo normal. No começo deste ano, o médico pediu um raio-X e diagnosticou uma pneumonia tomando conta de quase todo o pulmão, internando-a na hora. Ainda era preciso descobrir qual tipo de câncer tinha e determinar o tratamento adequado. Lucimara Lima, 31, também descobriu a doença cedo, quando tinha 16.

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Numa consulta ao ginecologista, ela descobriu um nódulo no seio, desses comuns em adolescentes. Fez a cirurgia para remoção, mas, após três anos, surgiu outro nódulo no mesmo lugar. Quando ela foi para a operação, os médicos identificaram que o nódulo era benigno por fora e maligno por dentro. Lucimara ouviu do médico o que ninguém gostaria de ouvir: “O que você tem realmente é câncer. Terá de fazer mastectomia, ou seja, retirar o seio inteiro, fazer quimioterapia e radioterapia”. Os casos de câncer em jovens vêm aumentando nos últimos anos. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), em uma pesquisa realizada em 2014, os tumores mais comuns entre os jovens adultos são o linfoma, a leucemia, os cerebrais e os de mama. Durante oito anos Lucimara ficou sem nenhum vestígio da doença. No entanto, após convulsões, uma série de crises e muitos exames, ela descobriu cinco nódulos na cabeça, quatro no fígado, alguns no pulmão e nos ossos. Com um quadro sério e perda da visão por alguns dias, ela teve apoio dos amigos, que revezavam para ficar com ela todos os dias, e foi aí que notou com qual deles podia contar. “Pois não

é qualquer um que te dá banho, te dá comida na boca e dorme do seu lado. Isso foi muito importante pra mim”, desabafa. Já Lorena, além da família, teve um apoio fundamental do namorado Thales Sanches, 17. “Ele ficou muito preocupado, deixou todas as coisas dele de lado, academia, obrigações, e ia me visitar todos os dias. Eu até me surpreendi de ele ter ficado todo o tempo comigo, já que homens nessa idade preferem sair em vez de ficar cuidando de alguém dentro de um hospital”. Para a psicóloga Doni Candido, embora toda a família passe por profunda dor e angústia, ela tem um papel muito importante no apoio emocional ao jovem, que lhe permite o enfrentamento da doença. A presença de amigos e pessoas próximas contribui de forma significativa expressando apoio e afeto incondicionais. Uma das maiores dificuldades que a mulher enfrenta durante o tratamento é quando os cabelos, pelos do corpo e sobrancelhas começam a cair. Nos dois casos, ambas sofreram e se sentiram feias. Thales Sanches, vendo a tristeza de sua namorada, resolveu raspar o


Fotos: Larissa Mizuhira

O amor pelo trabalho ajuda Lucimara Lima a vencer os desafios na batalha contra o câncer

cabelo junto com Lorena, registrando o momento em um vídeo, colocado no YouTube e que emocionou milhares de pessoas. Devido ao tratamento agressivo de quimioterapia e fisioterapia, a imunidade dos pacientes fica tão baixa que é preciso que eles se adaptem a um novo estilo de vida. Sair em lugares com muita gente, ingerir bebida alcoólica, estudar e trabalhar são algumas restrições citadas pela psicóloga. A lição que Lorena traz da sua experiência é: “Temos que aproveitar tudo o que podemos, porque muitas vezes eu quis e não podia, ou por estar no hospital ou com imunidade baixa. Nessas horas, você descobre quem são os seus verdadeiros amigos”. A luta de Lucimara já completa 12 anos. Ela viu o seu maior sonho, que é

Lorena Abdala contou com a ajuda da família e do namorado para enfrentar a doença

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“Temos que aproveitar tudo o que podemos”

ser mãe, acabar, pois teve que retirar o útero e ovários. Perdeu um quarto da visão do olho direito por conta de um nódulo na corda ocular e hoje faz quimioterapia e radioterapia para o fígado. Mesmo assim, ela diz que leva uma vida praticamente normal e montou seu próprio salão de beleza, de onde consegue força para enfrentar a doença. “60% do meu tratamento é aqui no trabalho. Amo o que faço. Essa vida que levo não é fácil, mas não tem o que fazer, tem que aceitar e seguir em frente. Tudo depende da pessoa querer viver”.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os casos de câncer aumentarão cerca de 50% até 2030. Ao mesmo tempo, as mortes passarão de 8,2 milhões a 13 milhões por ano. Segundo a hematologista Adriana Virgílio, não há um padrão de tratamento para os casos de câncer. Ela tenta individualizar a questão, considerando aspectos emocionais e familiares de cada paciente. Adriana enfatiza que, pelo fato da doença ter mais chances de cura em jovens do que em idosos, pode ser mais fácil lidar com a questão. ∆ nov. 2014 | edição 80

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sustentabilidade

eduzir eutilizar eciclar Alternativas sustentáveis em casas e coletivos populares permitem a economia de recursos e ajudam a preservar o meio ambiente

CLARA GRIZOTTO clara.gagri@gmail.com

ISABELLA ULIANI isabella.uliani@gmail.com

O

desabastecimento histórico que castigou várias regiões do Estado de São Paulo este ano contribuiu para evidenciar ainda mais a necessidade de reduzir o consumo de água e de outros recursos indispensáveis à vida. A adoção de soluções de baixo custo pelos coletivos populares mostra que a preservação do meio ambiente está ao alcance de todos. Em Piracicaba, uma rede de coletivos busca compartilhar ideias sustentáveis, por meio de oficinas de construção de alternativas com uso de materiais recicláveis. “O modo de vida sustentável está associado a

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escolhas adequadas e mais eficientes sobre consumo de matérias-primas e produtos, uso de recursos naturais, tipo de transporte, produção e descarte de lixo e esgoto, e região da cidade que vamos morar”, explica Rafael Jó Girão, representante da ONG Associação de Recuperação Florestal da Bacia do Rio Piracicaba e Região (Florespi). A Casa do Hip Hop, centro comunitário do bairro Pauliceia, desenvolve trabalhos para a população da periferia e aplica algumas medidas sustentáveis, como um sistema de captação da água da chuva feito com canos de PVC e uma caixa d’água abandonada de uma construção. “A caixa armazena apenas 500 litros, mas usamos a água para regar a horta construída pelas crianças e adolescentes atendidos pela Casa, e também para lavar materiais”, conta Ubirajara Cristiano Barros Sabino, o Bira, presidente da Casa do Hip Hop. Outra medida aplicada foi construir um forno solar, feito com caixa de

papelão, vidro e uma chapa metálica. A ideia foi apresentada em uma oficina ministrada pela Pleno Sol – Cozimento Solar em parceria com outros coletivos. O forno é utilizado para assar alimentos para os voluntários da casa. O maior ganho, segundo Bira, é a consciência da comunidade. “As crianças e jovens cuidam dos equipamentos e têm disposição. São multiplicadores da consciência saudável”, explica.

Rede de colaboração Um dos parceiros da Casa do Hip Hop, o Coletivo Piracema é formado por seis pessoas que procuram viver “do modo mais sustentável possível” em uma casa na Vila Independência. Assim como a Casa do Hip Hop, o grupo aplica em sua sede o sistema de captação de água, instalado no telhado da casa, e o forno solar, feito com madeira reutilizável e placas de alumínio. “A economia de água é notável, tanto na questão financeira como na questão de não desperdiçar um bem tão escasso


Fotos: Isabella Uliani

Canos de PVC no telhado e na caixa d´água do quintal captam água da chuva para reutilizar na horta da casa

No forno solar é possível assar até três pães, que ficam prontos em no máximo cinco horas

participar de uma oficina oferecida pelo Coletivo Piracema, os integrantes do projeto instalaram em sua sede um chuveiro com aquecimento solar. atualmente”, comenta Leonardo Magnin, integrante do Coletivo. “Além de a energia solar ser ecologicamente correta, ela é gratuita”, completa. Restos de alimentos e resíduos orgânicos são depositados em uma composteira caseira, feita com caixas organizadoras, em que minhocas convertem o lixo em adubo natural. “Assim, cada pessoa evita o envio de 300 quilos por ano de lixo para os aterros sanitários. Evitar este envio significa diminuir a coleta, o transporte e o aterramento de lixo. Isso prolonga a vida útil do aterro, minimiza os riscos de contaminação e gera economia de dinheiro público”, afirma Girão. A tinta que dá cor às paredes da casa foi feita com cola e terra. O sabão caseiro é feito com óleo de cozinha e soda cáustica. Segundo o gestor ambiental Alexandre Anezio, técnicas como essas foram adaptadas à vida urbana. “A vantagem de se utilizar esse tipo de sabão, por exemplo, é que ele aumenta a biodisponibilidade do óleo, facilitando sua degradação no ambiente”, explica. Outro exemplo é o Projeto Jacarandá, de Americana. Após

O chuveiro elétrico é o aparelho que mais consome energia em uma residência, de acordo com o Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica). O aparelho é responsável por cerca de 30% do valor da conta e 24% do consumo residencial de energia no país durante o ano. Os membros do Jacarandá defendem o uso a energia solar sob os pilares da

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“Quanto mais adeptos, maior o impacto evitado”

economia e da sustentabilidade, já que, além de ser uma energia limpa, ainda ajuda a diminuir a conta da companhia de luz. No entanto, de acordo com Girão, apesar de serem soluções importantes ao meio ambiente, elas surtem pouco efeito se adotadas por poucos. “Não adianta uma pessoa ou um grupo pequeno ter um modo de vida e uma moradia mais sustentável se todos

os outros 400 mil habitantes de Piracicaba não fizerem nada. O impacto positivo deles é infinitamente menor que os impactos negativos das outras pessoas”, aponta.

Moda Apesar de as alternativas sustentáveis serem mais benéficas para o meio ambiente em geral, para o consumidor fica muitas vezes a impressão de que se trata de “modismo”, já que o preço de um produto reciclado, por exemplo, chega a ser o dobro de um produto comum. “Ainda temos uma produção muito pequena de produtos chamados ‘verdes, ecológicos ou sustentáveis’ e uma demanda muito grande que faz os preços subirem”, explica Girão. Girão lembra que a sociedade deve cobrar do poder público o estímulo à implantação destas alternativas em todas as casas, por meio de descontos e isenções de impostos e taxas. “A dimensão dos impactos ambientais que essas técnicas podem evitar são medidas pela quantidade de adeptos. Quanto mais pessoas aderirem, maior será o impacto ambiental evitado”, completa Anezio. ∆ nov. 2014 | edição 80

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Foto: Thiago Conessa

esporte

no país do futebol JOANAN DE OLIVEIRA BATISTA timewillcome@hotmail.com

LEONARDO NOCETE lanocete@outlook.com

Principal modalidade nos Estados Unidos ganha novos fãs e praticantes na região e caminha para a profissionalização

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O

futebol americano está caindo no gosto dos brasileiros. A cada dia, a bola oval voa por campos de todo o país pelas mãos (e pés) dos 6 mil praticantes do esporte em terras tupiniquins, em duas modalidades diferentes: a flag, em que o contato físico é limitado, e a tackle, que permite o jogo corpo a corpo. Hoje as equipes no Brasil começam a se equipar e o jogo fica cada dia mais parecido com o jogado em terras norte americanas. Na região de Piracicaba,

as equipes que praticavam o flag, modalidade mais barata, passaram a se preparar para jogar com todos os equipamentos necessários. As equipes do Piracicaba Cane Cutters e Limeira Tomahawk estão equipadas e treinam para se aperfeiçoarem na nova modalidade. Marco Bucci, fundador do time piracicabano e atual quarterback, posição equivalente ao jogador que usa a camisa 10 do futebol tradicional, ressalta as dificuldades de se manter


um time no Brasil. “Uma coisa é você organizar um evento ou uma viagem para uma equipe com 18 atletas. Outra coisa é fazer o mesmo para uma equipe com 35 ou mais atletas. Outro problema que é contornado em médio prazo é a compra dos equipamentos, tais como os de proteção, que são importados com taxas muito altas, que chegam a 60% sobre o valor inicial. O futebol americano surgiu como uma variação do rúgbi, esporte britânico. Nos Estados Unidos, o football é o principal esporte do país. Lá, a categoria é levada a sério desde o high school, que é o ensino médio americano, no qual os atletas são formados e lutam para chegar na NFL, a liga principal. No Brasil o esporte começou a ser praticado nas praias do Rio de Janeiro na década de 90, no entanto, o que era somente um passatempo, cresceu, e hoje se tornou paixão para muitos brasileiros. Um dos brasileiros pioneiros no football universitário foi Raiam dos Santos, que aos 15 anos foi estudar nos Estados Unidos, na San Diego High School, onde começou a sua carreira atuando como kicker, que é o chutador. Aos 17 anos atuou pela Universidade da Pensilvânia, onde foi um dos melhores de sua posição na liga, e hoje defende o Flamengo Futebol Americano. Além de atleta é também comentarista esportivo.

Foto: Joanan de Oliveira Batista

Mas o que dificulta a prática do esporte em nosso país? Na avaliação de Santos, além do preço dos equipamentos, são os elevados custos de logística a cada partida, uma vez que a delegação precisa viajar para outros Estados e muitas vezes conta com mais de 50 atletas para disputar as partidas que usam os equipamentos de segurança. “Quando o time joga em casa tem que se preocupar com o aluguel do estádio, que no Rio chega a R$ 5 mil por partida, pintura, contratação de staff e arbitragem, além da falta de patrocínio, já muito conhecida no setor esportivo brasileiro, assim, todos esses gastos acabam saindo do bolso dos atletas”, justifica.

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“Passamos a jogar com as regras dos americanos”

Roberval Maciel de Oliveira, conhecido como Batman, foi jogador profissional de futebol, e entrou em depressão logo após o fim da sua carreira, por isso sua esposa sugeriu que ele procurasse outro esporte. Foi então que ele conheceu o futebol americano, onde reencontrou a paixão por praticar um esporte. No entanto, para manter o sonho vivo ele trabalha como árbitro de futebol tradicional e também como professor de educação física, além de

ser atleta do Tomahawk. Nesse processo de adaptação e busca pela profissionalização, a arbitragem é parte importante, e Oliveira abraçou a causa completamente, pois optou por atuar também como arbitro das partidas. Ele se formou pela Liga Paulista de Futebol Americano, (LPFA), e também sonha com um futuro melhor para o football no Brasil. O árbitro e atleta afirma que, em busca de melhorias, a maior mudança na estrutura do futebol americano brasileiro foi a adoção dos equipamentos de segurança para poder jogar a modalidade tackle. “Com o esporte se estruturando os árbitros também seguem o mesmo caminho, assim a dinâmica do jogo só melhora, e será possível se profissionalizar”. Para todos os envolvidos, a profissionalização ainda está longe. Muitos jogadores pagam os equipamentos e as viagens do próprio bolso. Mas ao mesmo tempo o nível do esporte cresce a cada dia, mesmo tendo outros empregos e treinando pouco, os atletas conseguem proporcionar um grande espetáculo para a torcida que está cada vez mais presente nos campos. Existe também quem faça o caminho inverso, e saia do berço do football para atuar no Brasil. É o caso do norte americano Casey Frost, que chegou ao país em 2010 e também atua pela equipe do Flamengo. Segundo o atleta, tempo e estrutura são os grandes obstáculos da modalidade no Brasil. “Lá durante a semana os atletas se dedicam inteiramente ao esporte. Treinávamos 12 horas no campo, mais sete horas na academia e mais cinco horas assistindo nossos vídeos e também do adversário. Aqui como todo mundo trabalha e estuda, acaba tendo pouco tempo para treinar, e temos sorte se pudermos treinar seis horas por semana”, detalha. ∆

Maciel, mais conhecido como Batman, carrega a responsabilidade de ser jogador e também árbitro

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turismo

Foto: Edy Rizzi


Pouca grana e

PÉ NA ESTRADA Mochilão é alternativa barata para quem sonha viajar pelo mundo

LILIANE MARACAJÁ lilimnascimento@yahoo.com.br

MURILO BUSOLIN murilobusolin@hotmail.com

C

ada vez mais os jovens estão optando pelos famosos “mochilões”, com o objetivo de conhecer novas cidades, países e culturas através de viagens que exigem mais independência e que “cabem no bolso”. Portanto, se você pretende viajar com seus amigos ou até mesmo sozinho para se aventurar pelo mundo, mas gastando pouco, faça um mochilão e hospede-se em um hostel! Ficou na dúvida sobre o que é um hostel? Na verdade hostel é sinônimo de albergue, ou seja, é um tipo de acomodação, onde as principais características são: preço baixo e convívio com diversos tipos de pessoas. Quando você se hospeda nesse local, você compartilha quarto, banheiro e cozinha, e isso desperta os sentimentos de solidariedade, respeito, educação e convívio social com pessoas diferentes de você. Entrevistamos vários mochileiros e apresentamos para você as melhores e piores experiências dessas viagens, a fim de compartilhar dicas e alertar os novos viajantes sobre todos os pontos positivos e negativos. Para quem vai fazer um mochilão, hospedar-se em um hostel, além de ser uma opção barata, é a melhor maneira de conhecer outras pessoas e novas culturas. A jornalista

Lia Cassano fez intercâmbio no Canadá e decidiu que morar em um hostel seria a melhor forma de aproveitar sua viagem. “Morei três meses em Vancouver para estudar. No primeiro mês, fiquei em casa de família, porque não era fluente em inglês e seria mais fácil dessa forma. No segundo mês, quando já me comunicava tranquilamente, decidi ir morar num hostel para ter uma experiência diferente. No fim,

[ ] Ficar em hostels resulta em experiências incríveis

que o dono do local interagia com os hóspedes, participando dos jogos de sinuca e das conversas, assim como a mulher dele, garantindo boa recepção a todos. Hospedar-se em um local comunitário resulta em experiências incríveis para os visitantes, pois muitos hostels servem bebidas típicas e boa comida, tudo para promover a interação entre os hóspedes. Assim como conta Miranda, que revela que o “Sereia do Mar” servia até rodízio de pizzas. “Pedi pra eles fazerem uma pizza que não tinha no cardápio. Eles acabaram gostando do pedido e incluíram na lista do hostel. Nesse mesmo dia, estava rolando música ao vivo de uma artista peruana e ela estava cantando Guantanamera quando fiz o pedido. E o nome da pizza acabou se tornando o mesmo nome da canção”, conta.

fiquei lá até o dia de voltar para o Brasil”. E ela não se arrependeu. “Conheci australianos, italianos, suecos, coreanos, argentinos, entre outros. Esse mergulho na coletividade nos ajuda a entender o próximo, a ser menos individualista e egoísta”.

Além de fornecer experiências únicas, os hostels são opções mais baratas que hotéis e pousadas. No Brasil, as diárias podem variar entre R$ 15 até R$ 150. Já no exterior, os preços variam entre U$$ 7 e U$$ 70.

O estudante Allan Douglas Miranda viajou para Paraty (RJ) em julho de 2011 e ficou cinco dias hospedado no hostel “Sereia do Mar”. Miranda conta

A estudante Maria Carolina Assumpção ficou hospedada no mesmo hostel que Miranda. Ela ressalta os mesmos pontos positivos, mas também conta nov. 2014 | edição 80

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Carolina tentou reservar quartos em um hostel de Edimburgo, mas ela nunca recebeu a confirmação e, quando chegou ao local, aconteceu o que já era previsto: não havia nenhuma vaga para eles dormirem. Aqui vai mais uma dica para qualquer viajante: sempre confirme a sua reserva antes da viagem e, se precisar, entre em contato pelo telefone e deixe tudo acertado para evitar surpresas durante a viagem! Sem lugar para se hospedar, Maria Carolina e os amigos conseguiram um mapa de hostels da cidade e descobriram a rede YouthHostel, onde se hospedaram por apenas uma noite. Para os demais dias, eles conseguiram vagas no Royal MileBackpackers, que fica localizado na rua do Castelo de Edimburgo e ela conta que esse hostel foi o seu preferido de toda a viagem no quesito “temas”. “Cada quarto tinha um tema. Fiquei no Gotham City e caí com a cama do Batman. De lá, seguimos para Glasgow, deixando um pouco do nosso coração em Edimburgo, porque a cidade realmente encantou a todos”, destaca.

que houve algumas particularidades, como a falta de água e luz. “A gente já sabia que isso poderia acontecer, pois estávamos hospedados na alta temporada e fomos informados pelo dono do local. Infelizmente, alguns contraíram virose, pois estávamos alojados em 15 pessoas em um único quarto”. Tirando esses problemas, Maria Carolina explica que a estadia foi completamente agradável, assim como a de Miranda.

Filha e irmã de arquitetos, Maria Carolina resolveu colocar em seu itinerário um tour arquitetônico pela cidade de Glasgow, que para ela tem um aspecto mais industrial e cosmopolita. “Seguimos atrás dos grafites do Banksy na cidade, visitamos a sede da BBC e o museu Kelvingrove. São lugares que eu indico para qualquer pessoa com sede de cultura e conhecimento”, ressalta. Para quem estiver em cidades vizinhas, além de Glasgow, e for atravessar a Inglaterra, Maria Carolina afirma que o trem é a melhor alternativa, sendo o transporte mais viável e aproveitador: “A viagem é linda”, conta.

Maria Carolina, apesar da pouca idade, é uma mochileira nata. Ela morou na Inglaterra por seis meses em 2011 e se hospedou em diversos hostels pelo país. Antes de uma viagem com mais três amigos para a Escócia, Maria

Se você deseja conhecer melhor o Brasil, você pode optar por um mochilão nacional, viajando por todo o país, assim como fez o funcionário público Guilherme Tosetto. Em uma de suas viagens, ele decidiu conhecer as

Foto: Caroline Soares

Planejar cada detalhe é essencial para que sua viagem seja inesquecível!

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painel


Ilustração: Erick Ferreira

cidades históricas de Minas Gerais São João Del Rei, Tiradentes, Mariana e Ouro Preto - em apenas oito dias. Em Ouro Preto, Tosetto ficou hospedado em um hostel simples e aconchegante e dividiu o quarto com um alemão. “O local tinha um clima tão descontraído que parecia até uma república de estudantes”, relembra. Mas, que tal saber cada detalhe de como planejar um mochilão? O site mochileiros.com é uma opção para quem deseja esclarecer dúvidas e viajar com segurança e tranquilidade. Criador do site e fundador do Projeto Mochila Brasil, Silnei Andrade conta que entrou para esse meio com o objetivo de facilitar a vida de quem gosta de viajar gastando pouco. “O projeto surgiu da necessidade das pessoas em encontrar informações sobre viagens econômicas e independentes”, explica.

E aí, gostou das dicas? Escolha o próximo roteiro e boa viagem! ∆

Foto: Arquivo pessoal / Maria Carolina Zurita

De acordo com Andrade, quem acessa o site pode encontrar todas as informações necessárias para fazer uma viagem em segurança e com tranquilidade, pois o site é composto por fóruns, nos quais os mochileiros compartilham suas experiências detalhadamente.

Mochileiros destacam que amizade se fortalece com a convivência em grupo

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cultura

Fotos: Divulgação / Kino-Olho

CINEMA INDEPENDENTE no Brasil

Apesar das dificuldades, novos caminhos impulsionam as produções cinematográficas

BRUNO AGUIAR brunohma@hotmail.com

NATÁLIA ELIAS natielias21@yahoo.com.br

O

cinema independente no Brasil sempre enfrentou inúmeras dificuldades, principalmente na disponibilização de recursos. Porém, nos últimos anos, este cenário vem mudando graças a alguns fatores favoráveis à indústria cinematográfica, como a popularização da internet, a disponibilização de fundos setoriais e a tecnologia da filmagem digital, que oferecem novos recursos, incentivando as pequenas produções.

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Mesmo visados como baixos, os custos cinematográficos dessas produções ainda permanecem num patamar de difícil acesso para muitos produtores independentes. Com isso, eles buscam formas alternativas de realizar suas filmagens. Segundo João Paulo Miranda, cineasta, produtor e professor da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), “a produção de um simples curta-metragem gira em torno de R$ 80 mil. No caso dos longas, o baixo orçamento está cotado entre R$ 1 e 2 milhões. Mesmo com a ajuda de patrocínios, às vezes precisamos baratear nossas produções”.

Miranda é fundador de um grupo de cinema independente na cidade de Rio Claro. A equipe surgiu a partir de um projeto de cine clube realizado nas dependências do centro cultural local, que desenvolvendo novas, ideias deu vida à prática cinematográfica. No primeiro semestre de 2014, o curta-metragem “Ida do Diabo”, lançado por eles, foi exibido no Festival Internacional de Cannes, na França. Baseado na obra do escritor russo Mikhail Bulgákov, o curta representa o crescente movimento do cinema caipira. Nos bastidores da equipe, a atriz Larissa Carnecine ressalta as mudanças resultantes dos novos recursos: “Em relação ao cinema


Cena do filme “Um Ensaio”, com os atores Jonata de Jesus e Larissa Carnecine, da equipe Kino-Olho

independente, há inúmeras dificuldades, mas também percebo a ampliação de novas possibilidades. No Brasil, as leis de incentivo à cultura são o meio mais ‘democrático’ que a sociedade possui para atingir os recursos necessários”. Festivais e mostras de cinema independente são o maior foco destas produções, pois são eles que abrem caminho para o contato com o público e reconhecimento de seus trabalhos. A equipe Kino-Olho realiza inúmeras produções anuais para esse tipo de evento. Ainda no interior paulista, outro grupo de destaque é o da “Mostra Livre de Cinema”, coordenado pelo cineasta Roberto Oliveira, que vem trabalhando a proposta de fomentar seu público, levando a arte independente para as cidades interioranas. Em 2014, o projeto recebeu 150 filmes de todo o Brasil, passando por 15 cidades da região do interior de São Paulo e atraindo cerca de 11 mil pessoas. O produtor acredita que “em relação às grandes capitais brasileiras, o

Cineasta João Paulo Miranda confere os últimos detalhes para autorizar a gravação

Produção do grupo Kino-Olho foi exibida este ano no Festival de Cannes, na França

cinema produzido no interior ainda não é levado a sério. Geralmente, os produtores regionais não encaram isso como profissão, realizando assim, grande parte de seus filmes de forma caseira. A falta de interesse do público ainda é a maior dificuldade do cinema independente”, ressalta Oliveira. Longe do tradicional circuito das capitais, as cidades do interior vêm crescendo cada vez mais, abrigando projetos e festivais que encantam os verdadeiros amantes do cinema à procura de produções inovadoras. Segundo a Agência Nacional de Cinema (Ancine) são produzidos anualmente no Brasil mais de 100 filmes de longas-metragens e mais de 400 filmes de curtas-metragens. ∆

Conheça os benefícios que incentivam as produções independentes FSA - Fundo Setorial do Audiovisual: Categoria específica do Fundo Nacional da Cultura, já aprovou desde dezembro de 2008, 359 projetos de produção. Lançou 60% dos filmes no ano passado e realizou uma parceria com o setor de TV por assinatura, fazendo com que mais de 80 canais exibam séries e filmes brasileiros em horário nobre. Ancine - Agência Nacional de Cinema: Disponibiliza R$800 milhões de investimento anual para as produções independentes. A Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV) registrou um crescimento de 65% no número de empresas associadas ao Ancine no último ano. Proinfra – Programa de apoio ao desenvolvimento da Infraestrutura: projeto “Cinema Perto de Você”, instituído pela Lei 12.599/2012, com realização da Ancine e o Ministério da Cultura, em parceria com o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), o programa reúne instrumentos federais para estimular a instalação de novas salas de cinema no país, através de agentes privados. ∆ nov. 2014 | edição 80

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entretenimento

A CARA DA VOZ Conheça o trabalho de quem dá voz aos seus personagens favoritos

JOÃO VICTOR LONGO jaumlv@gmail.com

JÚLIA ALVES jujuzenhas2@hotmail.com

PATRÍCIA SANTOS psantos@unimep.br

Q

uem nunca teve aquela sensação de que conhece uma voz mas não consegue ligar o nome à pessoa? Esse é o mistério por trás da incrível arte da dublagem, um trabalho que nos últimos anos tem despertado muita curiosidade. É bem provável que você não reconheça o nome de Hermes Baroli, mas com certeza conhece a voz do ator que interpretou diversos atores famosos, como James Franco (Planeta dos Macacos e 127 horas), Ashton Kutcher (Cara, Cadê meu Carro? e Jobs), Edward Norton (Clube da Luta) e o personagem Seiya de Pégaso (Cavaleiros do Zodíaco). “Antigamente, os caras não gostavam de ser pessoas públicas, o ator normalmente é muito tímido. Mas o artista gosta de reconhecimento, o artista só é artista porque ele é um ególatra. E o ególatra quer o reconhecimento. Mas é a fama

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painel

perfeita, porque ela se dá na internet, massageia o ego. Você vai nos eventos de anime onde você é uma celebridade”, conta Baroli, que passou a lidar com o assédio dos fãs a partir de 1994, quando interpretou um dos personagens de Cavaleiros do Zodíaco. Ao contrário dos que trabalham com teatro ou TV, nos quais o reconhecimento é imediato, o ator de dublagem é acostumado ao anonimato. Mas o aumento de produtos dublados está aos poucos mudando esse cenário, e cada vez mais, o público vem se interessando em saber quem são as pessoas por trás dos personagens e também a buscar cursos para ingressar nessa área. A atriz e diretora de dublagem Zodja Pereira faz questão de enfatizar que “a profissão de dublador não existe, o que existe é o ator”. A dublagem nada mais é, senão uma extensão desse trabalho, um aprimoramento artístico voltado para atores, destaca. Nos últimos anos esse mercado sofreu uma grande expansão, a maioria dos canais a cabo tem dublagem, assim como a maioria das salas de cinema, que em alguns casos sequer oferecem uma outra opção ao público. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira das TVs por Assinatura (ABTA) revela que 76% do público da classe C prefere conteúdo dublado na TV paga e no cinema. Contudo, uma minoria

ainda se nega a aceitar essa falta de opção, o que na opinião de Baroli é um direito de quem vai consumir o produto. “Tanto a dublagem, quanto a legenda e o produto original são rampas de acesso para o cadeirante, têm que existir”, compara. “O surdo-mudo não faz nada com produto dublado, ele precisa de um produto legendado. O cego, o idoso, o analfabeto, a criança, precisam de um produto dublado. Uma coisa é fato, traduziu, já não é mais o produto original. É uma versão. Então se você quer o produto original, saiba aquele idioma e não há nada melhor do que isso”, explica.

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A maioria dos canais a cabo tem dublagem

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Baroli afirma que, por ser uma técnica especifica, são poucos os que atuam no mercado de trabalho da dublagem, e graças a isso é possível manter um padrão financeiro um pouco melhor do que quem atua no teatro ou na televisão. Quem deseja ingressar na área precisa se arriscar nos locais de maiores oportunidades (eixo Rio-São Paulo) e seguir a dica de quem se deu bem na profissão. É o caso da atriz Gláucia Franchi, que trabalha com dublagem há seis anos, e é a voz de Lince Negra (Wolverine and


Hermes Baroli “empresta a voz” para várias estrelas de Hollywood

Gláucia Franchi trabalha nos estúdios BKS, CBS, Tempo Filmes e Dublavídeo, em São Paulo

Foto: Patrícia Santos

Segundo Gláucia, a profissão ganhou ainda mais destaque nos últimos quatro anos e com isso muitos começaram a buscar cursos, até mesmo pessoas que não são da área. “Para trabalhar com dublagem, antes de mais nada, é preciso ser ator. Se você já é ator, deve fazer um curso de dublagem. Mas o curso é um pequeno passo. É preciso praticar para se aperfeiçoar, e para praticar eu aconselho que a pessoa vá devagar, para não se queimar. Se você exagerar na dose, se tornará inconveniente”, afirma. A dubladora também explica que o trabalho não traz resultados a curto prazo. “É preciso ter calma. Se você fez um curso e não sabe por onde começar,

minha dica é: busque por estágios. Os estúdios deixam iniciantes estagiarem, acompanharem todo o trabalho. Quando você se sentir confortável no estúdio, aí sim, chegou a hora do registro” conclui.

Mercado no interior Mesmo com os grandes projetos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, algumas produtoras têm escolhido o interior pelo preço. “Eles estão descobrindo que nesses lugares há muito talento com preços mais acessíveis e isso é um ganho para nós”, é o que afirma Fernanda de Cassia Moraes, jornalista que há 15 anos participa de alguns trabalhos de dublagem.

Foto: Acervo Pessoal

the X-Men), Blossom (Lalaloopsy), além de dublar diversos reality shows do canal por assinatura Discovery Home & Health.

Fernanda acredita que esse cenário está mudando e indica cursos de impostação de voz, para quem tem intenção de trabalhar nesse mercado.

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Foto: Divulgação

jogos

O jogo Assassin’s Creed IV foi indicado como melhor roteiro para games na Writers Guild Awards 2014, o Oscar dos games

ISA CAMPOS isafrancodecampos@gmail.com

A saga dos

GAMES O foco na experiência interativa eleva o nível dos jogos e proporciona roteiros tão elaborados quanto os de filmes de cinema

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painel

A

ção, estratégia, emoção. Você dentro do jogo. A cada game lançado no mercado, os jogadores ficam mais exigentes em relação ao enredo criado, conhecido como storytelling. A coisa ficou tão séria que vários jogos tiveram seu roteiro adaptado para o cinema. Não consegue se lembrar de nenhum? Que tal “Mortal Kombat”, “Tomb Raider” e “Resident Evil”. Essa é a visão, por exemplo, do estudante de Tecnologia em Jogos Digitais, Bruno Volpe, que defende que a narrativa varia muito dependendo da plataforma a que o jogo é destinado, mas games com investimentos


milionários precisam garantir uma experiência completa. “A narrativa é cada vez mais trabalhada, o que é possível devido à tecnologia moderna que pode gerar cenários e personagens muito próximos da realidade e ser tão convincentes que confundimos com um filme interativo”, diz. A evolução dos games é nítida: roteiros bem elaborados, gráficos realistas, histórias com começo, meio e fim, mas as opiniões entre qual geração de games é a melhor é bem dividida. Maurício Trez Ottani é apaixonado pelos jogos da época dos cartuchos e defende seu ponto de vista. “Prefiro os jogos antigos porque me trazem diversão, desafio e nostalgia. Não existia tutorial para os jogos antigos e você quebrava a cabeça para passar cada fase, diferente de hoje”. Mas, tem gente que pensa de outra forma, como Ricardo Marchezini, que dedica em torno de quatro horas por dia a jogos com enredo mais elaborado e acredita que, para a grande maioria dos gamers, os jogos são apenas passatempo. Entretanto, para uma parte menor vai além, e o jogador passa a debater as suas opiniões e valores contra os que são mostrados nos jogos. O mercado dos games atingiu também os dispositivos móveis, e apesar de serem mais simples, os jogos para celulares também exigem atenção dos desenvolvedores de games com o roteiro. André Della Torre, proprietário da empresa Distecno Mobile, especializada em desenvolvimentos de games para essa plataforma, explicou à Painel que, ao lançar um jogo, algumas precauções são tomadas: “Para nada dar errado no lançamento do game, primeiro é lançada uma versão beta para algumas pessoas e depois as correções são feitas de acordo com os feedbacks desse grupo”.

Fotos: Divulgação

1

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Jogos jornalísticos: será que rola?

Nunca houve uma interação tão grande das pessoas com as máquinas e dispositivos móveis como hoje. No meio dessa história de amor com a internet, muitos jovens deixaram de procurar notícias pelas mídias tradicionais e procuram as alternativas e interativas. Para chamar a atenção dessas pessoas, alguns jornais e revistas, como o “Zero Hora” e a “Superinteressante”, investiram nos newsgames, que são jogos criados e roteirizados a partir de fatos jornalísticos reais. Fred Di Giacomo é ex-editor do Núcleo Jovem da Superinteressante e hoje mantém um blog no site da revista. Ele defende o uso da modalidade como meio de informação e uma forma de transportar o jornalismo para as linguagens do século 21. “Os newsgames podem atrair os gamers e o público mais jovem para os sites de notícias e mostrar que temas sérios não são necessariamente chatos. Na outra ponta, esse formato também pode levar pessoas que não têm nenhum contato com games a se apaixonarem por essa mídia”, acrescenta. Logo que entrou na Editora Abril, Di Giacomo foi contratado no Núcleo Jovem para renovar os sites de algumas das revistas da editora.

Fred Di Giacomo trabalha no desenvolvimento de um newsgame para a revista Galileu ( 1 ) Estudante de Tecnologia em Jogos Digitais, Bruno Volpe defende que as narrativas garantam uma experiência completa ao jogador ( 2 )

Iniciando com infográficos animados, o conceito dos newsgames foi crescendo e tomou forma na “Super” depois do jogo “CSI”, que durante a narrativa mostrava ao internauta como funciona a perícia forense, como jogos educativos, com infográficos e jogos para explicar eventos quentes. O mix entre jornalismo e game foi bem aceito, tanto que Di Giacomo fundou uma empresa na área e já programa para novembro o lançamento de um newsgame para a revista “Galileu”. Os jogos jornalísticos demonstraram ser um meio de mostrar aos jovens e até adultos que a realidade pode ser tratada de uma forma diferente. E aí, preparado para jogar? ∆ nov. 2014 | edição 80

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design SEÇÃO Divisões temáticas ou assunto da matéria são apresentados no topo de cada página

De cara

NOVA Revista Painel teve identidade visual reformulada em sua 80ª edição

TIPOGRAFIA A nova fonte usada nos títulos permite variar o peso visual por cores e tamanhos

LINHA-FINA Complemento do título

JOSÉ LUIZ ZULIANI JUNIOR zeluizuliani@gmail.com

LEON BOTÃO lbotao@gmail.com

MARIA LUIZA GONÇALVES mgoncalvesmariano@gmail.com

RODRIGO ALONSO rodrigo.alonso_@hotmail.com

NUMERAÇÃO A revista utiliza o grafismo do novo logotipo na numeração das páginas

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painel

D

izem que “quem vê cara, não vê coração”. Esse ditado cai por terra na revista Painel, que teve sua identidade visual completamente remodelada por estudantes do curso de design gráfico da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). A aparência mudou: é mais moderna e jovem, sem perder a credibilidade, o que combina com o conteúdo desta 80ª edição. De acordo com o estudante Jonathans Trevisan, que desenvolveu o projeto gráfico ao lado de Caique Castro e Lucas Fogaça, mais do que uma atividade acadêmica, a reformulação foi um desafio para o grupo, que vê na interação entre os cursos de jornalismo, fotografia e design algo necessário. A equipe ainda contou com a ajuda do aluno Erick Ferreira no processo de diagramação e edição de fotos. Mais do que buscar um resultado agradável visualmente, os criadores do projeto afirmam que o objetivo

foi tornar a revista mais atrativa ao público alvo: os estudantes da Unimep. “Queremos ajudar a aumentar o número de leitores. É uma revista feita por alunos, mas que muitas vezes não é vista pelos estudantes, queremos que a Painel seja reconhecida”, explica. “Conseguimos transformar uma revista que tinha muito texto, boxes completamente quadrados, eram justificados, em um produto com flexibilidade nas formas, abuso de cores e imagens de alta qualidade. Tornamos o que era ‘quadrado’ ‘redondo’”, afirma o aluno. O projeto foi desenvolvido pelo grupo na disciplina de Produção Editorial, do professor Camilo Riani. Para se aproximar do público alvo, Trevisan explica que o grupo optou por tipos de fontes mais modernas e por um visual mais limpo, com mais espaços em branco e textos mais compactos. “A ideia era transformar a revista para que ela conseguisse atender melhor o público jovem, que


BRANCOS As páginas desta edição contêm mais espaços em branco, permitindo maior “respiro” visual

é o maior público da Unimep. Hoje, o público jovem está na internet, então pensamos em deixar a diagramação mais agradável nesse sentido”, explica o aluno. Além de criar o projeto gráfico, os estudantes ficaram responsáveis também pela diagramação, ou seja, a montagem das páginas da revista, o que foi um desafio ainda maior, já que foi a primeira vez que eles fizeram esse tipo de trabalho. Trevisan conta que, durante a criação do projeto, eles não tinham compromissos com o tamanho dos textos que eram aplicados e nem com o tamanho de imagens e boxes, mas quando as matérias desta edição foram elaboradas, houve a preocupação com o número de caracteres, por exemplo. “Foi necessário pesquisar e adotamos um sistema de módulos de texto para que houvesse equilíbrio nas páginas”, conta o jovem. Além de inspirações próprias e conceitos teóricos, o projeto gráfico surgiu após a busca de referências em

Foto: Lucas Jacinto

FOTOS O novo formato da Painel traz imagens de alta qualidade feitas em parceria com os alunos do curso de fotografia

Estudantes do curso de design da Unimep desenvolveram o projeto gráfico

revistas já consolidadas. “Buscamos nosso norte em publicações com uma cara mais jovem, que tivessem o mesmo público da Painel, como a Galileu e a Superinteressante. Outra inspiração foi a ABC Design, que é uma revista referência para o público de design no Brasil, tanto em qualidade de texto quanto em visual”, conta. Mostra acadêmica O projeto gráfico da revista foi além da prática da sala de aula e da publicação, virou também trabalho acadêmico aprovado na Mostra Acadêmica da Unimep, fato inédito entre os estudantes do curso de design. O grupo pretende também inscrever o material no congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom). “O projeto foi publicado em nosso portfólio virtual e, por incrível que pareça, esse foi o trabalho mais visualizado, e ficamos felizes pelo retorno”, conta o estudante.

CORES Cada páginas traz uma harmonia de cores diferente, que ajuda a deixar o conteúdo mais dinâmico e atrativo

LEGIBILIDADE Nova fonte usada no corpo do texto inspira publicações digitais e facilita a leitura

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tecnologia

MOBGRAFIA Fotografias feitas pelas lentes de aparelhos móveis ganham identidade, forma e profissionalismo

STEFANIE ARAUJO stefanie_aa@hotmail.com Fabricantes de celulares investem na cada vez mais na qualidade das câmeras

THAÍS FIRMINO thais.sfc@hotmail.com

Q

uem poderia imaginar que seria fácil carregar uma câmera no bolso, e a qualquer momento fazer um clique? Pois é, hoje isso é comum e a arte da fotografia já ganhou um novo conceito: o movimento mobgrafia, que é o nome dado para as fotos tiradas e editadas por plataformas móveis. O termo foi criado pelo fotógrafo Cadu Lemos quando comprou seu primeiro iPhone e percebeu que podia fazer fotos de boa qualidade. Ele descobriu que mais pessoas estavam usando o aparelho para tirar e postar fotografias artísticas. “Fui estudar e testar os aplicativos de edição, filtros, efeitos e descobri esse novo mundo. Comecei a compartilhar este conhecimento com amigos fotógrafos que me incentivaram a montar workshops estruturados”, destaca.

Foto: Walkiria Pompeo

Lemos está à frente da marca e movimento Mobgraphia (com “ph”), que tem por objetivo consolidar essa nova linguagem fotográfica, através de workshops, festivais, prêmios e exposições nacionais e internacionais. Os veículos jornalísticos também têm

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painel


Foto: Stefanie Araujo

Fotógrafo amador capta imagens do pôr do sol em Piracicaba

se rendido a este novo conceito. A cobertura da guerra no Afeganistão, feita através do celular pelo coletivo fotográfico Basetrack e o furacão Sandy, que deu ao fotógrafo Ben Lowy a oportunidade de ver sua foto, tirada com dispositivo móvel, na capa da revista Time, são casos de destaque em que a imprensa fez valer o uso da mobilidade dos celulares. César Ovalle, o Cesinha, é um dos destaques das fotografias com o celular. Além de ser fotógrafo da banda NX Zero, ele utiliza o aparelho para captar imagens desde 2010. “Como os celulares são mais limitados, acho um belo exercício me forçar a fotografar com eles”. Cesinha tem feito vários trabalhos por conta das fotos tiradas com o dispositivo móvel. Fez duas exposições no Museu da Imagem e Som (MIS) em São Paulo, a capa de um single para a banda NX Zero e também um lyric vídeo, além de trabalhos para a Motorola, Samsung e Ford. O fotógrafo Cadu Lemos explica que mobgrafia (com “f”) abrange todas as áreas da arte e fotografia, até mesmo

no jornalismo. “Por sua agilidade e porte fácil permite ao fotojornalista ou a qualquer um presente num determinado evento, dividir online e real time a informação”. Os jornais Gazeta de Piracicaba e A Tribuna Piracicabana publicam fotografias de celular na versão impressa. Na Gazeta, o uso de fotos captadas pelo dispositivo é raro e são

[ ] O olhar diferenciado é a vantagem do profissional

utilizadas em casos que demandam imediatismo. “Geralmente [são] fotos de acidentes e apreensões feitas pela polícia, que por vezes o horário e local não permitem a presença imediata do repórter e fotógrafo”, afirma o editor de fotografia Christiano Diehl Neto. Para o editor-chefe da Tribuna Piracicabana, Erich Vallim Vicente, o uso de fotografias com o celular

é frequente devido à “agilidade, especialmente para o repórter que já pode ter uma imagem para a matéria sem depender de outro equipamento ou de outro profissional. A desvantagem é a qualidade”.

Na palma da mão De acordo com Cadu Lemos, as marcas de aparelhos têm se preocupado cada vez mais com a qualidade das câmeras. “Todo mundo que está no mercado de celulares já se preocupa com qualidade de imagem. Empresas como Nokia, LG, Sony estão na mesma briga pelos fotógrafos/consumidores”. A Mobgraphia em parceria com a Samsung lançou, no dia 18 de setembro, o livro “Olhar de Torcedor”, que contém apenas fotos tiradas com dispositivos móveis. Um aplicativo que tem sido muito utilizado é o Instagram (rede social específica para postagem e edição de fotos). Muitos fotógrafos profissionais ou até amadores utilizam para compartilhar e expor seus trabalhos feitos com o celular. Para a Mobgraphia o aplicativo é apenas uma ferramenta nov. 2014 | edição 80

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Foto: @adaniella

Foto: @dickarruda

de divulgação. “Enxergamos a plataforma como um canal de difusão e compartilhamento de imagens, mas é preciso deixar claro que a mobgrafia é diferente de foto no Instagram. Uma coisa é o movimento, a arte, e outra (Instagram) é um canal”, explica o idealizador da Mobgraphia. A fotógrafa Ana Póvoas nunca tirou fotos com o celular e não tem Instagram, pois prefere as fotografias que estão no papel ou no vidro. Mas, entende a mobgrafia como uma tendência do mundo contemporâneo, um novo código visual. “Percebo o mundo ávido por imagens, e nesse contexto, o mundo está construindo

um inventário imagético infinito, tudo foi e é fotografado”, ressalta.

Novo momento Hoje podemos dizer que todos são fotógrafos? Segundo Lemos, sim, mas acredita que existe um porém, pois o que diferencia é a informação, o conhecimento e a experiência. “Você não tira uma foto, você faz uma foto. Portanto, o olhar diferenciado continuará sendo uma vantagem do verdadeiro fotógrafo”, comenta. Thiago Antunes, formado em cinema, é um dos adeptos da mobgrafia. Para ele o ato de captar imagens é um hobby. Também diz que tirar fotos de

qualidade com o celular fez com que a fotografia estivesse mais presente hoje na vida dele do que estava antes. “Eu sou um entusiasta da mobgrafia, acho fantástica essa possibilidade de você fotografar com o celular, sou sempre a favor da tecnologia”. Mas, reconhece que a imagem de uma câmera profissional é melhor. “Se você tiver uma câmera com grande formato a possibilidade de qualidade de imagem é maior”, afirma. A mobgrafia tem ganhado espaço e reconhecimento. Sobre seu futuro Lemos acredita que “seja sua integração/fusão total com a arte fotográfica. Afinal, é fotografia também”. ∆

SNAPSEED

AFTERLIGHT

VSCO CAM

HIPSTAMATIC

O Snapseed permite editar fotos e vídeos. É grátis e está disponível para Android e iOS. O aplicativo oferece filmes vintages, bordas, ajustes de equilíbrio, contrastes, saturação e muito mais.

Disponível para Android (R$ 2,40) e iOS ($ 0.99). Possui uma variedade de filtros e ferramentas, como Wbordas de diversos formatos e ajustes de brilho, contraste, luminosidade.

Aplicativo muito fácil de usar, está disponível para Android e iOS e é gratuito. Você pode cortar, girar, refazer, apagar, definir contraste, saturação, aplicar filtros que você mesmo pode ajustar.

O aplicativo está disponível somente para iOS ($ 1.99). Com ele você pode deixar suas fotos com aspecto analógico e trocar lentes, filmes, flashes e compartilhar nas suas redes sociais.




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