sutil #16 - 2006/2010

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Número dezesseis MAGAZINE DIGITAL DE AMOR, ARTE, CULTURA TECNOLOGIA, MODA TENDÊNCIAS ETC

NÃO FAÇA O QUE EU FIZ / A HISTÓRIA DA PRODUTORA POSE & EFFECT É UM FILME / UMA AUTO­BIOGRAFIA SOBRE OS BASTIDORES E AS CURIOSIDADES DA ETIQUETA DEDICADA À DIVULGAÇÃO E INTERCÂMBIO DA MÚSICA MODERNA DOS PAÍSES LUSÓFONOS / 2006­2009


TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À PURI PRODUÇÕES 2019.

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sutil é um magazine digital mensal e sem formato pré-definido sobre Amor, Arte, Cultura, Tecnologia, Moda & Estilo e Tendências, editado pela Puri Produções Número 16 sutil is a digital magazine released monthly without any pre-format defined about Love, Art, Culture, Technology, Fashion & Style, Trends, published by Puri Productions #16

pose & effect's world wide web/ a banda @Dubstereo formada por alguns integrantes do @MinistereoPúblico, soundsystem de Reggae de Salvador da Bahia que mudaria a cena local a partir de suas festas underground


pose & effect's world wide web/ 1999-2009

CIDADES ONDE A PRODUTORA ATUOU DURANTE A DÉCADA ATRAVÉS DA REPRESENTANTE BRASILEIRA

CIDADES DE ATUAÇÃO DURANTE A DÉCADA EM NOME INDIVIDUAL




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2

006 chegou exigindo mudanças. Estava mais workaholic do que nunca e pouco exercia alguma atividade física constante, o que somado aos horários irregulares tinham

causado um indesejado aumento de peso. Varava madrugadas. Não digo 2 ou 3 dias por semana… Ficava ligado to­das­as­ma­dru­ga­das. Todas. A minha agenda tornara­se anual: o Verão europeu em turnê e realizando eventos; 2 ou 3 meses de pausa mais afeto à família, aos amigos e exclusivamente ao jornal português que dirigia simultaneamente num timming que coincidia com a chegada do Outono­ Inverno e com as festas de fim­de­ano; e os restantes 7 meses em pré­produção frenética.

O trabalho de managment e booking com os Seletores de Frequência havia ganhado preponderância na


produtora, e comecei a regressar ao foco de intercâmbio cultural lusófono, porém apostando ainda mais no grupo: sugeri ao BNegão começar a pensar num novo álbum aproveitando o que conquistamos após aquelas 2 tours tentando manter os mesmos contatos como base para ampliar os horizontes na próxima viagem.

Há mais de 3 anos usava as férias da redação para cair na estrada, e quando a trupe partia e o descanso sentia confundia o estado de relaxamento com tédio e reiniciava um outro ciclo no 220w. Marito, Bruno e Carlos estavam sempre envolvidos, em maior ou menor grau. Mas talvez a partir daquele ano uma figura ganharia tanto ou mais relevância do que estes para a Pose & Effect: o amigo, colega de profissão e irmão do compositor Manel Cruz, Marcos.



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A

pesar da familiaridade com o músico que ouvi assim que pus os pés no Porto, a ligação com Marcos era exclusiva. Encontrava o Manel de vez em quando e

quase sempre acompanhado pelo irmão 'preto' – como era chamado pela Marta, a irmã que dividia o apartamento com ele. Cruz era repórter da seção de Cultura de um jornal do mesmo grupo de comunicação do qual eu atuava e que dividia também o mesmo prédio. Além disso, o tal apê era praticamente na mesma quadra do endereço da redação, e o cara é um dos maiores colecionadores de discos de Black Music da cidade, portanto era mais fácil sair do trabalho para jantarmos e reunir do que não reunir…

Tinha convicção de uma coisa: para que a nossa razão social fosse cumprida teríamos que estruturar


a própria cena como alternativa. Por um lado, não havia agenda de artistas portugueses atuando fora de Portugal e o desconhecimento no exterior era quase completo – com exceções para gente como o grupo @Madredeus e os metaleiros do @Moonspell. Na via contrária, muitos brasileiros, angolanos, cabo­ verdianos. guineenses e moçambicanos passavam por lá, mas de um nível de produção que só contemplava alguns nomes que fossem capazes de encher casas de shows de médio e grande portes após desfrutar de boníssimos hotéis e restaurantes… Nada contra se isto não significasse aquele hiato oceânico entre os países de língua portuguesa que referimos no início desta bio, quando o desconhecimento sobre a efervescência atual no panorama de cada um era ainda maior do que nos dias de hoje, principalmente quanto à música moderna.


Estes devaneios nutriam o novo ano de trabalho. E, enquanto as soluções viáveis não surgiam, produzia no Porto coisas como a festa #OuroNegro, uma espécie de parceria da nossa primeira #HorizonParty com o dj set cada vez mais envenenado do Cruz que andava gastando boa parte do seu ordenado com CDs de Funk e Soul importados pela Internet naquela fase pós­#Napster. Junto com o mesmo produtor do @HardClub e vocalista da @Zen @Gon, uma banda local oriunda das fusion jazz sessions da ESMAE [ Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo ], chamada @InsertCoin mais um 'cantinho' maneiro cedido pelo mítico @TeatroSádaBandeira e nós com uns gatos amigos pingados atravessávamos mais uma noite às claras propondo sonoridades na Baixa da cidade.




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A

quele feeling logo se confirmaria. Apesar de a @LaFabricadeChocolate ter voltado para agenciar um festival em Pontevedra para os Seletores de

Frequência ­ mais a Norte de Vigo e ainda na Galícia ­, não conseguiríamos virar uma tour na mesma pressão anterior. A produção galega bancava uma verba que cobriria as despesas com as passagens aéreas, mas como o show já havia sido apresentado e repetido nas 2 estações anteriores com os produtores­parceiros, não houve atração suficiente e esticamos apenas até à 'casa' Barcelona para mais uma atuação na @SalaApolo ­ desta vez como cartaz principal da bombadaça @CanibalSoundsystem.

Aliás, as passagens desde o Brasil até à Europa sempre foram o nosso desafio logístico e financeiro


no planejamento das turnês. Com um grupo de no mínimo 5 elementos, onde invariavelmente precisávamos incluir o @FlávioCanetti na técnica de som e um roadie, virar uma gig que garantia tal custo era consolidar a temporada, não fosse a falta de um novo disco que somasse ao 'Enxugando Gelo'.

Porém a bola não estava 'só' do lado de cá: naquele início de 2006, Bernardo ligaria dizendo que estava investindo ainda mais no projeto @TurboTrio e que estavam lançando álbum pela @YBMusic. A duplicação já tinha causado problemas internos com a banda no Rio, mas mesmo temendo que a parada pudesse conflitar, topei montar uma turnê também para o lance mais eletrônico, enxuto e para as pistas. Deu tão certo que ­ sem nenhum demérito para a banda ­, 2006 acabou sendo o ano do Turbo Trio.



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F

oi nesta altura que a produtora explodiu. E, como em qualquer explosão, houve o sempre almejado 'boom' e os indesejados danos. Mas até ao final

desta edição o leitor entenderá melhor tal sentença… Por hora, vamos ao fator @AnoukPiket:

Como referi na @sutil #08, já havia tentado levar os Seletores de Frequência até à Holanda através dela, um contato distante pois ainda não a conhecia pessoalmente. Entretanto, com o anúncio do Turbo Trio como integrante também do nosso casting com um disco saindo do forno, a produtora se empolgou com o formato, com o que fizéramos até àquela fase com a banda, percebeu que o custo estava bem mais viável para as suas próprias produções e começou a se mover neste sentido.


E aconteceu. A esguia e comprida holandesa lutadora de muay­thai e ex­moradora do Rio simplesmente colocou a gente numa parada chamada @DunyaFestival em sua cidade natal Rotterdam, alavancando a turnê onde, além do show, ministraríamos uma oficina de Hip Hop a cargo da instituição @Roots&Routes, e ainda co­produziu uma outra gig já em Amsterdam no clube @SugarFactory.

Se antes eu tinha um artista tomando demasiado espaço na produtora, a partir daquele momento passei a ter 2. Precisava dar seguimento aos contatos para realizar a turnê dos Seletores e simultaneamente seguir montando a do trio de bass.

E sim, claro… dirigia o jornal, que era o mais vendido em Portugal.



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A

s reuniões com o Marcos e com o Marito prosseguiam e as dificuldades em fechar mais shows para a banda também. Como pode entender não se tratava de uma

questão de tarefa, onde a gente simplesmente vai escolhendo e fazendo coisas mediante a prioridade, urgência ou preferência. Numa produtora, ou você 'trabalha' o artista ou ele despenca de suas mãos. E, na melhor das hipóteses, cai em outras que o poderão ajudar mais.

Então, continuava tentando. Considerava que se não virasse uma tour naquele ano e se até ao seguinte a banda não lançasse um outro álbum, todo o feito esmoreceria, e eu provavelmente sairia fora. Numa das madrugas andando pela sala a refletir no assunto é que, olhando para um cesto de palha onde


largava umas revistas e jornais, dei de cara com a edição número 1 da revista #OutraCoisa – que a estampava na capa e que havia lançado o CD da banda ­, e tive um 'eureca!': que tal lançarmos uma edição da Outra Coisa em Portugal?! Somos jornalistas, designers, produtores, músicos…

Para quem acompanhou e para quem não viveu essa época, a Outra Coisa foi um projeto editorial que casava uma revista sobre cultura [ música primordialmente ], e um álbum inédito encartado. O lance foi consequência de uma febre do final dos anos 90 quando o publisher @Lobão sacou que aquele esquema de impressos+CDs promo ou ROM que lotavam as bancas de jornais eram um excelente canal para distribuir discos. Muita gente foi lançada pela revista, e o 'Enxugando Gelo' estreou o projeto.


Não era viagem [ ou era, acabou sendo… ]. Mas naquelas 3 ou 4 da matina levar a Outra Coisa para Portugal com o Marcos Cruz a editando comigo era tão obviamente promissor para enfim consolidar o vai­e­vem entre os 2 países que, no mesmo dia, estávamos – ok… sem grandes esforços ­, reunidos.


pose & effect's world wide web/ o trompetista @PedroSelector numa champagneria em Barcelona durante um day­off. Este tipo de casa seria uma das inspirações da cervejaria @TetoSolar aberta pelo Flávio Canetti no Rio anos mais tarde



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F

alei com o Marcos e com o Bernardo e ambos toparam a ideia. O negócio ganhou combustão rapidamente nos dias seguintes com o 'irmão preto' revelando que o

Manel estava produzindo há anos um álbum solo cheio de participações especiais em seu próprio estúdio caseiro, mesmo tendo uma longa e reconhecida carreira nacional com a banda @OrnatosVioleta e um grupo paralelo recém­lançado e também contratado por gravadora ­ o @Pluto. Já BNegão dava retorno de que o Lobão também ficara interessado na proposta e começamos a alinhavar uma reunião com todos os envolvidos no Rio de Janeiro.

A notícia de que o Manel Cruz estava gestando um novo trabalho 'caiu como ginjas', como se diz em Portugal… Fui até à sua casa para batermos aquele


papo e estava empolgado com os poucos esboços que chegou a mostrar. Era interessante. Estava se descurando das formas de banda para arranjar as suas canções usando mais teclados e percussões do que guitarras e bateria, mas tudo bem mais comedido. Uns barulhinhos, uns pianinhos quase soando a brinquedo, ruídos incidentais… Mas eram igualmente canções e mantinham a cara do Manel. Pareceu certíssimo apostar naquele projeto para inaugurar uma Outra Coisa edição portuguesa, e para ser o 1o. álbum de um artista português na edição brasileira, consolidando assim a nossa pauta para o tal encontro.

Como ainda tinha uns poucos dias de férias do jornal na gaveta, em Abril – já Primavera na Europa e um Outono carioca ameno ­, eu, Marcos e Manel


embarcávamos para cá para prioritariamente tentar intervir de maneira considerável e pragmática na relação musical no espaço lusófono. Mas não sem antes tomar morfina…


pose & effect's world wide web/ flagrante do @ChucruteComFeijão durante a apresentação do @SonicJunior no #Popkomm 2006, em Berlim. O alagoano foi uma das atrações num evento que foi dedicado à música brasileira naquela edição, e que contou com BNegão & os Seletores de Frequência,@NanáVasconcelos e @ChicoCésar como convidados



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C

erto dia, em meio a todo aquele reboliço, comecei a sentir um estranho mal­estar. Não era nada parecido com o que já havia sentido em qualquer fase da minha vida e

não era localizado. Hoje, sei que era algo de ordem sensorial, mas naquela semana talvez nem isto me serviria de conforto.

Chegou o sábado e fui dar uma caminhada na praia porque estava cada vez pior. O vento ainda esfriava mas as tardes já eram ensolaradas. Sabia que andava precisando cuidar do meu preparo físico… Alguma coisa estava acontecendo.

Até que um dia quase ao final do expediente saí da redação e fui direto para o #HospitaldeSãoJoão. Lá, após ½ dúzia de perguntas e uns exames, o clínico


geral disse que devia estar estressado, e me receitou um anceolítico. Não lembro se deixei o consultório já medicado, mas a cartela seria pouco consumida…

Uma ou 2 noites depois, em casa, trocando ideia com o Xmiz pelo telefone [ Carlos 'Camisas', na forma como depois passamos a chamá­lo ], o tal mal­estar se agravou e somatizou nas costas. Tinha tido problemas na região após a turnê dos Seletores de 2005 e a sessão de acupuntura havia resolvido, mas as dores voltaram e não eram as mesmas. Corremos para o #HospitaldeVNGaia com ele ao volante. Ao entrarmos pela porta da urgência, abordei uma equipe de enfermeiros que, ao me verem, devem ter percebido que eu estava ferradaço e me puseram imediatamente numa maca. Uma sacou aquelas 2 ou 3


perguntas básicas enquanto me atava ali e saiu fora me deixando a olhar para o teto e a ouvir o zum­ zum­zum ambiente cada vez mais embolado entre ecos de vozes, sirenes de ambulâncias no exterior e conversas entre os médicos.

De repente, ela regressou com uma seringa enorme. Disse como de praxe que aquele medicamento iria aliviar as dores já aplicando a injeção na minha veia. Àquela altura, acho que por eu ter perguntado se sabia o que eu tinha, respondeu que parecia ser uma crise renal. 'Droga…', pensei. Claro! Já tive uma crise renal quando era criança e não tinha pensado nesta hipótese durante os sintomas. Mas a ampola começou a fazer efeito e não consegui prosseguir com aquelas ilações… Só lembro que em meio a uma estupenda sensação de alívio agarrei­a


pelo pulso com a força que ainda tinha antes de me deixar ali marando para saber o que era aquilo que tinha injetado, ao que ela respondeu que era um coquetel de morfina.



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A

primeira saída de casa depois daquela situação dificilmente poderia ter sido melhor, mas antes tenho que contextualizá­la:

De vez em quando ia também para um estúdio ensaiar. Digo, não chegava a ser um ensaio porque não havia um set list… Havia eu e o outro Bruno ­ sem ser o do Yoga ­, um baterista que tinha uma cópia da chave da sala de ensaios do Manel que ficava dentro de um shopping semi­abandonado no centro da cidade, onde diversas outras bandas ocupavam lojas com a mesma finalidade, sendo conhecido como um dos points do Porto mais frequentados apenas por músicos. A gente simplesmente combinava, se trancava lá e ia improvisando durante horas derrubando umas bocks. A parada quase ficou mais


séria quando o Edgar comprou um saxofone e um amigo jornalista e apresentador em uma TV local chamado Jorge entrou lá numa noite com um baixo, mas o Bruno já tava num outro patamar e tudo acabou em mais brejas e noutros freestyles a dois.

Pois estava eu recuperando da porrada quando o Xmiz avisou que uma banda chamada @Mosh formada pelo baixista @MiguelRamos do Pluto e pelo guitarrista @MiguelAzevedo ia lançar o seu 1o. álbum numa casa em Aveiro. Ambos eram amigos do Bruno e iríamos todos juntos com as namoradas e o escambau.

Não iria conduzir, mas a parada ficou longe da leveza: o grupo era praticamente stoner, e, ao vivo, num pub de interior de construção pedregosa típica do Norte do país, com a temperatura ainda


baixa e serenando no exterior, de duas, 1: eu resistiria ou iria voltar para o hospital em Gaia naquela madruga.

Foi um dos melhores shows que assisti em Portugal. 'The Damage Done' foi produzido entre Outubro e Novembro de 2005 pelo renomado @MarioBarreiros e concluí naquele instante que estávamos mesmo prontos para o que viria pela frente.



pose & effect's world wide web/ com @GabrielMuzak e uma amiga no camarim da Sala Apolo em 2006, quando os Seletores de Frequência atuaram pela 2a. vez na festa catalã Canibal Soundsystem com participação da banda @Macaco




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O

encontro no Rio foi combinado num restaurante no Leblon à hora do almoço. Lobão chegou um pouco depois de nós. Mais atrás a @Pitty dividia a mesa com o seu

empresário @MarcelloLobato, da @NaMoralProduções. A primeira grande notícia foi que a própria manager do publisher e roqueiro que o acompanhava era portuguesa, de Figueira da Foz. Prosseguindo, a reunião foi produtiva e as nossas propostas aprovadas, inclusive quanto ao lançamento do Manel Cruz aqui no Brasil.

O esquema ficou consolidado: a edição portuguesa seria completamente independente da brasileira, ficando apenas a cessão de uso da marca em troca da divulgação e o intercâmbio entre as redações e os artistas lançados. Ninguém seria obrigado a lançar


ninguém na revista um do outro, mas haveria este bate­bola para viabilizarmos a importação e exportação dos álbuns de bandas e algumas matérias afins.

Naquela mesma semana, o @Mombojó iria tocar no @CircoVoador, e fizeram o convite para chegarmos lá e conhecermos uma das relevações da revista. Topamos. E, por mais que o Manel tivesse habituado aos palcos e passasse a maior parte do dia dentro do quarto do hotel por conta do Sol, percebi que tanto o show quanto o local o impressionaram…

O Mombojó foi de fato uma das melhores paradas que surgiram no Recife na década passada, e sinceramente graças àquele 'NadadeNovo'. Os caras estavam bem empolgados e soaram mais barulhentos


que no CD, com ganho considerável de noise e punch nas guitarradas e no baixo. Ao final houve aquela confraternização no camarim mas nem imaginávamos ainda que quase 2 anos depois o grupo estaria com a a gente atuando em Portugal.

Manel nunca disse isto, mas uma parte do seu álbum mais tarde batizado de 'Foge, Foge, Bandido!' foi escrito aqui durante aquelas horas dentro do quarto e inspirado nas poucas praianas cariocas que pegou conosco. Numa delas, em Ipanema, no dia seguinte ao Circo, rolou um contra­tempo: parei o carro numa rua transversal à da praia que já não lembro qual foi e logo chegou um flanelinha. Beleza.

'Ên­hún­õ..', disse algo assim o rapaz, tentando combinar o custo/hora do estacionamento. Olhei para


os 2 irmãos e ninguém mexia nem um pêlo. Pensei que talvez só eu é quem não tivesse entendido o que tinha dito e perguntei pelo seu nome. 'Ornildo', balbuciou.

Beleza, entendi. Falei alguma coisa mais para confirmar se iria ficar por ali mais um tempo e ele voltou a falar em monossílabos estranhos…

Tinha avisado ao Muzak [ guitarrista dos Seletores ], que eu iria levar os caras em Ipanema para conhecerem uma outra praia que não fosse a da Barra e ele ia encontrar com a gente dali a alguns poucos minutos, então, deixei o desentendimento para lá, enfiei a chave na bermuda e fomos.

O lance foi que aquela distração fez com que eu


chegasse na praia e fosse mergulhar com a chave ainda no bolso, e o carro era alugado. Passamos um final de tarde ali, pôr­do­sol etc e tal e quando levantamos para sair fora cadê as chaves?!…

Muzak nos acompanhou ainda até ao carro e ao desenrolar da situação, conheceu o Ornildo e, após algumas chamadas, regressávamos para o hotel de reboque.




c­apí­tul­o47


Q

uando o Verão de 2016 chegou o calendário da produtora estava mais agitado do que nunca. Não havia a tal turnê para os Seletores de Frequência, mas tínhamos

confirmado aquelas 2 datas em Julho na Espanha. Na revista, conseguimos montar juntos toda a logística que envolvia projeto gráfico e editorial, pautas, colaboradores, artistas a lançar, gráfica, distribuição, jurídico e comercial [ e quase tudo seria concluído até ao final do ano ]. Mas, para começarmos a meter o pé na estrada, a tour do Turbo Trio, passando por Rotterdam, Amsterdam, Porto e Vigo.

Foram 7 dias na Holanda. Do aeroporto na capital até à terra da Anouk a viagem nem é tão longa, e ver pela janela aquelas típicas vaquinhas


holandesas malhadas de preto e branco nos pastos à beira da rodovia como aparecem nas embalagens de leite e iogurte é divertido. Lá, ficaríamos num dos melhores hotéis em que já estive na Europa, tanto que ao entrarmos no saguão após o check­in, fomos para o hall dos elevadores e quando a porta de um deles se abriu saiu de lá a seleção principal de futebol da República dos Camarões, que faria um amistoso no estádio local logo mais à noite.

Nos quartos, assim que alguém ligou a TV surgiu a @NaçãoZumbi ao vivo num canal britânico. Era uma sensação diferente a de se sentir rapidamente à vontade em Rotterdam. A cidade é conhecida por ser plana, por ter sido bombardeada na 2a. Guerra Mundial e ter ressurgido com a sua arquitetura tradicional de construções de baixa e média


estatura entrecortada por espigões ultra­modernos, e isto é perceptível de certa forma… Rola uma adaptação quando se chega aos países baixos – porque estão abaixo do nível do mar.

Dali para um rolé com a produção do festival e nos inteiramos melhor sobre a programação: antes do show, 2 dias de oficina com a Roots & Routes com jovens rappers, tanto garotas quanto rapazes, oriundos de países como Suriname, Etiópia e Eritreia, num espaço cultural com decoração tipo mexicana…

Beleza.


pose & effect's world wide web/ flyer da festa #Rumble5 produzida junto com o coletivo português @hardlinerz no barco­boate @PortoRio, alinhando BNegão e Bob Figurante durante um brecha na turnê de 2004



capít­ulo48


É

claro que a experiência dos 3 fez com que aquele workshop fosse mais produtivo do que formal, mas a liga que deu superou qualquer expectativa caso alguém ali presente as

tivesse anteriormente. O primeiro dia foi totalmente dedicado ao freestyle, troca de ideias para elaboração das partes de cada MC, composição das batidas em simultâneo… Ficamos horas ali trancados numa sala do centro cultural numa vibe muito mais de roda de rimas do que de uma explanação teórica sobre o que é o rap.

Uma referência daquele trabalho organizado pelo Dunya Festival são os programas atuais de calouros. Muito bastidor, arranjos, correções e incentivos até à subida ao palco para a execução, que, no nosso caso, foi logo no dia seguinte.


O resultado que eu e a Anouk víamos da plateia naquele anfiteatro ainda era só um começo. Revelações como o @Zillion e a @Balance deram não apenas em amizade mas se tornaram partes de um dos projetos de hip hop com participação de algum brasileiro mais interessantes que já ouvi, o @Wallbangaz. E isto graças ao investimento posterior do Alexandre Basa, que deu prosseguimento ao trabalho após a turnê, reunindo os caras e produzindo o 1o. álbum 'Dirt From the Streets', com shows de lançamento tanto lá quanto aqui no Brasil.

E, ainda por cima, o agito formou uma crew antes sequer de termos pisado na área onde se desenrolava o festival de World Music, que estava lotado quando subimos ao palco para a montagem dos equipamentos e uma rápida passagem de som.



ca­pí­...49


É

uma pena eu não lembrar mais o nome dele, mas quando o cara de Myanmar ­ ou seria Tailândia? ­, se destacou da galera que estava em grupo na lateral em cima do palco

para anunciar a estreia europeia do Turbo Trio era difícil prever aquele lance: 'Rio 50 grau / Quem não aguenta passa mal…' começou bombando as caixas e destoava bastante do cartaz do evento, mas isto é previsto num festival multi­étnico e tão heterogêneo em estilos como o Dunya. Depois de checar se tudo estava rolando nos conformes, desci e fui sentir a pressão desde baixo, da turma da grade, e os holandeses estavam curtindo o show. Ponto para todos numa grande jogada da Anouk.

O ambiente foi ganhando clima de baile mesmo sendo quase um descampado no meio de uma floresta. O


pessoal do Roots & Routes também participou nos mics em alguns temas, fazendo o público aderir de vez.

Ficamos por ali depois da apresentação sacando outros shows e pelo disse­me­disse de alguns da plateia que colaram, um dos efeitos colaterais foi que estavam curiosos também com o show dos Seletores, pois haviam lido algo a respeito na divulgação e imaginavam como seria aquilo que assistiram em padrão de banda…

Saímos só à noite e o bonde desceria em peso para Amsterdam.



c­a­pí­tu­lo50:D


E

m Amsterdam o nível de surrealidade aumentou consideravelmente. Anouk nos instalara num barco­hotel ancorado num dos inúmeros canais que cortam a cidade,

ancorado a poucos metros do Museu de Van Gogh – uma das áreas mais concorridas. Naquele esquema Popeye onde a tripulação éramos só nós, tive um dos poucos dias livres em que tanto eu quanto o Bernardo fomos para o mesmo lado e juntos: já que o museu estava abarrotado e algo imbecilmente pareceu­me acessível num outro momento, fomos parar numa exposição da @WorldPressPhoto, que reúne as imagens publicadas e eleitas como as melhores de cada ano por categoria.

Valeu tanto a ida quanto a volta. A capital holandesa é movimentada mas por pessoas caminhando ou usando bikes, como exceções dos trans de


superfície que se deslocam em baixa velocidade e umas raras avenidas internas onde é permitido trafegar de carro. A gente vai meio que se perdendo e se reencontrando usando os canais como referência entre inúmeras vitrines apelativas e as centenas de coffee shops.

Os cafés não são todos iguais como se imagina. Aliás, é justamente a busca pela personalidade própria que faz daquele o circuito mais famoso do Mundo. Em geral, há os chás e bebidas que não dão revertério junto com o consumo de cannabis e derivados. A maioria também têm os chamados 'space cakes', que são bolos e tortas preparadas com a planta, mas estes sei que muita gente tem zique­ zira só em comê­los mesmo sem consumir líquidos, pois agem via sistema digestivo.


Os cardápios são variados como nos restaurantes e nem a decoração ou os ambientes são freaks. São mais tipo pubs; dos mais simples aos requintadíssimos. Claro que têm sempre os temas típicos [ como a premiada 'white widow' ], mas as cartas são montadas de acordo com as safras, pós­ produções e após passar por rigorosos controles de qualidade e eleição através de concursos internacionais como o @CannabisCup. As 'sedas' são gratuitas e dispostas em recipientes sobre as mesas e balcões para que a lei seja cumprida: na Holanda, só se pode consumir maconha nos coffee shops ou em suas próprias residências, e não em vias públicas.

Naquela de café em café que na real só os turistas de primeira viagem fazem voltei para o que eu já batizava mentalmente de 'o pequeno barco do amor'


depois de reparar que afinal aquele maconhal todo que nem toda a população consome criou – ou sublinhou ­, um estado coletivo muito particular na Amsterdam pós­Guerra.

Ao reembarcar no hotel, dei de cara com uma amiga de São Paulo e uma assistente da Anouk com o Tejo e o Basa sentados na mesa do convés onde havia um girassol enorme dentro de um vaso com água, e o Popeye dono do barco de quepe perguntando algo para a tripulação tipo 'tá tudo bem por aqui?'.



ca­pí­tu­l...51


N

o Sugar Factory o esquema já foi outro e confirmava o que havia sentido ao comparar o Turbo Trio com os outros nomes do cartaz em Rotterdam. O clube de

médio porte para os padrões europeus era dedicado à pista de dança, com telão por trás do palco para veejaying ­ mesmo que fosse alguém da casa a passar as imagens ­, e dividia a rua com outros espaços para shows ou dança, a tal área do agito.

O trabalho que a equipe do clube realizou parecia até o de integrantes do nosso staff tamanha a personalização. Chamemos isto pelo nome: profiça. A iluminação era baixíssima com ocasionais feixes de luz branca, verde ou violeta 'rastreando' a galera anunciando um clima drum n'bass; as projeções jogavam muito mais com a iluminação do que roubava


a atenção para o palco, privilegiando figuras triangulares em movimentos lentos e tons suaves… Aquela era a proposta dos caras que tinha ouvido pela primeira vez através de uma mp3 que o BNegão trazia no iPod antes de explodirem bombas em Londres durante a turnê dos Seletores em 2005, e ali rolava com toda uma amostragem estética.

Não vi muitas apresentações deles, mas agora, ao descrever, me dou conta de que talvez aquela tenha sido a melhor dentre elas…

Ao final, já na rua de mochilas e cases sob um sereninho enjoado mas pacífico, alguém sugeriu cruzarmos o Bairro Vermelho como opção de caminho de volta para o barco do Popeye... E é este o problema numa turnê: neguim não pára quieto.



#%*@$!...53


D

eixei Amsterdam como sendo um lugar onde seria difícil não regressar… Isto porque quando se vai morar num outro continente há uma compulsão, uma vontade de

conhecer o máximo de cidades e países possíveis durante aquele tempo que não se sabe até quando vai durar, e que portanto sempre dá uma sensação de desperdício retornar a alguma já visitada ao invés de partir para uma outra.

No nosso caso a volta para casa também amplificava aquele momento. A próxima parada seria o Porto e as coisas estavam planejadas para serem bem diferentes das gigs anteriores. A começar pelo local, pois a gente iria participar da festa anual #40Horas do moderno @MuseudeSerralves, o que fazia o Turbo Trio figurar em tudo quanto é caderno de cultura e


cartazes de rua durante aqueles dias ao lado de artistas como o @Supernada; depois, porque a hospedagem não seria na pensão maneira da Cedofeita, e sim num parque para camping a pouco mais de 1km da minha casa, no litoral Sul do Grande Porto, onde eu já vivia há mais de 1 ano e que também era a área do Xmiz. Isto facilitaria tudo, desde poder continuar levando as crianças para a escola no Porto à hora do almoço a estar com eles quando retornasse do jornal caso fosse necessário, assim como para o Carlos na assistência. Se fosse reunir, beleza, era só chegar no camping; para rangarem ou dar um rolé, tinha os quiosques na praia ou os pontos onde já estávamos habituados a frequentar. Mas, apesar do plano ter dado resultado sob tais premissas, não conseguimos afixar completamente a equipe em Gaia, principalmente


devido aos convites dos amigos, como a turma do Nuno, que era vizinho do camping mas que havia ido dividir um apê em frente ao do Manel.

O camping era outro lance quase tão diferencial quanto o barco na Holanda porque ocupa uma área


florestal enorme junto à linha da costa de Gaia, com bancos de praça, parque infantil, churrasqueira e muito espaço para os turistas com trailers, mas os dormitórios fixos são verdadeiros casebres adaptados com forração adequada, camas, mesas de escritório e banheiro privativo, como num tour bus. A amiga paulista só não topou porque tinha ido para a Europa para pesquisar in loco os azulejos azuis e brancos portugueses que decoram algumas igrejas e fachadas na Baixa, preferindo então a pensão.

pose & effect's world wide web/ com Xmiz no show de lançamento do 1o. álbum da banda portuguesa @Mosh 'The Damage Done', em Aveiro, Portugal, a 1a. saída depois de uma crise renal no início de 2006. Ao lado, o parque de camping em Gaia que hospedou o Turbo Trio



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A

apresentação no Museu de Serralves estava inserida na programação da madrugada naquelas 40 horas ininterruptas de festa, num tal de

'palco no prado', com shows entre à meia­noite e às 4 da matina. Não é um certame muito fácil de descrever apesar de serem comuns eventos ao ar­ livre e indoor com um espaço realizador central em torno das quais as coisas acontecem… É que tentando estabelecer alguma referência, é como se toda a Praça Mauá e alguns armazéns próximos na zona portuária fossem cercados para uma programação especial, onde a entrada seria igualmente 0800 mas com diversas atividades acontecendo tanto dentro quanto fora do @MuseudoAmanhã e do @MuseudeArtedoRio, desde peças teatrais a exposições, cinema, grupos de dança, de circo, de


marionetes e de música, com o diferencial de que Serralves é um parque e jardim localizado na área mais nobre da cidade do Porto, entre o litoral e a foz do rio Douro.

Começamos os trabalhos em torno do horário marcado para as 2 da manhã para o show do Turbo Trio e com o término do festival previsto para as 6, quando #Xoan deveria ainda estar presente para levar o grupo para Vigo na sua van enfumaçada, onde encerraríamos a turnê [ não pude ir a esta apresentação no La Fabrica de Chocolate e ficamos sem informações precisas suficientes para integrá­ la a esta bio ].

O local estava abarrotado de gente. A ordem era que o Supernada do Manel Cruz abriria a noite às 00 em


ponto e foi o que aconteceu. Formou­se ali uma turminha do gargarejo narrativamente dispersa mas totalmente espontânea que misturava nós da Pose & Effect, o Xoan agente para a Galícia, o Marcos do Manel e da Outra Coisa portuguesa e os amigos transeuntes correspondentes a cada um. A banda agregou todo o restante com canções como 'Novos Planos Para Fugir' reforçando uma vez mais que o cara era a figura da área e a apostar em qualquer lance que citasse a música portuguesa.

Uma hora depois, tanto antes quanto a seguir ao trio brazuca, o @DirtySoundSystem fez a sua prestação e deu a liga para o baile. Mas quando BNegão chegou ao mic o impacto foi mais sentido do que a própria plateia mais informada poderia supor… Aquele negócio de Funk carioca do qual tinham uma


pequena noção e que se mesclava ao imaginário com projetos luso­africanos na vibe do kuduro, começou a mostrar a força e identidade desde as primeiras batidas, surpreendendo também na distância lírica do apelo sexista do qual tinham ouvido falar sobre o estilo.

O público estava habituado à onda e curtiu. Os três ficaram muito à vontade num palco enorme tipo os de festivais mas de média altura em relação ao solo, e no Norte de Portugal há uma das cenas alternativas de bass culture mais interessantes da Europa, tocada basicamente por coletivos e produtoras underground.

Quando o dj francês @Pilooski terminou o seu set já ao amanhecer perto das 7 da manhã, Xoan cumpriu o


combinanço e arrastou os caras para a van. Bernardo ficaria a seguir aguardando pelos Seletores de Frequência para os 2 shows dentro de 2 semanas. E a festa do museu, que era razoavelmente recente, deu tão certo que atualmente dura 50 horas.

pose & effect's world wide web/ O @SugarFactory club em Amsterdam, já fechado após falência. E @TurboTrio no @StudioSP em 2008 pouco antes de embarcar para a 2a. turnê europeia do grupo




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E

m pleno Verão e com as crianças em férias escolar, a pausa entre a tour e os shows dos Seletores de Frequência na Espanha seria curta, mas essencial para

arrumar a casa. Ainda daria para fazer coisas do tipo ir com o Bernardo à uma festa numa outra cidade em direção à região Centro de Portugal, onde o Marcos ia botar som.

A parada foi meio 'frau' mas divertida… As ruas de Ovar à noite e sob chuva fina são vazias. Tinha um endereço apontado para um bairro chamado Picoto onde rolava o Funk, e depois de dar umas voltas começamos a achar vacilação aquela saída. Até que o humor viesse e aliviássemos chamando um ao outro de 'picoto' como adjetivação sinônima de 'furada; roubada', ficamos ali rodando meio que perdidos.


Mas achamos o local, e lá estava o 'Fela' na mesa do quintal de uma casa passando CDs de black music com uma galera tomando uns graus para aquecer. Estes convívios antes, durante e depois das viagens tornaram­se rotina nas várias cidades onde já havíamos estado. A maioria das situações eram vantagens, daquelas de ficar contando cascata para os amigos e família anos a fio, mas noutras pintava um 'picoto', o que não deixa de fazer a história toda bastante mais real.

Era hora do agito. Em Barcelona estaria gerindo todo o esquema e iríamos ficar cravados na Praça Catalunya, o ponto mais movimentado e referencial da cidade para quem é de fora. Dali, como das outras vezes, teríamos acesso a quase tudo descendo e subindo pelas Ramblas, incluindo a Sala Apolo


onde iríamos nos apresentar. Xmiz, Canetti e Tiago caíram também junto com a equipe e agendamos uma participação do BNegão num show da banda @Macaco no @FestivalMataró antes da ida para a Canibal Soundsystem. Após o check­in no hotel, nem bem começávamos a caminhada e topamos o #Sandro, percussionista residente que mais tarde integraria o grupo. Como era alta temporada, dezenas de filipetas diferentes eram distribuídas no passeio sendo a maioria para casas onde a entrada era gratuita, o que fez a gente se dispersar com o compromisso de nos reunirmos novamente mais tarde na Praça Real, no Bairro Gótico.

De hip hop/garage à champagneria, quando desembocamos na Real já nos sentíamos reintegrados. Encontramos a Marise e paramos num barzinho onde há


um pequeno espaço para shows e o Muzak jogou a dele e colou um case tentando aquela formação com o Pedrão no baixo e o Pedrinho na bateria, feliz mas dando o alô de que vida de 'carinha de banda' era aquilo… ter de ficar carregando instrumentos no meio da galera, montando e desmontando palco enquanto tá todo mundo de copinho na mão.

Depois que as portas dos estabelecimentos ao redor da praça começaram a ser baixadas chegaram os carros­pipa da prefeitura de mangueirões de jato d'água na pressão para lavar o piso e afugentar os notívagos mais resistentes. No Brasil, seria o pé­ sujo oficial, aquele balde que os donos dos botecos jogam no chão ao final do expediente para a limpeza e que só apanha os pés dos moscas, assimilado pelo governo como um procedimento de utilidade pública.



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F

icar hospedado na Praça Catalunya teve também o seu 'quê' de surrealidade, pois nem em metrópoles como Londres e Paris tínhamos dormido e acordado em meio a

tanto frenesim do lado externo ao hotel. Bastava abrir a cortina e sair do quarto para estar tipo no meio da Avenida Rio Branco às 9 da manhã. Germinado ao prédio já rolava café, lan house, lojas de departamentos, pontos de ônibus em via­dupla, estação de metrô, ponto de táxi, punks de skate, telões outdoor, motovias… Quando paramos todos na calçada em frente para irmos tomar um café alguém lembrou do #Nobru na chamada da lista de presença da equipe, ao que ele apareceu distraidamente apenas de cuecão após acordar assustado com a hipótese de ter sido deixado para trás, como se ainda estivesse no seu bucólico Jardim Botânico.


O dia foi longo. Finalmente conseguiam sair um pouco do bairro antigo e subir o Passeig de Grácia até à #CasaBatló. Sempre na função, entrávamos e saíamos de lojinhas de discos ou de street wear quando parecia ser possível deixar uns CDs ou t­ shirts da banda à venda na consignação. Já dava para manter o procedimento de fragmentar e reagrupar e fomos nos reencontrar após procurar por um tal 'bar do @ManuChao', um restaurante vegetariano perto do Raval onde ficáramos nas turnês anteriores, irmos até à praia em Barceloneta, passar na casa da Marise, enfim… Até que entrássemos no modo show, e enquanto a banda ia para a Sala Apolo conferir a montagem do PA e fazer a passagem de som, eu e o Bernardo acompanharíamos a Macaco até ao festival onde tocariam 'Brasil 3000' para uma plateia acima de 5 mil pessoas.



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M

ais uma vez a gig em Barcelona foi com casa cheia. A gente pode relativizar com o fato de a Canibal encher sempre durante o Verão e de o Daniel Mono Loco

da Macaco ter fortalecido ao também participar do show, mas aquela não era a primeira e nem seria a última apresentação bem­sucedida. Daquela vez tinha convidado alguns amigos locais que conhecia desde 99 quando havia ido para lá para trabalhar num estúdio de comunicação, e apenas o #Caco apareceu, ficando um bom tempo na pista à minha procura e no meio da multidão. Este tipo de feedbacks dava uma noção mais precisa do que estava ocorrendo… Cerca de 1500 pagantes dançando e curtindo o show num dos espaços mais conhecidos do circuito de salas catalãs onde só faltava termos o álbum distribuído para consolidar a carreira de uma banda brasileira


completamente independente na Espanha, pois entre a Galícia e a Catalunha ainda seria preciso chegar a Madrid para concretizar tais objetivos. Por outro lado, foi uma remissão em relação ao 1o. show na Apolo quando abrimos uma das festas em 2004 e que só encheu quando o BSF já ia finalizando o set­list para a entrada do Afu­Ha.

Perto do fim fui para uma das galerias à esquerda do palco para sacar o ambiente e fazer umas fotos. Daniel ainda estava sobre o palco com o mic, viu quando eu me posicionava para os clicks e mirou diretamente para mim sorridente antes de se virar para a despedida do público e sair. Não sabia ainda, mas aquela seria também a nossa despedida, pois foi a minha última produção lá pela P&F.



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D

e volta ao Porto, e de volta à pensão na Cedofeita, íamos recordando as paradas mais engraçadas que rolaram em Barcelona, como o dono bigodudo de um

restaurante no Raval de comida típica e mais do dia­a­dia como os 'pê­é­fões' brasileiros, que andava por detrás do balcão que ostentava vários pernis de porco defumados pendurados em ganchos como num açougue, trajando um avental branco e segurando um cutelo. Não tínhamos nenhuma data daquela vez e o lance era esperar pelo dia seguinte para caírem na estrada até Pontevedra, na Galícia.

Mas tínhamos um bom programa com missão incluída: um dos projetos mais alardeados da cidade ainda no âmbito de Capital Europeia da Cultura em 2001, a @CasadaMúsica ­ do arquiteto holandês @RemKoolhas


­, havia sido inaugurada e estava em plena atividade. Porém, com o atraso na conclusão das obras e a agitação política interna a fila na agenda já andava extensa e não tinha conseguido 'furar' a tempo de fechar para a tour 2006, portanto, iríamos para conhecer o espaço e o programador para futuras incursões.

Quem estava em cartaz era o @Lenine acompanhado pelos cariocas da @VulgueTolstoi e uma orquestra de afro­beat novaiorquina chamada @Antibalas, cujo nome alguém do grupo já conhecia. Colamos na passagem de som do pernambucano e, após os cumprimentos e apresentações, combinamos de voltarmos à noite para assistirmos aos shows, porque estavam todos muito impressionados com o novo centro cultural do Porto.


O bairro Boavista foi onde vivi nos nossos primeiros 5 anos na cidade e onde as minhas filhas ainda estudavam. Conheço bem o local, sendo tanto de passagem para diversas direções do Grande Porto assinalado pela Rotunda da Boavista, como é uma das áreas comerciais da cidade, de boemia e da agência bancária onde tenho conta. Assim que a sugestão acordada de irmos 'almojantar' para depois ficarmos tranquilos em relação à alimentação foi facilmente resolvida, pois logo do outro lado da avenida há inúmeros restaurantes dos mais variados cardápios e faixas de preço.

Todo mundo entrou numa de comer bem naquele dia, reclamando que poucas vezes tinham tido tempo só para apreciar a tão famosa culinária portuguesa. Beleza. Achamos uma casa que chamou a atenção do


Bernardo e do Gabriel por servir bacalhau fresco assado com batatas e entramos.

Aqui no Brasil, bacalhau é coisa rara, cara e limitada. A gente tem a ideia de que 'bacalhau' é aquele filezinho seco e salgado como é a carne­de­ sol, e nem se sabe muito bem como é o peixe, mas ele existe e Portugal é um dos seus maiores pescadores e consumidores, capturado nas águas geladas dos mares nórdicos. Portanto, ao ser descrito pelo garçom como sendo um prato onde o peixe viria inteiro ocupando toda uma travessa grande, temperado apenas com sal e azeite e cercado de batatas cozidas, confirmou a atenção dos 2 como se fosse um fugú japonês que aparece naquele episódio da série de animação @OsSimpsons e o pedido seguiu para a cozinha.


Felizmente, os demais preferiram outros pratos: o bacalhau original style que veio para a mesa é um típico prato dos pescadores casca­grossa próximos ao Ártico, que têm pouco fogo para gastar para cozer alimentos nos barcos e completam ali com um salzinho pequeno porque de salgado já basta o mar e umas batatas com azeite para compor o lance. Dito assim ainda tá bom, mas o peixe é gigante, de forma que nem é um cru e nem cozidão porque possui uma carne super­fibrosa fazendo com que cada garfada seja um exercício muscular de mastigação. Beleza.

A medida em que a gente ia comendo e conversando à mesa, Bernardo e Gabriel iam ficando cada vez mais calados e concentrados nos próprios pratos. Até que me dei conta de que havia um monte de peixe ainda no prato deles e um bichão quase inteiro na


travessa e perguntei se tava legal, se a diária tinha sido bem investida.

Foi uma desolação. Ambos estavam sinceramente tristonhos tanto pela opção quanto pela grana empatada, já que numa tour dividimos o valor para alimentação entre as partes para que cada um possa escolher o que comer ­ e se vai comer, ou quando vai comer etc ­, e nós da produção procuramos no máximo conciliar e marcar os locais.

Perguntei se podia provar o bacalhau. Como vivia há alguns anos em Portugal, já conhecia bastante o peixe e alguma variedade dentre os tipos de preparo e custava acreditar que estivesse simplesmente 'ruim'. Provei. Tava ruim. A parada é que além de meio insípido e insosso era mesmo de difícil



mastigação e a quantidade era absurda, mas eles encararam até quase à metade. Rolou a brodagem e repartimos algumas coisas dos acompanhamentos e a coisa se compôs melhorzinho. Mas a impressão que ficou foi a de que pintou um trauma de bacalhau.

No day­after Xmiz e Xoan partiram com a banda e eu fui reencontrá­los lá na noite do show no festival, pois o Carlos estava na pose & effect's world wide web/ a banda argentino­colombiana @CheSudaka que dividiu o palco com os Seletores de Frequência em Barcelona em 2007. Recentemente, gravaram 'Menino da Rua' para o último álbum do grupo com participação de BNegão

função para aquela gig.

Terminado o @Festival CulturaQuente, o grupo retornou desde Lisboa [ mas não por muito tempo… ].



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P

oderia ter sido assim, com um único bacalhau decepcionante pelo meio, mas o 2o. semestre de 2006 trouxe reveses. Era hora de férias da produtora sabendo que

até ao final do ano tinha que estar com a Outra Coisa pronta para arrancar em Portugal e alguma novidade quanto à representação dos Seletores de Frequência que permitisse prosseguir com o trabalho. Família, jornal, descanso, amigos, uns rolés… tudo que permitisse voltar ao cotidiano que nem era pouco movido ­ mesmo com despedidas como a que tinha sido a de Lisboa numa noite no Rato e com um festival com @Strokes e @LosHermanos.

Passou Agosto e Setembro ia chegando para encerrar o Verão quando fui apanhado de surpresa pelo Bernardo: a banda iria atuar num festival


semelhante ao Womex em Berlim chamado @Popkomm. O evento tinha dimensão e naquela edição seria dedicado à música brasileira, quase como havia sido o Ano do Brasil na França, mas com menor presença governamental germânica. O problema é que eu não sabia de nada…

Desenrolando a conversa, BNegão estava numa sinuca de bico e não partilhou antes comigo o que estava acontecendo, e como as coisas avançaram, a situação ficara ainda mais enrolada. Com apoio institucional do agora extinto #MiNC [ Ministério da Cultura ], ele havia sido convidado a participar do negócio quando regressou do último show na Europa, mas para consolidar teria de inscrever o grupo num edital. Como o edital corria aqui no Brasil, pôs um outro cara do Rio para fazer todo o corre porém o lance


em si seria na Alemanha, onde era a minha alçada. Quando o resultado saiu confirmando a viagem e a verba restou o imbróglio chamado… digamos… m.i.k.a. A ideia era a de que eu não precisaria ir, que sabiam que eu tinha os meus compromissos, que me desdobrava para virar as turnês, e que não tinham previsão do que iria rolar na feira. Mas, como a produção disponibilizou um apartamento para a hospedagem da banda, preferi ir para resolver tudo pessoalmente, pois por telefone os motivos que o artista alegava como sendo motivos para eu não me preocupar, para mim eram exatamente as razões que poderiam causar preocupação.

Lá em Berlim do ex­lado oriental, a parada ficou amena. Na real, era mesmo um momento de redefinições no grupo porque haviam divergências


internas quanto às questões que não me eram pertinentes, enquanto outras batiam com o que eu antecipei, como a necessidade de renovação do repertório caso mantivessem a vontade de realizarmos juntos as tours europeias.

Estava a trupe toda inthahouse: a banda, o técnico de som ­ que levou também a irmã para dar um rolé ­, e o agente do edital. Com este também não tive problemas. Era um rapaz com experiência em produção de shows e booking para bandas como a @PontodeEquilíbrio. E, depois do introito, dei um 10 ali e fui dar uma volta pela área com o Nobru naquele entardecer para espairecer.

Ia ficar até ao dia seguinte para ver qual seria e voltar para o Porto com decisões quanto ao grupo.


Berlim Oriental é um lugar interessante. É sim bastante bauhausiano e extenso, mas nada opressivo como pode ser descrita uma cidade de cultura industrial e ex­comunista. Cruzamos uma praça arborizada onde rolava uma feirinha de objetos de 2a. mão, sebos de livros, vinis e tal e voltamos para o apê. Ao subirmos, não tinha mais ninguém. Todos se adiantaram para o local do certame, mas o Flávio ­ ou a irmã ­, havia deixado os óculos escuros que ela estava usando na minha mochila. Fiquei meio bolado com aquilo e entendi como um provável sinal que, naquele contexto, tereria alguma finalidade que eu ainda estava por enxergar naquela noite. Guardei­o comigo e fui para o evento.


pose & effect's world wide web / uma das tomadas da @CasadaMúsica, centro cultural dedicado à Arte do próprio nome, inaugurado no Porto como um marco do Porto 2001 capital europeia da cultura



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E

nquanto ia para lá pensei rapidamente sobre os tais óculos e uma das coisas que eram certas é que o Flávio sabia que eu não precisava de uns óculos escuros

semi­novos por mais que os apreciasse… Dispensei os maus presságios e tais paranóias o quanto pude e até chegar na sala onde decorreriam os shows.

Por mais que fosse obrigado a considerar o quanto tudo aquilo estava ficando esquisito, o clima nem foi tão mal assim. O alagoano @SonicJunior apresentava o seu one­man­show para uma plateia bem mais reduzida do que a que esteve no Womex 2 anos antes, e onde os Seletores iriam se reapresentar ao mercado fonográfico e de shows da Europa. Sinceramente, não lembro com exatidão os que retornaram para o apartamento comigo, mas fizemos o


trajeto à pé e dando voltas pela cidade, começando por uma espécie de bloc party ­ após conferir o que tava rolando num apê de onde vinha um som alto e que tinha uma galera na calçada e na entrada do prédio ­, e atravessando as bordas de uma zona industrial que tinha sido nitidamente requalificada e ocupada por boates e danceterias.

Achava que ia aterrizar em Berlim, apanhar um táxi ou ônibus turístico até ao festival e fazer o mesmo caminho de volta, como normalmente são as gigs nas turnês. Mas passar aquele dia em Berlim oriental até compensou o fato deu ter pego o avião para casa com a ideia de que o trabalho com a banda tinha terminado ali. Na escala em Frankfurt, o passageiro do banco ao lado puxou conversa comigo apontando para o meu iPod. Era um executivo da Cisco System e


estava curioso com o que um aparentemente estrangeiro como eu fazia por ali, o que andava ouvindo, se curtia players de mp3… Ajudou a passar aquela fase menos agradável da história.

E, não foi o que se consumou. Pouco tempo depois, Bernardo me diria que o tal agente do edital havia partido para a Califórnia para surfar após receber a grana do governo referente àquele edital.


pose & effect's world wide web/ na Cidade do México, os resquícios dos zapatistas num cartaz de denúncia de quantos presos políticos havia na região de Oaxaca em 2007. O local é um dos pontos turísticos mais visitados do país



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D

epois da confusão na Alemanha, viramos totalmente as atenções para a Outra Coisa. Eram inúmeras as frentes e a medida em que avançávamos as coisas se

desdobravam ou surgiam novas demandas. Para fazer uma revista não bastam algumas ideias de reportagens e um computador… Do esboço do projeto editorial à distribuição para as bancas de jornais é preciso desenvolver todo um processo de produção, captação de recursos, conseguir fornecedores de serviços, colaboradores e burocracias exigidas por lei para publicar.

No nosso caso, as paradas foram quase que milagrosamente se encaixando após muitas horas de trabalho. Enquanto eu e o Marcos concebíamos e estruturávamos a chamada 'boneca', apareciam


pessoas que se enquadravam nos perfis que buscávamos, umas por procurarmos e outras por acaso.

Por exemplo, a #JoanaFialho foi o Xmiz quem trouxe para a equipe, e ela inclusive frequentou algumas reuniões para se inteirar das demandas jurídicas [ como registros, direitos autorais, questões alfandegárias quando fosse preciso enviar ou receber material de fora… ]. No Comercial, como há tempos trocava ideia com um agente do departamento do jornal quando nos esbarrávamos num café em frente ao prédio e que gentilmente sempre perguntava como ia a minha vida em Portugal e se tinha outras ideias que não cabiam na empresa, até que certa vez dei­lhe um bizú do projeto para me orientar sobre angariação e ficou francamente


interessado, ao que progredimos tanto nos demais coffee­breaks que pegou a conta para si mesmo… O projeto gráfico foi mais uma destas providências: estava bastante assoberbado tanto no jornal quanto na produtora com todos estes afazeres e ia rascunhando a revista enquanto já considerava entregar o desenho para quem a fosse diagramar. Até que numa tarde alguém da recepção ligou dizendo que havia um rapaz brasileiro à porta querendo falar comigo. Era o @DanielStrauch. Gaúcho, recém­chegado do Brasil para turismo e contatos de trabalho, Daniel chegou lá no jornal para entregar o currículo e tentar uma entrevista para mostrar o seu portfólio ­ algo muito comum mas ocasional. Atendi­o e curti o seu trabalho, mas a empresa andava a enxugar os quadros e não a contratar, o que tornava qualquer promessa a um estrangeiro


ainda mais fantasiosa. Mas, ao agradecer pela atenção, o designer pediu algo tipo 'se souber de alguma coisa…'. Foi quando uma luzinha se acendeu. Nem havia me passado pela cabeça tal hipótese, mas diante da sua qualidade e da despretensão falei um pouquinho da Outra Coisa para ele e sugeri que ponderasse colaborar com a gente desenhando e montando as edições portuguesas caso ele não conseguisse uma vaga, pois tanto eu quanto um outro designer brasileiro com o qual eu já havia produzido um layout estávamos muito ocupados naquele instante. Era um projeto, mas com tudo tão encaminhado e num mercado pouco amigável, poderia ser uma boa solução para ele começar atuando desde o Brasil, e mais tarde veríamos como as coisas ficariam. Strauch topou e faria um trabalho muito interessante que agradou a toda a equipe.


pose & effect's world wide web/ um dos maiores meteoritos que caíram em território mexicano e que estão expostos no #PalaciodeMinerías


O Marito listava nomes de artistas para sugerir­ nos, como o rapper angolado @Kacetado [ que em Portugal tem vários sentidos, desde 'chapado' a portador de um pão tipo 'francês' ], cujo 1o. álbum 'Ontem, Hoje e Amanhã' de 2003 reuniu uma nata do hip hop tuga, tanto na produça quanto nos mics. Eu tratava do todo e do resto: pautas, jornalistas, fotógrafos, gráfica, distribuidora, fábrica de CDs… Tudo contatado, respondido, orçado e incluso num business plan que ia se aproximando do final com um total mais viável do que supúnhamos, apesar de tudo.

Assim que, modestamente, entrávamos em 2007 prestes a realizar uma das maiores ações para o intercâmbio da cultura lusófona de todos os tempos.



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Esse tal de MinC é foda…”, lembrava­me de vez em quando duma frase dúbia que fora dita poucas semanas

antes em Berlim e que havia virado um mote competente na recuperação dos humores. As razões seriam variadas, mas o fato é que a partir de Setembro de 2006, o ministério entrara na minha vida mais para atrapalhar do que para contribuir com o êxito da Pose & Effect BR.

O próximo lance de 'fogo amigo' viria novamente através do Bernardo. Em meio à toda a agitação em torno da revista Outra Coisa portuguesa, colhíamos ainda frutos do trabalho realizado tanto com os Seletores de Frequência quanto com o Turbo Trio, e ambos orbitavam o MC carioca, mas dali em diante


pressupostamente amparado pela instituição brasileira. Portanto, quando virei uma participação num festival para a banda em Amsterdam preconizamos mais um ano vindouro de tour, já que a gente contaria com apoio nas tais passagens aéreas internacionais.

Marcamos logo uma outra data em Barcelona na sala @Salamandra com um grupo de sul­americanos chamado @CheSudaka e rolei a bola para a Gianne tocar algo em Londres com a galera da revista Jungle Drums ­ que mandaria bem intermediando um tal de #AntiWorldFestival dedicado à música eletrônica. Só ali para um início de conversa sobre 2007 partíamos desde 3 gigs em 3 países distintos e onde estaríamos de regresso, sem ainda sequer contar com Portugal e Galícia. Pareceu­me renovador das nossas


possibilidades perante o fato de não haver um novo disco e de o nosso horizonte estar esgarçadinho naquele fim­de­ano depois de agenciá­lo durante 4


anos consecutivos. Para completar, recebia um convite claramente oriundo dos convivas da Womex pelo line­up divulgado, pois continha nomes como @Niyaz [Iran] e @AMovingSound [Taiwan], que haviam atuado lá e no Dunya em 2006 respectivamente: o mexicano @OllinKanFest propunha contratar a banda para um dos shows principais do evento de World music e para um outro do tipo divulgação num espaço localizado no centro histórico da Cidade do México. Àquela altura o Playstation andava sossegado e para suprir também as atividades pessoais eram raras as vezes em que eu dormia antes do Sol nascer, e estava de pé logo antes mesmo do horário de almoço para começar o dia levando as crianças à escola.

pose & effect's world wide web/ o 'cara do #CircaBar' @MidanCampal na referente Rua Passos Manuel, no Porto, onde sitam o @MausHábitos e o @ColiseudoPorto, dentre outros endereços. Mais adiante à esquerda encontrava­se o Batalha, o Tendinha e o bar do angolano



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A

í em 2007 o que eram apenas indícios de confusão revelaram­se problemas reais e até desconstrutivistas... Primeiro os mea­culpa: o contato comercial não

vingou, não consolidava nenhum contrato de publicidade, patrocínio nem algo desta área. Tínhamos a revista pronta para arrancar mas faltava a arrecadação que estipuláramos por baixo como sendo a mínima para cobrir os custos e permitir a longevidade do projeto, pois do contrário teríamos de ficar tirando dos bolsos que nem tinham e que, como lógica de negócio, nem queríamos ter para aquela finalidade. Não que fosse algo totalmente inesperado com a nossa experiência, mas 'zero anúncio' ­ como dizemos no jargão editorial ­, e da parte do profissional que era com a carteira que manejava, foi sim inesperado.


Porém a nossa crença no projeto era tamanha que decidimos prosseguir. Reunimos mais algumas vezes dedicando­nos apenas a gerir a situação e criar meios que permitissem desencravar o budget inicial e sustentável das edições seguintes a de estreia. Várias voltas depois chegamos a uma saída credível: aproveitar o acesso ao festival @NoitesRitual que acontece nos finais de Agosto encerrando o Verão [ no Palácio de Cristal ], e à @Fnac, para levar o próprio Lobão até Portugal e, junto com o Manel, debaterem a questão central da publicação, se apresentando também no evento e assim divulgando melhor a Outra Coisa.

O Noites é uma parada importante no calendário da música portuguesa e vem de longa data. Lá tocam apenas bandas nacionais e dos mais diversos estilos


e níveis, desde novos projetos promissores a artistas já consagrados. O seu produtor ficou empolgadíssimo com a proposta e imediatamente se tornou num dos maiores entusiastas da Outra Coisa, considerando quase como se fosse consequência do seu próprio trabalho ao longo dos anos difundindo grupos tugas. O Manel obviamente estava dentro. Quanto à Fnac já havíamos inclusive conseguido pôr alguns álbuns lá à venda, e nomes para compor uma mesa redonda é o que não nos faltava.

Costuramos tudo antes de abordar o Lobão por telefone, mas a resposta não poderia ter sido mais inoportuna… A empresária luso­brasileira do compositor encerraria a conversa dizendo que não teria tempo para uma viagem como aquela pois estava sendo contratado para sair em turnê pelo Brasil.


Quando desligamos, só me faltou a toalha para cumprir o dito popular atirando­a ao chão da sala. O projeto havia sido inviabilizado. De um lado, Lobão não apenas estava fora da edição portuguesa como fora combinado mas não poderia sequer ir à Portugal para uma iniciativa de divulgação, de palestras ou para shows como faz por aqui; por outro, o fiasco dos contatos do cara do comercial punha na nossa conta a obrigação de pagar para publicar uma revista que poderia acabar no número 2 pelos mesmíssimos motivos. Ou seja, gaveta.

Mais tarde saberia que a @MTVBrasil era a contratante do Lobão para a produção e lançamento do CD/DVD do artista na série 'unplugged', e que o formato da Outra Coisa seria proibido aqui algumas edições depois e após 5 anos de existência.



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A

bril chegou e os Seletores de Frequência partiam para o México. Foi preciso tirar vistos de trabalho e o escambau, e enquanto eles sairiam num roteiro Rio­

São Paulo­Buenos Aires­Cidade do México, eu iria de Porto­Lisboa­Madrid­Cidade do México, mas todos ficariam no mesmo hotel. Era também a primeira viagem internacional do MC Paulão.

No avião, o cansaço era tanto que ao sobrevoarmos próximo da costa da Groenlândia assistindo um filme sobre a imigração dos pinguins, me emocionei e chorei copiosamente. Isto para quem quase nunca chora é um indício qualquer – não digo com orgulho ou lamento, apenas raramente choro. Esperava outros efeitos como a respeitada altitude da capital mexicana. Já passei vergonha por conta disso em um


lugar muito mais baixo, quando na adolescência fiz uma excursão para o Pico das Agulhas Negras [RJ}, e ao descer do ônibus senti o ar mais rarefeito e desmaiei.

Mas correu bem. O encontro foi no saguão dum hotel gigantesco onde as bandas ficaram alojadas, misturando já ali gente de tudo quanto é tipo e aparência, procedência e procederes. As deslocações oficiais eram feitas em ônibus tipo o do Bob Figurante dos Simpsons. Depois de pousar as bagagens e nos distribuirmos pelos quartos reservados para nós, mandamos uns guacamoles ou tacos pra dentro e rolaram algumas entrevistas.

O frisson era diferente apesar de não sermos uma banda com tantas apresentações no exterior. É que o


México é outra parada. Assim como quando um brasileiro vai a um país nórdico pela 1a. vez, a gente vai percebendo que há muitos códigos básicos a assimilar para estar lá dos quais o povo já nasce sabendo. Os terremotos, por exemplo, são fenômenos tão cotidianos que há sinalização e recomendações para tais eventos até nos interiores dos edifícios.

Outro lance é a alimentação. Enquanto aqui procura­ se por um salgado ou sanduíche quando sentimos aquela lariquita urgente na rua, no México as coisas são reconhecíveis mas preparadas em misturas inusitadas como abacate com pimenta com carne com chocolate etc etc etc.

A nossa 1a. missão era tocar no @EstaciónIndianilla, uma instituição dedicada às artes plásticas que


ocupa um galpão modernizado no centro histórico da cidade. E, como lá encontram­se inúmeros lugares frequentados pelos turistas, a própria produção sugeriu que partíssemos com antecedência para aproveitarmos a viagem. Nessa, pudemos circular a #GranPlaza onde ficam a #CatedralMetropolitana e visitar o #PalaciodeMinería.

Valeu a dica. A praça que é ainda mais ampla do que a Cinelândia no Rio era o local onde também estava o centro do império Maia daquela região antes da chegada dos espanhóis. Todo o bairro foi reconstruído sobre os destroços da antiga cidade, mas alguns sítios arqueológicos foram preservados e conservados para pesquisas e visitas, e uma das suas características que foram obrigatoriamente mantidas é de foro natural, pois o país possui no


seu subsolo uma das camadas de metais mais extensas do planeta, o que até hoje atrai meteoritos para a sua superfície. Várias pedras estão expostas no palácio, e nos contam um pouco desta história que liga de forma tão magnética a terra e a cultura de quem a habitou ou ainda vive ali [ algumas pedras chegam a pesar mais de 15 toneladas ].

Depois de uma boa caminhada até ao Indianilla, de descarregarmos os equipamentos até ao palco e de descermos mais umas guloseimas típicas com as levíssimas cervas mexicanas, demos também um rolé pelas dependências do espaço cultural e a curtição foi no mesmo grau, o que proporcionou um estado coletivo positivo para o show daquela noite, inclusive submetidos às intervenções de uma criativa equipe de iluminação.


pose & effect's world wide web/ o músico e publisher da revista #OutraCoisa @Lobão na época em que estávamos concebendo a edição portuguesa



ca­pí­tu­lo65


O

show no festival teria uma novidade prevista para o grupo: o baterista Pedrinho não pôde viajar e o próprio Flávio assumiria a função. O técnico de

som comandou as baquetas com o MC na época do The Funk Fuckers e mantinha o seu #StudioCasa3, mas passou a viagem toda assustando a gente dizendo que não sabia tocar bateria.

Nem acreditava nem desacreditava. Não era uma questão de fé, mas na hora do côro comer sentei à beira da plataforma que elevava o instrumento, logo ao lado do surdo, e fiquei na de headbanger durante quase toda a apresentação. Tinha trançado o cabelo numa trançadeira afro que fazia ponto numa rua movimentada de Lisboa próxima da Praça do Comércio e isto ajudou no efeito: Canetti ficou visivelmente


mais empolgado e seguro. Por mais experiência que tivesse, subir num palco com aquela dimensão onde se fica numa distância considerável dos outros músicos, sem nenhum projeto de estilo semelhante se apresentando naquela noite e com o peso de representar a música brasileira, estava de fato algo inseguro, e o incentivo valera.

A etapa do evento realizado no #BosquedeTlalpan foi dos mais amistosos que participamos em termos de convivência com os outros grupos, mas um dos mais tensos no enquadramento ao cartaz. Havia artistas senegaleses, iranianos, chineses, de Mali, índios remanescentes da tribo Navarro… Cada show era uma história e o acento étnico e folclórico de cada cultura representada ali suportava e transmitia simultaneamente ares quase que vindo de arautos.


Para quem vem de uma cultura mais pop os choques foram se sucedendo até de tema para tema de cada grupo. Desde o blues ancestral dos africanos à reverberação de onipresença musical do Oriente Médio, o festival dava a sua cara que apresenta mais concertos do que shows comumente dito, mas o do BSF meio que deu forma aquilo tudo e fez o público aderir de maneira mais interativa e dançandinha do que como espectadores.

Esqueci de perguntar para a produção se era praxe, mas, ao final, a jam session que rolou coroou todo o festival. Músicos de todos aqueles países preenchiam o largo palco e conseguiam levar um som coeso e que manteve a temperatura da edição, onde pudemos até tomar umas cervejas com os navarro em bermudas e já sem penachos nem tacapes.


pose & effect's world wide web/ palco ao ar­livre no #MuseudeSerralves [Porto], durante a festa #40Horas, onde o @TurboTrio se apresentou na turnê de 2006 ao lado da banda @Supernada, dentre outros



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N

o dia seguinte, outro presente: a equipe de produção do festival oferecia­se para nos levar até à cidade de #Teotihuacan, antiga capital Maia onde encontram­se

pirâmides, achados arqueológicos e painéis da era da Mesoamérica pré­colombiana. Neste lado do planeta é o que temos de mais próximo das pirâmides egípcias e das construções asiáticas similares, e ficam a apenas 50kms da Cidade do México.

Certamente, cada um de nós viveu aqueles momentos de forma muito íntima apesar de andarmos em cortejo. As pirâmides do Sol e da Lua, a 'avenida dos mortos', a cidadela e as esculturas em ônix mineradas nos vulcões da região impressionam qualquer um, mas a leitura das informações sobre uma história tão remota quanto distante e a relação


que se estabelece com aquele ambiente é extremamente pessoal, tanto que mesmo não tendo assumido uma posição de maior reverência durante a visita tive sensações particulares irrefutáveis ali, coisas que só atribuímos ou percebemos em locais como igrejas, templos, natureza selvagem ou de importância histórica pesquisada anteriormente.

Uma visita que influenciou e despertou interesse nas minhas futuras incursões, sem nenhum objetivo pré­definido ou meramente racional, mas que o próprio calendário se encarregaria de lembrar e sublinhar: dali há 5 anos, segundo as lendas maias, o Mundo acabaria – precisamente em 2012.

Até hoje a consumação desta profecia está por ser confirmada.



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2

007 insistia em ser um ano 'não', e, mesmo após o contrato findo no México, as coisas cooperaram tanto para isto que no compto geral afetaria definitivamente a

produtora. Com a revista Outra Coisa fora da jogada, havia ainda mais uma esticada dos Seletores de Frequência na Europa mas que logo também teve problemas ao cair – de uma hora para outra –, o apoio do MiNC. Sem as prometidas passagens bancadas não poderíamos mais embarcar todo o grupo. Bernardo cozinhou então um esquema com o Pedrão no trompete e o restante em bases pré­gravadas para cumprirmos os compromissos, mas o Anti World Festival de Londres não topou o encolhimento do projeto e mandou a nossa minuta para trás sem assinatura, restando o @AmsterdamRootsFestival no clássico clube @Paradiso e a gig em Barcelona com o Che


Sudaka. Após umas reboladas o próprio MC sacou ainda mais um lance em Madrid com o @DjKaska que nem cheguei a controlar tal era a informalidade desta data no @AreiaChillout.

No jornal chegava ao fim a minha posição na direção depois de 7 anos liderando a equipe e passaria 1 ano e pouco na edição de arte de uma nova revista semanal encartada no diário antes de ser convidado para dirigir novamente. Porém, a próxima parada era em Salvador, na Bahia, numa publicação que seria igualmente reformulada por uma empresa de consultoria anglo­hispânica e onde eu assumiria a frente na implantação do projeto e uma função executiva na nova organização da redação, que abrangeria os departamentos de Arte e Fotografia. Beleza.


Paralelamente a estes acontecimentos apenas do meu âmbito profissional, o meu irmão que havia ido para a capital inglesa em 2000 para cursar Inglês e uma MBA em Análise Financeira e retornado há algum tempo para o Brasil passara num concurso público, e quando parou de rodar entre o Rio, Goiânia, Brasília e Palmas de Tocantins, preencheu uma vaga em Belo Horizonte e queria abrir também um negócio, algo que suprisse a sua vontade em dirigir uma pequena empresa e que fosse afim do que havia feito em Londres para ganhar um troco durante os estudos: gastronomia.

Eu andava contatando pessoas, tentando voltar para o Rio, ou, para catalizar um outro desafio dentro do jornalismo, pois nunca considerei deixar de fazer o que gosto e sei fazer. Naquele vuco­vuco


entre 2003 e 2007 tinha conseguido segurar um qualquer no banco. Nada demais mas que convertendo do euro para o real dava um brilho; nada que pudesse ser apontado como um pé­de­meia, que dirá uma 'vida ganha'.

Foi quando o irmão me ligou. Me contou as suas intenções, e eu, a minha situação, e aí resolveu me propor uma sociedade. Ele estava morando e trabalhando no bairro Savassi, que eu já conhecia porque vivemos naquela cidade quase 2 anos na nossa adolescência, e andava namorando uma choperia cujo dono queria passá­la adiante. Topei, mas avisei 'a grana tem que voltar'. Não iria investir num outro lance para obter o meu sustento, mas eram as minhas únicas economias em cash e não sabia o que viria em breve para abrir mão do cascalho sem nenhum apego.


O tiro sairia pela culatra. Ainda sem o tal convite baiano, o meu irmão fecharia a choperia poucos meses depois devido ao altíssimo custo do self­ service, que era o carro­chefe do ponto. Mas antes de tomar esta decisão, ao me comunicar disse que a solução para o problema consistia em pegar um pub de pequeno porte que estava disponível em Mangabeiras, ampliando e distribuindo os custos e os fluxos de caixa, e que eu poderia imprimir a programação, pois tinha espaço para umas 200 pessoas e ambiente para pista. Eu já não 'inverteria', mas colaboraria mais diretamente na gestão para que a minha grana retornasse.

As coisas começavam a equilibrar por lá quando numa noite ele e a ex­namorada inglesa entravam no #MeetingBar onde todos os clientes e staff estavam


deitados ao chão e com as mãos sobre as cabeças, rendidos por uns 3 garotos armados. 'Mermão, tu tem cara de polícia…', disse­lhe um dos caras, mas não fizeram nada mais do que 'limpar' o caixa e os bolsos dos incautos presentes.

Naquele início de expediente, acabavam ali a choperia prestes a ser passada pra frente e o pub que tínhamos apenas batizado, criado a logo e começado a trabalhar. Assim que no início do 2o. semestre eu já estava morando num hotel na capital baiana, mas não sem antes da saideira co­produzindo um show do @Mombojó e do Supernada no Hard Club de Gaia com um produtor também brasileiro chamado @EronQuintiliano para ½ dúzia de amigos malucos.



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pose & effect's world wide web/ pista agitada numa das #QuintasDancehall, em Salvador, uma das festas mais emblemáticas da cidade e que é dedicada às vertentes do Reggae. No detalhe abaixo, o casario que abrigava a #ZauberMulticultura vista desde a rua de cima e pelo topo da encosta que separa a Baixa da cidade da parte Alta, onde fica a entrada que dava no andar em que decorria o evento


S

alvador era um restart na minha vida. O meu apartamento continuava sendo no Porto, com tudo o que tinha direito trancado lá dentro. Minha família estava

no Rio passando uns tempos na casa dos meus sogros enquanto reorganizávamos as coisas, e o meu irmão e a minha mãe seguiam em BH no rescaldo das falências no restaurante e no bar dos quais eu nem chegara a pôr os meus próprios pés… Como deixava também um carro na garagem do prédio em Portugal e não sabia ainda que fim daria a ele, decidi não me endividar mais e andar mais pela cidade, ficando ali numa triangulação entre Ondina, Rio Vermelho e a redação na Federação.

O hotel não foi sempre o mesmo. Em 3 meses, 3 hotéis diferentes por motivos comerciais da empresa


contratante. Como a base do nosso acordo era atuar como pessoa jurídica, aproveitei o momento de renovação e, devido ao histórico da produtora ser mais ligado a eventos e representação de artistas, mudei o nome fantasia para '@PuriProduções', sem que para isto tivesse que apagar o que fizemos como Pose & Effect.

Mesmo antes de pousar na capital baiana achava que teria umas férias na pesquisa de música. Não era algo resignado. Faço isto desde que aprendi a mudar a sintonia do rádio no dial da vitrola dos meus pais e a trocar as fitas k7 e vinis no deck e na pick­up. Apenas padecia de um preconceito rançoso quanto à música moderna produzida na Bahia e isto naquele momento até me era conveniente, pois em 3 meses precisava pôr nas ruas um jornal


completamente renovado e que perigava ter o título cancelado de tão baixa que eram as suas vendagens em Julho de 2008. A empresa iniciava um processo de reestruturação de cima para baixo que ia alterando a composição do conselho de administração, direções, editores, técnicos, sistema de produção, de informática… enquanto o diário propriamente dito – tanto o 'antigo' quanto o novo a ser lançado ­, estava sendo produzido.

Nesta turbulência, entre alguns locais empolgados e os forasteiros revolucionários, formei com uns caras e de vez em quando fazíamos algo juntos além de partilhar algumas refeições fora do horário de trabalho. Comecei a frequentar o recomendadíssimo #JazznoMAM ­ que rola aos sábado no pátio do @MuseudeArteModerna à beira da Baía de Todos os


Santos ­, a praça do #AcarajédaDinha e o largo do Rio Vermelho, a praia do Buracão… Estava focado no projeto e mais do que experiente quanto ao fato de que, num plano daquele tipo, permanecer ou não na função dependeria do sucesso do lançamento do jornal e dos resultados nas bancas, mas ia ficando por ali mesmo sem grandes esforços de adaptação ou considerações quanto até quando duraria o contrato.

Quando cheguei ouvira falar das @QuintasDancehall e do @MinistereoPúblico Sistema Perambulante de Som que realizava o evento. Na época era consumidor voraz de tracks pelo @MySpace e encontrei o perfil do grupo por lá e curti. Esperei então até ter uma 5a. feira mais livre e, na surdina, sozinho, fui para a @ZauberMulticultura após o expediente para conferir.


Já tinha estado em inúmeras festas de Reggae. Com ou sem o meu parceiro Bob Figurante, dentro ou fora do Brasil e de Portugal, e aquela era uma parada diferente. Do casario que albergava o coletivo ao ambiente na pista e no som, o lance era bombado e sem pestanejar percebíasse que fazia parte de uma cena underground em Salvador.

Adorei aquela noite. Voltei para a redação no outro dia e solicitei uma matéria sobre a festa porque a cidade precisava saber o que estava acontecendo ali entre a Cidade Alta e a Baixa e a gente precisava de matérias que vendessem jornal. Ambas as coisas funcionaram: as vendagens da publicação saltavam para 500% mais do que antes da reformulação, e Salvador começou a conhecer melhor o que era aquele Reggae, que logo revelaria para o Mundo o próprio


soundsystem que produzia o agito, o toaster @RussoPassapusso, a banda @Dubstereo, a cantora @SorayaDrummond e o consequente projeto mais experimental @BaianaSystem [ que, assim como eu escrevi para o meu blog @TraficantedaLiberdade um ano depois de chegar em Salvador ao detectar as nuances e influências da guitarra baiana dos anos 40 que foi criada para ressaltar as raízes da axé music nos trios elétricos ], que resgata sonoridades difundidas anteriormente por nomes como @MoraesMoreira, @PepeuGomes, @NovosBaianos e tal, mas com nova linguagem e maior atualidade.

'­ Alô, Bernardo?…'.



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Q

uando aquele burburinho foi espoletado perguntei para o BNegão se já tinha ouvido falar algo sobre o soundsystem soteropolitano e a cena Reggae da cidade.

Respondeu positivamente, mas só a partir dali começou na real um intercâmbio com aquela galera e que resultou numa parceria que dura até hoje…

Chegamos a conversar sobre continuarmos a produzir pela Pose & Effect, mas estava realmente noutra e curtia aquela fase fora do gerenciamento e da estrada. Podia estar numa posição apenas de jornalista e agitador cultural e assistir ao desenrolar dos acontecimentos, como ver o Baiana System nascer, acompanhar a programação da @ConchaAcústica do @TeatroCastroAlves, e descobrir a capital e o litoral de onde viera a minha família


materna depois da imigração da Galícia para Salvador no início do século XX.

Mesmo assim, ainda rolou uma saideira: ainda em 2008, quando tinha uma semana reservada para voltar à Portugal para providenciar a mudança de alguns pertences e resolver questões pendentes que ficaram adiadas devido à urgência da data do convite para o jornal, o Turbo Trio chamou para embarcar com eles numa turnê pela Europa da qual iniciei a prod como assistente de produção. Não pude estar nas 4 datas [ Paris, Bruxelas, Amsterdam e Rotterdam ], mas topei integrar o bonde nas 2 primeiras e ir até Amsterdam antes de pousar novamente no Porto.

A trupe era maior do que nós 4. Além do TT, @MarcelinhoDaLua também tocaria no @CabaretSauvage


e no evento em Bruxelas com @AngeloB no vocal e no baixo. Aquela metade da tour era capitaneada por uma turma de brasileiros residentes na França que editavam a revista @Brazuka, similiar ao conceito da Jungle Drums de Londres. Junto com os seus editores @PauloAbatto e @ThiagoAraújo tinha virado um retorno à capital francesa antes de vir para a Bahia, a sua equipe fez o corre para o festival belga. Do resto cuidou a Anouk. Beleza.

Passamos longe da Torre Eiffel, dos Arcos do Triunfo e da Catedral de Notre Dame, pois o @ParcLaVillete onde fica o cabaré é distante dos pontos turísticos mais procurados em Paris. Mas como iríamos chegar lá, pousar as malas no hotel, tocar, dormir um pouco e sair logo cedo, isto nem se notou.


E não é que a parada no cabaré foi mesmo maneira?!… A casa era menor do que eu imaginava desde os contatos para o show dos Seletores em 2005, mas o público chegou junto confirmando interesse naquela conversa de 'brazilian electro', fechou a pista e marcamos mais um ponto na nossa trajetória. Também atuaram os djs da festa #Criolina e @RemyKolpaKopoul. Ficaríamos numa zona suburbana nas cercanias e a partida via estrada para Bruxelas não tardaria, portanto au revoir pra geral e a França para mim parava no aperitivo.



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A

viagem por terra compensou. Não teríamos que fazer check­in, despachar malas, esperar pelo horário de embarque nem fazer todo o processo reverso após a

aterrissagem em Bruxelas até pararmos finalmente no hotel. Da van que nos pegou no hotel parisiense até ao belga foi um pulo, e as acomodações animaram o staff: uma pensão no estilo da inglesa e da portuense, porém o prédio e os quartos eram bem mais amplos. Dividimo­nos entre cariocas e paulistas para decidir quem dorme com quem e tiramos o restante do dia para descansarmos.

A cidade lembrava bastante Amsterdam. No trajeto até ao @EspaceSenghor ia dando vontade de descer para dar um rolé, mas teríamos tempo para isto tanto a seguir ao show quanto na manhã posterior.


Era noite de festa de encerramento de um festival de cinema naquele emblemático teatro cravado no que agora é o Bairro Europeu, já que a poucos metros dali fica o conglomerado que aglutina repartições e diversas instituições da União Europeia. Thiago emplacara ali a sua #Rio50 o compondo assim uma festa no esquema de edições em Paris e em Bruxelas.

E deu certo. O espaço interno principal de dimensão proporcional ao de uma sala de cinema daqui ficou apinhado e quase todos eram locais. O clima foi mesmo mais de after movie do que o de uma night disco, mas muitos arriscaram uns passinhos. Lá pelas tantas o Bernardo me viu na pista meio balançandinho quando entrou uma louraça e se aproximara ­ era tão louraça que chamou atenção mesmo num lugar onde quase todo mundo é louro…


Olhou para mim meio que de soslaio e ao longe e gesticulou com uma dancinha parecendo querer dizer que eu deveria chamar ela na chincha, mas posterguei e o Angelo ­ que vinha descendo do palco ­, assumiu a função e tudo certo.

À saída demos todos um rolé maravilhoso pela área, e já era bem tarde. Ainda teríamos um day off para conhecer um restaurante popular turco self­service especializado em peixes, onde se escolhe dentre os pescados ainda cru e sem limpar dispostos nas bandejas como vemos nas peixarias e só depois seguiam para a cozinha para serem preparados, e para tomar alguma das tão famosas cervejas belgas. Que cidade tão singular é aquela… A casa da Anouk nos aguardava e pegamos um trem até Amsterdam sem o Bernardo, que voltara para Paris por outros


compromissos. Estava chegando ao fim a história da Pose & Effect BR.

Eu escrevi 'estava', né?...



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E

ra algo como sonhar sair da estação de trem no centro da capital holandesa. Não por ser a Holanda… Mas por ser também a Holanda pela 2a. vez e naquele contexto.

Poderia ser outra das cidades que conheci ou nas inúmeras que nunca conhecerei: Amsterdam novamente acompanhado de dois amigos recentes, para ficarmos no próprio apartamento da produtora era inusitado. Tal vibração foi confirmada por outrem logo depois quando ao atravessar o passeio em frente a um dos coffee­shops fui abordado por um cara distribuindo filipetas divulgando o estabelecimento, perguntando algo tipo 'o que você quer sentir? Alegria? Paz? Felicidade?…'.

Anouk já tinha um hóspede. Andava agitando um grande evento dedicado ao graffiti e alojava o


carioca #Ment. Nós também ficaríamos ali mas eu daria a vaga após passar apenas aquela noite. Como tanto eles estavam ocupados quanto o Basa e o Tejo queriam agitar, saímos pela cidade até que a holandesa se despachasse, pois queria nos levar pessoalmente a um lugar especial mais tarde.

Ela pode vir a achar que é conversa, mas foi dos picos mais interessantes que conheci nas viagens. Deveria estar algo melancólico pelo sentimento interior de despedida, mas acho ainda mais é que ela acertou. Catamos umas bikes e fomos pra lá debaixo de chuvisco até eu derrapar num trilho de metrô de superfície lisinho e úmido e me estabacar no chão, sem nenhum dano. Sacudi à poeira e enquanto ainda ríamos chegamos num pub com pinta de cantina e paramos.


Era o tal local especial. A banda que estava sobre o pequeno palco usava instrumentos típicos que lembravam os que vemos em alguns filmes rodados no interior da América, como serrotes tocados com vara para violinos, tambores de marcação, uns pífaros… No balcão, uma garota também da mesma família servia as bebidas aos 'cowboys'. Ficamos os 3 ali parados meio deslocados no início mas a descontração contagiou e fomos curtir na de bar mesmo, até sentirmos que ainda teríamos condições de regressar de bicicleta até em casa.

Depois disto, lembro apenas de estar numa cama improvisada na sala e da Anouk me esticando um cobertor.


pose & effect's world wide web/ O belga @EspaceSenghor onde rolou a festa #Rio50o, encerrando mais um festival de cinema na casa de Bruxelas. Ao lado o flyer da edição em Paris


яБо


e­pí­lo­go


Poucos meses antes de chegar o ano de 2010 e após encerrar o contrato com o jornal em Salvador, voltamos para o Rio de Janeiro, e passamos a funcionar definitivamente apenas como Puri Produções.



[ errata da 1a. parte na sutil digital magazine 8 de 2013 ] ─ O nome do clube onde o Turbo Trio atuou em Amsterdam em 2006 chama-se Sugar Factory, e não como foi grafado na página 3; ─ O empresário do Circa Midan Campal é angolano e não de origem guineense conforme havia nos sido informado; ─ Erro de digitação em 'telefonema' no cap. 12, pág. 92; ─ Erro de ortografia em 'disseminaram' na página 102; ─ Há algumas crases não acentuadas ao longo do texto devido ao teclado e dicionário utilizado naquela edição, mas não as citaremos aqui uma a uma.




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