5 minute read

Gestão da água. Desafios e oportunidades

Maria da Graça Carvalho Eurodeputada do PSD

Maria da Graça Carvalho é atualmente deputada ao Parlamento Europeu. É vice-presidente da Comissão das Pescas (PECH), membro efetivo da Comissão da Indústria, Investigação e Energia (ITRE) e membro suplente das comissões do Mercado Interno e Protecção do Consumidor (IMCO) e dos Direitos da Mulher (FEMM). Foi conselheira sénior do Comissário para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, de novembro de 2014 a dezembro de 2015. Anteriormente, tinha sido deputada ao Parlamento Europeu entre julho de 2009 e maio de 2014. Nessa qualidade, foi uma das relatores do Horizonte 2020.

Advertisement

Foi também Conselheira Principal do Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso, nas áreas da Ciência, Ensino Superior, Inovação, Política de Investigação, Energia, Ambiente e Alterações Climáticas de 2006 a 2009. Foi Ministra da Ciência e do Ensino Superior do XV Governo Constitucional de Portugal e Ministro da Ciência, Inovação e Ensino Superior do XVI Governo Constitucional. É Professora Catedrática no Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa).

“E, para decidirmos bem, devemos investir no conhecimento, tanto ao nível da atividade de investigação científica e de inovação como ao nível da formação dos cidadãos em geral.”

Entre 25% e 30% da água que é colocada nas redes em Portugal Continental, após todo o processo que decorre entre a sua captação e distribuição, nunca chega a ser faturada. A degradação de condutas e coletores é o principal motivo para este desperdício, que representa um elevado custo económico – cerca de 347 milhões de euros anuais, segundo uma

Gestão da água. Desafios e oportunidades

estimativa feita em 2022 – e, sobretudo, um elevado custo ambiental para um país que se vem debatendo, há vários anos, com crescentes problemas de escassez deste recurso essencial.

Portugal fez, há cerca de 30 anos, um investimento muito significativo na remodelação e modernização das suas infraestruturas ligadas à água. Mas os equipamentos têm uma vida útil, e é chegada a altura de se fazer a sua atualização.

Se nada for feito, não demorará muito até que os problemas que, por enquanto, se vão circunscrevendo a casos pontuais, se tornem cada vez mais crónicos e generalizados.

O nosso país tem um projeto para este setor – o Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 20212030 (PENSAARP 2030) – o qual, de acordo com o que me é permitido avaliar em função das opiniões dos especialistas, é genericamente adequado. Um plano que, contudo, e apesar de ter sido projetado para arrancar em 2022, continuava, pelo menos até há pouco tempo, por aprovar.

Este atraso é preocupante. Sobretudo quando consideramos o que aconteceu com o seu antecessor, o PENSAAR 2020, cuja execução ficou muito aquém do projetado. De acordo com os dados do Grupo de Apoio à Gestão do PENSAAR 2020, de um conjunto de 37 indicadores com metas definidas (num total de 53), apenas sete atingiram os objetivos. Do investimento previsto (2024-20), o qual ascendia a 3704 milhões de euros, incluindo 907 milhões com financiamento comunitário, apenas foram realizados 1804 milhões.

A reabilitação de condutas e de coletores foi precisamente um dos aspetos em que os objetivos não foram alcançados, a par de outros com estes relacionados, como a prevenção de falhas e avarias em condutas e de perdas reais de água.

A importância da eficiência na gestão

A água é um recurso crucial, não apenas para a nossa sobrevivência, mas para muitas atividades, do turismo à agricultura. É um bem escasso, com tendência a escassear mais no futuro. Precisamos de abordar este problema com uma visão holística, combinando diferentes estratégias e articulando-as entre si. Mas parece evidente que o primeiro e fundamental passo a dar é gerir com mais eficiência os recursos que temos disponíveis, combatendo o desperdício.

Fazê-lo implica preservar, modernizar e tornar mais eficiente a infraestrutura que temos, assegurando os investimentos necessários para esse fim.

Não pretendendo conhecer em pormenor o PENSAARP 2030, a minha impressão é que este plano coloca excessivas expetativas, do ponto de vista do financiamento, nas autarquias, nas próprias empresas e nos consumidores finais. E isto pode trazer inúmeras dificuldades à sua concretização. Porque as necessidades, em termos de infraestruturas, são muito variáveis entre diferentes concelhos e regiões. Porque a própria capacidade financeira destas entidades é muito distinta. E porque existe o risco real de boa parte do ónus vir a ser colocado em consumidores, não apenas os mais carenciados, para os quais existe alguma proteção social e jurídica, mas para as pequenas e médias empresas e para a classe média, a qual tem vindo por motivos vários a sofrer uma perda acentuada do seu poder de compra.

A alternativa é reforçar o financiamento público, recorrendo aos fundos disponíveis. E existem fundos disponíveis, nomeadamente comunitários, a uma escala que provavelmente não se repetirá tão cedo. Às verbas do Portugal 2030, já previstas no financiamento do PENSAARP 2030, embora pelos motivos atrás citados ainda não atribuídas a projetos específicos, podem e devem acrescer fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Recorde-se que, um dos objetivos inscritos pela União Europeia neste mecanismo é que

37% das verbas a atribuir aos Estados-Membros estejam relacionadas com o Clima, incluindo com a gestão da água e dos recursos marinhos.

Da escassa execução até agora conhecida do PRR português, não há nada que se assemelhe, sequer remotamente, a esse objetivo.

Outras vias de financiamento europeu, nomeadamente financiamento competitivo, associado a atividades de investigação científica e inovação, têm vindo a ser introduzidas no passado recente, com tendência a ganharem cada vez maior importância.

Quando fui relatora do anterior programa-quadro de ciência e inovação, no Parlamento Europeu, introduzi o tema da água no conjunto de atividades de ciência e inovação apoiadas pela UE. Mais recentemente, enquanto relatora da agenda estratégica do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, consegui incluir a criação de uma nova comunidade de inovação e conhecimento dedicada ao estudo de todos os temas relacionados com a água, abrangendo educação,

Gestão da água. Desafios e oportunidades investigação científica e Inovação.

Espero que Portugal possa vir a desempenhar um papel decisivo nesta comunidade. Não apenas como beneficiário, mas como interveniente ativo.

Explorar outras oportunidades

Além desta questão da eficiência, existem várias outras frentes que devem ser exploradas, todas elas ligadas ao setor responsável pelo abastecimento. Entre estas a coleta e tratamento de águas pluviais, que continua a ser uma dimensão bastante subaproveitada. Tal como a aposta na água para reutilização, que coloca desafios significativos –nomeadamente no que respeita à utilização para consumo humano – mas também oferece grandes possibilidades. Desde logo na rega agrícola e na rega urbana, atividades com um peso significativo nos consumos de água.

Ao nível da União Europeia, os países com menor acesso à água já apostam há muito nesta vertente. De acordo com a Comissão Europeia, o Chipre e Malta reutilizam, respetivamente, 90% e 60% das suas águas residuais, valores que se explicam pelo facto de serem estados insulares. A Grécia, a Itália e a Espanha reutilizam entre 5% e 12%.

Um aspeto importante a ter em conta, quando se estabelecem estratégias para este setor, é saber quais são as prioridades identificadas pela União Europeia. E os exemplos que referi integram-se inteiramente nos objetivos da EU para a transição climática, nomeadamente, no caso deste último, nos objetivos da economia circular.

É fundamental que as decisões sejam tomadas e aplicadas de uma forma informada e ponderada, com base na evidência científica, sob pena de se cometerem erros com consequências graves para o futuro do país. E, para decidirmos bem, devemos investir no conhecimento, tanto ao nível da atividade de investigação científica e de inovação como ao nível da formação dos cidadãos em geral. É isto que tenho defendido na minha atividade no Parlamento Europeu.

This article is from: