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Projeto Experimental dos alunos do 8º semestre de Jornalismo da UNIMEP
pontofinal André Rossi
Sábado, 22 de novembro de 2014
Rugby QUATRO DÉCADAS DE HISTÓRIA EM PIRACICABA PÁGINA 7
NESTA
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EDIÇÃ
LUTA CONTRA O AUTISMO DEPENDE DE DIAGNÓSTICO PRECOCE E APOIO FAMILIAR PÁGINA 3
RELAÇÃO ENTRE JORNALISTAS E FONTES INFLUENCIA NOTICIÁRIO SOBRE POLÍTICA PÁGINA 4
COLETIVO PIRACEMA INOVA NO CAMPO AMBIENTAL E COM FORMAÇÃO CULTURAL PÁGINA 5
MULHERES CONQUISTAM DIREITOS NA POLÍTICA, EDUCAÇÃO, TRABALHO E SOBRE SEU CORPO PÁGINA 6
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Editorial
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Sociedade do Conhecimento: Digitalização e Mudanças Estruturais
Os desafios do nosso tempo
Belarmino Cesar G. da Costa *
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experiência contemporânea com o uso das tecnologias digitais tem afetado noções de memória, percepção de espacialidade e de tempo, fazendo com que haja profundas modificações nas condições de aprendizagem, sociabilidade e de produção, difusão e acesso a conteúdos informativos e de entretenimento. O processo de digitalização de conteúdos permite que toda informação produzida em qualquer suporte possa ser compartilhada, modificada e recombinada com outras linguagens e meios técnicos. Hoje, a chamada sociedade do conhecimento apresenta a seguinte característica: a relação humana é mediada intensamente por máquinas de inteligência e as formas de perceber, representar e a estrutura cognitiva vão sendo reestruturadas. A condição da navegação, o acesso remoto de conteúdos, a virtualização
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ornalismo é uma forma de conhecimento. Sua função primordial é apresentar à sociedade, cotidianamente, informação sobre os mais diversos temas que envolvem a vida do ser humano. Mais que isso, apresentar elementos que estimulem a reflexão e o debate sobre estas informações, como estratégia que leve à formação de uma opinião pública consciente dos desafios do nosso tempo. O jornal Ponto Final, produzido pelos estudantes do último ano do Curso de Jornalismo da Unimep, vem há 26 anos contribuindo com esse processo de produção do conhecimento sobre temas de interesse público. Cada nova edição, veiculada em parceria com o Jornal de Piracicaba, traz ao público reportagens sobre temas diversos, que oram tangenciam a área de comunicação e o próprio jornalismo, ora esmiúçam assuntos de áreas como saúde, violência, cultura, esporte, entre tantos outros. Nesta edição, uma das reportagens trata do próprio jornalismo. Discute, no noticiário político, a relação entre repórteres e suas fontes de informação. Duas estimulam a reflexão sobre a cidadania, relatam situações que enfatizam a importância do respeito aos direitos humanos e à organização coletiva como forma de promoção da mudança. Trata-se de reportagens sobre a evolução dos direitos da mulher e sobre o Coletivo Piracema. A edição trata também de saúde, por meio de reportagem sobre o autismo, doença de difícil diagnóstico e tratamento. Destaca, neste ponto, a importância do diagnóstico precoce e do apoio da família. A reportagem de encerramento mostra que em Piracicaba se pratica rugby, e que, por estranho que possa parecer, o esporte já acumula história na cidade. Boa leitura.
do real, as máquinas que interagem umas com as outras, a desmaterialização dos objetos, a planetarização do mundo, dentre outros fenômenos associados com informatização, acarretam transformações tangíveis com relação ao trabalho e às formas de aprendizagem e de lazer. Entretanto, outras são incomensuráveis e estão afetas às condições de vida em sociedades complexas e que alteram sentidos de presencialidade, projeção de sentimentos e desejos. Determinados acontecimentos organizados midiaticamente são capazes de motivar curiosidades mais atentas do que situações próximas da existência de cada um, ainda mais quando adquirem a esfera do atemporal e da memória depositada nos circuitos das infovias, como representa simbolicamente a base de depósito e de distribuição de conteúdos na rede. Diante das mutações que vêm ocorrendo na organização do trabalho, nas formas como se hibridizam linguagens da comunica-
ção com o aporte da informatização e considerando ainda a necessidade de formação acadêmica para lidar com as multiplataformas e tendências do processo de produção, difusão e acesso de conteúdos midiáticos, a Faculdade de Comunicação da Unimep, a partir de 2015, terá estrutura inovadora com a inclusão de dois cursos da área de informática: Redes de Computadores e Sistemas de Informação. Eis a perspectiva: potencializar as interfaces com Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Cinema e Audiovisual, Fotografia, Design Gráfico e Rádio, TV e Internet de modo a provocar novas experiências que sejam expandidas entre comunicação/informática e artes. O futuro da área de comunicação, incluindo sua origem nas humanidades e nas ciências sociais aplicadas, está de tal maneia associado à digitalização e às artes que a Unimep, através de uma visão estratégica, de fundo bem articulada com
a potencialidade de ensino, pesquisa e extensão, criou uma Faculdade para estender experiências de graduação e de pós-graduação para realidades emergentes associadas às novas tecnologias de comunicação e de informação. A mudança geracional, formatos e linguagens que surgem dos equipamentos móveis e que permitem formas de comunicação remotas e conectas em redes, dentre outros fatores, como o da mudança de plataformas, registros e combinações de imagens, som, movimento, fazem com que haja necessidade de a educação acompanhar as mudanças estruturais da sociedade, sendo uma delas a formação que alie domínio dos suportes técnicos, interpretação de seus efeitos estéticos e a dimensão ética que deve estar subjacente à interação humana no contexto da cultura digital. * Diretor da Faculdade de Comunicação da Unimep
Extensão Universitária e Cidadania Josué Adam Lazier *
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EXPEDIENTE: Ponto Final: Órgão laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba). Reitor: Gustavo Jacques Dias Alvim – Diretor da Faculdade de Comunicação: Belarmino Cesar Guimarães de Costa. Coordenador do Curso de Jornalismo: Paulo Roberto Botão – Orientador e Editor Responsável: Paulo Roberto Botão (MTB 19.585). Reportagens: André Luis Rossi dos Santos, Ariovaldo de Campos Júnior, Dora Allice Vitti, Elisabete Alhadas dos Santos, Maria Caroline Ribeiro, Pedro Henrique Franco e Wagner Batista Gonçalves. Produção Gráfica e Arte Final: Sérgio Silveira Campos (Laboratório de Planejamento Gráfico). Ilustrações: Saulo Silva (Página 3), Letícia Mariuci (Página 4), Ariane Pachere (Página 6), alunos do Curso de Design Gráfico da Unimep, sob orientação do professor Camilo Riani. Versão digital: soureporter.com.br. Correspondência: Faculdade de Comunicação – Campus Taquaral – Rodovia do Açúcar, Km 156 – Caixa Postal 68 – Telefone: (19) 3124.1676 – E-mail: prbotao@unimep.br – Impressão: Jornal de Piracicaba.
Universidade Metodista de Piracicaba tem compromisso com a responsabilidade social, com a cidadania como patrimônio coletivo da sociedade, com a dignificação da vida e com a promoção do bem comum. Sua Política de Extensão prioriza a “aproximação da Universidade e a construção de parcerias com segmentos da população que têm consciência e admitem a responsabilidade de efetivarem transformações sociais, econômicas e políticas, de forma a instituir os valores da igualdade de direitos e da democracia como referências que orientem a organização da sociedade brasileira”. A extensão universitária oxigena os processos de ensino e aprendizagem e impulsiona a comunidade acadêmica a se comprome-
ter com a construção e desenvolvimento da cidadania. O Programa “Unimep na Comunidade” contribui para a mediação da relação entre a universidade e a sociedade, ampliando os horizontes no processo de ensino e aprendizagem e a inserção em diferentes realidades, possibilitando aos alunos a interação com as pessoas da comunidade e em contextos diferenciados. Em torno dos circuitos cidadania, saúde, comunicação, educação, arte e cultura, diferentes ações são realizadas, tais como: orientação jurídica; orientação vocacional; oficina para elaboração de currículo; oficina de aproveitamento de alimentos e orientação nutricional; orientação odontológica; pesagem, medição de estatura e orientação de fisioterapia; atividades recreativas e educativas para
crianças e adolescentes; palestras para pais e professores; aferição de pressão e teste de glicemia; macroginástica para a terceira idade; fotografia e produção de notícias; reciclagem e reaproveitamento de material descartável; arte, cultura, teatro, corais, exposições e projeção de filmes; entre outras. Todas estas ações são realizadas em bairros da cidade, assentamentos, instituições e outras regiões do país. Por meio delas a comunidade universitária percebe que o diálogo entre o conhecimento científico e o saber das pessoas contribui para o desenvolvimento social e o bem estar comum, e a sociedade descobre que a Universidade oferece condições para a construção da cidadania. Promover a cidadania por meio de ações extensionistas é aproximar-se das
diferentes situações que a realidade aponta, é ouvir os clamores numa sociedade capitalista e desumanizadora, é dialogar mediado pelo contexto histórico e pela força de transformação da realidade e atuar em prol da humanização da vida. Nesta troca de vivências, experiências, conhecimentos, saberes e a busca pela superação das dificuldades da vida, professores, alunos e pessoas da comunidade se percebem como cidadãos que podem lutar pela dignidade da vida e construir uma sociedade onde todos têm direitos. Com o programa “Unimep na Comunidade” a Universidade se faz presente na sociedade e atua para a sua transformação e desenvolvimento da cidadania para todos. * Coordenador de Extensão e Assuntos Comunitários da Unimep
Jornalismo Conceito pelo MEC
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(Numa escala de 1 a 5)
4 estrelas pelo Guia do Estudante Curso estrelado desde 1999
Vestibular 2015 Inscrições abertas Exame: 07/12
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S.Ó.S
DIAGNÓSTICO PRECOCE É CHAVE NA LUTA CONTRA
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Brasil não possui dados oficiais sobre diagnóstico do autismo, transtorno que se desenvolve desde a infância e atinge majoritariamente meninos. Mas, dados da instituição ReFazendo, que presta assessoria educacional especial para crianças com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo), divulgados durante o 1º Encontro Brasileiro para Pesquisa em Autismo, em 2012, apontam a existência de cerca de um milhão de pessoas no país com esta condição. E as informações indicam tendência de aumento no número de casos. Um dos maiores problemas em relação ao transtorno, de acordo com a especialista em educação especial e psicóloga da Auma (Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Piracicaba), Débora Corrêa Bueno, é a dificuldade de detectá-lo. Isso ocorre porque o autismo não apresenta sinais físicos, não pode ser identificado por meio de exames e muitas de suas características levam à confusão com outras síndromes. “Mas não é um distúrbio silencioso, pois a mãe sempre percebe algo estranho, como a criança não ser responsiva ao olhar e não demonstrar vínculos afetivos com os pais, já que tem dificuldade em entender o que não é concreto”, explica. Estes sinais, segundo a profissional, podem ser identificados a partir dos seis meses. É por volta dos três anos de idade, no entanto, que os principais indícios começam a surgir. “Quando existe, a fala do autista é tardia em relação às outras crianças. Além disso, ele costuma executar movimentos repetitivos com frequência, como balançar as mãos e colocá-las na frente dos olhos”, revela Débora. O autismo integra o grupo dos TEA ou TGDs (Transtornos Globais do Desenvolvimento), juntamente com as Síndromes de Rett e Asperger e os Transtornos Desintegrativos da Infância e Global do Desenvolvimento sem outra especificação. A característica comum é o comprometimento nas funções do desenvolvimento
AUTISMO
e nas relações sociais, com padrões de comunicação estereotipados ou repetitivos, e interesses e atividades restritos. Segundo a neuropediatra e responsável técnica do Ambulatório de Saúde Mental Infanto-Juvenil de Piracicaba, Deborah Kerches de Mattos Aprilante, a incidência dessas patologias no Brasil, somados os casos, é de um a cada 100 nascidos, geralmente no sexo masculino. Os pacientes demonstram dificuldade no uso e compreensão da linguagem, ecolalia frequente (repetição de palavras, comunicação por gestos ou utilização de pessoas como ferramentas), evitam o contato visual e possuem aversão ao toque. “Eles têm dificuldade em se relacionar com pessoas, objetos e eventos, e com mudanças de rotina ou ambiente familiar. As brincadeiras não têm significado simbólico e, por vezes, há fixação por determinado objeto ou movimento e graus variáveis de desatenção, inquietude e agressividade”, ressalta a neuropediatra. Diagnóstico “Eu fazia coisas para minha filha que não fazia para ele, porque pensava que ele não entenderia. Somente após a descoberta do distúrbio soubemos que ele compreendia tudo, mas não sabia se expressar e assimilava aquilo em seu ‘mundinho’ interno”. O relato, da dona de casa Leni Grandino Settem, reflete o sentimento de culpa que o diagnóstico tardio do filho, Antonio Settem Neto, o “Netinho”, trouxe à família. Netinho tem 30 anos e a descoberta do distúrbio
Fixação por objetos e movimentos repetitivos são sintomas do altismo
Saulo Silva
Caroline Ribeiro e Wagner Gonçalves
TRANSTORNO ATINGE CADA VEZ MAIS CRIANÇAS NO PAÍS E FAMÍLIAS PRECISAM DE APOIO PARA CONTORNAR SINTOMAS ocorreu quando já estava com 13, o que influenciou negativamente seu desenvolvimento. A mãe, entretanto, sempre suspeitou haver algo errado. “Eu trabalhava como professora e lidava com crianças da idade dele diariamente, então sabia que meu filho era diferente. Procurei diversos profissionais na região e em outros estados para tentar entender o que estava errado, muitos até me chamavam de louca. Mas mãe sabe, não é?”, relata. Márcia Francisca de Santana, mãe do autista Rafael, passou por situação semelhante. “São as mães que convivem com as crianças todos os dias, nós sabemos quando algo está errado”, ressalta. “Os médicos que cuidaram dele após o nascimento disseram que eu estava louca, que o menino era saudável”, lembra a mãe, que insistiu na busca pelo diagnóstico durante anos, até conseguir acompanhamento no CEMA (Centro
de Especialização Municipal do Autismo), onde Rafael é atendido até hoje. As causas do autismo, segundo a neuropediatra Deborah Kerches de Mattos Aprilante, não são totalmente conhecidas, mas em 50% dos casos há componente genético. Pais de crianças com TGD têm uma probabilidade duas vezes maior de ter outro filho com o quadro. Entre as causas ambientais estão infecções maternas e neonatais, exposição a produtos tóxicos na gestação, intoxicação por chumbo e mercúrio, uso de determinadas medicações na gestação, anóxia neonatal, distúrbios metabólicos neonatais. Prematuridade e baixo peso ao nascer também são possíveis fatores. Tratamento A neuropediatra Deborah explica que o diagnóstico é essencialmente clínico, baseado em escalas de gravidade, de leve a grave. Dessa maneira, a intervenção pre-
coce, que deve ser feita de forma multidisciplinar, especializada e individualizada, é a melhor alternativa para desenvolver no paciente uma vida funcional. O autismo ainda não tem cura, mas pode ser controlado com tratamento correto, com intervenções no desenvolvimento da comunicação, da interação social e da autonomia. “O uso de medicação, por sua vez, é utilizado para tratar problemas comportamentais específicos e de acordo com as necessidades de cada paciente”, pontua a especialista. A atuação da família também é ponto chave. A dona de casa Sidinéia de Fátima da Silva Barbosa, por exem- p l o , d e d i c o u todos os seus esforços no tratamento do filho, Davi da Silva Barbosa, 13, assim que percebeu complicações no seu desenvolvimento, como o desaparecimento da pronúncia, aos dois anos e meio. Mas foi aos quatro anos, quando os interesses por brincadeiras e outras atividades deixaram de prender a atenção da criança, que a busca por respostas aumentou. “Os médicos não encontravam nada de anormal e eu estava desesperada para saber qual era o problema, que só foi descoberto quando ele completou sete anos”, lembra. A descoberta do autismo, que para muitos poderia ser um fato assustador, serviu como um impulso para Sidinéia compreender de que forma o distúrbio se manifestava e como poderia ajudar o filho a desenvolver sua independência. Frequentador da Auma há três anos, Davi é considerado um dos casos de maior progresso da associação, pois já consegue se alimentar sozinho, entende alguns dos comandos básicos e consegue manter
contato visual, algo pouco comum. “São pequenos passos para alguns, mas muito importantes para nós. Como mãe de um autista, vê-lo acender e apagar uma lâmpada já se transforma em algo especial, assim como quando ele consegue pronunciar ‘papai e mamãe’ ou quando me entrega um trabalho feito por suas próprias mãos. É uma sensação indescritível”, revela. Mirian Nosvitz, por sua vez, começou a procurar respostas quando o filho mais novo, Caio, passou a apresentar problemas na fala. Os médicos, porém, diziam que ela deveria esperar até que as dificuldades desaparecessem. “Após alguns meses, a diretora da escola me chamou e contou sobre os atrasos no aprendizado. Foi aí que a luta começou”, conta. Ela reforça que os impasses enfrentados foram os mesmos: em muitas avaliações a patologia foi descartada devido ao convívio social afetuoso e contato visual. O drama também foi vivido por Leni, que passou nove anos viajando para o Rio de Janeiro com Netinho, aprendendo novas técnicas para aplicá-las em casa. “Como descobrimos o distúrbio tarde demais, as complicações se tornaram maiores. Além disso, a falta de diagnóstico fez com que ele ingerisse diferentes fórmulas de medicamentos que lhe faziam mal. Somente quando cortei a medicação ele passou a dormir bem, se alimentar corretamente e nunca mais teve crises. Hoje, o considero uma ‘criança’ feliz e me sinto abençoada ao vê-lo acordar sorrindo”, conta. Além de lutarem pelo bem-estar de seus filhos autistas, Sidinéia, Mirian, Leni e Márcia compartilham da mesma realidade: ao contrário do luto vivido por famílias que recebem o diagnóstico, a descoberta do transtorno trouxe consigo o alívio de poder tratar o problema da maneira correta e, mais importante, de saber contra o que estavam lutando. “Depois de tanto tempo procurando ajuda, somente a descoberta pôde nos trazer alívio”, frisa Mirian. Fotos: Caroline Ribeiro
Dificuldade em interagir isola o altista em sua própria realidade
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INFORMAÇÃO POLÍTICA DEPENDE DA RELAÇÃO ENTRE JORNALISTAS E FONTES
Fotos: Campos Júnior
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omar o famoso chá de cadeira em gabinetes políticos, aguardar ansiosamente pelas respostas das assessorias de imprensa de instituições públicas, fazer amplas pesquisas em portais de transparência e projetos de leis, ser tratado com hostilidade, receber ameaças de morte, denunciar falcatruas. Estes são alguns dos ingredientes da rotina de trabalho dos jornalistas, principalmente daqueles que fazem a cobertura de temas políticos. Literalmente “correr atrás” que do que ocorre nas esferas dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não é tarefa fácil, mas os repórteres não desistem e pesquisam, apuram, entrevistam e checam informações. Neste esforço para informar corretamente seus leitores, eles dependem em grande medida das fontes de informação, pessoas envolvidas direta ou indiretamente com os fatos a serem reportados. A relação entre os jornalistas e estas fontes, políticos, assessores parlamentares, funcionários públicos, juízes, é indispensável à obtenção das notícias. Mas, esta relação nem sempre é tranquila, pois quase sempre envolve conflito de interesses e interpretações divergentes sobre a realidade. Muitas vezes, o político informa somente o lhe convém. O repórter, de seu lado, quer ir além, quer noticiar todo fato que seja de relevância pública, independente da vontade das fontes envolvidas. O jornalista Felipe Pena, professor de jornalismo da Universidade Federal Fluminense, ressalta esta posição quase sempre comprometida das fontes, a quem define como pessoas que mantém uma visão diversificada sobre os acontecimentos de acordo com sua cultura, sua linguagem, seus preconceitos ou até seus próprios interesses. “É claro que existem pessoas desinteressadas e dispostas a dar informações corretas, mas basta a proximidade do jornalista para que haja interferência na mensagem relatada, mesmo que o emissor seja o mais honesto dos mortais”, aponta. As histórias dos profissionais que atuam nesta área são muitas e envolvem situações das mais inusitadas, como a que relata a jornalista Adriana Ferezim. Quanto ela atuou como repórter em São Paulo, apurou e denunciou que o subprefeito de uma das regiões da capital recebeu um carro de um estabelecimento comercial, em troca do corte de uma árvore pública. A denúncia lhe rendeu inclusive ameaça de morte. Ad r i a n a s e r e c o r d a também de ter se tornado “pedra no sapato” do ex-governador Mário Covas (PSDB). Sempre que tinha oportunidade, em coletivas
de imprensa ou eventos públicos, cobrava o político sobre o término da construção de um hospital inacabado no mesmo local que o governante tucano pretendia construir um Centro de Detenção Provisória (CDP). “Em toda coletiva, perguntava ao Covas se ele terminaria a obra. Chegou a um ponto que ele não podia me ver mais e se irritava comigo, alegando que outros locais do Estado precisavam de hospitais”, revela. A jornalista Aline Macário, de Americana, conta que já foi agredida em praça pública por cabos eleitorais e funcionários comissionados da prefeitura no dia da reeleição do ex-prefeito Diego de Nadai (PSDB), em 2012. Eles eram investigados por contratações ilegais. “Recebi latinhas na cabeça, fui ofendida e tive que ir embora escoltada pela guarda-municipal. Eles não entendem que o papel do jornalista é manter a população informada”, afirma. Além das ameaças e agressões, outro obstáculo constante é a falta de colaboração dos assessores parlamentares, dos funcionários de órgãos públicos e das assessorias de imprensa, que em muitas situações não passam informações relevantes quando são negativas aos seus superiores. Na maioria dos casos, a regra é informar apenas o que é favorável a determinado partido ou candidato. O repórter Erich Vallim Vicente, comenta o comportamento: “Problemas para obter informações existem de maneira recorrente, pois quando a informação vale a pena para a fonte ela é acessível. Quando não, o acesso é dificultado de diversas maneiras, muitas vezes, por assessores que também são jornalistas, o que é deprimente”. Brigar e criar inimizades, contudo, não é a melhor saída para se produzir uma reportagem política. O jornalista precisa manter bom relacionamento com suas fontes, para chegar às informações que deseja. Iuri Pitta, do jornal Estado de S. Paulo, reafirma essa ideia. “Todo jornalista vai acabar tendo alguma dificuldade de relacionamento com uma fonte, que não vai gostar da reportagem ou reclamar de uma declaração que, para ela, foi mal compreendida. O importante é não confundir independência e contundência com falta de educação. Nossa profissão é feita de questionamentos e até cobranças de figuras públicas, mas não de embate”. A jornalista Lilian Geraldini, repórter do Jornal de Piracicaba, é da mesma opinião e ressalta a importância do profissionalismo. “O grande lance é você manter certa isenção e deixar claro que está desenvolvendo o seu trabalho e quer fazê-lo da melhor forma possível”. Além das fontes, há outras maneiras dos jornalistas apurarem fatos do âmbito
político. Fábio Serapião, da revista Carta Capital, diz que os portais de transparência e a Lei de Acesso à Informação podem colaborar na checagem jornalística. Já Giulia Afiune, repórter da agência de jornalismo investigativo A Pública, diz que os dados online de trabalhos políticos são também recurso significativo. A agência, aliás, foi responsável por criar séries de reportagens nas quais se checa a veracidade das promessas e dos discursos feitos pelos candidatos à Presidência do Brasil, em 2015. Outro lado O conflito de interesses também gera queixas do outro lado, o dos políticos e seus assessores, muitas vezes também jornalistas no exercício de sua função. Este é o caso da jornalista Daniela Rocha, que foi assessora de imprensa da campanha do deputado federal Francisco Everaldo Oliveira Silva (PR), o Tiririca. Ela conta que já se sentiu desrespeitada por colegas jornalistas que queriam informação do deputado a todo custo. “Os repórteres eram da Revista Época, já tinham me telefonado algumas vezes, passei as informações necessárias, mas eles não se contentaram e seguiram a mim e ao candidato até um restaurante em São Paulo, onde sem minha autorização, abordaram o Tiririca. Foi um grande desrespeito com meu trabalho”, reclama. O jornalista Carlos Eduardo Gaiad, diretor de comunicação da Câmara de Vereadores de Piracicaba, relata que também teve problemas com a imprensa. Ele conta ter sido vítima da cobertura jornalística a uma denúncia anônima e inverídica enviada ao Ministério Público. Na ação foi acusado de enriquecimento ilícito e, em sua visão, o tema foi tratado sem critério por jornalistas da cidade. O vereador João Manoel dos Santos (PTB) também reclama da conduta de reporteres e jornais da cidade, que teriam dado tratamento “sensacionalista” à cobertura de suas atividades político administrativas. “Os jornalistas publicam informações
Lilian, Daniela e Adriana, jornalistas que atuam no cotidiano da cobertura política
tendenciosas contra mim visando satisfazer os interesses políticos de suas empresas. Já publicaram diversas matérias atacando minha religião evangélica e me chamando de homofóbico por eu ser contra alguns projetos de leis que favorecem os homossexuais. Não sou contra os gays, respeito a todos de forma igualitária, mas não aprovo determinadas proposituras por manter meus princípios religiosos”, enfatiza. Em Limeira, o conflito do vereador Ronei Costa Martins (PT) com a imprensa foi ainda mais grave. “Um apresentador sensacionalista da TV Mix fez referências maldosas a minha imagem, relacionando-a com um caso de pedofilia durante a exibição de seu programa. Fiquei tão indignado com a postura da emissora e do repórter que processei ambos. Tudo foi armado para atingir ao meu governo”, afirma o político. Para Ronei, isso não é jornalismo, pois o verdadeiro trabalho da imprensa é de crítica ao governo, mas de forma imparcial e justa, com a proposta de formar corretamente a opinião dos cidadãos.
Letícia Mariuci
Júnior Campos
Cláudio Coradine
Em “guerra”
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Piracema Projeto Direto da Roça estimula alimentos orgânicos; Sistema Alternativo (abaixo) permite captar água de chuva Pedro Franco
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emana do Audiovisual, Projeto Instrumentalize, Festival de Culturas Regionais e Artes Urbanas, Festival Grito Rock. Estas são algumas das ações promovidas anualmente pelo Coletivo Piracema, grupo que se destaca também pelo incentivo a práticas sustentáveis, como a coleta de água da chuva e o uso da energia solar. Além da cultura e do respeito ao meio ambiente, o Coletivo explora a vida em comunidade e defende a mobilização para causas de interesse social. “Um coletivo é composto por pessoas que se unem em prol de um objetivo em comum, seja ele qual for. De algum modo, a gente trabalha para realizar projetos a favor da comunidade”, explica Mariana Pedrozo, 32, a Mari, uma das fundadoras do Piracema. Formada em História e em Teatro, ela tinha recém chegado do Rio de Janeiro quando em 2012, junto com um grupo de amigos surgiu o interesse de promover o Festival Grito Rock, a primeira ação de maior porte na cidade. . O Coletivo Piracema é ligado ao Circuito Fora do Eixo, que é uma rede colaborativa de coletivos com mais de 300 espaços espalhados pelo Brasil e até parceiros em outros países. O nome Piracema remete à cultura de Piracicaba e descreve o período em que os peixes nadam contra a correnteza com fins de reprodução, simbolizando o espírito de luta do grupo. O espaço do coletivo é recheado de sistemas que envolvem a tecnologia da ‘permacultura’, que basicamente busca viver através de práticas cotidianas que não dependem de sistemas tradicionais, como por exemplo, a captação da água da chuva. Neste sistema, a água da chuva é coletada através do telhado e, depois de passar por um mecanismo de limpeza, cai num reservatório com capacidade para 1.000 litros, pronta para ser utilizada na horta e nas atividades domésticas da casa. Na sede do Coletivo, o calor solar também é aproveitado, tanto para a luz quanto para o aquecimento da água para o banho. Outro sistema da residência é a ‘aquaponia’, uma técnica de cultivar plantas e peixes ao mesmo tempo, quando uma cultura ajuda a outra. O lixo orgânico também é reciclado através da ‘compostagem’ feita com minhocas, o que gera um adubo que pode ser utilizado na agricultura. O espaço do Coletivo também é compartilhado com outros grupos da cidade. No local são realizados cursos, palestras e
COLETIVO ESTIMULA PRODUÇÃO CULTURAL E CULTIVA MODO ALTERNATIVO DE VIDA Fotos: Pedro Franco
workshops. Os integrantes também orientam ações em instituições, comunidades e bairros de Piracicaba, principalmente com o objetivo de promover projetos na área de consumo responsável. Política Quando o assunto é a política piracicabana, o Piracema deixa bem claro que a relação é moderada. “A gente tem o envolvimento raso que tem que ter para dialogar com a prefeitura e seus meios para realização de alguns projetos, às vezes com êxito e outras vezes não”, revela Mari, que também fala das parcerias com outros grupos na cidade. “São todas independentes, como com a Casa do Hip Hop, o Levante Popular da Juventude e o Reaja Piracicaba. Somos só parceiros, a gente não levanta nenhuma bandeira dentro da cidade em relação à política”, explica. O grupo se financia principalmente por meio de editais abertos pelo governo e empresas públicas e privadas que buscam investir na área cultural. Os integrantes do Coletivo, muitas vezes com a ajuda de amigos e entidades parceiras, preparam e inscrevem os projetos, que
disputam os recursos com outras organizações. . A prática da troca é outra estratégia inovadora de sobrevivência e um dos exemplos é o projeto Direto da Roça. Os membros do Coletivo vendem cestas de alimentos orgânicos para a uma produtora da cidade que, em troca, fornece uma cesta gratuita a cada semana. A filosofia, segundo Mari, é
clara: “Sem fins lucrativos. Aqui procuramos acumular só conhecimentos que emitam autonomia”. Mari é a única integrante do coletivo que tem um filho, Camilo, de 10 anos, que a acompanha em todas as atividades. “O coletivo tem tudo a ver com a minha forma de vida, no que eu acredito como educação, principalmente para o meu
filho. Todas as casas dos coletivos Fora do Eixo têm um cuidado especial com as crianças, como recebê-las e como integrá-las no dia a dia, na casa e nas atividades”, explica. Mari executa várias funções na casa, que vão desde a organização das atividades até a recepção dos “viventes” – pessoas que se passam um tempo morando no local e colaborando com o Coletivo. A dedicação de Mari é exclusivamente voltada para o coletivo e para a ‘profissão de mãe’ como ela mesma diz. Com uma opinião política formada, ela apoiou as manifestações de junho de 2013 e participou ajudando os amigos que iam para a rua. É simpatizante do PT (Partido dos Trabalhadores) e também dos Black Blocs. “Eles são incríveis, quem dera todo jovem tivesse a coragem de ser um Black Bloc”, afirma. Outro fundador do Piracema é Leonardo Magnin, 25. Formado em Engenharia Florestal, natural de Americana, ele trabalhava em educação ambiental antes de entrar no Coletivo. Agora cuida da parte de sistematização, da programação, e também faz manutenção
– junto com outros membros – das tecnologias da casa. Magnin recebe ajuda financeira dos pais, que ainda moram em Americana, e eventualmente também trabalha como garçom. Em 2013, participou ativamente das manifestações, registrando os momentos com fotos e vídeos e divulgando-os na internet. Defende que o Governo Federal conseguiu melhorias em muitas áreas, mas falha em outras. “O governo deixa a desejar na parte ambiental, está sendo um dos piores mandatos para essa área. Ao mesmo tempo na área social tem obtido ganhos”, ressalta. Fran Lodde, 29, a única piracicabana do Piracema, é formada em Publicidade e Propaganda, e também participa desde o início. Ela divide seu tempo entre o grupo e e trabalhos temporários em sua área profissional. Sua função é focada na parte de mídia, pois acredita que o povo precisa ficar mais “antenado” no que está acontecendo na política. “As pessoas precisam pesquisar e conhecer mais nossa política e principalmente os políticos envolvidos. Porém não sou pessimista, acredito que estamos rumo a um Brasil melhor, só precisamos continuar acreditando e trabalhar para isso”, diz. A mineira Stella Sampaio, 18, está no Coletivo há seis meses e, atualmente, divide seu tempo com o curso de Cinema e Audiovisual. “Vim para Piracicaba estudar e procurei um espaço. Achei o Piracema, então comecei como colaboradora na parte de fotografia e acabei mudando para casa”. No coletivo, sua função é relacionada às mídias sociais, ela movimenta a página do Facebook, tira fotos e também faz vídeos. Nascida em São Paulo, Juliana Valente, 27, se identificou com o Piracema devido às iniciativas ambientais. Gostou muito das tecnologias sustentáveis que viu na casa e decidiu fazer parte. Formada em Engenharia Florestal, atualmente ela cursa pós-graduação na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz). Ela ajuda na organização de todos os eventos, cuida da horta, do quintal e quando necessário também faz manutenção das tecnologias alternativas. Os atuais participantes do Piracema e moradores da casa são otimistas em relação ao futuro, pois avaliam que já obtiveram muitas conquistas neste curto período de vida. “A intenção é sempre de renovação, criando outras plataformas para atingir os objetivos, A nossa perspectiva é de consolidação e vida longa ao Piracema”, afirma Mari Pedrozo.
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Ariane Pachere
Feminilidade à flor das leis Fabrice Desmonts
Dora Vitti Elisabete Alhadas
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CONQUISTAS DAS MULHERES NO BRASIL ENVOLVEM MUDANÇAS CULTURAIS E LEGAIS
o longo dos últimos séculos muita coisa mudou para as mulheres, principalmente quando o assunto é a conquista de direitos civis, políticos e sociais. Se fosse possível voltar ao início do século XIX e contar à sociedade daquela época que hoje em dia as mulheres votam, têm escolaridade maior do que a dos homens, estão amplamente inseridas no mercado de trabalho, e até mesmo governam países, é muito provável que as pessoas não acreditassem nestes fatos. “O papel do homem na sociedade era o de líder, encarregado de proteger a família e lutar nas batalhas. A mulher tinha papel secundário, de gerar filhos e cuidar do bem estar da família. O homem sempre apareceu acima da mulher,
até por questões ligadas à virilidade do corpo”, analisa o historiador Fábio Bragança. Os primeiros avanços no Brasil, na área da educação, ocorreram ainda em 1827, quando surgiu a primeira lei sobre educação para as mulheres. A legislação possibilitou que elas frequentassem apenas as escolas elementares. Só em 1879 passaram a ter autorização do governo para estudar em instituições de ensino superior. Já para trabalhar, as mulheres receberam respaldo jurídico no país apenas em 1962, quando foi sancionado o Estatuto da Mulher Casada. O instrumento jurídico garantiu, entre outras coisas, que elas não precisavam mais de autorização do marido para trabalhar, receber herança e, em caso de separação, elas poderiam requerer a guarda dos filhos. Em termos globais e institucionais, a igualdade de remuneração entre homens e mulheres foi alcançada em 1951, no Conselho Internacional do Trabalho. Porém, as diferenças continuam latentes até hoje. A Arquivo pessoal
PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2007 aponta que a equiparação de salários entre mulheres e homens que executam as mesmas funções só deve acontecer daqui a 87 anos. As mulheres, no caso, ganham menos. As mulheres passaram a ter direito ao voto em 1932, quando foi promulgado o novo Código Eleitoral. A primeira mulher a assumir um cargo político, eleita deputada federal, foi Carlota Pereira de Queiroz, em 1934. Hoje, as mulheres ainda estão em minoria dentro da política, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Na votação nacional realizada em outubro deste ano, quando houve troca dos governos estaduais e federais, renovação total da Câmara Federal e de um terço do Senado Federal, e também das assembleias legislativas estaduais, apenas 51 mulheres foram eleitas. O número corresponde a 9,9% do total, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Para Márcia Pacheco, única vereadora de Piracicaba, isso acontece porque “muitas mulheres já exercem tripla jornada, são mães, donas de casa e trabalham fora, e por isso acham que não teriam condições de assumir uma quarta jornada na política”. A vereadora também atribui a baixa participação feminina ao descrédito na política e à “falta de confiança de que as coisas mudem para a mulher”. Sexualidade O direito sobre o próprio corpo e sua sexualidade sempre foi tema de grandes lutas femininas. Somente em 1977 uma antiga reivindicação das mulheres neste campo foi atendida: a primeira legislação que tratava da dissolução dos casamentos foi aprovada. O direito ao controle sobre seu próprio corpo atravessa questões que vão para além da sexualidade feminina e envolve outras questões, como, por exemplo, a gravidez, o desempenho das funções de maternidade e de puericultura, os modelos de beleza, o uso do corpo como ferramenta de trabalho no caso de profissões que exigem desempenho físico e os modelos de envelhecimento. A antropóloga e historiadora Kênia Kemp acredita que, ao fugir dos padrões
AVANÇOS NA HISTÓRIA
A antropóloga Kênia Kemp e a vereadora Márcia Pacheco (acima), falam sobre o papel da mulheres na sociedade e seus desafios
Acesso à escola
A Constituição de 1824 abriu o acesso das mulheres às escolas. No Brasil Colônia, homens e mulheres não podiam estudar juntos.
Fim das agressões
O decreto nº 181, de 1890, dispôs sobre a união civil entre homens e mulheres, retirando do marido o direito de impor castigos corporais sobre a esposa.
Direito ao voto
O Código Eleitoral de 1932 permitiu o voto à mulher, desde que ela tivesse 21 anos. A Constituição Federal de 1934 reduziu o limite para 18 anos.
Trabalhar fora
O Estatuto da Mulher Casada, de 1962, permitiu que as mulheres casadas pudessem se tornar economicamente produtivas.
Separação
Em 1977 foi aprovada a Lei do Divórcio, que além de garantir a emancipação da mulher, facilitou a discussão sobre a guarda dos filhos e divisão de bens.
Participação política
Em 1996, as mulheres conquistaram um sistema de cotas que exige dos partidos a inscrição de, no mínimo, 20% de mulheres em suas chapas legislativas.
Maria da Penha
Uma das leis mais famosas em defesa da mulher, a Lei Maria da Penha, de 2006, definiu como crime a violência doméstica.
machistas, as mulheres são questionadas na sua conduta moral e até mesmo na afetividade. Para ela, a mudança estará na organização de ideias para ações assertivas. “Nós, mulheres, ainda respondemos de forma muito desarticulada a todas essas questões, e por isso as práticas preconceituosas persistem”, afirma. Entre as conquistas mais recentes estão aquelas que buscam proteger as mulheres da violência doméstica. Em 1985 foi inaugurada a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher, mas somente em 2006 foi aprovada a lei batizada de Lei Maria da Penha, que tem como principal objetivo coibir a violência nas relações familiares, prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Hoje, agressores podem ser presos em flagrante ou ter prisão preventiva decretada. Além disso, a Lei prevê medidas como a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida e dos filhos. Ainda assim, os dados neste campo são assustadores. Segundo pesquisa realizada no ano 2000, pela Comission on the Status of Women, da ONU, uma em cada três mulheres no mundo já foi espancada ou violentada sexualmente. Os números no Brasil também são alarmantes: a cada cinco minutos, uma mulher é agredida no país. De acordo com informações do Ministério da Justiça, de 2012, em cerca de 70% dos casos quem agride é o marido ou namorado. Novas conquistas Atualmente, as lutas feministas estão voltadas para o combate ao abuso sexual e à violência doméstica e também em torno da legalização do aborto. Para Laís Parizoto, que por muito tempo participou de grupos feministas em Piracicaba, a questão do aborto é o ponto principal a ser debatido atualmente. “Nem toda mulher deseja ser mãe. Maternidade é escolha, opção, não deveria ser enfiada goela abaixo”, desabafa. Para muitas mulheres, entretanto, essas são questões à parte, que não entram em discussão no seu dia a dia. Fernanda Souza, outra militante do movimento feminista na cidade, acredita que a mulher ainda não entendeu bem o que é lutar por seus direitos. “Elas estão acomodadas com a sociedade onde vivem e muitas vezes até desconhecem os seus direitos”, reconhece. Na contramão do pensamento revolucionário feminista, há a realidade de países em que não houve avanços no assunto. Kênia diz que “há uma dupla condição de inferioridade nesses países – as das leis, pois não houve progresso, e das tradições, porque sabemos que em muitas culturas a mulher é tratada de forma inferior ao homem por causa de crenças e tabus”, finaliza.
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Sábado, 22 de novembro de 2014
7 Fotos: André Rossi
Pelas mão de Charles Milles
Rugby faz história em Piracicaba TIME MAIS ANTIGO NASCEU NA ESALQ; E SESI ABRE ESPAÇO PARA AS CRIANÇAS Andre Rossi
F
ormado exclusivamente por universitários, o primeiro time de rugby de Piracicaba surgiu na Esalq (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”) em 1976. Com o passar dos anos o projeto se expandiu e piracicabanos que não estudavam na universidade também passaram a jogar. Foi nesse contexto que Luis Gustavo Bergamasco (Rick), 26, e Gustavo William da Silva (Gulau), 27, começaram a praticar o rugby e entraram para o time. Eles nunca estudaram na Esalq, mas foram convidados por pessoas ligadas à universidade e se apaixonaram pelo esporte. A equipe ganhou impulso em 2009, a partir de uma proposta de massificar o esporte em Piracicaba. “A universidade trouxe o treinador argentino Carlos Elkan (Carlitos), que tinha a ideia de massificar o rugby na cidade. Isso fez com que aumentássemos a divulgação, convidando novas pessoas para treinar”, conta Rick. “Nessa nova fase, nós disputamos o CPI (Campeonato Paulista do Interior), que exigia que fosse utilizado o nome da cidade. Com isso, o time passou a ser conhecido como Piracicaba Rugby”. As mudanças surtiram efeito e a equipe venceu o campeonato daquele ano. Em 2012, a Federação Paulista de Rugby promoveu mudanças em suas competições e criou a 2ª Divisão Paulista (equivalente ao CPI), focada nas equipes do interior. O time piracicabano manteve a base de 2009, trouxe novos atletas e se sagrou campeão do torneio. Entretanto, depois dessas duas conquistas, a ideia de massificação perdeu força
devido a uma dificuldade que sempre esteve presente ao longo dos anos: manter os jogadores no elenco. “Tem períodos em que contamos com 30 atletas, incluindo crianças, adultos e meninas. Só que de uma hora para outra o pessoal não vem mais treinar, ou porque foi fazer intercâmbio ou porque resolveu se afastar por algum motivo”, explica Gulau. A nova configuração dos campeonatos regionais também prejudicou, já que para disputar a Divisão de Acesso do Paulista é preciso ter um plantel grande de atletas. “Para nós, 2014 tem sido um daqueles anos de queda no número de participantes. Estamos começando a nos reerguer agora, com a volta de antigos jogadores que estavam fazendo intercâmbio e a chegada de novos atletas”, conta Rick. Para auxiliar nessa nova etapa, o Piracicaba Rugby promoveu no dia 20 de setembro desse ano o “2º Torneio Sevens de Rugby de Piracicaba”, que reuniu diversas equipes da região. Economicamente, a equipe se mantém graças à mensalidade paga pelos jogadores, que é utilizada para compra de material esportivo e viagens. Eventualmente, existem patrocinadores pontuais e ex-jogadores que contribuem com a aquisição de materiais esportivos. Os treinos acontecem de terça e quinta-feira, às 18 horas, no campo principal da Atlética Luiz de Queiroz. Independentemente destas dificuldades, o rugby em Piracicaba atrai atletas de diversos perfis, que acabam se encantando pelo ambiente e pelo trabalho em equipe. É o caso da intercambista francesa Cécile Duranton, 21 .“Na França eu não jogava porque praticava outros esportes, mas já conhecia
Em busca de renovação, rugby disputa campeonatos e amistosos com times da região
todas as regras. Quando cheguei na Esalq, em fevereiro de 2014, entrei para o time e comecei praticar. É um esporte muito interessante, completo e o ambiente é muito bom”, conta. Os membros mais novos do time também já foram “conquistados”. O jovem Heron Godoi, 13, é um deles. “O pessoal do Piracicaba Rugby fez um workshop na minha escola em 2013 e
eu me interessei muito. No começo meus pais acharam perigoso, mas com o tempo foram aceitando. É preciso estar preparado para as situações de jogo e fazer os movimentos certos”, explica. Visto de fora, o rugby pode parecer violento e perigoso por ser um esporte de contato constante. Entretanto, quem está dentro de campo garante que é tudo uma questão de técnica. “A única
lesão que eu tive foi jogando futebol. Todo mundo me diz ‘cuidado, o rugby machuca’. Talvez, afinal é um esporte de contato, mas se você souber jogar direitinho, machuca muito menos do que outros esportes”, comenta Carla Campanaro, 26, que começou a praticar rugby na Esalq em 2012 e atualmente joga o Campeonato Paulista pela equipe de Jundiaí, sua cidade natal.
Em 1895, o brasileiro Charles Miller voltou de seu intercâmbio na Inglaterra trazendo o futebol e o rugby. Enquanto o primeiro rapidamente caiu no gosto da população e se tornou o esporte preferido do Brasil, o segundo não teve a mesma sorte, sendo desconhecido por boa parte do país até hoje. Para o ex-jogador de rugby e blogueiro neozelandês radicado no Brasil, Paul Tait, a preferência do povo brasileiro pelo futebol começa pelas características de cada esporte. “Rugby é complicado e futebol não. Isso foi um fator, entretanto a explicação mais plausível é que o rugby foi, por muito tempo, pouco ‘global’. O esporte demorou a ter um campeonato mundial e quase foi limitado às ex-colônias inglesas. Futebol não foi assim e conta com países grandes na Copa do Mundo”, explica. Presente nos Jogos Olímpicos de 1900, 1908, 1920 e 1924, a modalidade foi retirada da competição após as Olimpíadas de Paris (1924) devido a diversos motivos, entre eles a falta de interesse das grandes seleções pelo evento. Em 2009, o Comitê Olímpico Internacional aprovou o seu retorno às Olimpíadas, o que ocorrerá nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Tait acredita que este fato pode ser um ponto de partida para melhorar a situação do esporte no Brasil. “Falta muita coisa no país: espaço, dinheiro e apoio. Clubes têm dificuldades enormes de realizar jogos oficiais por falta de campos. Prefeituras, em geral, complicam bastante a situação. Mas, agora que o rugby é um esporte Olímpico, os times devem enfrentar menos problemas”, opina. De acordo com dados da Confederação Brasileira de Rugby, o país conta com 135 clubes cadastrados, 8.806 jogadores registrados e 60 árbitros em exercício.
Parceria com ingleses traz esporte ao Sesi O Sesi-SP (Serviço Social da Indústria) é uma das únicas instituições de ensino no Brasil que oferece o rugby para seus alunos. Através de uma parceria com a British Council e Premiership Rugby desenvolve o projeto Try Rugby SP, cujo objetivo é implantar a modalidade em unidades espalhadas pelo país, incluindo Piracicaba. O projeto começou em agosto de 2012 com a vinda de técnicos ingleses para o Brasil. Estes profissionais tiveram a missão de ensinar as regras do esporte para professores brasileiros em 12 cidades. Atualmente, foram remanejados para outras sete unidades e, enquanto isso, os municípios que já foram comtempladas continuam a ministrar as aulas com seus próprios professores. Além de já fazer parte da grade curricular do 1º ao 5º
Crianças de 11 a 14 anos praticam tag rugby, modalidade sem contato, para iniciação no esporte
ano do Ensino Fundamental, o rugby também é ensinado no programa Atleta do Futuro, que acontece de quarta e sexta-feira, e é aberto tanto para alunos do Sesi quanto para membros da comunidade de 11 a 14 anos. Ao todo, 20 crianças também treinam o tag rugby, modalidade utilizada para iniciação das crianças, pois não tem o contato físico. Na opinião do professor do Sesi Piracicaba Luíz Otávio Pólis, o rugby é muito
educativo para os jovens. “É um esporte diferente, algo muito novo em relação ao que temos no Brasil. Ele desperta a curiosidade da criança, pois é um jogo cheio de estratégias, muito rápido e ainda por cima com uma bola oval”. O esporte já é popular entre os estudantes da escola. “Eu comecei no rugby esse ano. Fiquei interessado porque é algo diferente, de outro país, que eu nem sabia
que existia. Gostei bastante e pretendo continuar jogando”, diz Cristiano Galvão, 13. As meninas também aderiram, como é o caso de Ingrid Ribeiro, 14. “Faz dois anos que comecei a jogar aqui no Sesi. Me dediquei bastante e consegui uma viagem para Londres (Inglaterra) para conhecer mais. Eu gostei bastante porque pude conversar com os jogadores e ver os jogos de perto”, afirma.
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Sábado, 22 de novembro de 2014 Giulia Alfiune
Amanda Vieira
Os donos do mundo O jornalista julga estar sempre com a verdade e o político alega sempre falar a verdade, no entanto, nem sempre funciona desta forma. Há políticos que dificultam o trabalho jornalístico ao se negar a dar entrevistas ou declarar inverdades, assim como repórteres que deturpam a informação, por interesses diversos. Mas independente de como os dois se relacionam, o fundamental é que o cidadão receba a informação correta, apurada com ética e responsabilidade. (Página 04 / Ariovaldo de Campos Júnior)
Eduardo Marins, Carla Lauton, Larissa Israel, Wagner Gonçalves, Natália Zanini, Juliana Goulart, Arthur Nunes e Caroline Ribeiro. Maurício Trez Ottani
Mãe, seu filho está bem! A frase que toda mãe ficaria feliz em ouvir se torna angustiante quando dirigida à família de um autista que ainda não foi diagnosticado. Isso ocorre, principalmente, pelas dificuldades da medicina em identificar o distúrbio, bem como pela baixa exploração do tema pelos veículos de comunicação. E, quanto mais se ouve que a criança está bem, mais o problema se agrava e promove consequências irreversíveis para o desenvolvimento do autista, que sofre em seu próprio mundo até que, um dia, o tão aguardado resgate o encontre. (Página 03 / Caroline Ribeiro e Wagner Gonçalves)
Lais Schiavolin, Jéssica Rodrigues, Paula Amaral, Luana Ruiz, Marina Coltro, Thais Nascimento, Natália Viana, Júnior Campos, Mariana Spezzoto.
Muito a ser feito Ao longo dos últimos dois séculos o papel da mulher na sociedade mudou: ela ganhou mais espaço e mais igualdade. O amadurecimento das leis brasileiras deu proteção, direitos e independência àquelas que até então eram apenas subordinadas aos homens. Porém, apesar de muita coisa ter sido alcançada, a igualdade entre os gêneros ainda não é absoluta e muito ainda precisa ser feito. (Página 06 / Dora Vitti e Elisabete Alhadas) Dora Vitti, Jamile Ferraz, Adriel Arvolea, Bárbara Silva, Gustavo Vargas, Elisabete Alhadas, Camila Chames e Raíza Tronquin.
Sanny de Lima Evangelista
Guilherme Pires
Um bem para a sociedade
Andrey Moral, Pedro Franco, Airan Prada Rodrigues, Cris Daniele da Silva e José Claudinei Júnior.
Pela rápida experiência que tive com um grupo Coletivo Piracema, vi que eles têm muito a nos ensinar. O senso de companheirismo presente no dia a dia dos integrantes é enorme. A consciência com que usam os recursos naturais é exemplar. E a vontade em promover mudanças no cotidiano e na mentalidade das pessoas é um desafio aceito e compartilhado por todos. (Página 05 / Pedro Franco)
Renato Evangelista, Romeu Neto, André Rossi, André Medolago, Luis Capucci e Gustavo Belofardi
O rugby de Piracicaba Respeito ao adversário, dedicação e trabalho em equipe. Esse é o “mantra” entoado por todos os jogadores de rugby da cidade com os quais conversamos. Mais do que uma filosofia, tais valores são colocados em prática, resultando em um esporte muito tático, leal e democrático, onde não há espaço para vaidade. (Página 07 / André Rossi)