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editorial
Respeito às diferenças O
s avanços da ciência e as facilidades garantidas pelo emprego da tecnologia nas mais diferentes tarefas do dia a dia - no trabalho ou na vida pessoal - estão presentes nos discursos de saudação ao século 21. E devem estar! Não há dúvidas de que o encurtamento de distâncias e a democratização do espaço público na esfera digital devem ser contabilizados como grandes conquistas dos últimos anos. Não se deve acreditar, porém, que a aceitação às diferenças pela humanidade também conquistou grandes saltos nessa escala de desenvolvimento. A célebre frase atribuída ao filósofo francês Voltaire, “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”, não encontra adeptos com facilidade. Em tempos de vigilância permanente do cumprimento de ações consideradas politicamente corretas, é natural que o preconceito e a intolerância não sejam mostrados abertamente. Isso não significa, no entanto, que eles deixaram de existir. Quem os dissemina os faz por meio de um olhar de reprovação ou, pior, respaldados pelo aparente anonimato garantido na publicação de comentários via internet.
A revista Painel aposta na apresentação de reportagens que mostram as dificuldades e as conquistas de grupos alvos de preconceito, na religião, na opção sexual, no tipo de cabelo. Nossos repórteres também mostram a crescente adesão às terapias alternativas, como a música usada para amenizar os efeitos de doenças como o mal de Parkinson, ou como os animais que visitam pacientes em hospitais e idosos em casas de repouso. O entrevistado desta edição é o sociólogo Muniz Sodré. Especialista em comunicação, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro explica por que o movimento de imigração tem encontrado tanta resistência nos países europeus, comenta os conflitos que levam fanáticos a ações terroristas, e mostra que diversidade não é a simples aceitação das diferenças. Para o professor, ao contrário do que pensa grande parte da população, diversidade não deve ser entendida apenas como variedade de costumes, mas sim como o posicionamento das diferenças, com força própria para falar, não apenas como um objeto exibido. Representa uma cultura própria, com sua complexidade e sua ancoragem num lugar específico. Boa leitura!
expediente Órgão Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep Reitor:Prof. Dr. Gustavo Jacques Dias Alvim - Diretor da Faculdade de Comunicação: Belarmino César Guimarães da Costa - Coordenador do Curso de Jornalismo: Paulo Roberto Botão – Editor: João Turquiai Junior (MTB 39.938) - Editores assistentes: Alessandra Faveri Postali, Ana Carolina Costa Brunelli, Arlete Maria Antunes de Moraes – Redatores: Alessandra Faveri Postali, Amanda Cristina Conceição, Ana Carolina Costa Brunelli, Ana Claudia da Silva Pimentel, Arlete Maria Antunes de Moraes, Beatriz Martins Graziano, Camilla Senna, Caroline Metler, Daniela Boaventura de Moraes, Isabela Andia, Jose Claudinei Cardoso Junior, Julia Godinho Santos, Kamila Vallis Ferraz, Larissa Lojo Ferreira, Larissa Walti, Leticia Maria de Castro, Luana Marcela Schimidt, Mirela Colombo, Reinaldo Diniz de Oliveira Junior, Thais Fernanda Alves, Thais Leite de Campos, Wesley Justino e Yasmin Vidal Obrownich. - Supervisão Gráfica: Sérgio Silveira Campos (Laboratório Planejamento Gráfico) - Foto de Capa: Guilherme Rola e Maria Clara Belchior - Agradecimento especial aos professores Oliver Mann e Camilo Riani – Correspondência: Faculdade de Comunicação - Campus Taquaral, Rodovia do Açúcar, KM 156 – Caixa Postal 69 - CEP 13.400-911 - Telefone (19) 3124-1677 - unimep.br edição 82 | dezembro | 2015
sou reporter .com.br painel
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sumário edição 82
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painel
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Opinião Terrorismo Brincadeira de criança Entrevista Muniz Sodré explica o conceito de diversidade e fala sobre os conflitos pelo mundo
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Literatura Projeto estimula a valorização feminina por meio de livros
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Capa Mulheres falam da luta contra o preconceito aos cabelos crespos
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Afeto Animais visitam pacientes em hospitais e moradores em casas de repouso
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Terapia Tratamento com sons ameniza sintomas de doenças como Parkinson
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Religião Um mundo para diferentes crenças
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Gastronomia Do Oriente Médio à Argentina, sem sair da região
Saúde Portadores do HIV mostram que é possível viver bem
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Trangêneros Nomes sociais são aceitos na educação
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Meio ambiente Como a crise hídrica comprometeu a biodiversidade do Rio Piracicaba
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Conflitos Moradores de repúblicas dão dicas para evitar confusão
Trabalho Cuidado na hora de expor sua tatto!
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Relacionamento Ciúme na era digital
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Gente do bem Como o amor ao próximo pode te ajudar
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Música Letras de funk ressaltam dor de cotovelo e ostentação
Pé no asfalto Histórias de quem vive nas ruas Cultura Internet ajuda a disseminar as manifestações da cultura popular Violência O drama das mulheres agredidas pelos maridos Artigo Conflitos com o erotismo
painel
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opinião
Paris mudou tudo? ARLETE MORAES armantunesmoraes@gmail.com
P
erseguidos pela guerra, o terrorismo, a fome, e a violência, os imigrantes de hoje enfrentam desafios cruéis. A crueldade está na própria condição humana, que não consegue mais se reconhecer no outro. No grito agonizante dessas pessoas que fogem das suas regiões de origem. Incerteza que se tornou pior com os recentes ataques terroristas ocorridos na França. Muitos governos estabelecem uma relação entre imigrantes e os terroristas. E é inegável afirmar que a situação de Paris mudou tudo. E o que estava difícil antes dos ataques, agora, parece impossível. E o que será dessas pessoas? Para onde vão e o que lhes sobrará? A pergunta deveria ser feita por todos nós, indivíduos da mesma espécie. Mas, não queremos pensar sobre. A ideia de que uns são Cristãos, outros Semitas e Ateus nos dividem como elementos opostos e, como tal, não podemos nos ajudar. Seria conveniente nos perguntarmos mais uma vez porque essas pessoas estão deixando o seu país. Já sabemos que não é por vontade própria, e sim porque não aguentam mais viver nos horrores da guerra. Imaginemos como é a vida de quem convive com ameaças diariamente?
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painel
Essas, sem dúvida, são vítimas mais sacrificadas da violência. Além do sofrimento das travessias, têm de conviver ainda com o estigma de terroristas, sendo discriminadas pela religião que assumiram e pela própria origem. Mas a culpa não é da população e nem desses imigrantes. É dos comandos, do governo e do Estado Islâmico. A sociedade é sempre vítima de governos omissos que fazem alianças obscuras e pouco trabalham na criação de soluções para os problemas do mundo. Os ricos abusam dos oprimidos. Avançam pelos territórios e impõe sua cultura sobre estes. A imigração crescente e sem precedentes a que assistimos é um pedido de socorro dos esquecidos. Daqueles que só passaram a ser vistos quando começaram a bater em nossas portas, fazendo-nos comuns os seus dramas. Têm as lideranças mundiais desculpas para estes ataques? Não. Aliás, eles não poderiam nem mesmo dizer que não imaginavam a onda de imigração que estava por vir. É só olhar para o nosso passado recente que veremos que tudo isso já era previsto. Mas, como sempre, nossos olhos preferiram desfocar do sofrimento alheio para olhar para nós mesmos, para o “meu país”, “minha religião” e os “meus problemas”.
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Resgatar é preciso ANA CAROLINA BRUNELLI cabrunelli@msn.com
N
ova geração. Novos costumes. Novas formas de divertimento. Hoje, século 21, o mundo encontra-se dominado pela tal “era digital”. Os avanços tecnológicos se inovam a cada dia e atingem grande parcela da sociedade, e é raro encontrar aqueles que ainda não se entregaram à nova onda. No entanto, o que realmente aflige e causa certo choque é notar que até mesmo as crianças passam a infância inseridas no novo mundo: marcado pelos cenários das fases dos vídeosgame, dos jogos nos tabletes e envolvidas completamente pelos smartphones. É, a nova era realmente é muito avançada, mas causa danos irreparáveis. Os eletrônicos tornam possível brincar por um longo período sozinho, evitam a sujeira nas roupas, as brincadeiras na grama e até o risco de voltar molhado para casa. Falando assim, parece perfeito. Mas, apesar de proporcionarem todos esses momentos por meio de uma tela, o contato face a face, a movimentação do corpo, as novas sensações e descobertas são literalmente destruídas com a avalanche digital. As crianças dessa geração estão perdendo a chance de saber o que é brincar na rua, com um grupo cheio de amigos, pular corda, amarelinha, jogar peão, dançar com bambolê e se divertir com as famosas cantigas. As formas de divertimento de meados dos anos 80, 90, precisam ser resgatadas. Elas podem salvar a nova geração. O desapontamento por notar a distância das crianças com a realidade e aproximação com o universo virtual, incentivou a Secretaria da Educação de Piracicaba a inovar em um projeto: resgatar as brincadeiras de rua e modificar a infância moderna. Nessa iniciativa, o órgão aposta em brinque-
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dos artesanais e não comprados, presa o envolvimento com a cultura, a proximidade com outras crianças, oferecem cantigas e jogos que contribuem no desenvolvimento corporal, mental e social, além de melhorar o equilíbrio e apresentar, de forma dinâmica, a importância da cooperação, trabalho em equipe, respeito e solidariedade. Esse projeto é mais do que um resgate da infância, mas pode ser a solução do futuro. Todas essas atividades são realizadas, por meio de um curso, para professoras de escolas infantis, que poderão repassar todo o aprendizado aos alunos. Claro que a era digital não é um bicho de sete cabeças e é muito útil no dia-dia, quando é preciso verificar uma informação em curto tempo ou até mesmo realizar uma grande pesquisa sobre determinado tema. No entanto, é necessário um limite para que a vida real não seja deixada de lado. No projeto, as crianças devem acessar a internet durante as aulas de informática e pesquisar sobre as brincadeiras de antigamente para se inteirarem das possibilidades. Depois, largam as telinhas e começam a confecção dos brinquedos escolhidos, como peteca, pé de lado e bola de meia. Durante o curso oferecido pela Secretaria da Educação de Piracicaba, além dos jogos e das brincadeiras antigas, as crianças são envolvidas em disciplinas de língua portuguesa, história e educação física. O projeto busca contribuir na transição das crianças para a pré-adolescência, apresentando formas de lazer distantes dos meios eletrônicos, mas que favorecem, por meio de jogos, o raciocínio e a criatividade, e abre caminhos para escolhas do futuro. Realmente, resgatar é preciso! Resgatar o ontem pode transformar o hoje e modificar o amanhã. Essa é a melhor maneira de não ser dominado pela era digital e sim, usá-la a favor do dia a dia, sem afastar a todos da realidade. painel
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Muniz Sodré
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J
entrevista
O diferente
tem força própria
para falar
Sociólogo analisa o comportamento humano em relação às diferenças e critica a forma como interpretamos a diversidade
ARLETE MORAES armantunesmoraes@gmail.com
A
violência extrema presente em várias partes do mundo, o drama da imigração e os comentários racistas que vicejam nas redes sociais demonstram o quanto a sociedade é intolerante à diversidade. “As pessoas ficam polarizadas em suas posições como se estivessem em trincheiras”. A opinião é de Muniz Sodré, autor de 30 livros sobre Comunicação e Cultura, mestre em sociologia pela Sorbonne e professor emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). A seguir a entrevista do sociólogo à Painel.
Painel: Há leis instituídas na educação brasileira que defendem a consciência política e histórica da diversidade, o fortalecimento de identidades e de direitos e as ações educativas de combate ao racismo e às discriminações. Essas questões são discutidas com profundidade suficiente nas escolas? Muniz Sodré: Não, de forma nenhuma. Em primeiro lugar porque ainda não se formou um professorado suficiente em termos numéricos e qualitativos para se discutir questões dessa ordem. O primeiro problema começa em entender o que é diversidade. Normalmente, quando se lê os textos da Unesco você vê que a diversidade é simplesmente a concentração e a aceitação das diferenças. E, se você olhar para os canais a cabo, essa diversidade entendida apenas como variedade de costumes, também aparece. Mas, isso não é diversidade. É o que eu estou chamando exatamente de variedade. A diversidade não é a mesma coisa que o múltiplo do diferente, mas o posicionamento, no espaço, dessas diferenças. E o que isso significa? Significa que o diferente tem força própria para falar. Ele não é apenas um objeto exibido. Representa uma cultura própria, com sua complexidade e sua ancoragem num lugar específico. Por exemplo, numa tribo indígena, você pode ter uma discussão antropológica de respeito às diferenças, de valorização da cultura. Mas, até esse momento, ela é um simples objeto de discurso. Quando esse povo começa a assumir suas posições, a restaurar a sua língua e buscar um modo sustentável de vida que tenha a ver com a sua singularidade, aí esse grupo não é mais diferente, ele se torna diverso. Então, a diversidade significa potência e espaço próprio. Implica um posicionamento político dessas diferenças e o respeito ao espaço que ocupam.
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E o que o Estado brasileiro tem feito para garantir essa preservação? O Estado brasileiro, do final do governo Fernando Henrique para cá, tem marcado essa questão com políticas de afirmação racial e cultural. Essas políticas não alteraram – e não sei se vão alterar, a médio ou longo prazo – a situação econômica dos negros, por exemplo. Mas, elas tem alterado, existencialmente (embora isso não seja um benefício do Estado e sim, o resultado de uma luta civil, de movimentos civis). De algum modo, esses
movimentos produziram efeitos nas elites que compõe o Estado brasileiro. Isso amadureceu no governo Lula e provocou uma espécie de reviravolta, de comoção, nos meios de comunicação e na mídia principalmente. Quando a mídia percebeu essa movimentação do Estado, como resultado dos movimentos civis, a reação dentro de determinado veículo foi enorme. Porque é um movimento de preparação para a diversidade e não para a simples aceitação das diferenças. Então, mexeu com uma coisa enraizada na história brasileira que é a forma social escravagista. Onde o negro continua como cidadão destinado a ocupar trabalhos de papeis sociais de segunda e terceira classes. Isso é uma lógica de lugar. É um negro confinado a lugares demarcados, comunidades de subordinação. Quando se começa a alterar essa lógica com políticas afirmativas, isso é percebido não apenas pelas altas classes dirigentes. Não ver o negro no papel de escravo que, historicamente foi reservado para ele, mexeu com a consciência da classe média e das elites. Essa intensa movimentação, portanto, é uma conquista. As escolas, que antes eram colonizadas pela cor clara, de repente, se tornaram colorizadas. Então, eu acho que essas políticas e que essa movimentação de diversidade é a conquista mais importante desses últimos 20 anos. E como podemos avaliar, historicamente, esse posicionamento atual da Europa em relação à imigração? A Europa sempre importou mão de obra quando havia trabalhos que os europeus não queriam fazer. Os franceses colocavam africanos e árabes que vinham das colônias. O único país que se constituiu como um país de imigração foram os Estados Unidos. A Europa é muito ambígua com relação a isso. Ela aceita os imiedição 82 | dezembro | 2015
grantes quando precisa. Mas quando são os imigrantes que precisam dela, ela quer colocá-los para fora. A que se deve essa dificuldade de entender o deslocamento humano como uma questão natural e aceitar a inclusão dessas pessoas? A dificuldade está na relação racial. Porque o racismo na Europa se intensifica e gera esses movimentos de extrema direita que querem matar os imigrantes, quando estes se tornam intoleráveis pelos europeus. Isso ocorre quando um grande número se aproxima deles. Se esse número fosse pequeno, até poderia haver um movimento de acolhimento às diferenças. O problema é que essas pessoas vêm em comunidade, têm costumes e religião própria e isso preocupa os fundamentos das comunidades européias, que se sentem ameaçadas por essa proximidade massiva com outros modos de vida. Como podemos explicar o conflitos derivados do ódio, como o terrorismo? É preciso fazer uma separação entre mundialização e globalização. A mundialização cria movimentos de livre circulação das diferenças, dos povos e a relativização de fronteiras. Enquanto que a globalização quer a expansão plena dos capitais financeiros. Então, podemos dizer que globalização e as finanças são a mesma coisa. E o que interessa às finanças? O que interessa ao capital financeiro? Interessa lucro e velocidade de lucro. O capital jamais gostou de gente. Capital gosta da sua própria acumulação. Mas no passado, o capital industrial que é o chamado capital produtivo, precisava de trabalhadores. Esse novo capital financeiro precisa cada vez menos de trabalhadores, ele seleciona os seus lugares de produção e os locais onde edição 82 | dezembro | 2015
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“Diversidade significa potência e espaço próprio”
irá poder circular mais velozmente. Portanto, é um capital sem compromisso como as nacionalidades, com as especificidades comunitárias e, por outro lado, incentiva indústrias de armamentos. Grande parte das guerras nos Balcãs e na África resulta dos incentivos às indústrias bélicas. Essa globalização não cuida, não se preocupa com a diversidade real. Ela entra nos países apenas para obter lucros. E qual é a responsabilidade da política nas questões relacionadas ao terrorismo no mundo e a intolerância no Brasil? Quando o catolicismo, que era a religião dominante aqui no Brasil, deixou de oferecer esperanças críveis, isso a enfraqueceu como recurso de atração de massas. A política passou a ser a oferta de esperanças, de transformação social e a criação de benefícios sociais. Então, o eleitor vota em determinados partidos políticos esperando que a vida dele melhore. Isso tudo está desmoronando com a crise da representatividade. As pessoas não se sentem mais representadas pelos partidos políticos e começam a perceber que a política é o lugar da corrupção. Ela se torna uma grande abstração com relação à vida concreta, à vida real das populações. Os partidos são mecanismos burocráticos e jurídicos, que giram ao redor dos seus próprios interesses, sem compromisso com as comunidades reais da nação. Abre, portanto, um espaço enorme para que as esperanças sejam criadas em lugares insustentáveis. Essas esperanças são criadas nas seitas fundamentalistas que estão
vicejando na sociedade brasileira e nas regiões mais empobrecidas no mundo. O islamismo fundamentalista é uma espécie de resposta divina para a miséria das massas e para a falta de esperanças. Enquanto que esse triste evangelismo que nós assistimos aqui no Brasil, nesse momento, se aproxima desse fundamentalismo, explorando a miséria das massas e oferecendo falsas esperanças. E como podemos evitar a mistificação da cultura? A palavra cultura, posta apenas como mercadoria, faculta a questão fundamental que é a educação. A mídia, portanto, é visceralmente inimiga da educação porque a educação é o único antídoto que nós temos para o prejuízo na consciência prática das crianças que a mídia possa trazer. A internet tem servido como uma plataforma de discurso horizontalizado e contribuído para a construção de uma nova cognição, que seria exatamente a de conseguir pensar de forma não linear ou isso tem causado o efeito contrário, ou seja, a polarização do pensamento? [Na internet] as pessoas ficam polarizadas em suas posições como se estivessem em trincheiras e atiram à distância. Essa polarização garantida pelo anonimato faz com que o indivíduo seja sempre pior. É o que nós estamos assistindo na sociedade brasileira, pós eleição da presidente Dilma, onde o ódio transborda na rede. Eu acho que a internet é importante, ela pode vir a constituir formulas novas de jornalismo de comunicação no espaço público, mas até agora não fez isso. Ela é o lugar do falatório, da curiosidade, como se fosse um grande megafone capaz de mobilizar pessoas. Ela tem um poder mobilizador muito grande, mas não creio que contribua para a diversidade. painel
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literatura
AMANDA C. CONCEIÇÃO amanda.00acc@gmail.com KAMILA VALLIS kamilavferraz@gmail.com
I Um pequeno gesto espontâneo na Inglaterra serviu como gatilho para um movimento mundial que coloca o “dedo na ferida” de leitores, editoras e autores. Por que lemos poucas obras produzidas por elas?
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ndependentemente de você ler muito ou não, dos livros que já leu, quantos foram escritos por autoras? Pense com calma e resgate os títulos do fundo da memória. Calma, nós damos um pouco mais de tempo para você pensar. Tempo esgotado! Será que foram menos do que os livros escritos por autores? Não se acanhe, porque isso provavelmente deve ter acontecido e você não está sozinho no mundo! E o porquê disso? Com estas questões em mente e visando a valorização da mulher no mercado editorial, em 2014, a escritora britânica Joanna Walsh criou o projeto e a hashtag #readwoman2014, que acabou obtendo adesão mundial e edição 82 | dezembro | 2015
Alessandra Postali
Leia
MULHERES espontânea de pessoas que se propuseram a pensar e discutir o tema. Deixando a Inglaterra e o ano de 2014 para trás, agora estamos no Brasil, mais especificamente em São Paulo, onde a consultora de marketing Juju Gomes se uniu às amigas, a transcritora Michelle Henriques e a jornalista Juliana Leuenroth para criar um clube de leitura, que de certa forma dá continuidade ao projeto lançado por Joanna, o Leia Mulheres, que no início de cada mês propõe a leitura de um livro com uma temática pré-estabelecida, e o mais importante: escrito por uma mulher. “Não tem mulheres só escrevendo coisas mais dramáticas, tem mulher escrevendo ficção cientifica, questões do cotidiano. A gente tenta mostrar essa variedade nesses temas”, afirma Juliana. edição 82 | dezembro | 2015
Pense que você está na sua livraria predileta, todas aquelas cores, aquelas capas, os inúmeros DVDs e CDs, aquelas poltronas aconchegantes que te convidam a sentar e desfrutar de uma boa leitura naquele ambiente com cheiro de livro novo... Imaginou? Então, é nesse ambiente que as reuniões do Clube Leia Mulheres são realizadas, na última semana do mês, quando seus membros se encontram para compartilhar e discutir suas impressões de leitura. O primeiro encontro foi em março de 2015, no mês da mulher, e trouxe como tema a depressão, com o livro “A redoma de Vidro”, o único romance da poetisa norte-americana Sylvia Plath.
Consultora de marketing Juju Gomes reuniu amigas para criar o clube Leia Mulheres, em São Paulo
O debate foi aberto, contou com uma breve apresentação do livro, e foi mediado por Juliana e Michelle. “É tudo muito livre, a gente não se prende painel
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nessa coisa de teoria literária, pois muitas pessoas deixariam de participar, a ideia é trocar impressões de leitura. E, às vezes, acabam caindo em relatos pessoais”, comenta a mediadora. Quando o livro “Reze pelas mulheres roubadas”, da mexicana Jennifer Clement, foi abordado, a violência contra a mulher entrou em voga na discussão e foi estabelecido um paralelo entre a violência sexual encontrada no livro e os recorrentes casos de assedio sexual contra mulheres nas ruas em diversas cidades do país. Questões feministas também permeiam o debate. A discussão e a reflexão geradas sobre o papel da mulher numa sociedade que vela o machismo e que o transporta em diversas frentes, seja na desigualdade salarial ou dentro do mercado editorial, se faz necessária, afinal temos de estar abertos para falar sobre isso. E mais pessoas estavam dispostas a falar sobre isso... O Clube Leia Mulheres cresceu e um mês depois da inauguração da edição paulista, o projeto já se iniciava no Rio de Janeiro, e mais tarde foi estendido para Curitiba, Brasília, Porto Alegre, Fortaleza, Recife e Belo Horizonte, e mais recentemente São Luís, no Maranhão, e Itapetininga, em São Paulo. Por que lemos poucas mulheres? É inconsciente? Ou são valores incutidos dentro da nossa sociedade? Ao fazermos uma auto-avaliação sobre nossos hábitos de leitura, certamente chegamos à mesma conclusão de Olivia Gutierres, mediadora do clube de BH, “Já tinha constatado que lia poucas mulheres. Não raro olho para minhas prateleiras e até para meus desejos de leitura, os clássicos, e percebo que a paisagem é dominada por autores homens. Os livros mais falados, mais divulgados, aclamados pela crítica, são em grande parte livros escritos por homens. Não é que não existam bons livros escritos por mulheres, mas é preciso certamente fazer mais esforço na pesquisa para chegar até eles”. Para Michelle, existem três fatores, entre eles o machismo, a questão de falta de promoção das obras e como
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[ ] “O povo diz que mulher escreve livro de ‘mulherzinha’. E o que é uma ‘mulherzinha’?”
a literatura produzida por mulheres é vista tanto por quem consome e por quem produz. “Tem uma coisa que não faz sentido na minha cabeça. Quando você pergunta para um homem o que ele escreve, a resposta é ficção científica, romance, poesia, conto. Quais temas são abordados? Você vê algum falando sobre problemas masculinos? Não! Daí vem autores brasileiros falando que a mulher tem que escrever sobre problemas íntimos femininos. E o que são problemas femininos? Menstruação!? O povo diz que mulher escreve livro de “mulherzinha”. E o que é uma “mulherzinha”?”, Juliana também concorda. “Muito homem reproduz essa visão de que mulher escreve para mulher, e isso é uma coisa muito antiga. Você tem a Jane Austen, que é muito irônica, e que para a época era autora para “mulherzinha”, a visão de que a mulher não tem densidade para escrever outras coisas sem que sejam seus problemas íntimos, vem de lá para cá”.
acontece é que com o passar dos anos, a mulher começou a se expor mais, colocar suas opiniões, e buscar um lugar no mercado de trabalho como um todo. Isso vem mudando o nosso posicionamento e a exposição dentro de vários segmentos. Quantas mulheres já foram líderes de uma nação? Quantas mulheres já lutaram em uma guerra? Tudo é muito recente… mas o mais importante é que nós mulheres temos buscado o nosso espaço, mostrando nossas habilidades e competências” E você deve estar se perguntando: E os homens? Eles são bem-vindos nos clubes? A resposta é sim, meus caros! O clube é organizado e mediado por mulheres, para incentivar e popularizar a leitura de obras escritas por mulheres, mas é aberto para quem quiser participar. E então, todas e todos? Aceitam o convite de ler mais mulheres?
Três perguntas para Joanna Walsh
Para Silvia Tocci Masini, editora chefe da Gutenberg, do Grupo Autêntica, a situação da mulher vem mudando. “Quando pesquisamos o mercado editorial de uma maneira geral – livros publicados, autores premiados, espaço na imprensa, entre outros – os homens acabam liderando o ranking. O que
Escritora britânica Joanna Walsh criou o projeto que acabou recebendo a adesão mundial e espontânea de pessoas que se propuseram a pensar e discutir o tema
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QUER SABER MAIS SOBRE FEMINISMO? Selecionamos obras literárias de fácil acesso para quem quer começar a conhecer o feminismo e acima de tudo entendê-lo.
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Conteúdo em
UM TETO TODO SEU Virginia Woolf Editora: Tordesilhas Ano de Lançamento: 2014 Baseado em palestras proferidas por Virginia Woolf nas faculdades de Newham e Girton em 1928, o ensaio Um teto todo seu é uma reflexão acerca das condições sociais da mulher e a sua influência na produção literária feminina.
COMO SER MULHER- UM DIVERTIDO MANIFESTO FEMININO Caitlin Moran Editora: Paralela Ano de Lançamento: 2012 Como elas devem chamar os próprios peitos? Por que as calcinhas estão ficando cada vez menores? E por que as pessoas insistem em perguntar quando elas vão ter filhos? Em Como ser mulher, Caitlin Moran responde a essas e muitas outras perguntas que mulheres modernas no mundo todo estão se fazendo.
SEJAMOS TODOS FEMINISTAS Chimamanda Ngozi Adichie Editora: Companhia das Letras Ano de Lançamento: 2014 Neste ensaio agudo, sagaz e revelador, Adichie parte de sua experiência pessoal de mulher e nigeriana para pensar o que ainda precisa ser feito de modo que as meninas não anulem mais sua personalidade para ser como esperam que sejam.
Arquivo pessoal
1. Como a #readwoman2014 aconteceu? Foi quase acidental. Sou ilustradora, além de escritora. Eu fiz alguns cartões de Ano Novo com desenhos e uma lista de escritoras, e pedi para pessoas no Twitter para contribuírem com mais nomes. Muitos quiseram participar (e quiseram um cartão também). Depois de um mês eu tive que decidir entre parar ou seguir em frente com isso. Eu escolhi a segunda, e fico feliz por isso. Eu tento usar minha conta no Twitter como um uma plataforma para notícias sobre escritoras, prohetos e para conectar pessoas. 2. Em sua opinião, existe uma diferença entre o que os homens e mulheres ver therebound #readwomen2014? É difícil de perceber. Eu vejo um suporte de homens e mulheres na maioria das vezes. Presenciei poucas reações negativas e, até agora, nenhuma das ofensas recebidas por ativistas feministas no Twitter. Talvez porque o @read_women é bastante discreto. Ele age como um apoio, para se certificar que as questões
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a respeito de mulheres e escrita continuem a serem ouvidas. Acho isso importante. Espero que seja, em parte, porque o @read_women mantém a literatura feminina nas notícias, fazendo com que as pessoas se sintam capacitadas para pedir por mudança (como, por exemplo, quando Kamila Shamsie pediu por um ano com publicações de livros escritos apenas por mulheres, e vários editoras concordaram). 3. O que você acha sobre o machismo presente na literatura? No Reino Unido é sutil. Muitas pessoas acreditam que homens e mulheres têm o mesmo espaço, com tantas listas mostrando uma igualdade, algumas até sendo dominadas por mulheres, mas o cenário é muito desigual. Estou trabalhando com as tradutoras Katy Derbyshire, Rachel McNicholl, entre outras, na criação de um prêmio para traduções de livros escritos por mulheres. Menos de 30% desses livros fazem parte da ficção contemporânea traduzida para o inglês a cada ano. Igualdade em prêmios é algo muito re-
cente. Em 1996, Kate Mosse criou o Prêmio das Mulheres, porque ela percebeu que livros escritos por mulheres consistiam em apenas 10% da listas de premiados. Muitas mulheres que escreviam em 1996 ainda estão na ativa. Se a situação é melhor agora, para elas em particular, deve ser precária. No teatro e em roteiros, as coisas ainda são muito desiguais. Listas de prêmios recentes para obras de não-ficção e ficção experimental eram predominantemente, ou até 100% constituídas por homens, embora tenham alguns livros promissores publicados neste ano destas áreas que foram escritos por mulheres. Há a questão sobre o fato de que algumas mulheres elegíveis usaram formas de escrita não padronizadas, perdendo a chance de serem incluídas nas listas. Isso me interessa em como minha própria escrita frequentemente evita formas confortáveis e, pra mim, isso está ligado diretamente ao meu desejo de reescrever algumas das narrativas tradicionais de feminilidade.
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estilo
Guil herm e
Rola e
Mar ia Cla ra B elch ior
Ruim
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é o seu
preconceito! Mais da metade das mulheres brasileiras tem cabelos cacheados ou crespos, mas mesmo sendo a maioria, são levadas a acreditar que seus fios são feios
JÚLIA GODINHO julia.godinhosantos@hotmail.com
D
uro, sujo, bombril. Esses são alguns dos apelidos usados para descrever os cabelos crespos. Considerados símbolo de descuido e pobreza, foram praticamente banidos pela mídia. Mulheres, homens e até mesmo crianças são levados a escondê-los, mantendo-os presos, rapado ou fazendo tratamentos à base de produtos químicos, que além de caros, muitas vezes são prejudiciais à saúde. Para muitos, falar sobre cabelos, com tantas coisas acontecendo no mundo, pode parecer algo superficial. Mas esse assunto deixou de
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ser banal. Aceitar os cachos tornou-se uma luta contra o preconceito, racismo e discriminação. Em um país onde as pessoas adoram falar sobre a diversidade, por que não falar sobre a diversidade capilar? Se assumir como crespa tornou-se um ato político. Símbolo da resistência negra, os cabelos crespos tornaram-se um empecilho para conseguir emprego, relacionamento, para ser aceito pela sociedade. Homens e mulheres são levados desde muito novos a acreditar que seu cabelo é rebelde, armado, que precisa ser preso, domado!
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“Ter o cabelo liso me dava sensação de classe”
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A forma como os cabelos crespos são tratados pela mídia tornou-se uma violência contra, principalmente, meninas negras, que crescem com autoestima baixa, pois acreditam que nasceram com um defeito e sentem uma enorme necessidade de aceitação. E é aí que aparecem as terríveis químicas, que além de machucarem não trazem os resultados prometidos.
Rafaelle Chris - “Quando alguém termina a transição tenho vontade de falar para ela: vai lá esfrega na cara da sociedade que você é linda e que seu cabelo é lindo do jeito que ele é” Ana Romão – “Sempre pensei em agradar mais aos outros do que a mim mesma, via as pessoas com seus cabelos lisos e balançando, coisas que o meu tipo de cabelo não proporcionava” Beatriz Mastrantonio – “Me lembro de vários episódios de choro porque estava chovendo, porque alguém brincou com água ou porque a chapinha não tinha ficado boa”
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painel
Assim como Rachel, muitas mulheres decidiram voltar ao natural, depois de
A estudante Beatriz Mastrantonio também sofreu ao tomar essa decisão, mas não se arrependeu. “O difícil foi ter que cortar ele bem curto para tirar a parte lisa, mas nada foi tão libertador quando tomei chuva pela primeira vez em anos, sem ter que me preocupar”. E após conseguir passar pela transição, muitas pessoas esbarram em outro problema: a falta de produtos especializados para seus tipos de fios. A indústria especializada em produtos capilares, por muitos anos, ignorou a variedade de cabelos e, com isso, encontrar nas prateleiras produtos para cabelos crespos é uma tarefa muito difícil.
Arte: Rafael Castilho
Depoimentos
A química Rachel Harsey foi uma dessas meninas levadas a acreditar que não era bonita, começou a mexer nos cabelos desde muito nova. “Ter o cabelo liso me dava a sensação de classe, me aceitar como crespa foi muito difícil, pois a mídia, as revistas, sempre me falaram que era feio”. Após anos usando químicas, ela decidiu parar. “Eu alisava em casa, ele sempre ficava ressecado, com pontas duplas e uma cor estranha”, e dez anos após se assumir crespa, Rachel pode afirmar “ser quem a gente é não tem preço, não tem erro quando o assunto é amor próprio”.
anos alisando. Mas o caminho de volta ao crespo não é nada fácil, levam-se meses, anos, para conseguir tirar toda a química, e muitas vezes é necessário cortar-los para retirá-la. A cabeleireira Rafaelle Chris, uma das poucas especializadas em cabelos crespos, explicou que para muitas, no começo, o corte assusta, mas que quase sempre se sentem satisfeitas com o resultado. “A maioria das mulheres quando chega ao salão fica com medo de cortar, mas a sensação que elas sentem após tirar aquela química não tem preço. Mas cada caso é um caso. Algumas meninas precisam raspar”.
Anos 70 Movimento blackpower ganhou força
Anos 80 Cabelos enrolados e armados fizeram sucesso
Anos 90 Homens e mulheres passaram a usar a tranças rastafári
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Todas juntas O
movimento crespo surgiu nos Estados Unidos, entre as décadas de 60 e 70, com as Panteras Negras. Aqui no Brasil, grupos se reuniram para lutar pela causa a partir dos anos 90, mas só agora, nos anos 2000, o movimento começou a ter força. E pensando em ajudar as pessoas a se aceitarem e retornarem as suas raízes naturais foram criadas campanhas, eventos e marchas para celebrar a beleza dos cabelos crespos.
Anos 2000 A liberdade de escolha e o livre estilo fazem sucesso
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Guilherme Rola e Maria Clara Belchior
Nesses encontros, mulheres que já assumiram seus cabelos e que ainda estão em transição aproveitam a oportunidade para trocar experiências, ajudar aquelas que ainda não conseguiram se libertar das correntes da mídia. Contam suas histórias e se apóiam na luta contra as construções sócias, e também mostram para todos a beleza dos cachos. “Eu não sabia que existiam tantas mulheres e homens que queriam a mesma coisa que eu”, falou a estudante Ana Romão, que participou de um desses encontros e ficou encantada com a diversidade de pessoas que estavam lá. “Nós somos perfeitos, cada um nasce com seu tipo de cabelo e todos são muito lindos”, completou a estudante.
pet terapia
Companheiro é
panheiro CÃO Cachorros voluntários proporcionam momentos de descontração em hospital e asilo de Piracicaba
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ANA CAROLINA BRUNELLI cabrunelli@msn.com
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estam apenas alguns minutos para a tão esperada chegada. A mulher de roupa branca já passou nos quartos e anotou quem gostaria de receber a visita. Toda quarta-feira à noite crianças, jovens, adultos e idosos ficam ansiosos e animados. Os voluntários já estão preparados para iniciar a jornada: distribuir carinho, arrancar sorrisos e com algumas lambidas, transformar tristeza em alegria.
Bruna Pessotti
É assim, desde agosto de 2015, no Hospital Fornecedores de Cana de Piracicaba.O projeto Cãopanheiro atua dentro de algumas alas do hospital e os pacientes recebem cães voluntários em seus quartos. O visitante de quatro patas sobe nas camas, troca carinhos e recebe muitos sorrisos.
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Alguns estão hospitalizados há muito tempo, outros acabaram de chegar, mas independente do período de internação, a permanência em um ambiente carregado por tristeza e sofrimento é sentida por todos. Porém, o cenário muda com a presença dos cachorros. De acordo com Ariane Rosa Robles, a mulher de branco que passa nos quartos antes das visitas e que, na verdade, é a terapeuta ocupacional, o
ambiente fica mais leve e os pacientes esquecem por um momento os problemas que estão enfrentando. “Tivemos um caso de uma senhora, paciente com Alzheimer, que com vários dias de internação estava triste e chorosa. Ao entrarmos no quarto com o cão, ela parou de chorar e sorriu a todo instante interagindo com os animais. Foi emocionante”, relatou a terapeuta. Do lado de fora é difícil imaginar como as visitas caninas podem transformar o dia dos pacientes, mas do lado de dentro,percebe-se que a transformação acontece e o resultado é imediato. Confinados em um quarto, com TV, comida e, nem sempre, com acompanhantes, o tempo demora a passar e a saudade daqueles que têm o seu melhor amigo de quatro patas em casa, aguardando seu retorno, só aumenta. Para esses, a visita é ainda mais comovente. “Tenho um cachorro parecido com o que veio me visitar. Para mim foi muito emocionante, faz a gente não se sentir sozinho e dá para matar um pouco a saudade”, contou o paciente Noel Pedro Teixeira, que está há alguns dias longe de casa. Além dos adultos, não dá para deixar de fora aqueles que largam o brinquedo por um abraço nos “cãopanheiros”.
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transformar o cão em um co-terapeuta para ajudar no tratamento físico, psíquico e emocional e estimular a reabilitação do paciente. Os donos e seus cães participam de encontros que promovem a socialização entre todos e, apenas depois de testado e comprovado o temperamento dos caninhos as visitas são liberadas.
As crianças ficam animadas e recebem muito bem os bichinhos. Querem brincar, fazer carinho e adoram tirar fotos com o novo amigo. “Para quem está aqui, longe de tudo, é uma alegria, uma emoção receber essa visita”, conta a mãe de Samantha Vitoria Caravella, 12, que operou a coluna e precisa passar o dia em uma cama.
Bruna Pessotti
Cães voluntários sobem nas camas, recebem carinhos e arrancam sorrisos
Os cachorros voluntários são selecionados após realizarem sessões de cinoterapia, uma abordagem terapêutica que tem como objetivo
O projeto Cãopanheiro atua também, há dois anos, no Lar dos Velhinhos de Piracicaba. Diferente do hospital, em que a rotatividade de pacientes é frequente, no Lar são sempre os mesmos e, consequentemente, o apego é maior. Tanto com os cães, como com seus donos, que acompanham toda a jornada. Lá o cenário é divido entre a felicidade daqueles que se sentem acolhidos, participam das atividades e possuem uma vida ativa e entre a solidão dos que não recebem visitas e sentem-se abandonados pela família. Os idosos recebem os “cãopanheiros”, mensalmente, aos domingos, dia que passou a ser o mais feliz por esse motivo. “Aos finais de semanas, são eles que trazem alegria para nós”, relatou Clotilde Maffei de Campos, 87. É nítida a troca de afeto entre os cachorros e os pacientes, que torcem para que a visita não chegue ao final. Maria Deise Moreira de Matos, 82, vive no lar junto com seu marido e afirma que com a presença dos cães sempre ocorre uma troca de energias entre eles e os animais. “O ambiente aqui é carregado de sofrimento, revoltas e sinto que a presença dos bichinhos é positiva, eles levam nossa energia pesada e deixam a energia positiva deles para nós”, contou. “Em todas as visitas conseguimos levar um pouco de alegria e enxergarmos o brilho nos olhos dos pacientes dos hospitais, ou dos idosos no lar, que por muitas vezes estão aguardando o cãopanheiro chegar para a visita”, relata o coordenador do projeto, Ricardo Cançado.
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Foto: Prefeitura de São Leopoldo
Pacientes amamentam filhotes de ovelhas durante as visitas
Os diferentes
fazendo a diferença Contato com animais rurais provoca resultados positivos em pacientes hospitalizados
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m terras gaúchas o primeiro hospital público também adotou a terapia com animais. Bem, mas quando digo animais, você logo pode imaginar cachorros, gatos e passarinhos, mas não, nesse caso é melhor deixar a imaginação ir longe mesmo. No Hospital Centenário, situado no município de São Leopoldo, quem ganha à cena são os bichinhos rurais. Isso mesmo! Ovelhas, cabritos, porcos, coelhos, são eles os tão esperados visitantes. Em parceria com a ONG Coração Vira-Lata e a Escola Agrícola Visconde de São Leopoldo, desde agosto de 2014, o Hospital Centenário vêm inovando em seu programa “Visita Pet” e, com isso, semanalmente, proporciona entusiasmo, interatividade e contribui para reduzir o tempo de internação de seus pacientes. Para que houvesse um momento de descontração e as visitas pudessem acontecer com frequência, foi criado um espaço aberto e arejado para receber os animais. Durante uma hora e meia todos brincam, fazem carinho e até amamentam os filhotes de ovelhas.
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Agora você pode estar se perguntando, mas por que animais rurais? Cachorros e gatos por serem considerados domésticos e estarem acostumados com a vida em sociedade, se identificam rapidamente com o ser humano e criam relações de confiança e afeto. Sim, se aproximar deles é uma tarefa muito mais simples. No entanto, o hospital não quis simplificar. Durante as visitas, para se firmar um vínculo com os bichinhos rurais é exigido dos pacientes mais atenção, concentração e dedicação. “É preciso que estejam atentos ao corpo e aos impulsos para que percebam a necessidade do outro, não só as próprias. Os coelhos, por exemplo, são animais muito sensíveis, portanto, a aproximação e o toque devem ser feitos de maneira tranquila e consciente, se não ele foge”, ressalta a psicóloga, Ana Luisa Accorsi e ainda acrescenta “Com todas essas questões para se preocupar quem ainda se lembra da doença?”. Além dos resultados positivos observados pelos funcionários, familiares e até pacientes, a psicóloga ainda afirma como as visitas agregam benefícios à saúde e, consequentemente,
provocam uma evolução positiva nos prontuários. “O contato com os animais colabora no crescimento do número das células de defesa e deixa o organismo mais tolerante a bactérias e ácaros, reduzindo a probabilidade das pessoas desenvolverem alergias e problemas respiratórios. Essa interação também aumenta o nível de endorfina (hormônio responsável pelo prazer), ajudando a minimizar os efeitos da depressão e melhorando o comportamento social dos pacientes”. Hospital Israelita Albert Einstein Já em São Paulo, o Hospital Israelita Albert Einsten decidiu focar em um espaço mais humanizado e implantar um novo projeto.Por estar sempre exercendo novas ações dentro de um ambiente hospitalar, foi o primeiro da América Latina a receber certificado de uma organização americana. Para atender aos pedidos do pacientes e favorecer na recuperação física, mental, emocional, social e espiritual, o hospital iniciou, desde 2009, um projeto com animais. No entanto, diferente das histórias contadas acima, no Albert Einsten as visitas são abertas, exclusivamente, aos próprios bichinhos de estimação de cada paciente, mas claro com algumas regras: é necessário autorização do médico responsável, um laudo do veterinário atestando as boas condições de saúde do animal e a carteira de vacinação atualizada. Com essa iniciativa, o hospital já recebeu gatos, coelhos, pássaros e principalmente, cachorros. Lá a permissão para subir aos quartos é apenas aos animais de pequeno porte. Já os maiores, podem encontrar seus donos em uma área externa. É um momento de reencontro, que faz bem ao paciente e ameniza a saudade de casa. painel
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terapia
Sons QUE
CURAM
Melodia, harmonia e ritmo! Tudo isso faz parte da musicoterapia, tratamento para prevenção de doenças, habilitação e reabilitação Hospital do Câncer de Barretos
Noemi Lang toca instrumentos e canta com os pacientes do hospital
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painel
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Alessandra Postali
Idosos com Parkinson se divertem em sessões de musicoterapia
ALESSANDRA POSTALI afpostali@gmail.com
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m roda, um grupo de idosos participa do tratamento com muita descontração, sorrisos e brincadeiras. É indescritível e contagiante a alegria que envolve o ambiente. O rádio toca músicas de diferentes ritmos e melodias para que todos cantem e acompanhem com palmas ou com as clavas – dois “pauzinhos” usados para marcar o ritmo. Em seguida, uma bexiga passa de mão em mão, no compasso da canção. Já em pé, eles cantam fazendo gestos ou de mãos dadas. É por meio das músicas que são amenizados os sintomas do mal de Parkinson, que debilita aos poucos e não tem cura. Tremores, o comprometimento do equilíbrio e do caminhar e a dificuldade de engolir fazem parte da doença, que atinge principalmente idosos, mas pode aparecer na vida adulta também. Ana Maria Pansiri Zilio, 70, descobriu o Parkinson há três anos. Foi difícil ‘cair a ficha’ de que precisava de remédios e tratamentos diferenciados. Hoje, ela participa do coral Tremendas Vozes e ensaia toda semana na Associação Brasil Parkinson Núcleo Piracicaba (Colibri), onde também faz as sessões de musicoterapia com Hilara Crestana, pianista, pedagoga e musicoterapeuta. No tratamento, ela exercita, principalmente, o ritmo, a marcha, o equilíbrio do corpo, a memória e a sensibilidade musical. “Percebi que
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meus sintomas não evoluíram tanto. A memória está sendo muito trabalhada e me sinto mais jovem e feliz”, revela. O Parkinson faz surgir a vergonha de sair de casa e de se relacionar com os outros. Muitas pessoas não querem nem ir a um restaurante. Tremem ao segurar os talheres e não querem ou demoram a aceitar a doença, porque vão sendo impedidos de fazer atividades que antes eram fáceis, e podem se tornar dependentes da ajuda dos outros. Com a musicoterapia essas pessoas encontram conforto, como afirma dona Ana: “ali, todos somos iguais, podemos nos soltar e viver como uma família. A música emociona e nos une de uma forma maravilhosa”. Avaliação Para explicar como funciona a musicoterapia, Hilara Crestana conta que, já na primeira entrevista, descobre os gostos musicais, recusas sonoras e história pessoal dos pacientes. Na análise é feito um teste para identificar com que tipo de instrumento o paciente tem mais afinidade e, em seguida, começa o tratamento. “No caso do grupo de pessoas com Parkinson, como a maior reclamação é travarem o corpo ao ficar ansiosos, trabalho principalmente o relaxamento, a marcha, questão rítmica e melódica”. E o uso da musicoterapia vem crescendo cada vez mais. Maicon Araki também trabalha em Piracicaba com o tratamento voltado principalmente a idosos com Alzheimer. As sessões são
feitas, frequentemente, em grupo, com instrumentação acústica e atividades de diversas naturezas musicais. Segundo ele, o tratamento se adapta de acordo com as características do paciente. “A energia do envolvimento de vários corpos tem sua vantagem por fazer parte de um sistema de bobina de sentimentos, em que as diferenças fazem a soma e contribuem com uma velocidade e qualidade maior no desenvolvimento”, comentou. Araki conta ainda que seu objetivo é proporcionar uma conquista e superação na vida das pessoas, e que recebe um retorno em cada sessão. “Certa vez, no Centro do Idoso de Piracicaba, quando desenvolvi uma atividade, um senhor me segurou forte pelo braço depois de encostar seu andador e ficou me olhando fixamente com os olhos lacrimejando, depois disse que sentiria saudade. Levar esse tipo de sentimento para as pessoas e receber uma energia de volta é muito bom”. Emoções Em Barretos, no Hospital do Câncer, a musicoterapia faz parte da rotina há sete anos. O trabalho começou por meio de voluntariado, mas os resultados positivos e transformadores levaram a direção do hospital a oficializar os atendimentos, oferecidos na Unidade de Cuidados Paliativos e Dor, onde os pacientes já não podem mais fazer radioterapia ou quimioterapia, e os tratamentos devem ser voltados para controle de dor e sintomas. Responsável pela área, a musicoterapeuta Noemi Lang, toca instrumentos e canta junto com os pacientes do hospital. Quando não conhece a música que pedem, coloca no rádio ou celular para que possam escutar. Ninguém fica de fora! “Essas técnicas relaxam, estimulam os pacientes a participarem das atividades do hospital com mais entusiasmo, melhoram a comunicação social e geram um alívio das angústias e ansiedades. A dor e o medo são desfocados!”, afirmou. Para não se prender apenas ao tratamento, Noemi também conversa muito com os pacientes, conhece suas histórias e sua relação com a música. painel
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fé
Sinônimo de
liberdade É impossível pensar em uma civilização sem se deparar com rituais religiosos; luta de grupos minoritários no cenário religioso é um respiro na preservação das grandes conquistas da humanidade WESLEY JUSTINO lelijto@hotmail.com
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ra noite do domingo, 14 de junho de 2015, quando Kaylanne Campos, 11, saía de uma cerimônia de candomblé e foi atingida por uma pedra numa avenida do Rio de Janeiro. Os agressores eram dois homens e foram denunciados à polícia. No dia 26 de setembro, um homem foi preso pela polícia suspeito de depredar três lojas no centro de Belo Horizonte. Elas vendiam artigos de religiões de matriz africana. Em 30 de setembro, uma jovem de 14 anos foi espancada dentro de um colégio estadual em Curitiba por publicar uma foto no Facebook em que aparecia junto com sua mãe e mais uma praticante de candomblé. Além da violência, as ações têm uma particularidade: intolerância religiosa; e isso é crime, previsto no artigo 20 da lei 7.716 (praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional). Pelos constantes registros de casos, o poder público resolveu entrar em ação. Em 2014, o governo federal criou o Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa, na qual, através de fóruns, levantam a discussão sobre a importância
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de um ambiente plural e respeitoso. Há ainda O Disque 100-Direitos Humanos, um canal que recebe denúncias sobre violações, especialmente de crianças e adolescentes, expressões religiosas, pessoas com deficiência, entre outros grupos vulneráveis. De acordo coma Secretaria de Direitos Humanos, de 2011 a 2014, o Disque 100 recebeu cerca de 500 denúncias relacionadas à intolerância religiosa, religiões de matriz africana são as mais afetadas. Mas esse número pode ser bem maior, pois há outros meios de registros de violência e outras pessoas acabam apresentando queixa, o que impede levantamentos com dados próximos da realidade. Diante da intolerância de parte dos brasileiros e a necessidade de fortalecimento da liberdade, o Brasil se vê cada dia mais necessitado de elucidação. Mas antes de tentar buscar compreender o porquê as pessoas não aceitam as escolhas religiosas de outras, é preciso saber o que faz o homem ser religioso. Religião Adelino Francisco de Oliveira é professor de filosofia e teologia do Instituto Federal de Educação de São Paulo. Sua explicação para compreender a edição 82 | dezembro | 2015
Alessandra Postali
Casos de intolerância religiosa ainda são registrados no Brasil; governo oferece canal de denúncias.
relação do homem com a religião é que existem 3 linhas de ideia. A primeira é antropológica, que diz que a religião nasce da experiência do sagrado, em que se percebe que em determinado momento ou cultura de um país, faz com que alguém tenha uma experiência com algo inexplicável. Essa manifestação é chamada de hierofonia. A segunda linha é que o sagrado está dentro do homem e quando se mergulha dentro de si encontra outra dimensão. A terceira é que a religião nasce do desejo do homem em superar sua limitação. Seria algo exterior ao homem e como forma de projeção, de fuga. Esses três pontos, na visão teológica, podem explicar a religiosidade dos homens. E a relação não é recente. Quando se fala de cultura humana, já se depara com experiência religiosa. No livro escrito pelo historiador francês Jean Delumeau, “De religiões e de homens”, é retratado achados arqueológicos na região que hoje é o Iraque; túmulos de crianças neandertalenses, de 80 mil anos. No túmulo havia vestígios de rituais religiosos, como por exemplo: a forma em que foram enterradas – posições em forma de oração, flores de outras regiões (o que leva a ideia de tentativa de comunicação com o morto). E a ideia mais aceitável edição 82 | dezembro | 2015
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“Hoje a maioria quer ensinar o sucesso, a prosperidade”
de como ela nasceu é, basicamente, através das três linhas resumidas. Outro lado Há ainda outras pessoas que, mesmo pertencendo às minorias, acabam revelando que há no Brasil um cenário ideal para novas oportunidades de vida e a boa relação da fé com outras pessoas. Dono de um simples restaurante de comida árabe em Piracicaba, Mohamed Ali Chaaban nasceu no Líbano, de uma tradicional família muçulmana xiita. Tinha 23 anos quando saiu do Líbano para fugir da guerra civil. Há 37 anos mora no Brasil. “Minha chegada foi totalmente benéfica. Eu podia exercer minha fé, praticar minha religião; na época não havia mesquita em Campinas, mas anos depois, após a construção de uma, eu ia. Todo mundo (muçulmanos xiitas e sunitas) era meu amigo”. Para Mohamed, o povo e a cultura do país ajudaram numa nova maneira de ver a vida e a fé. “Cheguei aqui com uma cabeça, mas
hoje respeito todas as outras religiões, graças a Deus e ao Brasil que me abriu a mente. Não acredito em um deus que gosta de tanta guerra como a gente vê. Futuro Para o professor e teólogo Adelino Francisco de Oliveira, a situação das religiões no Brasil é paradoxal, pois existe uma abertura com o diverso; há 30 anos, por exemplo, mudar de religião era até problema familiar, e hoje, católicos, evangélicos e ateus sentam na mesma mesa. Mas a dúvida é se esses grupos estão abertos. Para Adelino, algumas igrejas hoje em dia colocam conquistas sociais dos anos 60 em xeque, como o papel da mulher na sociedade, por exemplo. “Isso é paradoxal. Na questão moral há o fechamento, mas não se aplica da mesma forma na questão econômica. Se antes o cristão era doutrinado a ser humilde, ajudar os pobres, hoje a maioria quer ensinar o sucesso, a prosperidade. É a chamada Teologia da Retribuição. E os caminhos para enfrentar o preconceito, segundo Oliveira, é respeitar a crença do próximo, é conhecer a própria tradição que faz parte, evitar as interpretações desvinculada da própria; além de um fortalecimento das minorias, mesmo diante do cenário de conflito. painel
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Roberto Azevedo
saúde
Acompanhamento regular e medicação garantem rotina normal após diagnóstico da doença
Após o
HIV
Soropositivos que recebem orientação médica e tomam medicamentos de maneira correta garantem qualidade de vida LARISSA WALTI larissawalti@hotmail.com YASMIN OBROWNICH yasmin.ovidal@hotmail.com
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elaxar com a família, trabalhar, estudar, praticar esportes, namorar e manter um hobby são coisas comuns na vida de todas as pessoas, e não seria diferente na vida dos portadores do vírus HIV. Apesar do tabu que ainda envolve a doença, os soropositivos podem levar uma vida normal e, seguindo o tratamento correto, têm a expectativa de vida de uma pessoa não-infectada. Adriano Passarella, 28, jovem de Campina Grande, Paraíba, contraiu o HIV há três anos de uma ex-namorada. Após o choque inicial, o jovem
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continua levando uma vida normal. Estudante de farmácia e ativista em duas entidades na luta contra a Aids no Brasil, ainda encontra tempo para praticar caminhada e natação. Em relação ao namoro, ele sempre conta para as garotas sobre a sua condição e toma os cuidados necessários. De acordo com Passarella, para isso, é necessário seguir as recomendações médicas corretamente. “O tratamento é um pouco complicado, mas ter uma boa alimentação é extremamente importante. Faço uso de medicações não convencionais, como comprimidos de magnésio, além de acupuntura. É preciso tomar os fármacos de combate ao HIV todos os dias, nas mesmas horas”, explica. edição 82 | dezembro | 2015
E.C., 41, mora em Tatuí. Trabalha, se diverte com amigos e vive com os dois filhos adolescentes. Ela descobriu que era portadora do vírus HIV em 1997, grávida do segundo filho e quando a Aids era sinônimo de uma vida interrompida. “Pensei: ‘Será que vou morrer?’. Naquele tempo quase não se falava sobre o assunto. Então comecei o tratamento por causa do bebê. Quando ele nasceu, também tomou os remédios e depois fez o teste, que deu negativo”, relembra. Segundo o infectologista Rodolfo Enrique Postigo Castro, do Ambulatório de Infectologia de Tatuí, apesar de alguns efeitos colaterais que podem ser causados pelos antirretrovirais, como aumento do colesterol, distúrbios no sono e até problemas no fígado, pessoas que convivem com o HIV podem levar uma vida normal. “Dependendo do comportamento pós-diagnóstico, se o paciente fizer o tratamento certo, tomando a medicação prescrita no horário correto e fazendo acompanhamento regular, a qualidade de vida é igual a de uma pessoa sem HIV”, explica. Para o psicólogo, Jonas Fornitano Cholfe, que trabalha no Sepa (Serviço de Especialização em Prevenção e Assistência em DST/Aids/Hepatites Virais), em Rio Claro, o tratamento psicológico para pessoas que convivem com o vírus da Aids é importante para desconstruir preconceitos e fantasias. Com o acompanhamento, os pacientes começam a lidar melhor com a doença, com o tratamento e com o seguimento da vida amorosa, que geralmente é o que se interrompe. “A pessoa param de transar, de sair, de se divertir, elas se isolam afetivamente, até de familiares. Já vi casos da pessoas terem muito receio de contar para a família e quando ela conta, a reação das pessoas é completamente diferente do que ela esperava. A família, muitas vezes, acompanha, cuida; eu já tive muitos casos desse jeito. Na minha estatística, as famílias recebem a notícia melhor do que o paciente”, declara. edição 82 | dezembro | 2015
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“Não há risco de se infectar apenas usando o mesmo copo”
De acordo com dados do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS) estima-se que 36,9 milhões de pessoas no mundo vivam com o vírus HIV, mas que só 54% delas saibam. No Brasil, a estimativa é que 734 mil pessoas estejam infectadas. Jovens e o HIV Com dados do Ministério da Saúde que demonstram que, entre 2004 e 2013, houve um aumento de 3,1% de casos a cada 100 mil habitantes na taxa de detecção do HIV em jovens entre 15 e 24 anos, o infectologista Rodolfo Enrique Postigo Castro, do Ambulatório de Infectologia de Tatuí, concorda que os jovens não se preocupam com sexo seguro. “Com o advento das novas medicações, se tornou uma doença tratável. Aquele tabu de que era incurável e que inevitavelmente levava para a morte caiu. Eu acho que isso foi um fator importante para que as novas gerações, que não conheceram a época em que não tínhamos tratamento, não se cuidem adequadamente”, opina. Quando tinha apenas 15 anos, o estudante Pierre Freitaz se descobriu soropositivo. Agora com 28, o jovem de São Paulo relembra que na época pensou até em cometer suicídio. Ele teve alguns problemas no começo, como preconceito de amigos e até de sua família – desta última mais
por conta de sua orientação sexual. Agora Freitaz faz o tratamento com os antirretrovirais e mora com a família. “No começo as coisas foram realmente difíceis, porém com o tempo melhoraram. Em casa, compartilho objetos normalmente, já que não há risco de se infectar apenas usando o mesmo copo, por exemplo”. Ele ainda conta que leva uma vida normal e que gosta de correr e de jogar vôlei. Freitaz também declara que é uma pessoa totalmente aberta sobre o assunto, inclusive com pretendentes, e que sempre toma os cuidados necessários na hora da relação sexual. Com o intuito de evitar o avanço da doença no país, sobretudo entre os jovens, o Ministério da Saúde, aprovou um novo modelo de distribuição da PEP (profilaxia pós-exposição), também conhecida como “pílula do dia seguinte contra Aids”. O tratamento agora é o mesmo para as três categorias que mais sofrem exposição ao vírus: profissionais da saúde que tiveram contato com sangue de paciente, vítimas de violência sexual e pessoas que tiveram relação íntima desprotegida. Em relação a isso, o infectologista concorda que o protocolo é importante, mas teme que pode ser um estímulo para algumas pessoas fazerem sexo desprotegido. “Têm casos específicos em que isso é útil. Por exemplo, um estupro, quando é um sexo sem consentimento, aí estaria perfeitamente indicado. Ou em alguma contaminação perfurocortante. Mas fazer sexo propositalmente desprotegido para tomar a medicação depois, acho que isso não cabe”, finaliza Castro.
TRATAMENTO Em 1980 surgiram os medicamentos antirretrovirais, também conhecidos como coquetel antiaids, responsáveis por impedir a multiplicação do vírus HIV no organismo. Eles não matam o vírus, mas evitam o enfraquecimento do sistema imunológico. Desde 1996, o Brasil distribui gratuitamente os antirretrovirais para todos que necessitam do tratamento. Atualmente, existem 21 tipos de medicamentos divididos em cinco grupos. Para o combate do HIV é necessário utilizar pelo menos três antirretrovirais combinados, sendo dois medicamentos de classes diferentes, que podem ser combinados em um comprimido.
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alimentação
Tour
gourmet
Larisa Lojo Ferreira
Restaurante Niazi, em Rio Claro, tem decoração inspirada nos países do Oriente Médio
Da Ásia ao Oriente Médio, é possível experimentar todos os sabores sem sair da sua região [32]
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LARISSA LOJO FERREIRA larissa.lojoferre@outlook.com
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uem disse que é impossível aprender um pouco sobre novas culturas sem sair do seu estado, ou país, não sabe aproveitar as várias opções de lugares interessantes que existem na região de Piracicaba. Restaurantes que apostam na culinária exótica de outros países para fazer seus pratos principais estão por toda parte. Diariamente utilizamos os serviços de alguns desses estabelecimentos e nem sempre lembramos que fazem parte de outra cultura, pois já estamos acostumados. Como exemplo temos os fastfoods, da cultura americana, os restaurantes de comida japonesa, que existe ao menos um em cada cidade da região. Em Piracicaba há várias opções, não apenas de fastfoods, mas também de restaurantes em que se pode escolher por qual país quer “visitar”, comer e tudo sem se distanciar tanto de casa. Como é o caso do restaurante Terra Europaque, com arquitetura pensada num ambiente do “velho continente”. “Existem restaurantes com características italiana e mediterrânea. Então, pensamos em englobar algumas culturas tradicionais europeias num lugar só”, comenta o empresário Bruno Laudari, 29. Os pratos preferidos pelos clientes são todos os que têm como base o camarão. Além dos tradicionais fastfoods americanos, em Limeira há o fastfood mexicano. O QuepasaTex-Mex foi inaugurado em 2014 e tem todo o ambiente decorado com o tema mexicano. O gerente Christiano Tank, 28, conta que o prato preferido é o burrito. “Prato típico mexicano feito de tortilha, carne bovina, saladas e tempero mexicano”, explica. Em Rio Claro também há algumas opções. Entre os vários restaurantes de culinária nacional e comida caseira, encontram-se muitas opções para
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quem quer sair da mesmice. Como é o caso do restaurante Niazi, inaugurado em 1984, uma boa pedida para quem quer conhecer alguns sabores do Oriente. A empresária e biomédica Telma Hussni, 55, conta que as receitas passaram de geração em geração na sua família. “Meu avô mandou buscar a mãe na Síria e trazer para o Brasil, ela (minha bisavó) ensinou todos os pratos da culinária árabe para a minha avó, e minha avó ensinou minha mãe. Eu assumi a cozinha do nosso restaurante com um pouco do aprendizado das duas”, conta. O restaurante tem toda a decoração inspirada no Oriente para que os clientes tenham a sensação de estarem lá, mas se você preferir o conforto da sua casa o restaurante também tem o serviço de entrega.
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“Na época não tinha restaurante temático na cidade”
Já em Americana é possível aproveitar a culinária argentina no restaurante Empanadas La Boca, que foi inaugurado em outubro de 2012. “Na época não tinha restaurante temático na cidade”, conta o empresário e professor Hugo Orlando Otero, 38. O restaurante procura respeitar a cultura argentina, “desde os pratos, decoração, cores, música... Quando o cliente entra no La Boca está se sentindo em Buenos Aires”, comenta Otero. Além de ser empresário de um restaurante temático, Otero, adora e tem o costume de visitar outros restaurantes que possuem temáticas diferentes para conhecer novos ambientes e culturas. Além desses exemplos existem outros restaurantes com temáticas de diferentes países e continentes em nossa região, todos com preços acessíveis para agradar ao público. Basta pesquisar pela cultura que mais te agrada e tenha um bom apetite!
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identidade Fernando Frazão/Agência Brasil
Frente de Combate à LGBTfobia promove ato em repúdio a toda e qualquer agressão e violência à comunidade LGBT na Praça São Salvador, em Laranjeiras, Rio de Janeiro
A inclusão pela educação Jovens travestis e transexuais agora podem assumir os nomes sociais
JUNIOR CARDOSO jr.cardoso1@hotmail.com
O
ano de 2015 pode ser considerado o da diversidade. O debate manso sobre a questão dos transgêneros facilitou, e muito, a vida de quem sofre sendo no documento de um sexo e se sentindo e vivendo de outro. Segundo dados do Ministério da Educação, o número de pessoas que pediram para usar o nome social nas provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) aplicadas em outubro aumentou 200%.
A adoção de nomes sociais vem sendo aprovada com força em diversos estados e cidades. Na capital paulista, por exemplo, dados divul-
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gados pela assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Educação, apontam que a adoção desses nomes por estudantes transexuais e travestis, entre 2014 e 2015, subiu de 44 para 127 casos. Desde 2010 este benefício pode ser solicitado pelos jovens após um decreto estadual. Para Thiago Sabatine, autor de livros e representante do Núcleo para Diversidade Sexual e de Gênero, os estudantes sentem bastante dificuldade para saber quem são, e uma escola acolhedora faz toda a diferença. “Nosso trabalho nas escolas visa enfrentar a discriminação e a exclusão de frente. Hoje temos muitas formas para fazer isso e entre elas estão, por exemplo, a diversidade sexual e de gêneros nas escolas”, explica. Embora os avanços, em abril do ano passado, dois estudantes acabaram expulsos de uma escola em Rio Preto, no interior paulista, por terem sido pegos se beijando no banheiro. A orientação sexual dos dois não era de conhecimento dos pais. Na época, a escola chamou os responsáveis, uma pastora e contou, mesmo os estudantes pedindo para que isso não ocorresse. “Trabalhamos para que situações como essas não ocorram, mas quando ocorrerem vamos investigar e os responsáveis pelo problema serão punidos”, explica Sabatine.
278 300 250 127
200 150 100
102 44
50 0 Pedidos de adoção de nome social em escolas
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Aumento de nome social no Enem 2014
2015
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“Preferi parar de estudar depois de ser vítima de muita chacota”
Com a nova postura do Estado quanto ao nome social e trabalhos voltados para a inclusão de gays, lésbicas e transexuais, diversos jovens retornaram para as salas de aula. É o caso de Rafaela Silva. Ela abandonou os estudos quando tinha 14 anos por discriminação dos colegas. “Foi muito difícil, a gente se sente diferente, fala diferente e acaba sendo excluída. Preferi parar de estudar depois de ser vítima de muita chacota”, conta ela que, ao saber da possibilidade de usar o nome social voltou a estudar. “Foi muito legal a minha volta depois de seis anos, porque na matricula já pude falar meu nome que uso no dia a dia. Posso vir vestida como sou, usando maquiagem, salto, e desde então fui tratada como sou e com respeito. Hoje me sinto feliz e quero continuar os estudos, ser alguém na vida e dar orgulho para minha família”. Ainda de acordo com dados da Secretaria, 86% dos estudantes que aderem ao nome social são mulheres transexuais e travestis. A inclusão mostrou ainda mais sua força nos pedidos ao Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) para que nos cartões das provas do Enem os nomes sociais dos candidatos também sejam colocados. O número de solicitações por transexuais e travestis em 2015 para receber o cartão inclusivo cresceu 172% em um 2015 período de um ano. Em 2014 eram apenas 102 2014 pedidos quanto que agora o número foi de 278. Ano passado foi o segundo ano que o Inep permitiu o uso de nome social.
A medida foi adotada em 2014 após várias polêmicas que ocorreram na edição de 2013 onde candidatas transexuais usaram as redes sociais para reclamar de constrangimentos sofridos por parte dos fiscais das provas. Um dos passos mais importantes para a inclusão e que gerou bastante polêmica foi a adoção de políticas contra a discriminação por municípios no cumprimento do Plano Nacional de Educação. Em Piracicaba, por exemplo, a parte no projeto aprovada pela Câmara que se referia aos trabalhos de inclusão nas escolas teve que ser retirada após, principalmente, o posicionamento conservador de padres e pastores. O ativista da ONG Casvi (Centro de Apoio e Solidariedade à Vida), de Piracicaba, Anselmo Figueiredo, disse que em 2015 a parada gay da cidade reforçou o tema da inclusão também nas escolas. “O tema do ano passado foi juventude e família, e teve como objetivo propor reflexões e debates acerca das vulnerabilidades que excluem jovens que possuem orientação sexual diferente, o que faz com que muitos deles sejam discriminados na escola, excluídos do mercado de trabalho e, principalmente, expulsos de casa ou rejeitados pela família que, por ignorância ou preconceito, não consegue lidar com as diferentes identidades e acabam não acolhendo seus filhos, empurrando os mesmos para a marginalidade social”, resume Figueiredo. No caso de Rio Preto, um dos jovens acabou sendo expulso de casa depois que o diretor contou a opção sexual dele para a família. Outro permaneceu, mas a família decidiu trocá-lo de escola. O beijo ocorreu após um pedido de namoro ser aceito. Fora das escolas, outras barreiras também são encontradas, segundo a jornalista e educadora sexual, Julieta Jacob. “Hoje estamos recebendo reclamações das trans de que embora muitas instituições sendo elas faculdades, prefeituras, câmaras, já adotarem o nome social, existe uma falta de unificação dessas políticas”. painel
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comportamento
Em busca da
Sonho de morar longe dos pais pode acabar no contato com a divisĂŁo de tarefas do novo lar
Bom senso ĂŠ fundamental para driblar os desentendimentos com amigos, parentes, vizinhos e colegas
Ana Claudia Pimentel
HARMONIA
[ ANA CLAUDIA PIMENTEL ana.santos.pimentel@gmail.com THAIS ALVES thais2011_fernand@hotmail.com
H
á aqueles que sempre abrem mão de tudo apenas para evitar conflitos, outros, pelo contrário, preferem impor seu poder para alcançar o que desejam, mesmo que essa atitude resulte em problemas. Isso acontece em todos ambientes, seja em casa, na escola e até mesmo no trabalho. O conflito surge por vários motivos, como opiniões diferentes, barulho, falta de organização, entre outros. Luana Aparecida mora em uma república, em Piracicaba, há cinco anos, e conta que a desordem do ambiente sempre foi motivo de discórdia. “Temos regras que devem ser seguidas para uma boa convivência. Quando uma das meninas não cumpre, gera discussão”. A analista administrativa Roberta Santos queria ser independente e ter liberdade. Saiu da casa dos pais logo após completar 18 anos e foi morar com duas amigas. No começo foi muito bom, tudo estava indo do jeito que ela imaginava. Até que começaram as brigas. As tarefas da casa eram divididas, Roberta cumpria seus afazeres, mas passadas algumas semanas, sugeriu contratar uma faxineira, as amigas não aceitaram, pois elas não
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“Regras devem ser seguidas para uma boa convivência”
tinham condições de ter uma despesa a mais. Na época Roberta trabalhava como vendedora, seu salário era baixo. Mesmo assim, decidiu alugar uma quitinete. “Foi um momento difícil na minha vida, eu sempre gostei das coisas do meu jeito, e não gosto que tentem mandar em mim. Lógico que agora estou amadurecendo, mas ainda não sei se consigo morar com outras pessoas”, avalia a analista. Já no caso de quem mora em condomínio, para evitar conflitos é preciso ter bom senso, porque no mesmo ambiente existem pessoas com personalidades e estilos diferentes, que precisam conviver juntas, aceitando e respeitando o próximo. O morador de um condomínio em Piracicaba, que prefere ser identificado apenas como Cardoso, disse que os principais motivos de conflitos onde mora são animais, cigarro e barulho. Para ele, o mais complicado é a diferença de horário de uma pessoa para a outra. “Em determinado horário do dia eu quero escutar uma música, mas o meu vizinho está dormindo e isso acaba gerando atrito”, ressalta Cardoso. O estudante Danilo Corniani Rodrigues administra uma república em Piracicaba e explica que sempre ocorrem conflitos nesse ambiente. “Estamos sempre tentando transformar o ambiente para o melhor possível. A república é bem diversificada, existem pessoas negras, brancas, pardas, pessoas de todos os tipos e o respeito sempre acima de tudo”, explica Danilo. Como em qualquer outro lugar, dentro de uma empresa, no ambiente de
trabalho, jogar indiretas ou falar em tom de ironia certamente resultará em conflitos. A contadora Jussara Camargo passou por uma situação complicada no trabalho. Segundo ela, os colegas começaram a evitá-la e até mesmo cochichavam a seu respeito. Com a rotina pesada e o clima tenso, certo dia Jussara surtou, começou a chorar sem parar. Quando os colegas foram acalmá-la, ela perguntou por que eles estavam a tratando daquela maneira, e os colegas abriram o jogo: disseram que o jeito de Jussara era muito extravagante, chamava atenção pelo tom de voz muito alto. “Se não me avisassem, nunca imaginaria que meu jeito de falar incomodava tanto. Hoje falo suavemente, aprendi a conversar discretamente e agora até rio da situação”, relembra a contadora. O conflito ocorre quando expectativas não são alcançadas, quando há frustrações. Nesse momento é hora de propor atribuições aos envolvidos, é preciso deixar de lado quem começou o problema e focar na solução. A ex-síndica de condomínios, Aline Silva, explica que paciência e honestidade são de extrema importância na solução de problemas entre pessoas de opiniões diferentes. “O ideal é conversar, ouvir os dois lados da história, para só então tomar decisões e solucionar os problemas”, relata Aline. painel
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meio ambiente
Biodiversidade em crise
Crise hídrica e má qualidade da água são alguns dos fatores que contribuem para a degradação do Rio Piracicaba BEATRIZ MARTINS GRAZIANO beatriz.margrazi@gmail.com
“O
Rio de Piracicaba vai jogar água pra fora...”. Quem nunca ouviu os versos dessa música? Infelizmente, no entanto, se tem algo que o rio não faz há tempos é jogar água para fora, o que se torna cada vez mais motivo de preocupação. Mas não é preciso ir tão longe para notar as consequências da poluição e da baixa vazão do rio.
Muitos moradores de Piracicaba, principalmente na região da Rua do Porto (parte turística da cidade), dependem dos peixes para sobreviver, seja para consumo próprio ou para venda, e sofrem nos períodos de seca. A pescadora Alessandra Maria da Silva Franco e Silva pega peixes para consumo próprio no Piracicaba há 30 anos, e relata que nas épocas de seca não havia meios de pescar. “O jeito é comprar o peixe no mercado ou então fico sem comer, o nosso rio estava muito feio e não tinha como pescar”, conta.
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Ainda na região turística, não são só os moradores que sofrem com a crise hídrica, muitos comerciantes sentiram na pele, e no bolso, os efeitos da baixa vazão e má qualidade da água. Irairdes Franco, proprietária de um dos restaurantes na Rua do Porto, explica que o mau cheio do rio é predominante perto do Shopping Piracicaba e que na área onde os restaurantes estão instalados não há esse problema, mas que a repercussão sobre o assunto foi tanta que afastou a clientela. “Havia muitas reportagens sobre o rio, aqui não havia mau cheiro, mas passava direto na televisão, aí o turista não vem”, relata. A proprietária ainda argumenta que em 2014 retirou dois sacos de peixes mortos das águas do Piracicaba. “Ano passado teve muito problema, muito peixe morto. Estava muito difícil trabalhar quando o rio estava seco”, reforça. Nascente e afluentes O Rio Piracicaba nasce da junção dos rios Atibaia e Jaguari, em Americana.
Em Piracicaba recebe as águas do seu principal afluente, o rio Corumbataí. Segundo Guilherme Amstalden Valarini, engenheiro ambiental e coordenador de projetos do Consórcio PCJ, a bacia hidrográfica do Rio Piracicaba engloba as bacias dos rios Atibaia e Jaguari, sendo que esse último possui suas nascentes no sul de Minas Gerais. O engenheiro ambiental explica que se a qualidade da água do afluente estiver melhor que a do receptor, isso será benéfico para sua água. “O Rio Piracicaba recebe água do Rio Corumbataí que apresenta melhores condições de qualidade, isso beneficia o Piracicaba”, afirma Valarini. Em relação à vazão, a situação hídrica está cada vez mais preocupante. Desde 2013, quando a crise hídrica teve seu início, as vazões do rio oscilaram bastante, mas ficaram em uma média de 50% a 70% abaixo das médias históricas. No ponto de medição, usado freqüentemente como
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Beatriz Martins Graziano
referência, durante o inverno (e antes da crise) o rio Piracicaba apresentava vazões médias históricas de 40 mil litros por segundo. Nos dados mais recentes, que já contam com a crise hídrica, o rio apresentou vazões inferiores a 35 mil litros por segundo. “Com pouca água no rio e mantendo a quantidade de matéria orgânica dos efluentes domésticos e industriais, a taxa de oxigênio da água cai drasticamente e influencia diretamente nos seres aquáticos, ou seja, os microrganismos, espécies vegetais até peixes”, expõe o engenheiro ambiental. Crise hídrica X biodiversidade A falta de água ainda afeta diretamente a vida no rio. De acordo com Silvia Regina Gobbo, doutora em ciências biológicas, a crise afetou a biodiversidade pelo baixo nível de água nas fases de piracema, mas especialmente pelas inúmeras mortandades em massa. Para agravar ainda mais a situação, durante a edição 82 | dezembro | 2015
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“Com pouca água, a taxa de oxigênio da água cai”
piracema (período de reprodução dos peixes) era o momento da população se recuperar das mortandades, mas em vez disso o número de mortes de peixes aumentou ainda mais. Os problemas com a reprodução dos peixes têm sido alertados há algum tempo. Em 2014, por exemplo, diversas espécies de peixes foram prejudicadas na época de reprodução por conta da crise hídrica. Muitos peixes deixaram de se reproduzir. “Não sabemos ainda quantas espécies foram prejudicadas. Pode ocorrer que agora elas não tenham sumido do rio, tenham apenas diminuído de população, mas se ocorrem mais eventos estressantes, como calor intenso, baixo
Baixo nível do rio, durante a crise hídrica histórica, prejudicou a reprodução dos peixes
nível de água e poluição estas espécies já prejudicadas podem se extinguir neste ecossistema”, explica Sílvia. Em um resgate histórico, a doutora em ciências biológicas revela que a mudança que mais afetou o Rio Piracicaba foi a construção do Sistema Cantareira, em 1970. “O Sistema Cantareira é uma transposição de bacia que retira dois terços da água dos nossos rios e desvia para a região metropolitana para abastecer cinco milhões de pessoas. Entretanto, o PCJ também abastece cinco milhões de pessoas, mas só fica com apenas um terço da água”, pontua Sílvia Gobbo. Segundo a ecóloga, a meta agora é que venha mais água para o PCJ, dessa forma, conseguindo mais água a partir da outorga do Sistema Cantareira será possível restaurar algum equilíbrio ecológico perdido com esta situação. painel
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estilo
Mesmo com a popularização nos últimos anos, as tatuagens ainda dividem opiniões e geram preconceitos dentro e fora do ambiente corporativo
Tipo de tatuagem, tamanho e local do corpo onde é feita pode atrapalhar o candidato a uma vaga mais ‘séria’
LETÍCIA CASTRO lmcastro@unimep.br
D
epois que você fez, não dá pra descartá-la como uma blusa que foi comprada porque estava na moda. A tatuagem vai acompanhar você sempre, independente de arrependimento ou não. Por isso é importante ter conhecimento sobre o mercado que deseja atuar, nem todas as empresas toleram tatuagens, e
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muitas utilizam desculpas contraditórias para não contratar tatuados. Muitos profissionais foram discriminados por conta das tatuagens e até desclassificados de processos seletivos. Mas há quem diga, também, que nunca teve esse tipo de problema. Maycon Domingues, 21, menino tímido que mora com os pais em Santa Bárbara d’ Oeste, trabalha com carteira assinada em uma tintuedição 82 | dezembro | 2015
MERCADO
DE
TRABALHO Mas não pense que ele se esconde para trabalhar... Por segurança optou por remover os piercings durante o expediente, e as tatuagens não aparecem por conta do uniforme. Seus colegas de trabalho já o conhecem como “homem 2 em 1” e ficam curiosos querendo saber mais. “Eu acho que eles me aceitam (risos)”.
ila am o s, C t are Barre o S n e olin i, Rena r a n, C izz urla , Edy R o riz F eat o Cout B rin ald sa G fi, Edn l alis o: T Gando Fot
raria da cidade. A essa altura, sua mente já criou uma “imagem” para Maycon. Ela seria capaz de acreditar que esse mesmo jovem tem 65% do corpo tatuado, 15 piercings no rosto, presas de vampiro e olhos pretos? Após seu horário de expediente na empresa, Maycon vai para casa e se transforma para trabalhar como tatuador e body piercer. Sua transformação dura, em média, 2 horas. Quem o vê na empresa nem imagina como ele é durante o dia. E vice-versa. Somente os pais de Maycon conhecem completamente as duas versões e aprovam. “Quando optei por ter esse estilo diferenciado, estava ciente das consequências. Conversei bastante com meus pais e a partir da aceitação deles comecei as modificações”. edição 82 | dezembro | 2015
Apesar de todo preconceito que existe, Maycon afirma que até hoje as tatuagens nunca o atrapalharam na hora de arrumar um emprego. “Eu acredito que hoje as pessoas aceitam melhor a tatuagem no mercado de trabalho. Porque é como se fosse uma obra de arte, é bem vista pela maioria por ser um trabalho legal, bem feito e com significado pessoal”. Conhecido por suas participações em programas de tevê, Maycon tem uma grande quantidade de seguidores nas redes sociais. Compara os olhares que recebe das pessoas nas ruas com os comentários maldosos na internet. Acostumou-se e garante que isso não o incomoda mais. “Tatuagem não faz o caráter de ninguém. O preconceito está na cabeça das pessoas”. Apesar de já ter perdido as contas de quantas tatuagens tem, ele conta que a maioria tem significado, algumas são filmes e personagens que ele gosta, outras são desenhos criados por ele. As modificações corporais de Maycon prometem não parar por aí! Além das tatuagens, ele planeja fazer a bifurcação da língua e colocar um implante na mão; e garante: “não vou parar tão cedo”.
Filosofia à flor da pele Heraldo Antonio Costa Junior, 24, estuda filosofia. Em seu tempo livre, escreve sobre literatura para seu blog. Como o hobby ainda não lhe dá dinheiro, ele trabalha em uma loja “alternativa” de Piracicaba, onde seu estilo singular, com tatuagens por todo o corpo, é motivo de comentários e repreensão por parte de seus superiores. Tem 14 tatuagens. A maioria tem significado, outras foram feitas porque gostou do desenho. As tatuagens já o atrapalharam na hora de conseguir emprego. Muitos lugares não o aceitaram porque ele tem tatuagem na mão. Na loja em que trabalha já aconteceu de o cliente pedir para ser atendido por outra pessoa. Em contrapartida, tem as pessoas que gostam, que tem curiosidade em saber mais. “Tem gente que quer saber se doeu, se vou fazer mais, onde eu faço. Isso é bacana”. Mesmo contratado, Heraldo sabe que seu emprego está ameaçado se ele tatuar o rosto e aumentar painel
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seus alargadores. Mesmo assim não descarta a hipótese. “Quero fazer tatuagem no rosto e se me demitirem por isso entro na Justiça”. Assim como muitos tatuados, ele já decorou a desculpa usada para justificar a não contratação: “Você não se adequou ao que a gente procurava”...
DICAS Para quem pensa em fazer tatuagem, ou para aqueles que já possuem o corpo desenhado, Tatiele e Ana Paula dão algumas dicas para que não haja problemas – antes ou depois da contratação:
Um pouco de discrição é fundamental, ter bom senso e não extravasar usando roupas que deixem a tatuagem à mostra enquanto estiver dentro do ambiente corporativo.
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“Eu não me arrependo de nada que fiz”
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daí em diante não parou. Tem 5 no total, mas até hoje não contou ao chefe. “Ele nunca perguntou, e eu nunca vi necessidade de mostrar.” Eduardo não sabe se a cultura da empresa proíbe, mas prefere não arriscar. “Minhas tatuagens são escondidas, no meu ambiente de
Talissa Grin
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Analisar bem o estilo da tatuagem, tamanho e local antes de fazer;
Eduardo Balbi, 30, engenheiro. Quando entrou na empresa não tinha nenhuma tatuagem. Fez a primeira em 2010 (um dragão nas costas) e
trabalho nenhuma aparece. Meu chefe diz que não gosta, mas o filho dele tem tatuagem na boca com o nome da esposa”. Acredita que é melhor esconder em função do preconceito que existe dentro e fora da empresa. “Hoje, se eu fizer uma entrevista para outra empresa e me perguntarem se tenho tatuagem, eu vou falar que não”. Algumas pessoas da empresa sabem, porque convivem no dia a dia, foram a churrascos em que ele estava de bermuda, então viram a tatuagem da panturrilha que ele fez em homenagem à filha. Apesar de sua primeira tatuagem não ter nenhum significado, Eduardo é da opinião que você deve ter certeza do que quer e que a idade influencia na decisão. Ele fez com 25 anos, porque gostou do desenho e não se arrepende. Aliás, essa foi a frase que mais apareceu durante a entrevista: “Eu não me arrependo de nada que fiz”. O que as empresas levam em conta? Para ilustrar melhor a situação, a Revista Painel entrevistou a responsável pelo RH da Têxtil Três Ellos, Tatiele Dias, que acredita que a escolha do profissional depende da cultura da empresa e do feeling do gestor em questão. “Não existe nenhuma regra alegando que pessoas tatuadas estão fora de uma seleção, deixar de contratar um profissional pelo motivo de ter tatuagem é uma forma de preconceito, discriminação”. Já Ana Paula Soares da Silva, responsável por toda a área administrativa e de contratação de uma multinacional, revela que dependendo da vaga exige-se uma postura mais séria. “Dependendo do tipo de tatuagem, tamanho e local, o candidato não se encaixará em determinada vaga, pois passa uma imagem mais despojada”.
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Foto: Talissa Grin, Beatriz Furlan, Caroline Soares, Camila Gandolfi, Ednaldo Couto, Edy Rizzi, Renan Barreto
“O doente tem medo de perder o parceiro”
relacionamentos
Ciúmes
ou doença?
Como a tecnologia contribui para aumentar conflitos nos relacionamentos amorosos CAROLINE METLER carolinemetler@outlook.com
C
iúme doentio não é sinônimo de amor. A baixa autoestima e experiências ruins em relacionamentos são as maiores causas do ciúme possessivo. Nos jovens relacionamentos, a internet potencializa conflitos, brigas e separações, principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, sem contar na atualização constante das agendas dos celulares. A delegada Maria Luiza Mota, responsável pela Delegacia de Defesa da Mulher, em Piracicaba, conta que “muitas mulheres procuram a delegacia devido às ameaças que recebem do parceiro ao usar ou baixar aplicativos de relacionamentos, como Facebook, WhatsApp, entre outros”.
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Um exemplo de ciúmes doentio vem da cidade de Angelim, que fica a dez quilômetros da divisa entre Pernambuco e Alagoas. Em março de 2015, Patrícia Pereira da Silva, 20, foi assassinada a facadas pelo namorado logo após ele descobrir que ela trocava mensagem com outro rapaz via WhatsApp. Alguns ciúmes patológicos incluem o questionamento do parceiro de olhar ou dar atenção a outras pessoas. Interrogatórios via chamadas de telefone, sempre perguntando onde está, com quem, a que horas volta, isolando o parceiro de sua família e amigos, impedindo os hobbies e interesses pessoais, controlando o uso das redes sociais, senhas de celulares, etc. Para o psiquiatra, Guillermo Leoz Calizo, “O doente tem medo de perder o parceiro para um rival em potencial e teme que o companheiro seja infiel”.
Inúmeros casais optam pela criação de perfil em conjunto para evitar problemas e brigas. Mas será que é uma solução? “No nosso caso foi uma maneira de não perder contato com os amigos e não correr o risco das pessoas nos chamarem com segundas intenções”, explica Isabella Mayra, estudante de engenharia química. Já para o estudante de administração Gabriel Mendes, “criar uma conta conjunta, saber senhas dos aplicativos, é de certa maneira falta de confiança do casal”. O psiquiatra explica que o ciúme patológico, também conhecido como ciúmes delirante, é um transtorno no qual uma pessoa erroneamente acredita que seu parceiro está sendo infiel. “As formas mais comuns deste ciúme são os delírios e obsessões”. O ciumento obsessivo sabe que o parceiro não tem qualquer evidência de infidelidade, mas não consegue parar os pensamentos intrusivos e o comportamento de verificação, como a busca de pistas de traição. “Os sintomas são ego-distônica, em que o indivíduo está angustiado e reconhece o ciúme como inaceitável, alienígena e vergonhoso”, relata Calizo. É comum encontrar em sites de entretenimento para jovens dicas e opiniões de como lidar com os ciúmes das redes sociais. “Me considero muito nova para namorar, mas eu gosto dele, então esses sites me ajudam bastante a controlar e ver o que é ou não normal”, conta a adolescente Rafaela Garcia,15. Pode até parecer supérfluo, mas para os jovens e principalmente as meninas e mulheres, esses sites auxiliam bastante na hora de duvidar ou brigar com o parceiro (a). O site Dona Giraffa (http://www.donagiraffa.com/), dá dicas de como controlar esses ciúmes e são bem simples, basta ter autoestima, buscar ajuda e entender que você não é dono de ninguém. painel
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música
Keep calm
and deixa de
inveja
Letras de funk ressaltam dor de cotovelo e ostentação
DANIELA BOAVENTURA danielaboaventura.db@gmail.com
“F
ale bem ou fale mal, mas fale de mim. Eu não tenho culpa se você não é feliz. Eu entendo “as recalcada”, “que me ofendeu”, se eu fosse elas também queria ser eu....”. Por fazer parte do instinto mais comum entre os seres humanos, a soberba é o sentimento de superioridade e orgulho, que nada mais é do que o desejo distorcido de grandeza, ou seja, “eu sou melhor que os outros”. No funk esse pecado se encontra nas músicas e nos comportamentos de quem as ouve e canta. Se você é da época que dança da motinha era considerada funk, vai se surpreender com a “evolução” desse estilo musical. Atualmente a maioria das letras apresenta no seu contexto pequenas provocações e indiretas para os invejosos e as recalcadas, ou seja, pessoas que sentem ciúmes da vida que os cantores levam, tornando-os assim vítimas de inveja.
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No universo feminino do funk, o lado soberba é mais explícito. Muitas funkeiras deixam claro em suas músicas que o seu comportamento, sua maneira de se vestir, seu corpo bonito e seu estilo de vida causam bastante dor de cotovelo em quem tem uma vidinha sem graça. “Tu não têm nada pra fazer e fica nessa agonia. Fala de mim, pensa em mim 24 horas por dia”, nesse trecho da música “24 horas por dia”, da ex Mc Beyonce, conhecida atualmente como Mc Ludmila, é visível que para as cantoras, a vida das invejosas gira em tono delas. edição 82 | dezembro | 2015
Gabriela Gomes, Bruno Peruccini, Cyntia Araújo e Gabriela Ferreira
E se você imagina que as provocações são ignoradas pelas “vítimas”, em outros hits como “Beijinho no ombro” de Valesca Popozuda, a resposta é direta e reta: “Desejo a todas “inimigas” vida longa, pra que elas “veja” cada dia mais nossa vitória, bateu de frente é só tiro, porrada e bomba, aqui dois papos não se cria e não faz história”. Ou seja, se você, recalcada, que não tem mais nada para fazer da vida a não ser falar da minha, cuidado, pois eu não levo desaforo para casa. Para as funkeiras, mostrar que não se importam com o que as outras mulheres pensam dela, é motivo para provocar e desejar que as “invejosas” vejam o seu sucesso de camarote.
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“Vulgaridade é confundida com a sedução”
Maioria das letras de funk tem provocações e indiretas para os invejosos e as recalcadas
As denominadas “divas e poderosas” andam em bondes, ou seja, acompanhadas pelas amigas. Elas falam o que pensam e não levam desaforo para casa, são ousadas. Tudo isso sem sair do salto. Essas atitudes geram nas mulheres muita autoconfiança e segundo Valesca Popozuda, que entrou no funk como dançarina do grupo “Gaiola das Popozudas” e fez sucesso com os hits “Eu sou a diva que você quer copiar” e “Sou dessas”, “existem muitas formas de se invejar a outra pessoa e a autoconfiança é um fator X para isso”. Essa opinião de que as pessoas sentem tanta inveja umas das outras, forma nos jovens um pensamento de que tudo é baseado no ciúme e cobiça da vida que eles levam, e mesmo não sendo cantores (as) de funk, são vítimas do “recalque”. Segundo a presidente do
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fã clube Império Ludmilla, Alana Moura, ela passa por situações em que outras meninas demonstram claramente esse tipo de comportamento. “Tem umas garotas aqui (São Paulo) que adoram falar mal de mim, só podem ser minhas fãs, porque vivem a minha vida”. Nesse universo é visível que a vulgaridade é confundida com a sedução. Muitas cantoras funkeiras, como Anitta, Mc Ludmila e Mc Pocahontas acreditam que descer até o chão, empinar o bumbum, fazer o famoso quadradinho de oito é ser sensual. Mas nem todo mundo encara essa situação da mesma maneira. “Minhas primas eram totalmente contra, elas detestavam quando eu ia para o baile. Diziam que não era um lugar para menina decente. Já cheguei a brigar com meu pai e fiz barraco em casa porque ele não tinha deixado eu ir a um show, quando eu era menor de idade”, relata Isamara, 20, presidente do fã clube Valesca 2. Entre os homens, essa disputa por inveja não é comum nas letras de funk, e o significado de ostentação está ligado a muito dinheiro, vida luxuosa, mulheres aos seus pés, carros e motos caros acompanhados de uma boa bebida. E muitos jovens acabam se inspirando em seus cantores de maneira positiva. “Antigamente eu já escutava funk, mais nunca pensei em cantar. Certo dia o meu primo me mostrou um cantor, Mc Lon, e comecei a fica fãnzao dele, na virada do ano eu fui pra Peruíbe e tive a oportunidade de assistir a um baile funk dele. Quando vi ele cantando, pessoal cantando junto, todo mundo curtindo a vibe, eu pensei: quero cantar também. Daí, chegando em casa, comecei a escrever algumas letras, até que um dia resolvi gravar uma na frente do computador com um amigo meu fazendo o tambor pra dar melodia a música. Postei no YouTube e quando eu percebi já tinha 100 visualizações”. Relata Gabriel Alesina, 20, ex-cantor de funk. painel
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solidariedade
Não há
Adauto Proença
dinheiro que pague
ISABELA ANDIA andia.isabela@gmail.com
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oi por conta de uma depressão severa, que por pouco não o incluiu nas estatísticas de suicídio, que o estudante Lucas Balieiro de Carvalho Brito, 18, decidiu dar início a um projeto que exercitasse sua solidariedade. Na bituca, encontrou o problema e a motivação da qual precisava. “Conheci a bituca e comecei a fazer uma coisa que eu amo e isso mudou minha vida, me deu foco e luz quando eu mais precisava”, conta. Com a ong Não Existe Bituca, em São Paulo, Lucas recolhe bitucas de cigarros das ruas das cidades paulistas para reciclagem, além de fazer trabalhos de conscientização com fumantes para reduzir o descarte do material. Pelas vias da atitude de se doar em prol do próximo sem receber retorno financeiro, a administradora de condomínios Maria Cecília Pizzinato também
Em tempos que exaltam o apego aos bens materiais, a prática da solidariedade mostra o outro lado da moeda: quem a exerce dá a garantia de que a gratidão mútua é um retorno que vale a pena
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encontrou uma de suas motivações de vida e revela que o voluntariado é uma experiência muito gratificante. “É um comprometimento que vem do coração e da alma. É a certeza de estar fazendo algo em benefício de outros.” No mesmo barco está o fotojornalista Antonio Trivelin. Mesmo com a rotina “maluca” de sua profissão, que muitas vezes toma todo seu tempo, a vontade de ser prestativo e ajudar os outros sempre o acompanhou. Por isso, ao lado de sua esposa e mais um grupo de amigos, Antonio deu início aos Heróis na Luta Contra o Câncer Infantil. Ao levar alegria para crianças debilitadas em hospitais, passou a valorizar outros aspectos da vida que não os materiais. “Vejo diariamente em depoimentos dos voluntários que cada visita é um crescimento pessoal, uma experiência, uma vontade de querer fazer mais, um sentido maior na vida”, comenta. Segundo a definição teológica, a solidariedade está posta como virtude antítese ao pecado da avareza. O pecado, em si, é caracterizado pelo apego excessivo ao dinheiro. Na obra Auto da Barca do Inferno, por exemplo, Gil Vicente usa o personagem onzeneiro para simbolizar a avareza. Na peça, o personagem é condenado a passar a vida eterna no inferno por seu apego as riquezas. Para o professor de teoloedição 82 | dezembro | 2015
Para a psicóloga Juliana Cavicchioli de Souza, os valores e desvalores, como a avareza e generosidade, coexistem em nós e em todos os espaços. “Quem é que nunca teve medo de perder um objeto de valor econômico e/ou afetivo, por exemplo?”, indaga. “O egoísmo também faz parte da construção e da evolução das relações. Por algum momento, ainda que não tenhamos tomado consciência deste movimento – muitas vezes latente - nos apegamos a coisas que desejamos guardar, dominar, reter, aprisionar”. Sob a mesma perspectiva, a psicóloga analisa que o apego aos bens materiais também está associado ao modo como nos relacionamos uns com os outros. “Neste emaranhado de transformações, incertezas, cobranças e pressões (internas e externas), na ânsia de sermos reconhecidos por aquilo que somos e fazemos nos deparamos com a frustração por não conseguirmos ter aquilo que, momentaneamente é objeto de desejo”, explica. Posto isso, abre questão para um debate mais que atual: em uma sociedade individualista, segregatícia e desigual, onde “ter” é mais valioso do que “ser”, como condenar a avareza, que quer ter só para si aquilo que poderia ser compartilhado com tantos outros? “Praticar a generosidade ao invés de atacar a avareza talvez seja um caminho; um antídoto para combater a avareza. E ser generoso tem a ver com fazer pelo outro sem esperar receber. Significa compartilhar, doar. É acreditar que aquele que pede realmente precisa - e aquele que não pede também. É edição 82 | dezembro | 2015
cuidar, cultivar, amar e abraçar sem exigir troca”, pondera. “Quero ser útil ao mundo. Se eu não for útil ao mundo eu não sei porque é que eu estou nessa vida”. Foi com esse foco que Marcos* decidiu exercitar a generosidade e, em dois anos de trabalho voluntário com adolescentes carentes em um oratório, já coleciona inúmeras conquistas e histórias de superação para contar. Uma delas, talvez a mais marcante, é a de um menino que se enveredava para o caminho do crime, mas que, depois de constante contato com os exemplos de solidariedade que circundavam sua vida enquanto estava junto dos voluntários, mudou radicalmente de postura. “Sabemos que o mundo dele
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“Se eu não for útil ao mundo, não sei por que é que eu estou nessa vida”
lá fora continua o mesmo, mas, pelo menos, enquanto ele está com a gente, ele se transforma. É isso que queremos fazer, transformá-lo para que ele transforme lá fora. O meio cria muito as pessoas, mas não é só isso. Temos que mostrar que existem alternativas, existem outras maneiras de viver”, esclarece. “A transformação é consequência. Eu (assim com os voluntários do nosso projeto) foco no que me propus a fazer, que é levar alegria e amor às crianças em tratamento oncológico. A consequência disso é a repercussão positiva que também toca as pessoas que estão próximas: familiares, médicos, enfermeiros, pessoas na rua, pessoal do hospital, pessoas que visitam e acompanham nossa página, pessoal que está ali por qualquer motivo que seja. É mais ou menos como abrir um vidro de perfume numa sala com muitas pessoas,
Foto: Flávia Vicentini, Leonardo Goulart, Liliane Machado, Mirian Melo e Wellington Arruda
gia Lair Gomes de Oliveira, atualmente, respaldada pela igreja cristã, a prática da avareza foi legitimada. O pecado foi pouco a pouco sendo esvaziado de significado e ser adepto da avareza passou a ser aceito, desde que levando uma vida equilibrada, livre de excessos. “(...) longe da consciência moral sobre a avareza, adotamos hoje, mesmo entre as religiões, uma ideia ética sobre ela, isto é, pode ser rico, desde que seja bom, faça caridade, não seja ‘avarento’. O problema não seria ter muito dinheiro, mas ser viciado nele”, aponta.
o aroma se espalha e um pouco mais ou um pouco menos acaba chegando em todos que por ali estejam. E se com isso, se alguma pessoa sair dali um pouco mais alegre ou leve, já valeu a pena”, complementa Antonio sobre a solidariedade ser um sentimento viral. Já para a artesã Andréa Angeli, o voluntariado é uma via de mão dupla pois, além de promover o bem, quem se propõe a agir de forma solidária também se beneficia. Disposta a tomar uma postura diferente, a de gratidão pelas dádivas que a vida lhe deu, fundou em janeiro de 2015 o grupo Bonecando para Vó Maria, que produz bonecas artesanais para internas de um lar para idosos. Ao iniciar o trabalho, Andréa constatou que nem todos que se propõem a ajudar concretizam a ação de fato, mas, mesmo em meio às adversidades, somou forças e deu continuidade ao projeto. Percebeu que tinha feito a escolha certa quando, ao visitar um tio-avô que reside em um lar para idosos, este se emocionou ao comentar sobre as bonequinhas. “Acho que esse é o tipo de coisa que todos nós queremos para nossas vidas, um tipo de agradecimento que não tem preço”, ressalta. “Ser generoso é caminhar na contramão de práticas excludentes, de rótulos que estigmatizam, que dividem, que fragmentam. É juntar todas as partes, é apostar na humanidade. É ser grande, não de tamanho, mas de alma. É dar tudo de si e cobrar nada. De repente, pode ser disso que o mundo tanto precisa”, conclui Juliana. painel
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vida nas ruas
Pegadas
Paraná encontra conforto nas notas tiradas de seu violão
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Fotos: Matheus Ferreira dos Santos
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no
asfalto Moradores de rua na maioria das vezes são taxados como vagabundos ou preguiçosos, mas a fragilidade e a dor emocional são os principais motivos que os levam a esse destino THAIS CAMPOS tatah-lcampos@hotmail.com
M
esmo sujeitas a preconceito e julgamentos, muitas pessoas encontram nas ruas espaço de moradia e sustento, por um período temporário ou, infelizmente, permanente. Além disso, descobrem práticas alternativas para higiene pessoal, necessidades fisiológicas, alimentação e vestuário. Muitas vezes chamadas de vagabundas, essas pessoas não acabam rendidas por preguiça ou falta de vontade. A maioria esta fugindo de alguma dor ou fragilidade emocional, camufladas pela distância e pelo vício. “Somos vagabundos involuntariamente”. Essa é a definição de um jovem, de aproximadamente 25 anos, que preferiu não dar detalhes da sua vida antes da rua, pois tem muito medo das consequências. Usuário de drogas decidiu ir morar na rua para deixar de incomodar sua família e amigos, para que seus problemas e atitudes só afetarem a si mesmo.
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José, nascido no Paraná, de onde, carinhosamente originou seu apelido. Há pouco mais de 30 anos, veio para Piracicaba e desde então mora na rua. Tinha 20 anos quando decidiu abandonar os problemas de sua casa. Com lágrimas nos olhos conta que fugiu da violência do pai, pois ele e sua mãe eram alvos de agressões após qualquer desentendimento. “Na rua tenho uma cambada de amigos e posso viver tranquilo”, afirma. Aos 50, sua fiel companheira é a Bíblia, além da pinga e da viola, é claro. “Bondade de Deus é a música, pois ela só provoca sentimentos bons e puros”, avalia Paraná. Acredita que cada um é responsável e constrói o seu destino. Por isso, diante de qualquer dificuldade, as criações e os limites impostos por Deus devem ser respeitados. Adora contar sobre a Arca de Noé e falar do tamanho e da distância das estrelas, do sol e da lua. É fascinado pelo Titanic. As aventuras de sua viagem de navio e avião para Santiago do Chile, antes de se mudar para o painel
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Estado de São Paulo é sua história preferida. E uma das poucas lembranças felizes de sua vida passada, que luta diariamente para esquecer. “Um cara na rodoviária de São Paulo pagou minha passagem e eu fui”, é assim que começa a história do sonho quase realizado do Paulo, que gosta de ser chamado de Paul, como se fosse americano. Sozinho, chegou ao Rio de Janeiro aos 12 anos, com um único e especial objetivo: tentar carreira como jogador de futebol vascaíno. Não aceitaria jogar em time algum, que não fosse o Vasco. Infelizmente, para esta equipe, nunca foi convocado. Conta que durante o tempo que permaneceu no Rio conheceu vários famosos, até foi chamado para fazer um teste como ator, mas não aceitou, pois tudo o que queria era jogar bola. “Eu não trabalho com a teoria, mas com a prática, pois é com ela que se aprende”, afirma. Desse modo, veio para São Paulo, onde teve seis filhos em Guarulhos e um em Santo André. “Eu tive essa vida, mas a vida mudou. Eu perdi o pessoal lá, mas não a minha vida”, finaliza. Alcoólatra assumido, Betinho, 52, mora na rua há mais de uma década. Seu pai morreu depois do terceiro derrame. Nessa época ele foi morar com tios paternos. Logo, o tio faleceu em um acidente de trânsito e sua tia acabou sendo despejada. Após sucessivas tragédias e sem lugar para morar, ele se viu obrigado a trilhar seu caminho nas ruas. Ele conta que logo após o horário do almoço, gosta de vender alguns objetos que encontra ou ganha de doação, em frente ao local onde
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mora. No final da tarde faz coleta de recicláveis, alguns locais deixam reservado para ele. Mas nem tudo o que recolhe tem o mesmo destino, pois ele acredita que deve exercer seu papel como cidadão e colaborar com outras pessoas que também precisam. Os lacres e as tampinhas de garrafa pet ele guarda para uma amiga, que leva para ajudar quem tem câncer. Os jornais ele leva até o mercadão, para que os comerciantes possam embrulhar as caixas de ovos sem correr o risco de quebrá-las. “Somente o restante eu vendo, para ganhar meu dinheirinho”, comenta emocionado. Para muitos, o que pode ser considerado um monte de papelão empilhado, para Betinho é um belo lar, do qual ele se orgulha muito: “Minha casa é linda e cheia de surpresas”, diz ele apresen-
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“Somos vagabundos involuntariamente”
tando sua moradia. Muito preocupado com sua higiene, toma banho e escova os dentes todos os dias e sempre que precisa lava suas roupas no Centro POP (serviço oferecido pelo município), pois gosta de “tudo cheirosinho”. Quem quiser conhecer um pouco mais da história do Betinho, pode chamá-lo para um refrigerante. Diversão, comoção e emoção serão garantidas, tudo por conta dele, inclusive a bebida, que ele faz questão de servir e pagar. Aos 31, Ricardo vive uma história de superação. Um ano atrás viu no álcool uma forma de amenizar a dor após o término de seu casamento. Morando nas ruas, foi internado algumas vezes para tentar combater sua dependência do álcool, procurou uma igreja católica e começou a trabalhar, mas
logo após o segundo pagamento teve uma recaída, e o álcool e as dores saíram vitoriosas. Somente na terceira internação conseguiu controlar o vício e se manter longe das ruas. “Deus me perdoou, ele me ama e me fala: Não se preocupeis, pois, eu estou contigo, meu filho. Não olhe para quem está olhando para você, olhe para frente, sempre siga adiante. E eu faço isso, pois cada dia é uma luta para conquistar”, afirma ele com convicção e orgulho do destino que escolheu. Hoje mora em uma pensão e faz alguns bicos, mesmo sendo mecânico de formação. Atualmente ele vai às ruas por outro motivo. Quase todos os dias ele visita seus conhecidos, pois acredita que ninguém merece esse sofrimento. Além disso, leva comidas, bebidas e a palavra de Deus, para tentar fazer com que seus amigos se fortaleçam e também consigam mudar seu destino. “Gosto de ver meus irmãos bem, o pouco que eu ganho eu tento dividir da melhor forma possível”, finaliza. “A decisão de ir morar na rua é determinada por fatores variados, tais como: perda de um ente querido, perda do trabalho, adoecimento mental ou físico, uso abusivo de sustâncias psicoativas, violência, desemprego, depressão, falta de condições financeiras, dentre outros. Não é possível falar em um único fator, mas na combinação deles, produzindo rupturas relacionais, sociais e familiares”, afirma a psicóloga Claudia Regonha Suster. A profissional ainda conta que existe um movimento de autodestruição vivenciado por alguns indivíduos que se encontram em situação de rua, de tal forma que ele se coloca em risco a todo o momento, banalizando totalmente o sentido da vida. edição 82 | dezembro | 2015
Segundo Claudia, lidar com a dor depende muito da maneira como o indivíduo se relaciona com as perdas. “Às vezes, a situação objetiva potencializa esse sofrimento de forma que o indivíduo não consegue desvencilhar-se da dor, aumentando seu grau de sofrimento. O morar na rua e o uso abusivo de drogas funciona muitas vezes com fuga do sofrimento decorrentes das perdas”, conclui. De acordo com a assistente social e técnica de referência de população em situação de rua da Semdes (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social), Anelize Guastali, “controlar o vício é a grande dificuldade dessa população, logo após o primeiro ou segundo salário eles já tem uma recaída”, conta. Além disso, lidar com regras, limites, obrigações e responedição 82 | dezembro | 2015
sabilidades são as barreiras encontradas em inseri-los novamente na convivência familiar, no mercado de trabalho e na sociedade. Geralmente, eles passam a viver em uma pensão, pois é o ambiente que mais se aproxima do que vivenciaram nas ruas.
No final da tarde, Betinho realiza a coleta de materiais recicláveis
Essas pessoas que se adaptam aos espaços disponíveis e constroem nas ruas, expostos a preconceitos e julgamentos, suas próprias histórias, mas não exatamente como querem; sob circunstâncias de suas próprias escolhas, mas sim, sob aquelas com as quais se defrontam diretamente, legadas e transmitidas principalmente pelo passado trágico de uma vida que deixaram para trás. Apesar de serem atores da própria história, só são capazes de agir nos limites que a realidade impõe. painel
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Mestre Dado lamenta a falta de transmissão de cultura entre as famílias
REINALDO DINIZ redveira@unimep.br
Fotos: Reinaldo Diniz
A
cultura
# Morta Culturas populares contam com divulgação em novas mídias para alcançar público
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palavra utilizada para dar título a esta reportagem define a situação de Osvaldo Ferreira Merches sobre as manifestações Populares. Merches conhecido como Mestre Dado, 84, é o patriarca do batuque de umbigada, em Piracicaba. Ingressou no batuque há 13 anos e lamenta que com o tempo, não só esta cultura, como outras, vêm perdendo a tradição de ser passada de geração para geração. “Está faltando diálogo dos pais com os filhos. Eu estou segurando o grupo de batuque porque a cultura popular está morrendo”. Ele lembra quando ministrou uma oficina de batuque com crianças e pré-adolescentes. “As crianças só olhavam o que eu estava fazendo, eu fiquei com vergonha. Está faltando transmissão de cultura entre as famílias”, lamenta. Sabe-se que em cada canto do Brasil existem diferentes povoados, e que cada um tem sua própria cultura, mas o que são manifestações populares? Pedro Paulo Funari, coordenador do Nepam/Unicamp (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade de Campinas), responde que elas são elementos que caracterizam a cultura de uma região. “Podem também ser definidas como aquelas derivadas do dia a dia das pessoas, sem que seja necessário um estudo escolar”, explica. É também essencial distinguir a palavra cultura como um instrumento ou um conceito que carrega seus desdobramentos teóricos ao longo do tempo. “O conceito de cultura pode ser um atalho para analisar as expressões das culturas populares, que se renovam ao longo do tempo”, salienta edição 82 | dezembro | 2015
Chiarini, o caipiracicabano Para ter acesso, para fins acadêmicos ou conhecimento pessoal, o Centro Cultural Martha Watts, em Piracicaba, possui o acervo João Chiarini. “Chiarini foi referência em cultura popular, foi criador do Centro de Folclore de Piracicaba (as atividades foram encerrada em 1988, com a morte do folclorista), seu acervo tem a memória da cultura popular de Piracicaba e região. Os pesquisadores que desejam conhecer sobre essa cultura en-
contrarão materiais de qualidades no acervo”, diz Joceli Cerqueira Lazier, coordenadora do Centro Cultural. “É um acervo riquíssimo, mas destacaria os materiais referentes à cultura popular e as cartas trocadas com vários escritores e personalidades”, explica Joceli, que salienta: “dada a importância do acervo, a procura pelos materiais poderia ser maior”. Chiarini estudou profundamente o dialeto piracicabano, e o denominou de “caipiracicabano”.
Guacira Waldeck, responsável pelo Núcleo de Pesquisas do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP). Exemplos de culturas populares são as danças e festas típicas, músicas e procissões religiosas, que ainda reforçam os laços sociais. Com a generalização da alfabetização, conforme Funari, a escrita também pode ser popular e mesmo anônima. “Quando se escreve uma letra tradicional de uma canção cantada em algum lugar concreto, como o cordel”, exemplifica o especialista.
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“Se não tiver ajuda, não se faz nada”
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Antonio Donizete Caetano
Diferente da versão contada pelo Mestre Dado, no início da reportagem, e por Guacira, as manifestações culturais estava parada, vindo à tona atualmente, devido à popularização da internet e aplicativos de comunicação. Um exemplo de divulgação de uma festa popular em uma rede social foi o aniversário de nove anos do grupo piracicabano samba de lenço, em setembro de 2015. Somente na página do evento, houve 1.035 convidados, sendo que 432 confirmaram presença, 26 não souberam responder, e 40 não puderam comparecer. “Os celulares permitem fotografar e divulgar a festa de imediato. O anúncio de uma festa popular, difundido na internet, atrai muito mais gente”, salienta Funari. Incentivo do poder De acordo com Ediana Maria Raetano, coordenadora do grupo Piracicabano Samba de Lenço ‘Mestre Antônio Carlos Ferraz’, falta apoio do poder público às culturas populares. “Se não tiver ajuda, não se faz nada, só o grupo em si não consegue fazer”, afirma. Em relação
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Coordenadora do Centro Cultural Martha Watts, Joceli Lazier, destaca o acervo de cartas trocadas entre escritores e perdonalidades
a Piracicaba, Ediana ressalta o apoio de instituições e da administração municipal. “A cultura está bem valorizada do que em outras cidades. Temos que estar batendo em cima, senão ela perde a essência”, ressalta. “Aos poucos está crescendo, sendo muito valorizada, mas ainda é difícil, precisamos fazer projetos, saber chegar às pessoas certas, tudo tem seu caminho”, diz Sérgio Augusto Pedrassani, instrutor de Capoeira do grupo Cordão de Ouro. Pedro Paulo Funari também ressalta: “O poder público deve favorecer, inclusive com incentivos fiscais, pois o envolvimento das pessoas é essencial para o bem estar social. Portanto, uma renúncia fiscal pequena pode trazer benefícios diretos e indiretos para as pessoas envolvidas”, ressalta. Se algumas manifestações perderam sua essência, Guacira fala que as manifestações populares, então deveriam não permanecer mais “a este mundo”. “Interessante observar o quanto se acalenta anos a fio esse sentimento de perda, de que as expressões populares estariam com os dias contados, mas aí estão elas”. painel
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violência
Casadas
com o
perigo
Vítimas de violência doméstica relatam episódios de agressões e ameaças recebidas dos maridos LUANA SCHIMIDT jornalismo.luanaschimidt@gmail.com
“N
os conhecemos aos 17, 18 anos. Eu tinha certeza de que ele era o amor da minha vida. Hoje, esse amor se transformou em pesadelo”. A auxiliar de limpeza Márcia*, 35, conheceu o marido, em sua terra natal, no Piauí. Há alguns anos, o casal se mudou para o interior de São Paulo para tentar uma vida melhor. “Sempre foi tudo muito bonito. No começo eu o amava, fazia de tudo. Hoje sei que esse
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amor não existe mais”, explica. Talvez o sentimento de amor possa deixar de existir, o que é bem comum em muitos relacionamentos. Mas a auxiliar de limpeza possui motivos convincentes e emocionais para explicar onde foi parar todo o amor que sentia pelo companheiro. “Ele começou a beber demais e me agride sempre que pode. Sou um objeto para ele”, ressalta. Márcia não é a primeira, e não vai ser a última mulher a sofrer maus tratos. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, a violência contra a mulher caiu no interior de São Paulo, de outubro em comparação com novembro de 2015. Em outubro foram registradas três ocorrências de homicídio doloso. Em novembro duas foram registradas. Já as notificações de lesão corporal dolosa, quando o agressor age com intenção de ferir a vítima, permaneceram estáveis. Foram registradas 3.009 ocorrências por mês. As ocorrências de ameaça são as mais
altas. Em outubro, 3.618 mulheres procuraram a delegacia para registrar ameaça. Em novembro, 3.498. Em Limeira, a Casa da Mulher existe para atender casos de mulheres que estão sob ameaça. De acordo com a coordenadora da casa, Marina Elisabete de Alencar, o trabalho com as vítimas envolve autoestima, proteção integral além de oferecer casa, comida, médicos e todo acompanhamento necessário. “A delegacia da mulher encaminha e nós selecionamos casos”. Ainda segundo Marina, a maioria das mulheres atendidas sente como se tivesse provocado a agressão. “Elas acham que são culpadas. Dizem que provocaram a agressão porque xingaram os maridos, por exemplo. Este é um problema da sociedade”, fala. É importante ressaltar que, a mulher que denuncia o homem, tem o direito de ficar com os filhos. De acordo com a psicóloga Amanda Abreu Silva, todo e qualquer comportamento agressivo de um homem em relação a uma mulher, vem por conta de uma frustração que a pessoa sente, e uma vez que não consegue resolver esse problema de outra maneira, acaba por agredir fisicamente. “A agresedição 82 | dezembro | 2015
Fotos: Leonardo Greve
Maioria das mulheres atendidas sentese responsável por ter provocado a agressão
são vem como uma forma de punir um comportamento que está contrariando o agressor. No caso da violência de gênero, que é como chamamos a violência do homem contra a mulher, temos ainda muito presente na nossa sociedade uma ideologia machista, em que muitos homens acreditam serem superiores as mulheres e terem poder de decisão sobre a vida delas”, completa. A desempregada Adriana*, 37, também é vítima de violência doméstica. Ela, que conviveu com o mesmo homem por 12 anos, estava, há menos de um mês na Casa da Mulher, quando concedeu a entrevista. Adriana é mãe de três filhos, dois são do agressor, uma menina de 1 ano e um menino de 10. Ela o conheceu por meio de uma amiga. “Na verdade achei que foi paixão de início, depois amor e isso foi acabando por motivo nada bom. Durante um ano a gente viveu bem, era um mar de rosas. Depois ele começou a me agredir verbalmente e a achar que eu era posse dele”. Quando Adriana estava grávida de quatro meses, o marido a deixou. “Eu morava de aluguel, e as contas ficaram para trás. Fiquei sem energia elétrica, sem água, até o meu filho nascer”. Quando o filho nasceu, o casal decidiu reatar edição 82 | dezembro | 2015
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“Não fiquei paraplégica, não morri, porque não era a hora”
o compromisso, pois Adriana acreditava que o marido poderia mudar. “Tomei no nariz de novo”, conta. As agressões físicas vieram à tona quando o filho completou 2 anos. “Não fiquei paraplégica, não morri, porque não era a hora. Ele me pisou, quase fiquei cega. A sola do sapato dele ficou estampada nas minhas costas. Meu olho ficou roxo. Ele também enfiou uma faca de serra em mim”, conta. Ela achava que amava o marido, por isso nunca pensava em tomar uma atitude. Na época, Adriana trabalhava como doméstica e ia trabalhar com óculos de sol para tentar esconder as marcas nos olhos. Há alguns meses, a empresa em que Márcia trabalha liberou os funcionários algumas horas mais cedo, por conta da falta de energia. Ela, que chegou em casa bem mais cedo, foi recebida a tapas. “Ele achou que eu estava o train-
do. Que eu estava saindo com alguém, por isso cheguei mais cedo. Entrei e ele estava na cozinha. Levantou da cadeira tropeçando até mim, apontou o dedo na minha cara e disse que eu era uma vagabunda. Eu ia responder, mas levei um tapa na cara. Logo levei outro e outros. Sei que desmaiei, porque quando acordei eu estava no chão. Ele deve ter me batido muito. O engraçado dessa história é que ele se arrepende uns minutos depois e vem me pedir desculpas. Pelos meus filhos eu desculpo. Mas é claro que nada fica tudo bem. Eu tenho pesadelos com isso, sonho que vou morrer. Sei que um dia eu vou morrer, mas quero morrer feliz. Não quero morrer sendo chutada, pisada”. Em pouco tempo as ameaças de morte cresceram. Márcia se diz cansada em fazer boletins de ocorrência contra o marido. “Nós temos uma medida protetiva, de que ele não pode chegar perto da gente. Mas, sabe, eu tenho dó. Ele também não tem onde ficar e não tem ninguém aqui em São Paulo. As vezes eu penso e peço para Deus me dar vergonha na cara. É disso que estou precisando. Pegar minhas coisas e ir embora”, desabafa. * A identidade das vítimas foram preservadas. painel
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cinema
Filmes
eróticos:
proibir ou não MIRELA COLOMBO micolombo43@gmail.com
E
stamos em pleno século 21 e ainda há muito preconceito em relação a assuntos eróticos, principalmente quando o assunto surge na mídia, como aconteceu recentemente com um filme lançado no cinema. Há revistas, canais de tevê, filmes, jogos de vídeo games e até desenhos que falam bastante sobre isso e acabam sendo censurados em alguns países por causa de menções ao sexo ou com duplo sentido, tanto em imagens como em frases. Existem muitos livros que explicam claramente esse assunto, mas existe o outro lado, em que pessoas que não são preparadas culturalmente ou psicologicamente para assistir filmes eróticos ou livros que tratam de sexo. O tabu vem de gerações quando o sexo não podia ser debatido entre as pessoas “de família”. Muitos pais que por vergonha, preconceito, religião ou até mesmo falta de conhecimento não gostam de entrar em detalhes nesses assuntos com os filhos principalmente adolescentes, que têm muitas curiosidades e interesses em questões “proibidas”. Diante dessa situação, os jovens procuram pesquisar por conta própria, conversando com amigos por causa da vergonha ou da falta de
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painel
diálogo com os pais, o que acaba gerando muitas dúvidas e, às vezes, leva os jovens a não se prevenirem corretamente de doenças sexualmente transmissíveis. Antigamente os filmes eróticos não passavam de cenas de puro sexo. Hoje esses filmes envolvem, além do sexo, uma história. Há filmes que mostram cenas eróticas como foi o caso do filme “Love”, lançado recentemente e que teve grande repercussão por ter cenas de sexo em 3D. Devido às cenas mais fortes, o filme que seria de classificação para 16 anos passou para maiores de 18 anos. Já o filme “50 Tons de Cinza”, baseado no livro homônimo, que foi sucesso de vendas, também foi bastante criticado, porém, a classificação foi de 16 anos. Há discussões que tratam do acesso restrito à internet por crianças, para que os pais possam controlar os sites que elas visitam, gerando conflitos psicológicos, facilitando a ação dos pedófilos que aproveitam a curiosidade das crianças e adolescentes sobre filmes eróticos. Para algumas pessoas, o sexo pode até ser normal, mas não recomendaria para outras que não aceitariam esse tipo de gênero. Vai do bom senso de cada um querer ou não ver o filme.
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