[ painel ] edição 81 ¬ novembro 2015
PECADOS MORTAIS
Da maçã ao smartphone: reportagens revelam a evolução dos desejos capitais
O Instituto Formar já ajudou milhares de jovens a se transformarem em grandes profissionais e cidadãos.
Com o auxílio do Formar, o jovem tem a sua primeira oportunidade de trabalho e é acompanhado diariamente. Isso se traduz em confiança para a família, para a empresa e ao próprio aprendiz.
ozonio
FORMAÇÃO INTEGRAL PARA O JOVEM
A prioridade é a educação do adolescente, através da formação integral e um corpo docente altamente qualificado.
19 3437 8888 Rua Gonçalves Dias, 721 | Piracicamirim | Piracicaba | SP
/INSTITUTOFORMAR
INSTITUTOFORMAR.ORG
editorial
Modernos, mas pecadores C
ontra Deus, contra o próximo ou contra nós mesmos; em pensamentos, palavras, ações ou na simples omissão. Ninguém está livre do pecado. Longe disso! Quando a ira se manifesta em comentários homofóbicos, racistas, machistas ou xenófobos, principalmente nas redes sociais, fica evidente que a tecnologia – capaz de aproximar as pessoas e revolucionar quase que diariamente o modo como cumprimos tarefas antes complexas – também favorece pessoas mal-intencionadas, dispostas a disseminar o ódio, repudiar as diferenças.
é desnecessário, mesmo se outro for criança, adolescente, vizinho ou parente. Vale tudo pelo prazer. Vale? Vivemos tempos de avanços e retrocessos. A inveja destrói, mas dizem que pode ajudar a construir. Será? Não é fácil administrar a ausência do computador, do smartphone ou de um simples controle remoto. A tecnologia deixou de ser ferramenta para auxiliar os seres humanos e passou a se projetar como candidata a sua dominação, como nos filmes de Hollywood.
É provável que Alexander Graham Bell, inventor do telefone, jamais imaginou que o aperfeiçoamento de sua invenção alcançasse pequenos e cobiçados aparelhos portáteis, dotados de câmeras usadas como espelhos de Narciso, em momentos de culto ao corpo, por meio das famosas selfies, ou do pronto atendimento aos incessantes pedidos para envio de nudes.
Quando tudo parece ao nosso alcance, como resistir à diversidade gastronômica posta à mesa com a chancela do convidativo selo gourmet?! Livre da imposição das dietas e longe do suor das academias, há quem coma bastante e sem culpa, sem medo de se distanciar da forma física que foge aos padrões de beleza, e não hesita em mandar um recado aos mais incautos: Como mesmo, e daí?
Os vídeos eróticos, caseiros ou profissionais, trocados pelo WhatsApp, são como combustível para os “viciados” em pornografia, vidrados na fantasia e cada vez mais afastados das relações reais. Para muitos, ainda hoje, a busca pelo prazer não tem limites. Respeitar o desejo de outra pessoa
Ao apresentar a atualização dos sete pecados capitais instituídos pelo papa Gregório Magno, no século 6, esta edição da revista Painel prova que ira, soberba, luxúria, avareza, preguiça, inveja e gula seguem fazendo novos adeptos e muitas vítimas. Leia sem medo!
expediente Órgão Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep Reitor: Prof. Dr. Gustavo Jacques Dias Alvim - Diretor da Faculdade de Comunicação: Belarmino César Guimarães da Costa - Coordenador do Curso de Jornalismo: Paulo Roberto Botão - Editor: João Turquiai Junior (MTB 39.938) - Editoras-assistentes: Gabriela Morilia, Jéssica Jurgensen, Vanessa Zumesteen Redatores: Andressa Cristina, Carolina Carettin, Felipe Caires, Fernando do Carmo, Gabriela Biasini, Gabriela Morilia, Guilherme Bortolazzo, Jéssica Jurgensen, Joel Felipe Horácio, Julia Hortenci, Marina Mattus, Nathalia Salvador, Tainá Marchi, Thiago Peres, Vanessa Zumesteen e Wellington Lima - Diagramação: Sérgio Silveira Campos (Laboratório Planejamento Gráfico) - Agradecimento especial aos professores Camilo Riani e Oliver Mann - Correspondência: Faculdade de Comunicação Campus Taquaral, Rodovia do Açúcar, KM 156 – Caixa Postal 69 - CEP 13.400-911 - Telefone (19) 3124-1677 - unimep.br
edição 81 | novembro | 2015
sou reporter .com.br painel
[3]
sumário edição 81
6 7
Opinião Pecado na era do Cristianismo
19
Resenha
16 [ Gula ]
Se7en – Os Sete Crimes Capitais
17 Raio gourmetizador sem 19 Gula culpa de 21 Oserpreço saudável 13 8
8
Entrevista Os pecados do jornalista, por Florestan Fernandes Junior
10
[ Avareza ] O dinheiro em 11 primeiro lugar
13
Amor sem sentimento de posse
23
[ Inveja ]
24 Desculpa ou culpa?
26
[ Ira ] a ira e 27 Quando o preconceito se unem ódio por 30 Odetrás da tela
[4]
painel
edição 81 | novembro | 2015
32 [ Luxúria ] 33
Quebra do silêncio: inocentes relatam abusos
35
Desejo incontrolável
40
39
[ Preguiça ]
40 Sedentarismo a um click
37 Formas de prazer
43 O ócio como aliado
49 35
46
[ Soberba ]
47 Tiro selfie, logo existo procura do 49 Àcorpo perfeito
edição 81 | novembro | 2015
painel
[5]
opinião
Pecado, pecadinho, pecadão THIAGO PERES thiagoperes87@gmail.com
D
entre tantos pecados listados na tradição cristã-católica, são sete os citados como capitais, ou seja, aqueles que seriam os fundamentais transgressores da moral e ética religiosa. O pecado, conforme se define, é um delito cometido contra qualquer lei imposta por Deus (seja ele qual for). Contudo, qual é o maior dos pecados? Existe algum do qual devemos nos manter afastados e travarmos insistentes batalhas para não o cometer? Figura central no cristianismo, Jesus, em um determinado, momento proferiu o emblemático desafio aos que acusavam uma mulher de adultério: “quem não tem pecado algum, que atire a primeira pedra”. Não há pecado maior do que aquele que eu mesmo cometo! As coisas que você faz na sua vida dizem respeito a você. Não me interessa se o outro também faz. Nossas atitudes refletem, de alguma maneira, em nós. Seja agora ou no futuro. Talvez seja esta a intenção de classificar os pecados: iluminar a nossa própria imperfeição. “Êpa, olhaê (sic) meu querido, você está comendo demais. Cuidado com essa faca na mão, hein? Que tal levantar um pouco desse sofá?”. É verdade que todos nós cometemos pecados, errar o
[6]
painel
alvo é mais fácil do que acertar. Talvez valha a reflexão: não estamos errando demais? Será que não são estas as causas de tanta desgraça no mundo? Pessoas fazem barbaridades pelo dinheiro, pela fama, tiram a vida uma das outras por inveja e vaidade, vivem sempre em busca do seu bel-prazer esquecendo-se até de seus próprios pais... Fazemos isso tudo e ainda nos escondemos atrás da desculpa de que ninguém é perfeito! Perfeição não é, nem pode ser exigência. Aliás, ela é uma condição inalcançável, considerando a miserabilidade do nosso ser, já tão encrustada em nós desde que o mundo é mundo. Apoiar-se nesta justificativa não ajuda em nada. Não se trata de religião, nem de céu ou de outros dogmas. Os pecados estão explicitados indicando que não devemos seguir por este caminho, tal qual uma placa de trânsito avisa que não devemos virar à esquerda na contramão, pois algo ruim pode acontecer. E acontecem, diante de nossos olhos, todos os dias. Inconformados, nos unimos às mais diversas causas em busca de um mundo melhor, fadados ao fracasso. Se cada um mudasse a si mesmo, seria o suficiente. Perdoe-me pelas palavras rudes e pela sinceridade. Talvez este seja o meu pecado! edição 81 | novembro | 2015
resenha
Vinte anos do crime do pecado NATHALIA SALVADOR nathalia.salv@gmail.com
C
om direção de David Fincher (que mais tarde dirigiria o também notável Clube da Luta), o longa “Seven: os sete crimes capitais” nos traz a história dos detetives David Mills (Brad Pitt) e Willian Somerset (Morgan Freeman) que, em seu primeiro dia de trabalho juntos, deparam-se com o misterioso assassinato de um homem obeso. No dia seguinte, um segundo assassinato ocorre, e dessa vez a vítima é um importante advogado de defesa. Escrito com sangue no chão do escritório do advogado, em frente ao seu corpo, está a palavra cobiça. Instigado pelo novo crime, Willian volta à cena onde o primeiro assassinato ocorreu, onde encontra a termo gula escrito com gordura. A partir daí, os dois detetives percebem que estão lidando com um assassino em série, que está cometendo um crime para cada pecado capital. Engajados em capturar o criminoso antes que ele possa matar mais cinco pessoas para representar os pecados da luxúria, inveja, ira, preguiça e vaidade, Mills e Somerset passam também a desenvolver um relacionamento de amizade. Jovem, determinado e impulsivo, David passa a dividir seu tempo entre a averigua-
edição 81 | novembro | 2015
ção do crime e a sua rotina com a esposa, Tracy Mills (Gwyneth Paltrow), com a qual tem um relacionamento desde a época em que estavam no colégio, e que não gosta da vida na “cidade grande”, mas esconde o fato do marido para não o desapontar. Com atuações excepcionais por parte dos atores principais, David Fincher soube contar uma história de suspense como pouquíssimos diretores fizeram ao longo da história do cinema. Os efeitos de sonorização foram responsáveis por dar aos momentos de tensão a expressividade necessária para despertar no expectador sentimentos de angústia e ansiedade. O principal destaque da direção de Fincher, entretanto, é a fotografia: ângulos em alguns momentos inusitados que casaram perfeitamente com as cores frias apresentadas pelo cineasta, e que trouxeram à tela o clima frio no qual enredo é ambientado. Um clássico da década de 90, “Seven: Os sete crimes capitais’ é uma aula sobre como criar um filme de suspense com mais de duas horas de duração e que consegue prender a atenção do público durante cada segundo – além de surpreendê-lo com um final de tirar o folêgo. painel
[7]
entrevista
FERNANDO DO CARMO fcarmo1988@gmail.com
Tito Morais
C
‘Show
de horror’ Florestan Fernandes Junior critica os programas policiais exibidos por grandes emissoras de televisão e reforça os cuidados necessários para a produção de jornalismo com qualidade
[8]
painel
onvidado especial para o 7º Simpósio de Jornalismo da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), o jornalista Florestan Fernandes Junior apresentou os principais desafios do jornalismo contemporâneo. Em entrevista à revista Painel, o gerente executivo de jornalismo da TV Brasil – que atuou como repórter no jornal Folha de S. Paulo, na TV Globo e na TV Cultura – aponta os principais entraves ao jornalismo de qualidade. Quais são os sete “pecados capitais” cometidos pelos jornalistas? Florestan: Eu não diria necessariamente pecados, mas cuidados que devem ser tomados. O primeiro deles é fazer uma checagem correta da informação, é preciso ver se a notícia é verdadeira. O segundo é ouvir os dois lados da história. Também é preciso investir na apuração, uma boa investigação pode levar o repórter para uma questão que ele jamais teria imaginado. “Uma boa reportagem é feita de detalhes”. A quarta é elaborar e construir essa reportagem corretamente e com cuidado, além de saber exatamente qual é a informação principal para o leitor. Outro cuidado na elaboração da matéria é não utilizar de palavras que possam disseminar preconceitos e prejulgamentos. Uma questão muito importante é a falta de envolvimento dos repórteres com a matéria. O jornalista precisa ter em mente que todas as matérias são importantes, ele não pode deixar de dar devida atenção a uma reportagem por achar que ela é menos importante. edição 81 | novembro | 2015
E a última é não ser preguiçoso. Essa coisa de abrir mão de uma matéria porque vai estourar o horário não pode ocorrer. Acho que dependendo do que você está fazendo, é preciso ter a dimensão da importância da matéria. Acredito que essas dicas são importantes para um bom jornalista. Alguns especialistas em comunicação acreditam que para “salvar” o jornalismo é necessário repensar a sua função e reapresentar claramente essa definição ao público. Qual é a sua opinião? O bom jornalismo é aquele que vai atender aos interesses do cidadão, se ele não cumpre ou distorce isso, acaba sendo ruim para a imagem da profissão. Esses programas policiais que passam no fim da tarde na Rede Bandeirante e na Record não podem ser chamados de programas jornalísticos. É um “show de horror” que disseminam o preconceito e distorcem a informação. Além de incutir na cabeça da população falsas realidades e defender ideias de que “bandido bom é bandido morto”. Estes programas deveriam ter horário para entrar no ar, e seria depois da meia-noite. O cara fica duas horas “vomitando” o que ele acha e dando sua opinião em tudo. Eles se acham os especialistas em tudo, desde educação até segurança, saúde, violência, eles sabem tudo. E geralmente quem assiste a esses programas sensacionalistas são pessoas mais humildes, que acabam tendo uma informação distorcida, carregada de preconceito e ódio. Mas também temos casos de ótimos jornalistas na grande mídia, é o caso do Caco Barcellos que há anos faz um bom trabalho na rede Globo. edição 81 | novembro | 2015
E quanto aos articulistas, ou o Jornal da Cultura, que convida dois comentaristas na bancada para dar a opinião nas reportagens, é ruim? Quando ela é ideológica sim. Os articulistas fazem um jornalismo de pensamento único, e isso é ruim. Já o Jornal da Cultura não é imparcial. Você não vê uma reportagem falando mal do governo do estado no jornal, ou algum comentarista com essa ideia. Se for para levar algum jornalista para comentar uma reportagem, teriam que levar sempre uma pessoa diferente, não os mesmos. Mas aí você coloca um jornalista da revista Veja para comentar uma matéria. Só pode ser piada né? Ali é uma campanha para o partido político do estado de São Paulo. O bom jornalismo não é para ficar atacando ninguém, denegrir a imagem de uma pessoa ou fazer campanha partidária.
[
]
“O bom jornalismo não é para ficar atacando ninguém”
Além de ter aumentado a liberdade de expressão e descentralizado a produção das grandes empresas jornalísticas, quais outros benefícios e perdas causadas pela internet ao jornalismo? O que você tem hoje são blogs com pensamentos de direta e de esquerda, você precisa saber o que está lendo, mas pelo menos agora é possível conseguir informação com um pensamento diferenciado. Além disso, as redes sociais acabaram virando um termômetro para o jornalismo. Por exemplo, se o jornal nacional faz uma reportagem ruim, com informação manipulada, os jornalistas sérios podem utilizar a internet para criticar e divulgar essa manipulação, ou pode elogiar o jornal quando ele fizer uma matéria equilibrada e ampla.
Apesar da informação ainda estar concentrado nos grandes veículos de comunicação, a única coisa é que hoje tem o contraditório meio que imediato, assim que você publica uma reportagem já começam a surgir os comentários na rede sociais. Mas no mínimo você é obrigado a pensar, só um idiota não pensaria duas vezes antes de acreditar numa matéria da revista Veja. Antes ninguém pensava porque não tinha contraditório, o que ela falava era tido como verdade. Um caso muito interessante de manipulação foi àquela bolinha de papel jogada na cabeça do então candidato à presidente José Serra. Em favor de um candidato que a Globo apoiava, o Jornal Nacional divulgou que José Serra tinha sido atingido por uma pedra. Você acredita que as reportagens e o caminho do jornalismo apresentado nas grandes mídias estão em crise, ou com um objetivo não alinhado com o desejo da população? Infelizmente nossa grande mídia pertence a algumas famílias que utilizam seus veículos em interesse econômicos e políticos pessoais e não em favor da população. Também estamos muito atrasados em relação aos países europeus, onde você não pode ter um monopólio de veículos. A faculdade faz um bom serviço na hora de formar um jornalista? Você considera a faculdade de jornalismo necessária e indispensável? Olha, a faculdade de jornalismo é importante para formar o profissional tecnicamente. Isso não quer dizer que não é possível ser jornalista sem formação acadêmica, mas a faculdade pode ensinar vários conceitos básicos que demorariam ao jornalista aprender no dia a dia da profissão. painel
[9]
[
]
Avareza
Ilustração:YASMIN OLIVEIRA
[10]
painel
edição 81 | novembro | 2015
[ Avareza ]
Ostentação SXC
profissional
Pessoas no mundo todo encontram no trabalho excessivo a oportunidade de ter o que sempre sonharam: dinheiro
GUILHERME PIRES guilhermebp92@gmail.com
Q
uando a Revolução Industrial se disseminou pela Inglaterra, a partir do século 18, o sistema econômico mundial apresentou um novo comportamento, assim como seus trabalhadores. Os antigos processos de manufatura eram lentos e com ínfima margem de lucro. Assim, grandes corporações surgiram visando o maior aproveitamento do homem nas linhas de produção. Esta transição social e econômica favoreceu o aparecimento de novas doenças psicológicas e o desenvolvimento de outras já existentes. Apesar de não haver registros, trabalhadores compulsivos sempre existiram, porém, esta com-
edição 81 | novembro | 2015
pulsão acentuou-se a partir do século 20, criando uma nova classificação para estas pessoas: workaholics. A expressão workaholic é americana, e começou a ser usada na década de 70. Tem origem em alcoholic, que em inglês significa alcoólatra. Essa compulsão por trabalho é encontrada em maior intensidade nas grandes metrópoles, onde as pessoas frequentemente se encontram em situações de alta competitividade profissional. De acordo com o professor Daniel de Carvalho Luz, autor de livros de motivação e autoajuda, como ‘Insight’ e ‘Fênix’, “nossos hábitos são formados por diversos componentes (genética, ambiente, tradições painel
[11]
[ Avareza ]
familiares, educação, religião, fuga psicológica, traumas, etc.), então, cada caso deve ser avaliado individualmente. Mas podemos afirmar que a família, a educação e o ambiente tem uma influência significativa”, explica. Os advogados, Leonardo e Fernando trabalham em um escritório em Piracicaba. Ambos sofrem desta compulsão, mas, ao contrário do que se pensa, eles adoram isso. “Sou muito feliz desta forma, pois não vejo minha obsessão como doença, mas como uma bússola, o meu norte. Há pessoas que trabalham para pagar contas, cuidarem de suas famílias, entre outras questões. Eu trabalho porque gosto de dinheiro, não do dinheiro. É diferente. Pessoas que gostam de dinheiro, quando fazem um saque, não veem notas, veem possibilidades. Pessoas que gostam do dinheiro, provavelmente nunca o conseguem e não saberiam o que fazer com ele”, explica Luiz, sorridente.
Fernando diz que existe um grande equívoco a respeito dos viciados em dinheiro. “Muitas semanas, trabalho de domingo a segunda e, honestamente, não vejo problema nisso. Não planejo meus finais de semana, faço bom uso do dia atual, do presente. Hoje, pra mim, é o sábado de muita gente, pois, me divirto trabalhando”. Leonardo conta que teve uma infância difícil, cheia de dificuldades. “Talvez eu tenha desenvolvido este vício por coisas superficiais como resposta à vida ruim em que eu e minha família vivíamos. Todas as vezes em que eu ia para escola ou faculdade, eu lembrava dos problemas que tínhamos em casa e pensava que a única forma de resolver aquilo era bem simples: trabalhando, e muito!”, recorda.
[
]
“Eu trabalho porque gosto de dinheiro, não do dinheiro”
Por outro lado, Walter, formado em engenharia mecânica, 47, seguiu um caminho diferente dos advogados. Atualmente, sozinho, ele vive em uma casa de dois cômodos em um bairro que não o lembra nada dos seus antigos apartamentos. “Perdi tudo, engraçado, né?”, ironiza.
SX C
“Eu costumava largar minha esposa aos finais de semana para gastar meu dinheiro. Comprei roupas, casas, drogas e tudo mais que você imaginar. O engraçado de tudo isso, é que eu não sentia satisfação em gastar meu dinheiro, e sim, o prazer de ver aquele maço de notas na minha mão”, conta. Quando perguntado se talvez tenha
[12]
painel
exagerado, ele rebate: “Você gosta de carros, não? Gosto tanto quanto você, só que os meus são mais caros”. O viciado em dinheiro é seduzido facilmente com facilidades no crediário, juros reduzidos, entre outras propostas que possam convencê-lo a consumir. “No Brasil, não há outra alternativa senão se transformar em workhaolic. Você tem que trabalhar bastante, desde que isso não prejudique sua vida pessoal. Eu, infelizmente, não consegui separar estes dois mundos”, lamenta Walter. Um levantamento feito pelo Serasa Experian, este ano, revela que até 31 de março, quatro em cada dez brasileiros estavam na lista de inadimplentes. Leonardo tem uma visão diferente. “E os valores? Por que eu teria que perdê-los? Não posso ser um homem honrado e bem-sucedido?”. Apesar de discordar do professor, Leonardo conta sobre sua ex-noiva, que o deixou por causa da sua ganância excessiva e falta de autocontrole. O advogado abaixa a cabeça e mantém-se em silêncio por alguns segundos, endireita-se novamente e completa: “Alguns demoram para visualizar a relação entre dinheiro e respeito. Estes ‘atrasadinhos’ não medem consequências, tampouco se importam com pessoas que vivem ao seu redor”, considera. Apesar de o advogado demostrar uma visão otimista de seu vício, Carvalho Luz alerta que “alguns casos podem ser considerados patológicos, sendo assim, requerem tratamento adequado, pois, tudo o que é exagerado não é normal, e se não é normal, é necessário ajuda profissional”. Leonardo ajeita-se em sua cadeira e conclui: “Dinheiro é o produto do século 21”. Fernando solta uma gargalhada tímida e rapidamente se recompõe. Em tom sério, ele corrige: “O século 21 é o produto do dinheiro”. edição 81 | novembro | 2015
SINB FOTOGRAFIA
[ Avesso da Avareza ]
MUITOS
amores
Um é pouco. Dois é bom. Três ou quatro? Melhor ainda. Com o passar dos anos, o amor não saiu de moda. Muito pelo contrário: nunca esteve mais em evidência. E com novas formas de amar, será que o sentimento de ciúmes tem lugar? GABRIELA MORILIA gmorilia@yahoo.com
K
linger e Paula estavam juntos há seis meses quando ele decidiu se abrir sobre fidelidade. “Chamei a Paulinha para conversar sobre alguns erros que cometi no passado e também da franqueza e cumplicidade que eu gostaria que existisse entre nós. Eu queria que existisse sempre um canal aberto onde poderíamos falar abertamente sobre qualquer assunto”, relembra ele. A partir de então, o casal
edição 81 | novembro | 2015
combinou de não esconder nada um do outro e de o que quer que quisessem mudar ou fazer na relação, fariam juntos. “Após alguns dias ela me procurou então pra falar sobre a curiosidade de ficar com meninas e, se mesmo casada, poderia realizar”. Como haviam combinado manter o relacionamento de forma transparente, Klinger não a repreendeu. “Não estávamos ali para um limitar o outro”, explica. painel
[13]
[ Avesso da Avareza ]
A partir de então, a moça passou a ter experiências com outras mulheres, mas sem a participação do marido. “Preferi que ela ficasse à vontade, sozinha para se soltar melhor com a menina”, conta Klinger. Depois de certo tempo, Paula quis que o companheiro assistisse a uma relação sexual dela com outra mulher, e ele aceitou. “Ela já havia me dito algumas vezes que sentia vontade que eu estivesse junto. Depois de algumas vezes, ela quis que eu participasse ativamente com ela e a menina”. Assustado com a proposta, a princípio ele recusou. “Fiquei com medo de ela sentir ciúmes e ficar com algum trauma de ter me visto na cama com a outra mulher, até porque no início não foi o que conversamos”, confessa. A participação de Klinger nas experiências de Paula começou aos poucos, até que certa vez o casal percebeu que havia sentimentos envolvidos entre eles e a terceira pessoa. “Até então o relacionamento a três era exclusivamente sexual, ménage. Com o surgimento de um sentimento mútuo entre os três, resolvemos namorar. A partir desse momento, tudo mudou: encontramos aquilo que buscávamos sem saber”, conta Klinger. Passados quatro anos da primeira experiência de relacionamento poliamoroso, Paula e Klinger conheceram Angélica, com quem mantêm uma relação até hoje. “É com quem estamos e pretendemos estar juntos para sempre” afirma o rapaz. Os três vivem juntos há três anos em Jundiaí, e se autodenominam um “trisal”. “Não sentimos como se fossemos eu e a Paulinha somados à Angélica. Nós três somos um só casal”, define. Como forma de desmistificar o poliamor e dividir suas experiências, o trisal decidiu criar uma fanpage no Facebook chamada “Casal a 3”, onde mostram sua rotina e respondem às dúvidas do público.
[14]
painel
[
]
“O relacionamento a três era exclusivamente sexual”
Definido como uma possibilidade de manter diferentes relacionamentos ao mesmo tempo, o poliamor prega a fidelidade, mesmo que à sua maneira. Seus adeptos não “traem” os relacionamentos que têm com outras pessoas. “Existem muitas formas de viver o poliamor. Há casos em que a relação é mais aberta, onde todos podem se relacionar com quantas pessoas quiserem. No nosso caso, por escolha nossa, resolvemos ser um trisal fechado.”, conta Klinger. Diferença A principal diferença entre o poliamor e a monogamia está na existência
de certa “exclusividade” entre os envolvidos na relação. “Nos relacionamentos monogâmicos não existe a possibilidade de nenhum dos dois parceiros ter outro relacionamento afetivo ou sexual fora da relação. Já nos relacionamentos poliamorosos, há a possibilidade de estabelecer mais de uma relação ao mesmo tempo, com o consentimento de todos envolvidos na relação”, explica a psicóloga e sexóloga Patrícia Chiarelli. Tal característica das relações poliafetivas seria uma forma de modificar a noção de traição e de fidelidade perante a sociedade. “Os adeptos do poliamor têm um ‘combinado’ de se relacionar com outras pessoas com o consentimento de todos, então neste caso não é possível afirmar que poliamor é sinônimo de traição”, ressalta Patrícia. Mas não é só o poliamor que vem mudando a forma como os relacionamentos são vistos pela
Klinger, Paula e Angélica formam um “trisal” e dividem suas experiências na internet
edição 81 | novembro | 2015
[ Avesso da Avareza ] Juntos há quase três anos, o “trisal” diz que não sente ciúme: “Entre nós não existe competição”
Fotos: Arquivo Pessoal
monogâmica há quase um ano. “Na minha opinião não é possível não sentir ciúmes. Porém, quando ele está ‘controlado’, o que sentimos é a compersão, que bem resumidamente é a felicidade de ver o parceiro envolvido com outra pessoa”, afirma. O especialista Felipe Epaminondas acredita que é impossível existir alguma relação sem a presença do ciúme. “O que existem são relacionamentos em que os membros não deixam o sentimento de ciúme interferir negativamente na qualidade da relação. E, assim como o ciúme é natural do ser humano, ele continuará presente nos relacionamentos, independente de como eles forem”, diz.
sociedade. Nascido como movimento político, o RLi ou Rede de Relações Livres surgiu a partir da união de dois distintos grupos que tinham vivências práticas e teóricas em relações “não monogâmicas”. Inicialmente alocada em Porto Alegre, a rede ideológica tem membros em todos os cantos do país e organiza encontros para debates sobre o tema, principalmente com base nas ideias do filósofo francês Jean-Paul Sartre e da feminista francesa Simone de Beauvoir. As diferenças com o poliamor se dão principalmente na maneira em que enxergam a fidelidade. “Andamos juntos quando o assunto é contestar a monogamia. Mas o RLi é incompatível edição 81 | novembro | 2015
com a moral da exclusividade sexual”, explica Maria Fernanda Geruntho Saladerri, integrante do Grupo RLi. Para os adeptos das relações livres, a exclusividade deve ser evitada por completo. “Rompemos com a exclusividade monogâmica, mas não para cair na exclusividade poliamorista”, finaliza Maria Fernanda. Ao abrir mão da monogamia, algumas pessoas passariam a sentir o oposto do ciúme: a chamada compersão, tradução do termo em inglês compersion, que significa um sentimento de alegria quando o parceiro tem prazer em outro relacionamento romântico ou sexual. É o caso de Raphael Anacleto, 24, que vive de forma não
Flávia Amorim conta que a compersão não é um sentimento obrigatório para as relações não monogâmicas. “Vai muito de enxergar se aquele relacionamento é saudável. É a mesma situação de quando alguma amiga sua fica com um cara considerado ‘cafajeste’, que não faz bem para ela e não a respeita. Se você percebe que a outra relação do seu parceiro não faz bem a ele, não há como se sentir contente por ele”, aponta. Já para Juliana Aranega, 32, adepta da ideologia RLi há três anos, ver um parceiro com outra pessoa, os sentimentos envolvidos são variados. “Os bons são: alegria, desejo, regozijo, satisfação. Os ruins podem ser insegurança, baixa autoestima, posse, e até dor física às vezes”, conta. Para o “trisal”, não sentir ciúme é possível, mas requer tempo e reflexão sobre o assunto. “Em nosso ponto de vista, o sentimento de ciúme nasce com o medo de perder, ou de outra pessoa ser melhor que nós em algum determinado processo. Mas entre a gente não existe competições e nem comparações. Cada um faz o que quer, como quer”, aponta Klinger. painel
[15]
[ ] Gula
Ilustração: MATEUS BON
[ Gula ]
pra quê? A era da gourmetização domina o mercado alimentício JÉSSICA JURGENSEN jessica.talita@hotmail.com
“T
em gente que queima açúcar e joga na pipoca para dizer que ela é gourmet. Uma pipoca com açúcar vale três vezes mais que uma sem açúcar?”. Este é o questionamento do chef piracicabano Henrique Fogaça, proprietário do restaurante Sal Gastronomia e jurado do programa Master Chef Brasil. Ele é apenas um dos grandes cozinheiros que relatam o falso lado do gourmet. E a resposta para sua pergunta, atualmente, tem sido sim! Com o maior interesse da população pela boa gastronomia e, consequentemente, maior curiosidade pela comida de alta qualidade, o termo gourmet voltou à tona. Porém, de forma banalizada e passando a ser aplicado erroneamente, o que gera dúvidas em quem o consome. É a chamada “Era da gourmetização”, na qual muitos produtos passam a ser caracterizados de tal forma a fim de obterem lucro e conquistarem clientes. A televisão brasileira passa por um crescente número de inserção de programas culinários em sua grade. De acordo com o site Observatório da Imprensa, apenas no ano de 2014, as emissoras permitiram que
edição 81 | novembro | 2015
o segmento desse um salto de 38% na grade de programação do país. O interesse do público pelo assunto apresenta relativo aumento, fato que pode ser comprovado por meio dos valores do Ibope no último episódio do Master Chef Brasil deste ano. A Band chegou a conquistar o primeiro lugar no Ibope, com 12 pontos, durante 21 minutos. Mantendo-se posteriormente na vice-liderança, registrando um crescimento de 60% de audiência em relação a primeira edição do programa.
Chef Henrique Fogaça é jurado do programa Master Chef, na Band
O termo gourmet foi utilizado pela primeira vez no século XIX, pelo gastrônomo francês Brillat-Savarin, como gourmandise no livro “Fisiologia do Gosto”, sugerindo a ideia de pessoa que apresenta o paladar apurado, que é apreciadora da gastronomia. Porém, no século XXI passou por uma transformação, tornando-se designação de alimentos de alta qualidade, preparados com cuidados especiais, apresentação sofisticada e diferenciais criativos.
Div ulga ção
“Para Savarin, gourmet descreve a pessoa que se aprofunda no conhecimento da painel
[17]
Fotos: Jéssica Talita Jurgensen
[ Gula ]
culinária, associando produtos, regiões e saberes tradicionais. Toda preparação feita com cuidado ao uso do ingrediente, às origens e tradições e aplicação das técnicas culinárias pode ser considerada gourmet”, afirma Mariana Avila Maronna, Coordenadora Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Pela crescente procura do público pelo gourmet, surgiu-se uma vulgarização do termo, sendo muitas vezes utilizado apenas como marketing. De acordo com o chef francês Dudu Lima, que atua no ramo há 40 anos, o gourmet era comum, porém não muito usado. Para ele, atualmente, tudo leva a nomeação. “A culinária gourmet vai além de um título, trata-se da busca de um sabor superior com produtos diferenciados. O gourmet tornou-se publicidade, algo que passa a ideia de chique, dá status a quem o come”, conclui o chef. A culinária tem apresentado ainda um crescimento fora das telas, desse modo a população torna-se cada
[18]
painel
[
]
“Eu sou contra o gourmet. Acho que é uma onda e que vai passar”
Marketing e valor elevado contribuem para gourmetizar doces
vez mais informada sobre o assunto. “A culinária cresceu muito do ano passado pra cá. Existem diversos programas televisivos a respeito, além do aumento no ingresso na área gastronômica. A gastronomia está no seu auge, ajudando a disseminar muita informação e, com isso, o público torna-se mais exigente, o que leva muitos locais a exibirem uma propaganda para gourmetizar seu produto e consequentemente lucrar com isso”, afirma Camila Dias, cozinheira e publicitária.
Já Mariana diz que a população tem buscado conhecer mais sobre a culinária, quando vão a outros países e regiões as pessoas buscam novos sabores, o que acaba tornando-as mais exigentes sobre gastronomia, denominando-as gourmet. “Mesmo que não seja área de atuação profissional é um assunto que gera curiosidade. Neste sentido, as pessoas passam a ser mais exigentes com o que comem, qual a qualidade do produto, tornam-se gourmets. Eu não diria que o termo gourmet está sendo banalizado, há sim um interesse maior pelo assunto. A gastronomia passou a ser algo representativo na vida das pessoas”, conclui a gastrônoma.
Fogaça afirma ainda que essa nova era tem dificultado o contato da população com o alimento de boa qualidade. “Eu sou contra o gourmet. Acho que é uma onda e que vai passar. Muita gente deixa de comer fora de casa porque essa chamada gourmetização encareceu muito o custo. Isso afastou a boa gastronomia de grande parte da população”.
Chef Fogaça explica que não há uma definição clara do que é gourmet e que grande parte dos alimentos acabam ganhando a denominação sem de fato ser gourmet. “Tem gente que vai no Sal Gastronomia e diz que é gourmet, mas não é. Eu cobro o justo pelo prato, o que ele realmente vale. O gourmet encareceu muito comer fora de casa. Não acho justo”, concluiu Fogaça. edição 81 | novembro | 2015
[ Gula ]
Sou
GORDO, mas sou Nem todo gordo é triste, autodepreciativo e insatisfeito. Se comer é um prazer, feliz é quem se aproveita e peca com a consciência tranquila!
feliz
THIAGO PERES thiagoperes87@gmail.com
S
e existe pecado bom, certamente o pecado da gula é o melhor deles. Ninguém resiste às delícias culinárias que, geralmente, são cheias de gorduras, calorias, muito queijo e bacon! Comer não é apenas necessidade, é prazer. O professor Thiago Sgarbiero, 32, brinca com o fato de a gula ser considerado um pecado, e cita Tomás de Aquino, santo da Igreja Católica, chamado de Boi Mudo devido ao fato de ser gordo. “Se ele era gordo e virou santo, acho que eu não cometo pecado algum. Eu me entrego a uma boa comida como quem se entrega ao sexo com seu parceiro: não há razão para não fazê-lo”, ressalta. Segundo pesquisa encomendada pela Assert (Associação das Empresas de Refeição e Convênio para o Traba-
edição 81 | novembro | 2015
lhador) o brasileiro gasta em média R$ 602 em alimentação fora de casa. Este valor representa o equivalente a 77% do salário mínimo nacional, ou seja, os brasileiros podem até gostar de futebol, de samba ou de praia, mas gostamos mesmo é de comer. O Ministério da Saúde divulgou que 52,5% dos brasileiros estão acima do peso ideal. E o que isto representa? Se você pensar que estar um quilo acima do peso ideal também conta, talvez os números não representam muita coisa. A nutricionista Virginia Pimentel diz que a partir de 20 quilos acima do peso ideal já é considerada obesidade, no entanto, poucos quilos a mais não criam grandes transtornos para a saúde. “Quando aumentamos o peso é claro que sentimos diferença, a coluna sente, sentimos dificuldade para caminhar ou colocar roupas da moda. Poucos quilos não causam tanto, mas alerta ligado”, ressalta. painel
[19]
[ Gula ]
A todo o momento nos telejornais, nos programas de televisão ou nas novelas, o assunto sobrepeso é abordado, como se este fosse o maior mal da saúde humana. Para se ter ideia, no Brasil morrem mais pessoas devido ao cigarro e o consumo excessivo de álcool do que por obesidade*.
[
A pressão pelo corpo perfeito é, por vezes, mais maléfica do que o peso em si, explica a psicóloga Telma Moro. “A condição de uma pessoa obesa neste contexto pode levar a pessoa a ter baixa-autoestima, depressão, transtornos alimentares, como por exemplo, anorexia e bulimia e não aceitação social mais estes sintomas pode até levar a pessoa a morte através do suicídio”, afirma.
]
“Me entrego à boa comida como quem se entrega ao sexo”
Mesmo com os bombardeios, há pessoas que convivem tranquilamente com o fato de estarem acima do peso e não dão mais atenção para as opiniões alheias. “ Se eu me senti pressionada (a ser magra)? Claro! Fui pressionada quando eu era criança e todas as minhas amigas eram magras e delicadas, e eu grande e ogra. Hoje eu me dou bem com o meu corpo, depois de um tempo a gente começa a aceitar - não por não ter opção, porque tem sim - mas porque se a gente fosse de outra forma, talvez não seria (internamente) como é”, diz Heloisa Dario, 22, estudante de cinema e audiovisual. Segundo a psicóloga Telma, pessoas que sofrem com sobrepeso ou obesi-
Como medir o IMC
Seu peso / Sua Altura² Por exemplo: IMC = 80 ÷ 1,80² IMC = 80 ÷ 3,24 IMC = 24,69
[20]
painel
Resultado
Situação
Abaixo de 17
Muito abaixo do peso
Entre 17 e 18,49
Abaixo do peso
Entre 18,5 e 24,99
Peso normal
Entre 25 e 29,99
Acima do peso
Entre 30 e 34,99
Obesidade I
Entre 35 e 39,99
Obesidade II (severa)
Acima de 40
Obesidade III (mórbida)
Foto: Isabella Martins; Amanda Bianca; Mariana Deltreggi e Patrícia Alves
O IMC (Índice de Massa Corporal) é um calculo feito para determinar se uma pessoa está abaixo, acima ou em seu peso ideal. Calcular seu IMC é simples, é só seguir esta regrinha básica:
dade e tem boa autoestima geralmente são aquelas que primeiramente se aceitam, aceitam as suas diferenças e também “se sentem aceitas nos grupos nos quais estão inseridas”, diz. Bonita e GGostosa Já dizia o poeta Vinicius de Moraes: “me desculpem as feias, mas beleza é fundamental”. O velho ditado também não deixa por menos: “a beleza está nos olhos de quem vê”. Não tem como medir ou padronizar a beleza. O que é bonito para um, nem sempre é bonito para o outro! Foi assim que aos 18 anos, 1.70 m, olhos azuis, cabelos loiros e quilos a mais que Stephanie de Godoy se descobriu linda, mas antes, fez de tudo para ser magra. “Cheguei a pesar 59 quilos, tive distúrbios alimentares, com 16 anos, só bebia agua, e comia verduras batidas no liquidificador, isso não durou muito tempo não, fiquei magra um ano no máximo, depois fui ganhando de novo, à medida que voltei a comer”, conta. Em 2013, a mãe de Stephanie viu o anúncio de um concurso de Miss Plus Size, em Rio Claro, e a incentivou a se inscrever. “Eu me apaixonei pela ideia, foi ótimo saber que existiam muitas pessoas como eu, me senti acolhida”, disse. Stepanhie não só entrou no concurso como saiu dele vencedora e transformada. “Fiquei muito feliz, não esperava vencer. A partir daí passei a enxergar o mundo Plus Size e me enfiei nele, adoro desfilar, adoro fotografar, principalmente com outras modelos”. Hoje, aos 21 e grávida do primeiro filho, Stephanie se sente uma mulher realizada. «Estou muito mais confiante, prefiro ser feliz a ser magra”, completa. *Fontes: Relatório apresentado pela CIA (Agência Central de Inteligência Norte-Americana) em 2011 e OMS (Organização Mundial de Saúde). edição 81 | novembro | 2015
[ Gula ]
O PREÇO DA
balança
saudável Peso no bolso, rotina e falta de praticidade: os por quês das pessoas dizerem não à alimentação orgânica e saudável MARINA MATTUS marinamattus@bol.com.br
Marina Mattus
A
pesar da cultura do culto ao corpo e padrões de belezas estabelecidos a partir da magreza, os alimentos saudáveis não são maioria na casa dos brasileiros, fato gerado não só pela falta de tempo de cozinhar suas refeições diariamente, mas também o alto custo de uma alimentação livre de agrotóxicos e processamentos industriais. No Brasil, por exemplo, os produtos orgânicos – produzidos sem utilizar agrotóxicos, adubos químicos ou substâncias sintéticas, com o uso responsável de solo, água, ar e demais recursos naturais, respeitando as relações sociais, culturais e trabalhistas – são, em média, 40% mais caros que os convencionais, o trigo chega a custar 200% a mais e o açúcar 170%. Em uma rápida visita ao supermercado pode-se notar a diferença. O relógio desperta às 7h, a estudante Bruna, 21, levanta para mais um dia de estágio, trabalho, faculdade e curso de inglês. O dia dividido em quatro etapas não lhe permite cumprir os ciclos
edição 81 | novembro | 2015
painel
[21]
[ Gula ] considerados necessários para uma boa alimentação, comer de três em três horas. Só no período da manhã, Bruna consome três produtos industrializados, de fácil acesso em todos os mercados e vendinhas da cidade, pão de forma, requeijão, e suco de caixinha. Algumas de suas refeições, bolachas e produtos prontos, são feitas entre uma troca de marcha e outra, no carro, enquanto vai para mais um compromisso. Na última etapa do seu dia, a janta só é realizada após a faculdade, 23h, geralmente, uma comida barata e rápida, um lanche pode custar apenas R$ 7 e está pronto em minutos. Se a nossa personagem, Bruna, trocasse os alimentos convencionais que consome durante o dia, por alimentos orgânicos, o custo do seu orçamento passaria do dobro, além do tempo que teria para produzi-los. O baixo custo dos alimentos, em conjunto com uma indústria que fatura milhões de reais por ano, estimula cada vez mais a alimentação rápida e não saudável, a comida do momento vai de encontro com a rotina da Bruna e de milhares de brasileiros: fast. Por ano, o mercado fast food movimenta R$ 43,6 bilhões. Em todo o país, são cerca 800 mil estabelecimentos. O preço barato dos produtos custa caro para a saúde da população. O Ministério da Saúde divulgou pesquisa que revela que quase metade da população está acima do peso. Segundo o estudo, em 2011, 48,5% dos brasileiros estavam acima do peso.
ORGÂNICA
painel
1 kg = R$ 4,39
1 kg = R$ 1,75
1 kg = R$ 9,90
FEIJÃO
500 gr = R$ 10,50
AÇÚCAR MASCAVO
500 gr = R$ 9,90
AÇÚCAR REFINADO TOMATE NA BANDEJA
1 kg = R$ 2 ,99
CEBOLA
1 kg = R$ 7,59
BATATA INGLESA
600 kg = 6,99
1 kg = R$ 2,49
CENOURA
1 L = R$ 2,39
LEITE INTEGRAL
[
]
“A alimentação no veganismo é uma poderosa arma”
Poucos agricultores, existência de selos e técnicos que atestem a autenticidade do produto e o respeito à sazonalidade de cada tipo de alimento: fatores que fazem com que o produto orgânico tenha um valor tão a acima dos convencionais. A ecogastronomia, utilizada na produção orgânica, funciona ao contrário do fast food, a ideia é que os pratos sejam preparados com alimentos que tenham tido a sua maturação de forma natural, que se respeite a herança culinária, tradições e culturais. “Enquanto isso, os fast foods nos oferecem alimen-
LISTA ORGÂNICA X LISTA COMUM
CONVENCIONAL
2 KG DE ARROZ
R$ 8,78
R$ 42,00
2 KG DE FEIJÃO
R$ 11,38
R$ 20,85
3 L DE LEITE
R$ 7,17
R$ 13,98
1 KG DE TOMATE
R$ 2,99
R$ 7, 59
1 KG DE CEBOLA
R$ 2,49
R$ 39,60
2 KG DE AÇÚCAR
R$ 3,50 TOTAL: R$ 36, 01
500 gr = R$ 6,69
TOMATE COMUM
1 kg = 2,99 2 kg = R$ 5,98
ORGÂNICO
ARROZ
1 kg = R$ 5,69
R$ 19,80
TOTAL: R$ 143,82
[22]
DIFERENÇA DOS PREÇOS CONVENCIONAIS PARA OS ORGÂNICOS CONVENCIONAL
600 gr = 6,49 1 L = 6,95
tos com baixa qualidade nutricional e sabores artificiais”, explica a nutricionista Ana Carolina Moretti. Existem pelo mundo, milhares de movimentos que estimulam a alimentação saudável, a questão é: a maioria deles são filosofias de vida, que vão além de consumir o que é bom para sua saúde. O veganismo, por exemplo, busca excluir todas as formas de exploração e crueldade contra animais. “Quando se fala de veganismo, as pessoas geralmente pensam somente na alimentação, mas nós também usamos roupas, cosméticos e demais produtos e nossa preocupação está em abolir da rotina qualquer produto e alimento que são resultados de exploração, animal ou humana”, comenta a vegana, 19, Sara Rocha. Diferente da maioria da população, Sara precisa adequar a rotina ao seu cardápio. Alface, linhaça, gergelim, couve, ervilha, brócolis, laranja, maça, todos orgânicos, são alimentos indispensáveis no seu prato. A diferença, é que ela acredita que o valor da alimentação vai depender do que cada um está disposto a pagar. “O importante é ter disposição e vontade de explorar as diversas formas de se alimentar bem, o preço varia conforme a disposição”, defende. Para Sara, o veganismo só lhe traz vantagens, “Alimentação mais limpa, pura, rica em variedade. A alimentação no veganismo é uma poderosa arma”. edição 81 | novembro | 2015
[ ] Inveja
Ilustração: LARYSSA VENTURA
[ Inveja ]
O alheio como
protagonista Querer e não poder; ver, desejar; destruir por não conseguir
JOEL FELIPE HORÁCIO jofeho@hotmail.com
A
inveja é um sentimento intrínseco do ser humano, que pode soprar como uma brisa ou ser uma devastadora tempestade. O que diferencia as duas situações é simples e complexo, ao mesmo tempo – as experiências de vida da pessoa e a forma com que ela internaliza as mais diversas situações. Uma pessoa que deseja muito determinada coisa, não sendo capaz de obtê-la de imediato, cria um sentimento no qual quer destruí-la. Essa é a manifestação de uma forte inveja, segundo a psicóloga Nívea Alexandra Abramo Barreto. Há pessoas que conseguem usá-la em benefício próprio, que a controlam – aplicando-a como combustível na busca por uma melhor situação em certo ponto de sua vida. Sim! A inveja pode ser sua aliada, desde que ela não cresça a ponto de dominá-lo e cegá-lo. Como assim?! Destruição?! É, mas não necessariamente no senti-
[24]
painel
edição 81 | novembro | 2015
[ Inveja ]
do literal. A inveja pode estar mais próxima do que parece, inclusive em pessoas próximas. Um “amigo” que, teoricamente, demonstra ter grande interesse em determinado bem seu pode viver uma dessas situações, principalmente quando ele não tem meios de conseguir algo parecido. É preciso atenção para lidar com as mais diversas personalidades. Algo ou situações que, mesmo sem intenção, causem sentimento de inferioridade no “invejoso” podem ser estopim: “por que ela tem, ela pode e eu, não?”. Mas por que uns conseguem, então, se aproveitar de sua própria inveja e outros, não? “É uma questão de internalização, a maneira como a pessoa interpreta e absorve o sentimento de acordo com as experiências. Pessoas que crescem SXC
em famílias estruturadas cujos pais apresentam o mundo de forma mais amena, têm maiores chances de não ter a inveja como grande obstáculo na vida”, aponta a psicóloga. Cegueira Chegando ao ponto de interferir diretamente na vida de alguém, a inveja é como uma figueira: cresce literalmente ao lado de outra árvore e vai afincando sua estrutura por cima dela, até um momento em que a primeira árvore seja suprimida por completo, não podendo mais alcançar a luz do sol. Prejuízos em todos os pontos da vida são possíveis. “A sociedade capitalista, que prega primordialmente a questão do ter, potencializa os efeitos nocivos da inveja. Aquele que não consegue ter quer destruir o que alheios adqui-
[
]
Há pessoas que conseguem usar a inveja em benefício próprio
rem. O lado emocional de uma pessoa invejosa é autodestrutivo, porque nem sempre ela consegue efetivamente destruir o outro. Isso gera ódio e raiva para consigo mesma. E é uma relação diretamente proporcional: quanto mais raiva de si, pior é a inveja, e vice-versa”, aborda Nívea Abramo Barreto.
Situações que causam sentimento de inferioridade podem servir como estopim para a inveja
edição 81 | novembro | 2015
Configura-se o cárcere, a cegueira: não há possibilidade de melhora, nem alternativas, pois a pessoa transfere toda sua atenção ao outro, ao odiá-lo e tentar destruí-lo, mesmo que sem sucesso. “A partir do momento em que uma pessoa só consegue enxergar o outro, seu interior fica abandonado, e acaba por não encontrar suas capacidades. Há aqueles que têm competência para realizar suas tarefas com maestria, mas não conseguem porque estão concentrados demais no outro”, pontua Nívea.
Ter x Ser Questionada sobre a cultura de status, se ela seria uma “grande rede de inveja”, Nívea Barreto é convicta em sua opinião. A psicóloga acredita que virar as costas à tecnologia é parar no tempo, pois a cultura capitalista, por um ângulo, oferece diversas alternativas para o desenvolvimento humano, não só na questão tecnológica, mas também com relação ao conhecimento. “Não é preciso viver como o ex-presidente uruguaio, por exemplo. Porém, é necessário que as relações humanas, de carinho, amor, cresçam no mesmo passo do avanço tecnológico. A questão do ter passa a ser destrutiva quando você se esquece de ser, junto ao ter, de se constituir como pessoa”, finaliza. Surpresa! Os primeiros passos De acordo com o conceito de inveja trabalhado pela psicanalista Melanie Klein (1882-1960), esse sentimento surge da relação entre mãe e bebe. Para o bebe, a mãe faz parte dele. A autora aborda também o conceito de “seio bom e seio mau”: pois o mesmo que alimenta é aquele que “priva” o bebe de ser amamentado. “Na fome, na ausência, ele reclama: a partir dessa relação que o bebe desenvolve a inveja, que é um sentimento dual”, explica a psicóloga. De acordo com Nívea, uma mãe bem resolvida, por exemplo, apresenta, aos poucos, um mundo bom à criança, no qual ela aprende a lidar com suas frustrações. Se a mãe não é resolvida, os momentos de fome da criança se tornam punitivos: numa eventualidade onde há demora prolongada para amamentar criança, esta, quando tem acesso ao alimento, pune fisicamente o seio da mãe, mordendo-o. A mordida simboliza a inveja da criança para com o seio, que é sua fonte de alimento, mas, ao mesmo tempo, de certa forma, é o que o priva do leite materno. É nessa relação que a inveja começa a engatinhar. painel
[25]
[ ] Ira
Ilustração: VALDIMEIRE FERREIRA DA SILVA
[ Ira ]
Vou xingar muito no Twitter! Denúncias de crimes virtuais crescem em 2014. É mais fácil opinar ou xingar alguém via redes sociais? CAROLINA CARETTIN carol.carettin@hotmail.com
B
ela Gil, Maria Júlia Coutinho, Simony, Juliano Dip, Jean Wyllys, Manuela D’Ávila. O que essas pessoas têm em comum? Todas sofreram algum tipo de ataque virtual nas redes sociais. Se antes, como afirmou o escritor Umberto Eco, os “imbecis” se limitavam a opinar em conversar nos bares, hoje, com as redes sociais, eles têm voz. Num modelo de comunicação em que todos produzem para todos, os casos de preconceito, homofobia, racismo, transfobia e muitos outros envolvendo discurso de ódio se multiplicaram. “Eu me assusto diariamente. Faço uma reportagem sobre violência contra a mulher e em seguida recebo mensagens do tipo ‘morra seu gordo’”, afirma o repórter do CQC da Rede Bandeirantes, Juliano Dip. “A internet mostrou
edição 81 | novembro | 2015
pro idiota que ele não está sozinho no mundo. Se ele criar um grupo ‘Vamos acabar com os transexuais’, haverá uma infinidade de idiotas iguais a ele que vão entrar no grupo, fomentar o ódio e difundir o preconceito”. Entre as reportagens feitas por Juliano está a que ele entrevistou o frentista haitiano que foi vítima de racismo e xenofobia. O fato aconteceu em Canoas, na região de Porto Alegre, foi gravado pelo agressor e o vídeo viralizou na internet. “É muito confortável colocar a culpa nas redes sociais, mas o problema está no ser humano. As redes sociais são incríveis, mas através delas a gente estreita contato com pessoas que a gente não escolhe”, diz. As vítimas, segundo o advogado criminalista Marcelo Crespo, devem procurar um profissional especializado no assunto, para poderem painel
[27]
Andressa Zambom, Amanda Oliveira, Bob Calligaris, Raphaela Christina e Wellington Arruda
[ Ira ]
Ofensas contra mulheres, negros e minorias são frequentes nas redes sociais
tomar todas as providências, ou irem até às delegacias especializadas em cibercrimes, porém essas são poucas. “Mesmo havendo algumas delegacias, ainda assim não estão devidamente aparelhadas para obter os melhores resultados”, esclarece Marcelo. Em São Paulo, por exemplo, só há a DIG-DEIC 4ª Delegacia - Delitos praticados por Meios Eletrônicos, localizada no bairro do Carandiru. Mesmo com poucos recursos e locais especializados, de acordo com reportagem do site Info, da editora Abril, desde 2013 o número de documentos registrados em cartórios de todo o país que comprovam abusos e crimes virtuais cresceu 88%, 91 denúncias por dia no ano passado. Já segundo a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da ONG SaferNet Brasil, as denúncias relacionadas a conteúdos ilícitos aumentaram 8,29%
[28]
painel
em 2014. Os casos são reportados voluntariamente pelos usuários. Uma das razões para o aumento é a sanção do Marco Civil da Internet que garante, por exemplo, que os provedores de conexão, como a Vivo, guardem os registros de navegação de seus usuários por um ano. Já os provedores de conteúdo – Facebook, Instagram – devem manter os registros de acesso por seis meses. “É com isso que se chega, muitas vezes, ao computador de onde partiu o crime”, afirma Crespo. Tempo para pensar e distância para encorajar Melissa Araújo, estudante de letras, 21, preferiu denunciar seus agressores apenas na esfera cibernética. A estudante jogava na internet quando começou a receber ofensas ao se identificar como mulher. “Não foi a primeira vez, mas eu nunca tinha edição 81 | novembro | 2015
[ Ira ]
vivido uma experiência tão impactante como essa dentro da plataforma. Já tinha ouvido piadas e coisas mais leves, mas nunca desse jeito”, afirma. Melissa precisou silenciar o áudio do jogo para parar de ouvir as ofensas que os outros jogadores diziam. “Era pior o que eles falavam ao microfone. Por isso tive que usar o recurso ‘mute’ do jogo, pra não ficar ouvindo os insultos”. A garota reportou os jogadores ao desenvolvedor do jogo por discurso de ódio, porém a plataforma não permite que a vítima acompanhe o processo. Além disso, Melissa teve que tomar outras providências para evitar que acontecesse novamente: trocou a foto de seu perfil, dá preferência a uma forma de jogo que não a deixe em contato com outras pessoas, não se identifica mais como mulher e nem usa o microfone ao jogar. “É uma situação de repressão total”. A estudante de filosofia, Diana Brasilis, passou por situação parecida. Diana é mulher transexual. Aí junta-se o machismo e a transfobia. Diana conta que já recebeu cantadas e assédios via redes sociais, mas que esse não é o problema. As ofensas ocorrem quando os homens descobrem que ela é trans. “Como eu, aparentemente, sou cisgênero para eles, acabam me tratando como a princesa dos sonhos. Quando descobrem, ficam encabulados, outros com muita raiva”, conta.
exatamente essa suposta segurança proporcionada. “Mesmo a internet facilitando a comunicação entre as pessoas, o número de notícias falsas e de opiniões supostamente subjetivas aumentam consecutivamente, fazendo com que muitos se acomodem e percam o interesse em pesquisar e se aprofundar nas informações que obtiveram via rede social”, afirma. Segundo Milares, o indivíduo dissemina essas opiniões como certezas, adotando-as como sendo suas próprias opiniões que acabam sendo defendidas com veemência. “Este conflito de egos em meio a uma transformação social, que busca valorizar as individualidades, provoca uma intolerância com o diferente, que aliado a segurança que o computador nos proporciona ao não termos que opinar olhando nos olhos e argumentando com um ser real, acaba por gerar um comportamento mais agressivo das pessoas quando estas utilizam as redes sociais”, explica. “É muito mais fácil manter uma posição e opinar via rede social do que numa conversa física e instantânea. As redes sociais permitem pesquisa, tempo para pensar e a distância que encoraja o indivíduo que antes vivia acuado”.
Postagens do ator Thammy Miranda no Instagram são alvos constantes de xingamentos
Porém, a estudante nunca denunciou ninguém por essas práticas. “Acabo desistindo de denunciar até porque a transfobia é muito naturalizada”, afirma. “Na internet parece que as pessoas se sentem livres para serem o que elas são de verdade”. O sociólogo e professor Rodolfo Ziani Milares explica que o que influencia as pessoas a se expressarem de forma mais agressiva nas redes sociais é edição 81 | novembro | 2015
painel
[29]
SXC
[ Ira ]
Por que você
me odeia? Entenda como a raiva se relaciona com o preconceito e a discriminação
[30]
painel
edição 81 | novembro | 2015
FELIPE CÉSAR DE CAIRES felipe.caires@outlook.com
“A
qui não é lugar para preto viado”, gritou uma voz em meio a um bar movimentado na Lapa, Rio de Janeiro. A próxima coisa que Mario Sergio da Silva Bahia se recorda é de ser atingido na cabeça por uma garrafa de vidro. Sergio é negro, homossexual e professor de inglês, dança e educação física. Naquele fatídico dia teve que voltar para a casa com o rosto ensanguentado. “Eu tenho de enfrentar o preconceito todos os dias. Por exemplo, os policiais me param o tempo todo e fazem todo tipo de pergunta desnecessária”, comenta. O professor também ressalta que quando vai viajar é parado na segurança e obrigado a abrir a mala na frente de todos. “Isso só aconteceu comigo e eu sempre era o único negro no avião”. “Muitas vezes, escutei coisas do tipo ‘você é todo errado: negro e gay’”. Mario Sergio sabe que o preconceito é um dos maiores problemas da nossa sociedade e considera que está relacionado à ignorância. “Não sei dizer se eles (preconceituosos) têm raiva de mim ou algo parecido, mas algumas pessoas ficam muito desconfortáveis com a minha presença”, relata. O estudante de jornalismo Edison Mineiro, por outro lado, tem certeza que o preconceito é fruto da raiva. “Acho que eles não têm apenas raiva de mim, mas raiva do mundo”, explica. Mineiro conta que sofreu muito na época da escola devido ao seu peso e sua sexualidade. “Alguns dos meus colegas de sala que faziam essas brincadeiras comigo eram muitos
[
]
30% de alunos do 9º ano tiveram contato com bullying
maldosos, colocavam apelidos, me apalpavam e, às vezes, chegavam a me machucar, colocando a perna para eu cair, puxando meu cabelo e escondendo meus materiais de estudo”, lembra. Relatos como o de Mineiro são mais comuns do que deveriam ser. O bullying é a prática da violência física ou verbal que assola escolas do mundo todo e aterroriza crianças que não deveriam se preocupar com outra coisa que não seja seus estudos. De acordo com a PeNSE 2012 (Pesquisa Nacional de Saúde Escolar), realizada pelo IBGE, 30% dos estudantes do 9º ano do Brasil já tiveram um contato com o bullying. Os números assustam: mais de 20% desses estudantes admitem praticar a discriminação. Mas nem todos os estudantes pensam dessa maneira. Um jovem de 16 anos diz que não sente raiva dos homossexuais, e sim nojo. “Os gays são um problema para a família e a evolução”, opina. Para ele, a comunidade LGBT busca aceitação e igualdade, além de direitos exclusivos, como a criação de cotas para professores homossexuais em escolas do primeiro grau. Segundo o estudante, essa proposta está presente no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT. A reportagem da Painel teve acesso ao plano e não encontrou as informações alegadas por Bolsonaro. No plano, consta a “garantia, a estudantes LGBT, do acesso e da permanência em todos os níveis e modalidades de ensino, sem qualquer discriminação por motivos de orientação sexual e identidade de gênero”.
[ Ira ]
ele e fazê-lo mudar de opinião. Se não conseguisse, o expulsaria de casa”, conta. Entretanto, o jovem é a favor da adoção de crianças por casais do mesmo gênero. “Depende se o casal for bem estruturado. Acho que todos merecem um lar”, completa. Origem da ira De acordo com a psicóloga Sara Dâmaris Andrade Antunes, formada na Univale (Universidade Vale do Rio Doce), a raiva é resultado de desejos e expectativas frustrados. “Sentimos raiva porque não temos nossas expectativas concretizadas. Aí surge a mágoa”, explicou. “Achamos que o outro é obrigado a responder as nossas expectativas e esquecemos que isso não é uma regra padrão, mas sim uma regra criada para satisfazer o nosso próprio ego”, afirmou a psicóloga. Segundo a profissional, a pessoa irada não causa mal apenas ao próximo, mas a si próprio também. Sara explanou que, em dose excessiva, aqueles que não sabem lidar com a frustração podem desenvolver quadros de depressão e estresse graves, que só serão curados quando o paciente aceitar que a vida nem sempre é do jeito que ele espera. A psicóloga ainda relacionou a raiva com o preconceito para auxiliar a compreensão da complexidade dos temas. “As pessoas que se sentem exploradas e oprimidas com frequência não podem manifestar sua raiva contra um alvo identificável ou adequado; assim, deslocam sua hostilidade para aqueles que estão ainda mais ‘baixos’ na escala social. O resultado é o preconceito e a discriminação”, contou.
O estudante admite que já pensou em agredir homossexuais. “Se eu tivesse um filho gay, tentaria conversar com edição 81 | novembro | 2015
painel
[31]
[
]
Luxúria
Ilustração: LAIS MAYUMI OKA
[ Luxúria ]
SUFOCADOS e abusados Quando a busca incessante pelo prazer se torna um crime
JULIA HORTENCI julia_hortenci_23@hotmail.com
O
estupro sempre esteve presente na vida social do homem, até na Bíblia se é falado sobre abusos sexuais. Infelizmente, existem muitas pessoas que sentem prazer obrigando alguém a ter algum tipo de relação sexual com elas. Ao procurar sobre estupros na internet, diversos sites mostram o ato como contos eróticos, e os comentários que se seguem são de pessoas que fazem propostas para as vítimas. De acordo com o diretor administrativo da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica, Leonardo Faria, não existe um único perfil de criminoso, cada caso é um caso. “É sempre importante fazer uma perícia psicológica para entender o funcionamento psíquico do acusado”, considera. Estupro não é o único tipo de abuso sexual, um abuso nem sempre termina em ato sexual. Erika*, 20, sofreu assédio sexual de três pessoas próximas. Há dois anos, ela permanecia em um relacionamento abusivo com Rodrigo. Depois do fim do namoro, ele procurou por ela, e tentou forçá-la a fazer algo que ela não queria. “A
edição 81 | novembro | 2015
painel
[33]
[ Luxúria ]
gente já tinha terminado, e ele veio em casa, me encurralou entre o fogão e o microondas e me mordeu, consegui ir para o quarto, ele me seguiu e me abaixou pelo cabelo, dizendo que sabia que eu queria aquilo. Os olhos dele me deram medo, a forma como ele me olhou, eu era só um objeto. Eu disse que não, e o empurrei. Na lavanderia ele me encurralou novamente e pegou meu pescoço dizendo para mim que eu devia aquilo para ele. Eu disse que
[
]
“Nunca sei como agir. Me sinto explorada, sufocada”
Na maioria das vezes, os pedófilos não usam armas e são pessoas próximas das crianças
não, e ele foi embora”, felizmente, a história de Érika teve um final feliz, diferente de tantas outras garotas. Segundo a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Eleonora Mnicucci, em 60 ou 65% dos casos o agressor é um conhecido da vítima. Helena*, 20, sempre passou por situações desagradáveis com o tio. “Ele me constrange muito, faz comentários absurdos sobre
o meu corpo e me toca sem permissão. Passa as mãos pelas minhas pernas e pela minha bunda. Nunca sei como agir. Me sinto explorada, sufocada”. De acordo com a campanha: “Chega de Fiu Fiu”, 85% das mulheres já tiveram seu corpo tocado sem permissão. Paulo*, 19, conta que aos 14 o pastor de sua igreja e marido de sua tia o tocou duas vezes dizendo ser uma brincadeira, porém, o menino contou para a mãe. “Ele se sentia no direito de me abusar dessa forma”, lembra Paulo. “Eu sinceramente não sei o que passa na cabeça dele. Teve mais dois casos de crianças. Pra mim ele é doente, eu tenho pena e raiva dele”, acredita. “Temos criminosos pedófilos de todas as idades. Em geral, eles não usam armas e são pessoas próximas das crianças. Usam da confiança e do vínculo interpessoal para poder aproximar da vítima, e com isto consumar o ato. Após a situação consumada, geralmente ameaçam ou subornam a criança e o adolescente para manter o segredo da situação (chamada de Síndrome do Segredo)”, explica o professor Leonardo Faria. Além disso, ele também pontua que muitas vezes nesses perfis é observado uso de substâncias psicoativas, como entorpecentes e álcool. *Nomes usados para preservar a verdadeira identidade dos entrevistados
‘Vamos Juntas?’ Criada este ano pela jornalista Babi Souza, 24, a página no Facebook, que conta com mais de 170 mil pessoas inscritas em apenas um mês, mostra a importância de as mulheres, principalmente jovens, trocarem informações que ajudem mulheres em diversas situações de assédio. Além da página, a jornalista pretende colocar no ar em breve um portal de encontro de referências e conteúdos sobre o movimento, além de um aplicativo de geolocalização, que permite notificar mulheres quando outras conhecidas ou amigas estiverem precisando de ajuda em um raio de um quilômetro.
Fotos: Equipe: Bruna Campanhol, Bruno Martins, Leonardo Greve, Luís Carlos, Thaís Bittencourt, Victória Itepan - Modelo: Ana Paula Gomes
[34]
painel
edição 81 | novembro | 2015
[ Luxúria ]
X.cXX om
SE X TAPE: O perigo da
pornografia da internet
WELLINGTON LIMA wellingtonlima90@hotmail.com
A
na estava no trabalho, já era tarde, não havia ninguém no escritório. Para relaxar, Ana ligou o computador. Pedro, no casamento de seu amigo, cansado de esperar a noiva atrasada, deu uma escapada até o banheiro. Levou o celular como companhia. Miguel, após uma pesquisa na internet sobre “como apimentar a relação”, encontrou um país repleto de maravilhas. O que essas três histórias reais têm em comum, além do desfecho nada positivo? As três pessoas tiveram perdas significativas em suas vidas em decorrência de um vício que cresce cada vez mais no Brasil: a pornografia. Assim como o vício em álcool e drogas, o exagero no consumo de conteúdo pornográfico tem reflexos expressivos e negativos no corpo e na mente do indivíduo.
edição 81 | novembro | 2015
Renato Teixeira, psicólogo e pesquisador da área de comportamento sexual, aponta que o impacto psicológico provocado pelo consumo exagerado de conteúdo pornográfico acontece, numa primeira instância, de forma indireta. “A princípio a pessoa, além de não perceber que está assistindo a vídeos demais, ou, buscando imagens demais na internet, ela passa a deixar de lado hábitos antigos que são substituídos por pensamentos ou até mesmo ações voltadas para a pornografia”. Neste caso, segundo o pesquisador, é que os sintomas começam a mostrar seus primeiros reflexos. Exemplo é o caso de Pedro, que precisou sair da cerimônia para assistir ao vídeo erótico. Ao se ausentar, Pedro fez uma espécie de “troca”. Colocou a necessidade íntima acima do momento em questão. Teixeira explica que, no momento em que Pedro iniciou o conteúdo, sua mente focou apenas em satisfazer seu desejo, por isso ele não percebeu painel
[35]
[ Luxúria ]
a hora passar e, com isso, acabou perdendo o casamento do amigo. Esse isolamento é uma característica de um “viciado” em pornografia. Social Para Ana, a consequência de seu vício atingiu seu lado profissional. Ela foi flagrada através do histórico de seu computador acessando conteúdos impróprios para o trabalho, os conhecidos “NSFW” (do inglês, Not Safe For Work). “Era um hábito meu já havia um certo tempo. Sempre que eu ficava sozinha no escritório, geralmente
O fácil acesso à internet e aos dispositivos móveis é um incentivo para o consumo de pornografia digital
[
]
As três pessoas tiveram perdas significativas
por precisar ficar após o horário, eu acessava esses sites de pornografia para desestressar”, comenta. Saúde Miguel tem 35 anos e estava em busca de dar um “upgrade” na relação com a esposa e decidiu usar a internet para isso. Entre um site e outro, Miguel acabou descobrindo um mundo repleto de criatividade e, dois anos depois, não conseguia passar um dia sequer se dar uma zapeada na rede. “Eu já havia visto alguma coisa por aí, mas isso há muito tempo, antes de eu me casar. Infelizmente, acho que me dediquei demais a isso e agora estou pagando o preço”, comenta. No começo tudo estava bem, Miguel descobriu algumas coisas e a esposa curtiu a ideia. Porém, as inovações na hora “H” duraram por
Wellington Lima
alguns meses até que a situação se tornou insuportável. “Minha mulher já não queria mais e foi aí que passei a trocar o sexo pela pornografia. Ela me deixou semanas depois e hoje, após dois anos, tenho dificuldades físicas no ato sexual”, afirma. Miguel procurou ajuda profissional e encontrou algumas respostas com a sexóloga Juliana Madeiro. “O caso de Miguel é muito comum no sexo masculino. Os homens possuem aquele instinto de comparativo. Comparam o tamanho do órgão, quem sai com mais mulheres e no sexo não é diferente. As mulheres não estão de fora disso, claro, mas nos homens o comportamento é muito mais acentuado”. A sexóloga explica que, uma vez que se constrói o hábito de se obter prazer através da pornografia, o organismo e a mente acabam se adaptando a essa realidade e, ao retornar no sexo comum, surge a dificuldade em se encontrar o prazer. Essa disfunção é comum, também, nos jovens. “É difícil você privar o jovem do acesso ao conteúdo pornográfico hoje em dia, a internet provoca esse empecilho. Com isso, muitos adolescentes já iniciam sua vida sexual tendo em mente o sexo dos pornôs. É um fato complicado já que, na vida real, as coisas não são exatamente assim”, explica. Os especialistas alertam e a ciência confirma, consumir pornografia demanda cuidado. As pessoas devem calcular o próprio limite para não esbarrar nos problemas que o consumo exagerado pode causar. A sexóloga dá uma dica: “Cabe a cada um saber o próprio limite, porém, não é difícil saber dosar. Pornografia é uma forma de entretenimento e, quando você passar a se isolar, a trocar suas tarefas ou até mesmo a dedicar a maior parte de seu tempo para isso, é a hora de dar um tempo”.
[36]
painel
edição 81 | novembro | 2015
Gabriela Diaz, Leandro Colinas, Amanda Medeiros, Riklison Medeiros, Renata Varotti
[ Luxúria ]
Só um
tapinha? O prazer pela dor GABRIELA BIASINI gabrielatbiasini@hotmail.com
“D
escobri o sadomasoquismo aos 16 anos, em um momento de grande dificuldade emocional, após conhecer um dominador, que me resgatou e me moldou, e que me trouxe de volta à vida, consegui recobrar minha vaidade e amor próprio”, conta Fernanda Sedecrem, praticante do sadomasoquismo e que hoje é também uma dominadora.
edição 81 | novembro | 2015
Sadomasoquismo, por definição, é a busca pelo prazer, gerada pela imposição ou pelo recebimento de dor, não sendo relacionado apenas ao momento do ato sexual. Nessa prática, existem duas tendências: o sadismo (dominação), que é a disposição em sentir prazer ao impor dor e sofrimento, tanto físico quanto moral ao parceiro, e o masoquismo (submissão), que é quando o prazer se dá por meio do sofrimento moral e físico que outra pessoa te impõe. painel
[37]
[ Luxúria ]
Mesmo sendo um tema que sempre foi bastante comentado, o sadomasoquismo acabou ganhando popularidade com a série de livros “50 tons de Cinza”, lançada em 2011. Agora é possível encontrar com maior facilidade locais na internet e fora dela que oferecem informações sobre a prática. No Facebook há grupos fechados para pessoas que adotam esse estilo sexual, e em sex shops, os “brinquedinhos” acabam tendo maior saída.
Segundo a psicóloga, Lucelena Nogueira, formada pela Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), a adolescência é um período de eminência sexual, no qual a sexualidade entra em evidência, e que dependendo de nosso perfil social, podemos nos tornar sadomasoquistas. “Os traços sadomasoquistas, podem ser observados antes das relações sexuais, como em momentos de fragilidade ou poder diante de uma situação social”, conta Lucelena.
Acessórios como algemas, balanços, chicotes e até velas são os mais utilizados no sadomasoquismo. Para o dominador William Almeida, o chico-
A questão do extremismo físico é bastante enfatizada, tanto por Fernanda quando por William. “É preciso estabelecer limites, através do diálogo, para que não aconteça nada que abale o submisso emocionalmente e fisicamente”. “Já diziam as Frenéticas: abra suas asas, solte suas feras. Não sei porque as pessoas se prendem tanto ao que é socialmente aceitável se a cama só envolve você, mais uma pessoa (ou mais algumas pessoas) e o consentimento”, esse trecho é de um texto do site Casal Sem Vergonha, que foi escrito pelo jornalista, Daniel Oliveira, sobre o livro “50 tons de Cinza”, o sadomasoquismo e também a respeito dos desejos ocultos que cada pessoa possuí.
[
]
Algemas e chicotes são os mais usados no sadomasoquismo
te é o seu “brinquedo” preferido, “o excitante é deixar marcas em minha parceira, para que ela se lembre dos momentos que passamos juntos, e para mim essas marcas deixam estampadas em sua pele as palavras “ela é minha propriedade”, conta. Para quem pratica o sadomasoquismo, a relação entre dominador (a) e submisso (a), não existe apenas na hora do sexo, envolve muitos\ aspectos da vida, por conta da entrega que um faz pelo outro, as outras áreas impactadas, além da sexual, são a afetiva, a particular e a pessoal. Como a prática vai além da cama, dominadores sentem a necessidade de controle em todas as atividades extra sexuais que realizam, assim como os submissos, que precisam que alguém comande todas as suas outras atividades.
[38]
painel
Apesar da questão de o sadomasoquismo estar em “alta”, ela é ainda um tabu, com o qual muitas pessoas, principalmente mulheres, que se consideram feministas, não conseguem entender e nem aceitar. Feminismo, de maneira ampla, é a luta das mulheres por direitos iguais aos dos homens. Incluísse nisso, o desejo sexual e o direito de fantasiar o que for não significando que se a mulher gosta de apanhar no sexo, ela não se valoriza. O caso é, na verdade, o contrário, pois declarando esse desejo e essa preferência, a mulher mostra que atingiu a igualdade sexual, mesmo que seja dizendo que gosta de apanhar. Pois, já dizia Nelson Rodrigues, “nem todas as mulheres gostam de apanhar, só as normais”. edição 81 | novembro | 2015
[Preguiça]
Ilustração: JULIA PIMENTA
[ Preguiça ]
Vivência
(des) sincronizada
Quando a tecnologia deixa de ser uma ferramenta que auxilia o homem e passa a ser o seu senhor NATHALIA SALVADOR nathalia.salv@gmail.com
T
alvez o filme Substitutos (Surrogates, no original), lançado em 2009, apresente uma previsão do futuro da humanidade. No longa, os humanos controlam – de dentro de suas casas, deitados em uma cama – androides com aparência semelhante a deles mesmos, que executam todas as atividades diárias da pessoa. No fim, é claro, os resultados são desastrosos. São inegáveis os benefícios e comodidade que os avanços tecnológicos dos últimos anos trouxeram: contas mais difíceis são feitas em poucos cliques, não é mais preciso sair de casa para conhecer pessoas novas e os carros são automáticos. E tudo isso gera a preguiça – no cérebro e nas relações pessoais. Para o médico Ary Marconi Júnior, especialista em neurocirurgia pelo Hospital das Clínicas da Unicamp, os mais afetados são os jovens. “Existe
[40]
painel
com certeza um prejuízo ao raciocínio. O nível de compreensão tem sido afetado pelos aparelhos”, avalia. No mês de setembro, a Expertise Pesquisas apresentou estudo apontando que 42% dos entrevistados, todos jovens brasileiros acima de 16 anos, preferem passar 24h sem água e luz elétrica do que longe de seu smartphone. Quando questionada sobre qual aparelho passa mais tempo utilizando, a estudante de Rádio, TV e Internet, Julielén Lambert, é clara: o celular! “Porque ele faz parte de mim. Utilizo para diversas convergências de mídia, trabalho e assuntos pessoais. Meu celular é meu companheiro de muitos momentos, somos quase almas gêmeas!”, explica. Presente na rotina da estudante, Lambért reconhece que os aparelhos eletrônicos facilitam a sua vida, mas também a deixaram mais preguiçosa. “Quanto menos esforço tivermos que fazer, melhor! Com edição 81 | novembro | 2015
toda essa comodidade digital e tendo tudo em domicílio ficamos mais preguiçosos e felizes, sentadinhos recebendo tudo em mãos”, conclui.
no hipocampo e na capacidade de memorização”, analisa Marconi Júnior.
Nível de compreensão dos jovens é prejudicado pelo uso excessivo de aparelhos eletrônicos, alerta especialista em neurocirurgia
O cérebro A necessidade de ser multitarefa e responder a todos os estímulos externos que recebemos graças à tecnologia – como falar ao celular enquanto se digita um texto no computador e assiste a televisão –, é algo que vem afetando a memória, pois quando fazemos várias coisas ao mesmo tempo, nossa atenção é dividida.
Além da memória, a criatividade acaba sendo outro campo afetado pelo uso de aparelhos que apresentam múltiplas funções. Isso ocorre devido à maneira como esses equipamentos são utilizados hoje em dia – como se fossemos dependentes deles. Nossa capacidade de resolução de problemas deve ser sempre estimulada, mesmo em tarefas simples, como fazendo uma conta de multiplicação sem utilizar a calculadora.
Os relacionamentos O estudante Gustavo Garé, 19, conta que já deixou de interagir com sua família e amigos por acreditar que a internet lhe traria mais entretenimento e diversão do que certas atividades que viesse a realizar com eles.
“Atenção é justamente um dos componentes essenciais à consolidação da memória. Pessoas submetidas a mais estresse têm mais dificuldade de memorização porque, ao longo do tempo, os marcadores de adrenalina e cortisol aumentam, e o cortisol em nível mais alto pode levar a alterações
“Quanto menos criativo é um indivíduo, mais dificuldades ele terá para resolver problemas, seja no trabalho, ou na sua vida cotidiana. Por outro lado, uma pessoa curiosa, que busca um contato maior com o conhecimento, pode fazer uso da internet a seu favor”, reforça o neurologista.
É uma afirmação do senso comum o fato de que a tecnologia – em especial os smartphones – atrapalha na interação “cara a cara”. Ao frequentarmos lugares públicos, como parques, estações de trem e shoppings, é constante a visão de pessoas sentadas umas ao lado das outras, sem que
edição 81 | novembro | 2015
painel
[41]
[ Preguiça ]
haja diálogo entre a grande maioria delas, pois estão com os olhos atentos a tela dos seus smartphones. “Usamos cada vez mais os telefones celulares. Mas ao mesmo tempo eles estão se transformando em um dos principais obstáculos para a comunicação interpessoal. Os celulares nos aproximam dos que estão longe, mas cada vez nos afastam mais dos que estão perto”, considera Marconi Júnior. Entretanto, o sociólogo e professor de marketing Roberto Silveira Braga tem um ponto de vista diferente. “O ser humano é social e esta é a sua característica principal. A interação tende a aumentar só que vão existir interações presenciais e interações através das mídias. O Skype é um exemplo”, afirma Braga.
[
]
“O nível de compreensão tem sido afetado pelos aparelhos”
Com todas as facilidades de interação a distância e comodidades trazidas pelos avanços na tecnologia, imaginar a vida sem os aparelhos eletrônicos atuais pode ser visto como algo difícil. “Me sentiria ‘ilhado’ ao perder contato com todas as redes sociais e comodidades que esses aparelhos trazem”, conta Gustavo Garé. O Futuro No filme Substitutos, a solução encontrada por Gree – agente do FBI interpretado por Bruce Willis, cujo personagem desde o início se mostrava insatisfeito com a atual situação da sociedade – é a destruição de toda a população de androides utilizada pelos humanos. Tal reviravolta faz com que as pessoas sejam forçadas a interagir entre si, a abando-
nar seus medos de sair de casa e a tomarem consciência de seus corpos. Admitir a aniquilação dos aparatos tecnológicos que já fazem parte de nosso cotidiano é uma atitude extrema e digna dos filmes de ficção científica, que poderia vir a resultar em uma quantidade maior de malefícios do que de benefícios. Entretanto, é necessário que passemos a analisar, de maneira crítica, a forma pela qual estamos deixando que as facilidades proporcionadas pelo uso dos smartphones e dos computadores afetam nossos relacionamentos interpessoais, além da nossa capacidade de raciocínio. Como pecado capital, a preguiça talvez seja o que menos carrega a estigma de “pecado”, provavelmente por ter uma conotação de ação e consequência que se restringe muito mais ao indivíduo do que ao todo. Porém, não se pode ignorar que, como seres humanos, vivemos em sociedade e tendemos a imitar determinados comportamentos. O acesso aos smartphones e aos computadores pelas grandes massas é um fenômeno recente, o que faz com que haja carência de estudos que abordem a função cerebral enquanto fazemos uso dessas tecnologias. “Tudo é muito novo em relação a evolução de nossa espécie. Todas essas mudanças estão trazendo alterações na forma como nos relacionamos, agimos e como utilizamos nosso cérebro. Nos últimos 20 anos houve uma transformação nos hábitos de vida como nunca vista. Soma-se a isso que essas transformações são constantes, móveis e sem um padrão clássico para estudos científicos”, fala Marconi Júnior. Como diz o sociólogo Roberto Silveira Braga, “a tecnologia é uma ferramenta. Ela constrói e destrói. Depende do uso que se faça dela”.
[42]
painel
edição 81 | novembro | 2015
[ Preguiça ]
Quando o deixa de ser
preguiça A cada dia, mais empresas adotam a teoria de Domenico De Masi na rotina de produção, gerando não apenas bem-estar entre os funcionários, mas aumentando os rendimentos no final do mês
VANESSA ZUMESTEEN vczumestee@unimep.br
A
cena é a seguinte: uma mesa de bilhar, quatro pessoas em volta, risadas e muita diversão. Se você imaginou um ambiente como um barzinho ou a área de lazer da casa de alguns deles, amigos se reunindo durante o final de semana ou um happy hour após o trabalho, você errou. Esse tipo de interação pode ser encontrada em algumas empresas, e ocorre durante o expediente de trabalho.
edição 81 | novembro | 2015
O ócio criativo é uma teoria da década de 90, criada pelo sociólogo italiano Domenico De Massi, e consiste em unir trabalho, lazer e aprendizado. Essa teoria trabalha uma visão de sociedade pós-industrial, caracterizada pelas facilidades provenientes da tecnologia. De acordo com o sociólogo e professor de marketing, Roberto Silveira Braga, a teoria de Domenico surgiu num momento em que o mundo e a interação interpessoal estavam em transição, novas construções men-
painel
[43]
[ Preguiça ]
tais e ideologias sendo formadas. “A transformação social ocorrida no século 20 vem exigindo novos conceitos explicativos dotados de racionalidade, para explicar esses novos comportamentos sociais. O ócio criativo vem da perspectiva em estruturar as atividades humanas em uma combinação equilibrada de trabalho, estudo e lazer. Esse é o desafio”, afirma Braga.
Ilustração: Lais Mayumi Oka
“A liberdade é a parte mais importante na prática do ócio criativo”, ressalta Alexandre Bassora, diretor da agência de publicidade Audaz, em Americana,
onde os funcionários podem descansar em seus horários de almoço nos confortáveis pufs que a empresa oferece. “Tínhamos uma sala com uma mesinha de ping-pong, mas infelizmente, tivemos que desativá-la por falta de espaço”, diz Alexandre Bassora, diretor da agência. Ele conta também que tem planos para um futuro prédio para a agência, no qual pretende ter mais áreas para a pratica do ócio criativo, “Hoje, sofremos de falta de espaço devido ao modo com que o prédio foi arquitetado. Se eu fosse fazer ela (a agência) de novo, deixaria mais áreas
[44]
painel
edição 81 | novembro | 2015
[ Preguiça ]
para descanso. Para nosso próximo prédio, que espero acontecer logo, pretendo ter mais áreas para descanso, uma biblioteca, ou sala para ouvir música ou jogar vídeo game”, conta. Bassora acredita que o ócio criativo deve ocorrer de maneira planejada, como um exercício, “O ócio na empresa é diferente do ócio em casa, no trabalho temos metas a serem cumpridas, temos prazos, é necessário saber separar, hora de trabalhar e hora de brincar”. Ele também lembra que o ócio pode vir de diversas maneiras como a hora do cafezinho, ou hora do cigarrinho e brinca com a integração das redes sociais, “O Facebook virou a nova hora do cigarrinho, dar uma pausa para checar as redes sociais, dar alguns likes, checar o Instragram”. “Quando falamos de diversão ou ócio criativo no trabalho é importante lembrar de que não estamos falando de pessoas que fazem um trabalho com uma mão e jogam videogame com a outra enquanto trabalham. É uma mudança no modo de encarar a atividade”, orienta Mario Persona, consultor e professor de comunicação e marketing, ele usa o exemplo de brincadeiras infantis para relacionar o trabalho ao sentimento de prazer, explicando que elas “trabalham” muito felizes em seus “escritórios”, “cozinhas”, “salas de aula”, pois encaram isso como brinquedo e não obrigação, mas quando crescem, adotam uma perspectiva mais séria, fazendo com que a obrigação seja mais saliente a vista do que a possível diversão. “O trabalhador deve procurar descobrir o que mudou nessa sua perspectiva do trabalho, buscando resgatar aquele prazer infantil e considerar as novas descobertas que ainda pode fazer numa atividade rotineira”, conta Persona. Em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, a empresa de tecnologia, Inte-
edição 81 | novembro | 2015
grum, enfrentou algumas dificuldades com relação a implantação do ócio criativo. Segundo Pedro Joazeiro, diretor da empresa, essas dificuldades os levaram a trocar boa parte da equipe. A ideia de mudança veio a partir de um programa do Sebrae em parceria com o CNPq, que tem como objetivo incentivar a inovação em empresas, o programa ALI (Agentes Locais de Inovação). Iniciou-se, então, a jornada que culminaria não só na criação da sala de ócio criativo, como também na mudança de visão dos funcionários da Integrum.
Após muito tempo de da proposição do projeto, muita coisa evoluiu na Integrum, segundo o diretor da empresa, essa evolução se deve a chegada de novos funcionários desconectados da realidade que existe no mercado brasileiro de softwares e que existia também na empresa. “Depois de muito esforço e energias gastas no sentido de mudar o foco de se fazer as coisas, propondo e em alguns momentos impondo novos caminhos. Somente hoje, quase três anos do início do projeto entendemos que encontramos o caminho objetivado”, afirma Pedro Joazeiro.
Pedro conta que foi uma jornada árdua para se chegar aos resultados observados hoje, a começar por mudanças na equipe, devido a parte dela ficar inerte, sem foco e sem rumo diante do desafio de mudar de visão e fazer dife-
O ócio criativo é uma ideia que vem crescendo e ganhando força em empresas. Segundo o professor e sociólogo, Roberto Braga, empresas com estrutura horizontal, sem as burocracias provenientes de hierarquias de poder, onde o funcionário pode ter maior liberdade no processo de produção ou criação, tem maior facilidade de implantação dessa ideia em seu dia-a-dia.
[
]
"O facebook é a nova hora do cigarrinho"
rente. “Foi um grande dilema mudar a atitude, pois toda a coordenação exonerada com a saída do sócio responsável pela gestão do código fonte do sistema e atendimento ao cliente fez com que os remanescentes ganhassem o entendimento de que existia um cliente do outro lado, que este dependia de nossas ações. Mesmo mudanças que aparentemente trariam um novo modelo de gestão e relacionamento no ambiente de trabalho, com liberdade de o funcionário se afastar do seu posto de trabalho para pensar, relaxar, encontrar a melhor solução, enfim sair da caixinha, foi de uma imensa resistência, levando-nos a pensar em trocar todos os colaboradores”, lembra Pedro.
O professor e consultor de marketing e comunicação, Mario Persona, dá dicas sobre como introduzir o ócio criativo de maneira leve, sem causar tanto impacto a rotina da empresa. “Embora a empresa não possa incutir na mente de seus trabalhadores uma cultura de ócio criativo, ela pode criar um ambiente para isso, disponibilizando informação por meio de palestras, oficinas e ambientes propícios ao prazer do trabalhador. Elas podem também oferecer opções de lazer nos intervalos do trabalho que não sejam aquela TV ligada no refeitório passando um jornal sensacionalista e só acrescentando preocupações e estresse desnecessário às equipes. Muito pode ser feito no sentido de criar um ambiente de prazer e tranquilidade para seus colaboradores de modo que não exista uma transição tão grande entre os horários de folga e os de trabalho, finaliza.
painel
[45]
[
]
Soberba
Ilustração: HYAN PANTOJO
[46]
painel
edição 81 | novembro | 2015
[ Soberba ]
But first, let me take a
selfie… TAINÁ MARCHI taina.marchi@gmail.com
Q
uando vamos comprar um novo smartphone, a principal pergunta é: tem câmera frontal? Afinal, como tirar boas selfies sem a facilidade de uma câmera frontal? As selfies tomaram conta da internet; em 2013, a expressão selfie foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Oxford, sendo definida como “fotografia que a pessoa tira dela mesma, tipicamente com um smartphone ou webcam, carregada em um site de mídia social”. No Instagram, a hastag selfie tem mais de 212 milhões de resultados, e só no ano de 2014 foram publicados aproximadamente 880 bilhões de autorretratos.
edição 81 | novembro | 2015
A imortalidade de Narciso representada pela sociedade moderna
O ato de tirar uma selfie se tornou viral, principalmente entre os jovens. Não importa a orientação sexual ou a classe social: todos querem registrar seus momentos e compartilha-los em suas redes sociais. O “culto ao ego” vem se tornando tão forte que a vontade das pessoas é a de ser um polvo, só para ter vários braços e fazer suas fotos em vários ângulos. Nesse cenário, a principal pergunta é: será que estamos mais narcisistas ou a humanidade sempre teve esse desejo de exibicionismo, porém não tinha acesso fácil às câmeras e formas de divulgação?
A psicóloga Cinthia Vallim vê esse culto ao ego como uma manifestação social, com a selfie evidenciando a obsessão pela aparência, somada à exibição da vida privada. Assim é o caso do estudante de publicidade e propaganda, Eduardo Klemtz, 20, que vê as redes sociais como um diário pessoal, onde posta tudo o que lhe agrada, diverte e entretém - além de ser um meio de sua autopromoção. “Gosto de ter uma imagem pública boa, isso me prepara para o que quero no futuro: ser famoso”, conta. painel
[47]
Para o professor de marketing e sociólogo Roberto Braga, todos querem se destacar e, a partir dos anos 90, a televisão começou a incentivar cada vez mais as pessoas a isso. Com os avanços tecnológicos e a internet, essa gana por se destacar acaba se incorporando à publicação das selfies. É como a estudante de estética, Bianca Gelain,19, declara, “quando coloco algo quero que todos vejam e curtam”. As selfies são associadas à autoafirmação da imagem das pessoas, “Acho que registrar-se é, acima de tudo, admitir o quanto você gosta de você mesmo e mostrar isso para as outras pessoas”, diz a estudante de letras Tainara Zanesco, 20, que acredita que a prática da selfie não interfere na sua autoestima e é, sim, consequência dela. Os autorretratos desencadeiam a busca excessiva de atenção e de dependência social. Para Vallim, os limites entre o sensato e o imprudente são essenciais quando o assunto é autopromoção visual “o efeito final de uma selfie pode ser totalmente contrário – um tiro no pé –, ao trazer ao fotografado o ciúme, o despeito e também a rivalidade interpessoal”.
Manda nudes A selfie foi a porta de entrada para o aumento no exibicionismo dos jovens. A partir dela começou a haver uma maior aceitação da prática de tirar fotos sensuais, popularmente conhecidas como Nudes. Os nudes hoje em dia se espalham por meios de apps como Messenger ou WhatsApp, e principalmente pelo Snapchat, onde em tese é mais fácil se “livrar” dessas fotos depois. Porém para que as fotos não acabem na rede, é necessário tomar alguns
[48]
painel
[
]
“Quando tenho poucas curtidas, me sinto desvalorizado”
O reconhecimento é algo que também está atrelado ao ato de tirar selfies, uma vez que quando alguém posta uma foto o que ela espera é receber curtidas. Para a estudante de contabilidade, Maria Eduarda Guarnieri, 19, a quantidade de curtidas tornou-se uma guerra de ego. “As pessoas vivem na internet, trocando likes, brigando por likes ou até mesmo implorando likes, como se isso fosse gerar algum “status” para elas”, diz. A quantidade de curtidas pode ter significados diferentes para as pessoas, porém quem posta uma foto espera que as pessoas gostem dela, assim como afirma Braga. “A possibilidade de se sentir gostada é muito mais libertadora do que ao contrário. O registro das selfies são, em sua maioria, individuais, e isso reforça o que a tecnologia trouxe de malefício para as interações sociais: o individualismo. O estudante Vinicius
Pereira, 23, que é adepto à mania das selfies, acredita que a prática é um ato solitário. ”O intuito da selfie é a divulgação unicamente da própria pessoa”, fala. As selfies podem ser tiradas para registrar o momento, guardar lembranças e/ou por satisfação da aparência, e sua prática só se torna um problema quando as pessoas desenvolvem o “Complexo de Superioridade”, onde não conseguem mais equilibrar em seu íntimo seu potencial e seus limites, e passam a se considerar pessoas com maior valor perante a sociedade. Suas perspectivas destorcidas sobre si mesmas se tornam extremamente elevadas. “Normalmente ele apresenta uma vaidade incomum, que se reflete na sua própria maneira de se vestir, nas suas ações e atitudes, até mesmo no modo de falar, algumas vezes exagerado e arrogante”, afirma a psicóloga. Se Descartes ainda estivesse entre nós teria mudado sua famosa frase para “penso, tiro uma selfie, posto na internet, logo existo”.
Envio de nudes é comum entre jovens e adultos
cuidados na hora de tirar e mandar um nude: como evitar ser identificado, não mostrando o rosto ou marcas que possa facilmente te entregar; enviar as fotos apenas para uma pessoa, pois assim é mais fácil saber quem foi que vazou as imagens e apagar a foto do celular e, caso queira salvá-la, fazer isso em pastas seguras no computador. Agora, se as fotos já tiverem vazado, não se apavore: você pode recorrer judicialmente, fazendo print screen das imagens e registrando elas em cartório.
Tainá Marchi
[ Soberba ]
Que as nudes sirvam apenas para diversão e não para humilhação
edição 81 | novembro | 2015
Foto: Letícia Wanderley, Larissa Nunes, Wyllean Montanheri e Neide Ianhis Lopes
[ Soberba ]
Corta, estica e pu a
Procura por cirurgias plásticas cresce entre os adolescentes; Brasil lidera ranking mundial de procedimentos na área
ANDRESSA CRISTINA andressacrosa@hotmail.com
“A
í como estou gorda, não mereço essa orelha de abano, meu nariz é muito grande...” Essas são algumas das reclamações feitas por jovens que procuram refúgio nas cirurgias plásticas. “Acredito que a sociedade impõe sobre todo um padrão de beleza e muitas das vezes as pessoas sentem necessitadas de segui-los. Uns em casos de vaidades, outros por questões de autoestima”, analisa a jovem Gabrielle Valverde.
edição 81 | novembro | 2015
Nos últimos quatro anos, o número de procedimentos cirúrgicos realizados por adolescente entre 14 e 18 anos dobrou no Brasil. Já os adultos tiveram um acréscimo de 38,6% durante o mesmo período. De acordo com o relatório d ISAP (International Society of Aesthetic Plastic Surgery) divulgado em 2014, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos no ranking de cirurgias plásticas, alcançando o primeiro lugar, com um total de 1,5 mil procedimentos realizados em 2013. Entre todas as cirurgias feitas, as que mais se destacaram foram a de aumento de seios e a de retirada de gorduras localizadas. painel
[49]
[ Soberba ]
Entre os adolescentes, a busca pelo corpo perfeito está cada vez mais incessante. É comum vermos jovens insatisfeitos com seu corpo, buscando cada vez mais se adequar dentro do padrão social desejado ou imposto pela sociedade. Seja uma lipoaspiração (extração de gorduras superficiais), prótese mamária ou intervenções cirúrgicas – procedimentos mais simples, de pequeno porte. Há 15 anos, as cirurgias plásticas eram feitas por pessoas mais velhas, que com passar dos anos se incomodavam com as formas de seu corpo
Busca pelo corpo perfeito é incessante entre os adolescentes
[50]
painel
O cirurgião plástico Luiz Flores revela que em sua clínica os procedimentos mais procurados são as mamoplastias, com ou sem prótese, de aumento ou de mastopexia (corrigir mamas flacidas), tendo um custo variável entre R$ 10 mil e R$ 15 mil, incluindo despesas com equipe médica - cirurgião, auxiliar, instrumentador, anestesista e hospital.
[
]
Os jovens estão cada vez mais vaidosos
Fotos: Gabriela Argentato e Andressa Cristina
No caso de Gabrielle Valverde, foram os dois: vaidade e necessidade. Aos 18 ela colocou prótese mamária com o apoio dos pais. Mas também não foi fácil convence-los. A ideia de “mudar o corpo” assustou seus pais. Aos 14 ela já se sentia incomodada e fora do padrão de beleza. Quatro anos mais tarde, os pais perceberam que a Gabrielle realmente não estava contente com o seu corpo. Assim, passaram a dar todo apoio necessário.
e buscavam o rejuvenescimento por meio das plásticas. Hoje esse quadro mudou. Além das pessoas dispostas a esconderem os sinais da idade, os jovens estão cada dia mais vaidosos.
Vaidade ou necessidade? Para que a mudança aconteça não depende apenas da insatisfação corporal e do adolescente, mas sim, do consentimento e aprovação dos pais, já que muitos ainda são dependentes financeiros e menores de idade. Feito isso, é recomendável que os pais e o adolescente busquem por informações e recomendações sobre o procedimento escolhido, além de um bom cirurgião. “Procurar um cirurgião plástico com título de especialista credenciado pela sociedade brasileira de cirurgia plástica; se possível com indicação de alguém que já o conheça ou tenha realizado algum procedimento, ou com indicação de algum outro médico de confiança; evitar realizar cirurgias com médicos não especialistas, de outras especialidades; lembro que não existe a especialidade de medicina estética, apenas cirurgia plástica e dermatologia”, alerta o médico Luiz Flores. “Cada um deve buscar ser feliz com seu corpo da maneira como sonha, é muito triste ter sua autoestima abalada pela aparência”, desabafa Ana Beatriz. Desde 13, a jovem possuía o desejo de passar por um procedimento cirúrgico, pois se sentia insatisfeita porque tinha uma “lombadinha” no nariz. Foi somente aos 20 ela conseguiu realizar a cirurgia. De imediato foi complicado porque o seu pai não aprovou a ideia, porém a aceitação veio depois ao perceber que sua filha tinha sua autoestima abalada por causa da tal lombadinha. Ana passou pelo procedimento cirúrgico recentemente e conta que não sentiu medo, era o que ela realmente queria. Além disso, a jovem revela que fez por necessidade: a de se sentir bem consigo mesmo. Numa escala de 0 a 10, ela se considera vaidosa num nível nove e se sente realizada. “Além da minha aparência, me sinto mais bonita e com isso sou mais feliz”, ressalta. edição 81 | novembro | 2015
anos
1980-2015
curso de
Jornalismo unimep
TRAGA
SONHOS
leve CONQUISTAS FAÇA UNIMEP Entre as 4 melhores universidades particulares do interior de SP (RUF 2015)
• Possibilidade de intercâmbios internacionais por convênio com universidades de 25 países • Oportunidades de inserção no mercado de trabalho por meio da Central de Estágios Unimep • 94% de professores mestres e doutores • Infraestrutura e beleza arquitetônica • Laboratórios de excelência • Vida cultural intensa e diversificada
Mais informações em unimep.br @unimep
/unimep
|
90% dos cursos estrelados pelo Guia do Estudante 2015
• Mais de 12 mil alunos • 51 cursos de graduação distribuídos em 4 campi • Integra a Rede Metodista de Educação, com mais de 700 escolas em 70 países • 5 programas de mestrado e 4 de doutorado • Mais de 50 cursos de pós-graduação lato sensu