sutil é um magazine digital não-periódico e sem formato pré-definido sobre Amor, Arte, Cultura, Tecnologia, Moda & Estilo e Tendências, editado pela Puri Produções. Número 09, reedição 2017. 1a. edição digital 2013.
sutil is a non-periodic digital magazine without any pre-format defined about Love, Art, Culture, Technology, Fashion & Style, Trends, published by Puri Productions. #9, re-edited in 2017. 1st edition only digital 2013.
Todos os direitos reservados à Puri Produções 2017.
edição, capa, textos e foto da capa m.i.k.a. publisher Issuu distribuição Facebook
1a. edição 2013 reedição 2017
_Esta é uma edição inusitada. 'Chatters' foi concebido e redigido em 2013 para concorrer ao prêmio literário anual da @Prada – o 'Prada Journal' , lançado naquele mesmo ano, sob o tema 'What are realities that our eyes give back to us? And how are these realities filtered through lenses?'. Não vencemos o concurso mas, além de uma belíssima premiação de reconhecimento, se você der um pulinho no cinema, pode até ser que a gente se encontre numa das cenas. Após o resultado que liberava o texto para os autores, a @sutil
publicouo exclusivamente através de posts na nossa página do @Facebook, como uma 'novela em tempo real'. Quatro anos depois, e com o 'Prada Journal' prestes a celebrar a sua 5a. edição, estamos relançando o conto em formato 'digital book' não apenas para releitura, mas contextualizado após o surgimento de diversas outras ferramentas e aplicativos de troca de mensagens por telefonia celular e Internet, recordando o início com o ICQ, #mIRC, salas de chat com nicknames anônimos e Messeger dentre outros...
_chat ters um conto de m.i.k.a. para o Prada Journal 2013
- me mande uma foto tua. - melhor não... - oh... a curiosidade já está grande demais. - assim você gosta de mim de qualquer jeito, como puder imaginar. não corro aquele risco de você se decepcionar. - gostarei de você de qualquer jeito. - hmm... duvido. ou então vou começar a questionar o teu bom gosto. - no tengo mala leche. - rsss. - posso ser deficiente, por exemplo. - e?...
- e daí que você não gostaria de conversar sobre o que conversamos se visse que sou deficiente. - disse que gostaria de você de qualquer jeito. - mas limitaria a sua impressão sobre mim, não? - provavelmente sim, não tinha pensado nisso antes. mas daí a desgostar de você... - é, talvez você seja mais altruísta do que estou pensando, mas continuo achando que, por enquanto, é melhor você não saber como sou. - por enquanto? - é... quem sabe depois, não sei. a tua resposta tornou a conversa mais séria do que esperava.
- acho que foi a tua resposta. só pedi uma foto. - por que você quer me ver? - por que não te ver? - :-| - ok rssss. não era para ser algo tão difícil. quem sabe um dia... - tudo bem... - bem, vou saindo. preciso agitar por aqui. - falamos amanhã? - quem sabe? - chateei? - sim, aqui é um chat.
- rsss. Algumas horas depois: - não esperava a tua reação. - nunca devemos esperar uma determinada reação de alguém. criar uma expectativa restrita nos torna vulneráveis. - mas parece que não tanto quanto enviar uma foto para mim. - é insegurança minha. - quanto à tua beleza? - também. - que outra insegurança teria então? - sobre os teus critérios sobre o que é belo em alguém.
- então você se acha uma pessoa bela e apenas duvida da minha capacidade de reconhecer e apreciar? - também. - começo a achar que você é mesmo uma bela pessoa. - rssss. - é injusto porque você já sabe como sou. - quem mandou pôr uma foto no perfil da conta de e-mail? - é verdade... mas é uma foto antiga e só do rosto. - também tenho curiosidade em te ver. - aha... um dia acabamos com essas curiosidades.
- já está se tornando uma data especial rssss. - você que está criando essa expectativa toda. -
Após uma pausa... - o que ganha com isso? - ganho você. - rssss. - essa conversa já está ficando demasiadamente sensual. - estava de saída.
- tudo por causa de uma foto? por que isso é tão importante? - nunca foi. já falamos há algum tempo e apesar de ter essa curiosidade desde o início só hoje toquei no assunto. não acha que está exagerando? - é, talvez. - fique à vontade. - já estou. - e isto incomoda? - não. deveria, mas não incomoda. - deveria? - deveria. - achei que já estivesse à vontade comigo.
- não tanto quanto agora. - que bom... - não sei... acho tudo isso muito estranho. quando desligamos parece que você não existe mais, mesmo sabendo que está aí, que segue a tua vida e eu a minha e que apenas não estamos próximos. - eu sei... também sinto o mesmo... - e isso incomoda, sabe? chega num ponto em que sinto vontade de estar mais à vontade contigo mas, de repente, lembro que vamos terminar a conversa e que o fim da conversa é o fim do nosso contato. - bem... limitações do chat... - rsss.
- mas vejo isso de outro modo: acho que o chat é apenas um meio de falarmos e que a nossa relação só pode crescer porque deixará de ser apenas uma amizade de chat. sem isso nem teríamos nos encontrado. - é... estou exagerando... - tudo bem... também não gosto quando desligo nossa conversa. - vou pegar uma bebida, quer? - rsss.
De volta ao computador: - ok, ok... você tem que sair. - não está fácil.
- quer saber? para mim nunca foi fácil pôr o cursor em offline quando estou contigo. - opa... não deveria... rsss. - rsss. - é limitado, entende? normalmente conversamos durante horas e mesmo assim há coisas que ficam por dizer. - sério? o que por exemplo? - ah... não lembro. não são coisas informativas, sei lá... - hmm... - são coisas que não cabem na realidade da nossa relação virtual, mas seriam completamente espontâneas se as escrevesse.
- não lembra de nenhuma dessas coisas que ficaram por dizer? - lembro, mas não quero contar. relembrando parecem descabidas e fora de contexto. - ok... é que se passa o mesmo comigo. - isto é uma surpresa. - é... até para mim. - mas são coisas do tipo “você é o meu harém”? - rssss. - sério... essa é uma das coisas que não escrevi. - gosto... - é descabido.
- mas seria espontâneo? - sim. - interessante... - sim, tinha um contexto. não é algo tão deslocado assim, mas soa até à loucura agora. - não acho... gostei mesmo... - houve várias coisas que não escrevi também. coisas que diria para alguém com a tua proximidade se entre nós não houvesse uma interface. como você disse, limitações do chat. - que alívio! achei que parte da nossa relação era mais unilateral, apesar de me fazer bem.
- “você é a minha companhia”. - hmm... de luz, água, gás?... - rsss. - que bom. pensa em mim fora do chat? - várias vezes ao dia. - isso está ficando inaceitável. - o quê?! - termos uma relação virtual mais real do que as reais. - vou buscar os óculos. sempre esqueço deles. - para quê se ainda não mandei a foto? - rsss. ainda? - é... estou ponderando.
- se for para me manter online não precisa insinuar que vai mandar a foto. já relaxei... tinha até esquecido dela. - estou escolhendo uma. - opa! já estou com os óculos. - rsss. - tenho uma proposta. - para mim? - sim. em vez de você me enviar uma foto, aceita tomar um café num dia desses? chego primeiro no local que combinarmos e fico à tua espera. como você pode me reconhecer e eu não sei como você é, poderá sentar à mesa em que eu estiver ou desistir mesmo que tenha ido até lá para me encontrar. que tal?
- hmm... gosto da ideia. mas você vai ficar à espera sem nem saber se eu fui? - sim, marcamos um horário e um tempo de tolerância. se você não chegar, tomo um café, leio algo, sei lá... estou habituado. - então você quer um encontro... - quero. - sou deficiente. - eu também. - é mesmo?! qual é a sua? - tenho uma mão menor do que a outra. - rssss. - e a sua? - 2 graus de miopia.
- 17h? - não sei se é o momento... - é cedo ou tarde? - não, digo... se já é hora de marcarmos um encontro. - hmm... ok. de qualquer maneira prefiro ver você se for num encontro. - não quer mais a foto? acho que já escolhi uma. - melhor não... - rsss. - você é muito miope. - hahaha! nem imagina o quanto sou miope. vivo esbarrando em tudo.
- rsss. - “sem jeito mandou lembranças”, sabe como é? - copos e pratos de plástico. a solução no clube dos sem-jeito para a diminuição do índice de copos quebrados em casa são os copos de plástico. há uns bem legais em lojas de design e os de vidro deixo pras visitas. - antes fossem só os copos e os pratos... - rsss. - acho que não é só miopia. devo ter dislexia também. - por favor, não mande a foto. - rsss. - se fosse fundamental o chat exigiria foto na subscrição, não acha?
- tem um “q” de anonimato... - talvez a gente não saia daqui, desta amizade de chat. - acha pouco? - acho incompleto. - acha possível? - acho possível e incompleto. - rsss. - acho que para uma amizade de chat ser duradoura deve haver uma distância geográfica considerável entre os dois. - é... fica mais difícil um encontro. mas a cidade não é pequena e você pode estar longe ou aqui ao lado.
- pensei nisso um dia desses na rua, que você poderia estar em qualquer um dos prédios por onde eu passava ou até mesmo cruzando comigo na mesma calçada. - não deixa de ser uma realidade. - sim, mas faltava a interface. - rsss. - você é do tempo dos nicknames? - sim! já vi cada um... - então... não parece que era mais fácil conversar quando as pessoas usavam chats abertos e nicknames? - hmm... não sei... era mais fácil abordar alguém mas também muito mais rápido dispensar ou ignorar... é uma pergunta complexa.
- “teoria da interface”? - bom tema para a tua monografia. - é mesmo... vou pensar nisso. - o chat para mim nunca foi um vício. - nem eu. curti alguns a partir de meados dos anos 90 mas era algo bem menos pessoal. - pode ser devido ao desenho. ainda eram rudimentares. - pode ser. mas havia muita gente que entrou logo nessa onda bem mais intensamente. - conheceu algum nerd destes? - se conheci não sabia que era um chatter. acho que o anonimato era obrigatório.
- conheci alguns mas a maioria tratava quem não usava ou sabia o que era um chat como um idiota. - é o mesmo lance dos caras que antigamente usavam rádios PABX, walkie-talkies... - era uma nova ordem cultural. - chat or die. - rsss. - usei muito mais as salas abertas de chat, até que um dia no escritório uma colega viu a janela do browser aberta e disse algo tipo “uau! você também usa salas de chat? estou indo num encontro com outros usuários num barzinho aqui perto e se estiver afim tá convidado!”. olhei para a janela do browser e me senti meio idiota. acho que a partir dali
parei de usar com a mesma frequência. - a interface caiu. - o barzinho era maneiro. - rsss. - mas não acho que a motivação de um chat seja apenas anonimato ou privacidade. é uma ferramenta que tem a sua personalidade. - é... assim como um sms não é como um bilhete... estou gostando do tema para a pesquisa. - isso me fez lembrar de outra coisa que estava pensando noutro dia, mas você estava offline para falarmos... sobre destino e propósito. - como assim?
- a diferença entre os dois. não consultei o dicionário para saber os significados. preferi refletir um pouco sobre isso. - deve ter sido o destino. - é isso... não é uma diferença sutil mas pensamos em ambos como se fossem sinônimos. - acho que destino é algo que só existe quando ganhamos consciência de um caminho até a um acontecimento. tipo, esse tema para a monografia. parece perfeito ter surgido agora e numa conversa entre a gente, num chat, dentro do prazo em que surgiu... destino para mim é isso: a consciência da onisciência de algo que está ao nosso alcance. - e propósito seria a consciência ativa sobre o destino. uma previsão, uma coisa que se sabe que vai ou deve acontecer e que pode ter
uma participação direta, enquanto a consciência de um destino é um deslumbre... um momento em que percebemos que a gente até agiu, mas não de propósito, ou com uma finalidade tão determinada. - hmm... só posso escolher um tema para a monografia. - rssss. - o título do filme “nunca te vi, sempre te amei”, por exemplo. não soa a destino? - totalmente... - apesar de o nome original não ser este, parece um encontro inevitável, um destino, e impossível de ser um propósito. - poderia ser um desejo.
- sim... mas mesmo que seja, o título revela o tal deslumbre, a identificação de um destino, portanto impossível de personalizar previamente o outro. - sabe o nome original? - “84 Charing Cross the Road”. é baseado num livro homônimo. já assistiu? - acho que não. - também não, e nem li o livro... é daqueles filmes que só conheço pelo nome. - parece interessante... - deve ser. estou lendo a sinopse: casal que se corresponde durante 20 anos por cartas, acredita? - rssss.
- é muito chat. - hahaha. - boa desculpa para um segundo encontro. - isso já é propósito. - é o futuro do propósito. - mesmo sem me ver? - no segundo encontro já teremos nos conhecido pessoalmente. - mas podemos não gostar um do outro e evitar uma segunda vez. - sim, podemos. e podemos até gostar, mas a miopia e o tamanho das mãos podem inviabilizar tudo. - sem falar na dislexia.
- isso então... - grandes possibilidades de ser um fiasco. - é... ficar perguntando se quer a mão esquerda ou a direita a todo momento é desagradável. - rsss. - vê muitos filmes? - acho que não... conheço pessoas que são verdadeiros cinéfilos, colecionadores. não perdem um filme indicado aos principais prêmios e sabem de cór até o nome dos coadjuvantes dos clássicos. aprecio moderadamente. - como com a bebida? - mais moderadamente.
- não tem a ver com a Internet? - hmm... acho que não. não no meu caso. gosto de ver filmes no cinema, em DVD e na TV, e vi poucos até hoje pelo computador. - é ótimo, principalmente para recuperar lacunas de filmes que perdeu quando estavam em cartaz. - acho que mantive um carinho especial pelas salas de cinema. elas me cativaram na infância, quando ia com a família. eram salas ainda pomposas, algumas mantinham a arquitetura art nouveau como as salas de teatro, com as cortinas vermelhas, os baleiros e pipoqueiros à entrada, o lanterninha... - são raras hoje em dia.
- sim... claro que curto os multiplex com seus acentos poltronados, braços com portarefrigerantes e som doulby-surround. - as pequenas salas de bairro tinham o seu charme. - eram as salas de namoro. - rsss. - tem alguma janela aí perto com vista para o céu? - hmm... sim, daqui vejo o céu. - então observe... - o quê? - consegue ver um astro cruzando o céu? - deixa eu me aproximar mais... não, não vejo
nada. mas o céu está muito estrelado. - há um meteoro entrando em nossa órbita neste instante. - que legal! e dá para vê-lo a olho nu? - acho que não, mas estou procurando. chamase Eta Aquarids. - queria ver... será que dá tempo de ir até ao observatório? - espere... - que foi? [ cutucada ] - olá.