"Greenwich Park" TAG Inéditos Junho/2022

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GREENWICH PARK

JUN 2022



Olá, tagger Q

uanto pode custar a idealização de uma vida perfeita? Até que ponto podemos confiar de olhos fechados nas pessoas ao nosso redor? São questões como essas que nos mobilizam durante a leitura de Greenwich Park, nosso livro do mês. Obra de estreia da jornalista britânica Katherine Faulkner, esse thriller é protagonizado por uma mulher grávida que, de fato, parece ter a vida dos sonhos. Sua rotina, no entanto, é abalada pela chegada de uma jovem que ela conhece numa aula pré-natal. “Faulkner compõe de forma dinâmica e cuidadosa seu quebra-cabeças narrativo, desenhando a atmosfera da história em ricas passagens descritivas que expõem as sutilezas das relações entre os personagens”, detalha a jornalista Débora Sander ao apresentar o romance nas páginas a seguir. Em entrevista exclusiva à nossa revista, Faulkner comenta que Helen, a protagonista, vem despertando diferentes reações dos leitores. Um traço de seu caráter, porém, se sobressai: a personagem mostra-se excessivamente ingênua. E é sobre a personalidade dela que se debruça a pesquisadora Mariana Soletti — ao final desta edição, ela apresenta uma instigante e esclarecedora análise, sugerida para depois da conclusão do livro. Boa leitura!


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QUEM FAZ

RAFAELA PECHANSKY

JÚLIA CORRÊA

Publisher

Editora

PAULA HENTGES

Designer

ANTÔNIO AUGUSTO

LIZIANE KUGLAND

Revisor

Revisora

Impressão Impressos Portão

Capa Leonardo Iaccarino

Página da loja Gabriela Carneiro

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Por que ler o livro

O livro do mês

KATHERINE FAULKNER GREENWICH PARK

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sumário

Experiência do mês

Entrevista com o autor

Análise

Próximo mês


riamos esta experiência para expandir sua leitura. Entre no clima de Greenwich Park colocando a playlist especial do mês para tocar. É só apontar a câmera do seu celular para o QR Code ao lado ou procurar por “taglivros” no Spotify. Não se esqueça de desbloquear o kit no aplicativo da TAG e aproveitar os conteúdos complementares!

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JORNADA DE LEITURA

C

OUVIR PLAYLIST

4 EXPERIÊNCIA DO MÊS

Marque a cada parte concluída

Vamos lá? Inicie o livro e leia até a página 82 A tensão aos poucos se revela por trás das belas fachadas das casas de Greenwich. O que mais estará escondido para além das aparências? Leia até a página 153 Ok, qualquer pessoa poderia se irritar com uma hóspede como Rachel, mas agora há motivos mais fortes para Helen estar desconfortável e fica cada vez mais difícil defendê-la. Você já tem algum palpite sobre o que poderia explicar esse comportamento? Compartilhe com outros leitores no aplicativo! Leia até a página 291 Não sei você, mas nós vimos nossas certezas desmoronarem uma a uma nas últimas páginas e estamos perplexos junto com Helen. No auge do suspense, não dá pra parar de ler. Seguimos? Leia até a página 384 Uau, sentimos esse baque junto com a protagonista. Estamos quase no final, mas ainda há muitas surpresas pela frente. Vamos lá! Leia até a página 417 Foi uma jornada cheia de reviravoltas, e se há algum alento para as injustiças dessa história, definitivamente é o desfecho que se insinua nas últimas linhas. Esperamos que Greenwich Park também tenha deixado você vidrado e provocado reflexões importantes. Conte no aplicativo o que esse livro fez você pensar, e vamos absorver juntos essa experiência de leitura!

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Greenwich Park pode ter terminado, mas a experiência não!

Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ao lado e escute o episódio de nosso podcast dedicado ao livro do mês. No aplicativo, confira também a nossa agenda de bate-papos.


EXPERIÊNCIA DO MÊS

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Desenvolvida pelo designer Leonardo Iaccarino, a capa de Greenwich Park trabalha a representação da atmosfera do thriller para criar uma conexão com os leitores através das sensações que a história provoca. Tomando como ponto de partida uma imagem da vegetação do parque em Londres, o enredo do livro se insinua metaforicamente: um emaranhado remete à teia de múltiplos e enigmáticos caminhos que permanecem em aberto até o virar da última página. A luva foi desenvolvida como um desdobramento da capa, partindo da mesma imagem, mas com enquadramentos diferentes e com um jogo de cores que gera uma complementação menos óbvia do conjunto. Por fim, a capa da revista resulta de uma solução mais gráfica, brincando com os círculos que também estão presentes na capa, no marcador e na orelha do livro.

Uma frase misteriosa na página 76 de Greenwich Park inspira o mimo do mês. Desenvolvido em parceria com uma das marcas mais amadas pelos taggers, a @marcadouro, o item serve como marcador de página para acompanhar as suas leituras e também como pingente de página para enfeitar a sua estante.

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greenwich park

“Um thriller psicológico de alto nível que o manterá preso até o fim.” Independent

“É sombrio e brilhante nos segredos, mentiras e distâncias extraordinárias que algumas pessoas percorrem para proteger existências perfeitamente forjadas.” Daily Mail

“Katherine Faulkner é incrivelmente talentosa. Greenwich Park é emocionante, assombroso e maravilhosamente cheio de suspense.” Zakiya Dalila Harris, autora de A outra garota negra

POR QUE LER O LIVRO

Livro de estreia da premiada jornalista britânica Katherine Faulkner, Greenwich Park é um thriller psicológico envolvente e bem construído. Com personagens cheios de mistérios e ambivalências, a trama traz à tona temas como amizade, maternidade, aparências e privilégios sociais. Nessa história, nenhum detalhe é casual — e é difícil parar de lê-la enquanto não a desvendamos por completo.



8 O LIVRO DO MÊS

Entre a solidão e a vulnerabilidade DÉBORA SANDER*

Romance de estreia da jornalista britânica Katherine Faulkner põe em cena uma mulher grávida que vê sua rotina pretensamente perfeita ser ameaçada

O

É jornalista formada pela UFRGS e cursa pós-graduação em Direitos Humanos na PUCRS. Passou por projetos como o Fronteiras do Pensamento e a Bienal de Artes Visuais do Mercosul. Hoje, colabora regularmente com a Arquipélago e com a TAG Inéditos.

s muitos paradoxos da maternidade começam já na gravidez, mas, por muito tempo, os discursos sobre essa experiência se limitaram a aspectos de encantamento, entrega e transformação — como se esse processo não deixasse também suas cicatrizes e feridas abertas. Cada vez mais, ainda bem, há mulheres corajosas acrescentando camadas de complexidade à narrativa compartilhada do que é ser mãe. A jornalista britânica Katherine Faulkner é uma dessas pessoas. O enredo de seu romance de estreia, que você recebe neste mês, foi imaginado a partir da própria experiência da escritora com a gestação. No thriller psicológico Greenwich Park, Faulkner abraça uma série de temas caros para as mulheres e olha com maior atenção para a solidão durante a gravidez. Helen, a protagonista, é a privilegiada filha de um arquiteto famoso e mora com o marido, Daniel, na casa herdada dos pais, onde passou sua infância: uma mansão vitoriana junto ao Greenwich Park, em Londres. Sua vida gira em torno de um restrito círculo de relações: Daniel, também arquiteto, trabalha com o irmão mais velho de Helen, Rory, na empresa fundada pelos pais deles. A protagonista passa a maior parte de seu tempo livre interagindo com o marido, o irmão e a cunhada, Serena.


O LIVRO DO MÊS

Quando conhecemos Helen, ela está grávida de 24 semanas e acaba de ser liberada do trabalho para uma licença médica antecipada. A personagem passa a etapa final da gestação praticamente sozinha. As companhias mais assíduas da protagonista são os empreiteiros que trabalham na grande reforma que seu marido decidiu fazer na mansão. Daniel não para muito em casa e dá pouca assistência à esposa. Os colegas de trabalho de Helen não retornam seus convites para sair, sua amiga de infância Katie está envolvida na cobertura jornalística de um importante júri que tomou as manchetes do país, e sua cunhada Serena, também grávida, tem uma vida movimentada em que os encontros com ela não parecem ter muito espaço. Logo nas primeiras páginas do livro, a protagonista se vê inesperadamente sozinha durante um curso pré-natal. Lá ela conhece Rachel, a única colega que também está indo às aulas sem um parceiro. A jovem de 25 anos é espontânea, rebelde e não liga muito para cuidados como evitar álcool e cigarro durante a gravidez. Helen é muito diferente: traumatizada por quatro perdas gestacionais, ela segue à risca todas as recomendações médicas. Mesmo com o contraste entre as duas, Rachel é a companhia possível para seus longos dias livres e, por algum motivo, começa a aparecer em vários lugares que ela frequenta. Seu jeito expansivo beira a intromissão e a inadequação, provocando um incômodo constante na protagonista, mas as investidas de Rachel também preenchem um vazio afetivo para Helen, que permite a aproximação. Em entrevista ao jornal Sunday Times, Katherine Faulkner falou sobre sua implicação pessoal com a trama de Greenwich Park. “No final da minha primeira gravidez, senti que mal conseguia me reconhecer. Meu corpo parecia estranho e imprevisível; meus órgãos, empurrados para o lado por um enorme impostor com cotovelos e pés que apareciam sem aviso por baixo da superfície da minha pele. Minha mente parecia vaga e confusa, como um rádio mal sintonizado. É nesse espaço mental que minha personagem, Helen, se encontra. Eu queria escrever sobre a estranheza, solidão e vulnerabilidade específicas desse período, que

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"Faulkner compõe de forma dinâmica e cuidadosa seu quebra-cabeças narrativo."

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é o que torna possível sua amizade improvável com Rachel”, explicou a autora. Conforme a peculiar relação entre as duas avança, porém, o comportamento de Rachel passa a ser cada vez mais inusitado e desconfortável. Ao mesmo tempo, outras coisas estranhas começam a rondar a vida idealizada de Helen. O próprio tom da narrativa muda, assumindo nuances mais tensas que levam o leitor a desconfiar de quase todos os personagens da trama. Os capítulos se desenrolam seguindo a contagem das semanas de gestação de Helen, e alternam três perspectivas: da protagonista, da sua amiga de infância Katie e da sua cunhada Serena. Em um enredo construído pouco a pouco, Faulkner compõe de forma dinâmica e cuidadosa seu quebra-cabeças narrativo, desenhando a atmosfera da história em ricas passagens descritivas que expõem as sutilezas das relações entre os personagens. Helen, por outro lado, parece desviar o olhar dos sinais que possam ameaçar seu mundo pretensamente perfeito. A cada virar de páginas, Greenwich Park revela uma protagonista complexa em seus traumas, inseguranças, alienações e silêncios. Ao mesmo tempo, e talvez por isso mesmo, Helen se assemelha a uma pessoa real — ela pode não parecer especialmente carismática na visão dos outros personagens, mas traduz de forma genuína e tangível alguns sentimentos e fragilidades que podemos apostar que você também já experimentou. Além da temática da solidão das mulheres durante a gravidez, Katherine Faulkner dá conta de instigar reflexões sobre as frágeis aparências da alta sociedade, os ideais e estigmas reforçados por relações familiares, o impacto de experiências traumáticas no longo prazo e o preço de não assumir a responsabilidade diante de grandes injustiças. “Terminei de escrever Greenwich Park quando meu bebê ainda era pequeno. Depois de meses tomados por fraldas e amamentação noturna, escrever um romance foi como voltar para mim mesma”, declarou Faulkner em entrevista. É esta, afinal, a potência dos livros, para quem escreve e para quem lê: esboçar caminhos de reencontro com nós mesmos. Vamos nessa?


ENTREVISTA

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"SOU UMA LEITORA VORAZ DE SUSPENSES" RAFAELA PECHANSKY*

Autora do mês, Katherine Faulkner conta como concebeu Greenwich Park, revela as suas principais referências literárias e avalia a personalidade de sua protagonista

Ama livros desde pequena. Foi uma das primeiras associadas da TAG, em 2014, e trabalha no clube desde 2018. Atua como publisher, publicando os livros em parceria com editoras brasileiras e na liderança das decisões editoriais dos clubes.

O bairro de Greenwich é fundamental para a história. De onde veio a ideia de ambientar o livro lá? Como é sua relação com o bairro e com a cidade de Londres? Greenwich é uma parte de Londres que eu visitava muito quando criança. Nós íamos de barco pelo rio e descíamos em Greenwich, e depois passeávamos pelo parque ou pelo navio Cutty Sark, e sempre parecia uma aventura. Greenwich sempre me marcou como um lugar muito evocador. Como muitos lugares em Londres, você sente como se estivesse passando por diversas camadas de tempo e história, e os fantasmas do passado parecem muito presentes. Gosto muito disso, tanto quanto das partes belas — o parque, o mercado, as lindas casas onde imaginei meus personagens morando. Há um verdadeiro submundo decadente em Greenwich, com o túnel, o rio e as áreas menos salubres, e acho que é por isso que combina tão bem com a história. Mesmo assim, ambientar o livro lá não foi uma decisão consciente. Eu comecei com a ideia dessa amizade nociva, que se forma em um curso de gestante, e trabalhei a partir disso. Foi ao começar a escrever as cenas que percebi que estava imaginando Greenwich, as duas se encontrando no mercado. Foi meu tutor na Faber Academy, onde eu estava fazendo um curso noturno enquanto escrevia o romance, que me estimulou a usar Greenwich mais claramente como parte da história.


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Você se inspirou em livros de suspense para escrever o livro? Quais são as suas referências literárias? Sim! Sou uma leitora voraz de suspenses. Acho que é muito importante ler o que outros autores do mesmo gênero estão escrevendo, e isso certamente nos estimula a melhorar. Felizmente, há várias mulheres brilhantes escrevendo romances de suspense, ou com elementos de suspense — Stephanie Wrobel, Louise Candlish, Lucy Atkins, Louise Doughty e Sarah Vaughan, por exemplo —, com personagens difíceis, peculiares, multifacetados, com vidas interiores complexas. É exatamente desse tipo de suspense que gosto, e é o que sempre quis escrever. Ao mesmo tempo, leio vários outros tipos de ficção e não ficção, e tiro muitas ideias do meu trabalho como jornalista e da leitura de jornais e revistas. Como provavelmente todos os escritores da minha geração, minha principal inspiração é Margaret Atwood — sua prosa implacável, a forma como se arrisca na estrutura, a engenhosidade de seus enredos, a riqueza de seus personagens e os mundos que cria. Patricia Highsmith também foi uma grande influência para mim — adoro seus personagens desagradáveis e a maneira como acabam entrando em relacionamentos inquietantes e nocivos. Sempre adorei a forma como F. Scott Fitzgerald escrevia sobre a sedução e o deslumbramento do dinheiro e da

A autora do mês, Katherine Faulkner. Arquivo pessoal


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riqueza e a disparidade entre aparência e realidade na vida das pessoas. A escrita de Jean Rhys sempre me marcou muito por tratar do sentimento de estar perdida, a solidão, a vulnerabilidade e o significado de ser uma jovem mulher, uma outsider. Mais recentemente, fui fortemente influenciada por Deborah Levy — li Nadando de volta para casa na época em que estava começando Greenwich Park, e mergulhar na chegada de Kitty àquele grupo de estranhos e nos atritos que isso causa me ajudou muito a identificar o tipo de atmosfera que eu queria criar com Rachel em Greenwich Park. A gravidez parece um elemento estruturante da trama, como se pode notar na própria divisão dos capítulos. Você poderia explicar essa escolha? Logo que tive a ideia para Greenwich Park, o foco era a história de uma amizade nociva e como pode ser difícil se desvencilhar disso. Depois, quando fui para o curso de gestante, imediatamente percebi que esse era o cenário perfeito para a história! Fiquei tão impressionada com a ideia de esperarem que me tornasse amiga desse grupo de estranhas, que compartilhasse informações com essas pessoas que eu mal conhecia. Comecei a imaginar o que poderia acontecer se uma dessas mulheres realmente tivesse segundas intenções, ou desejasse mal a outra, e foi assim que nasceu a história. Enquanto escrevia, percebi que, durante a gravidez, contamos o tempo em semanas, e até dias, de uma maneira que não fazemos na vida normal — porque você está sempre em contagem regressiva para essa transformação física e emocional que vai mudar a sua vida, embora não compreenda realmente como. Há uma espécie de tensão e ansiedade inerentes a essa contagem e, por isso, pareceu ser a estrutura perfeita para o romance. Helen se mostra uma personagem bastante ingênua e às vezes temos vontade de gritar algumas verdades a ela. Como é a sua relação com os personagens? Como acontece essa construção? Eu me diverti muito criando Helen e adoro ouvir as diferentes reações a ela, o que parece variar a cada

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"Na minha ingenuidade como autora estreante, pensei que poderia simplesmente criar meus personagens como quisesse."

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país! Muitos leitores ficam enlouquecidos com ela, o que eu entendo! Acho que você tem toda a razão em dizer que ela é ingênua, de várias maneiras. Sua ingenuidade está muito ligada ao seu privilégio, e isso explica por que é pouco confiável e até mesmo cega em relação ao que acontece em sua própria vida. Também explica por que aceita Rachel como amiga e é incapaz de se desvencilhar da situação quando começa a se incomodar com a presença dela. Para mim, criar Helen foi uma forma de explorar — de forma exagerada — alguns sentimentos que, acredito, todo mundo tem de vez em quando: nervosismo e ansiedade em novas situações sociais, falta de assertividade com pessoas que parecem estar se aproveitando de nós e uma insegurança constante em relação aos nossos próprios julgamentos. Helen não é o clássico narrador não confiável — ela é mais complexa do que isso. É uma narradora que duvida tanto de si mesma e dos seus próprios julgamentos que acredita ser menos confiável do que realmente é. E essa insegurança impede que ela tome atitudes, até que seja tarde demais. Tenho achado as reações das pessoas a Helen especialmente interessantes. Na minha ingenuidade como autora estreante, pensei que poderia simplesmente criar meus personagens como quisesse — não estava preparada para o fato de que muitos leitores teriam uma série de expectativas em relação às minhas personagens femininas, especialmente a personagem principal. Mas é claro que têm! No passado, esperava-se que personagens femininas de ficção fossem “simpáticas” e não muito subversivas. Essa expectativa é, obviamente, muito machista e ultrapassada, e parece estar desaparecendo, felizmente — mas também parece ter sido substituída por uma expectativa de que todas as personagens principais femininas sejam poderosas, assertivas, confiantes, prontas para se defender. Acho que decepcionei algumas pessoas com a Helen, porque ela não é uma heroína feminista óbvia nesse sentido. Acho que algumas pessoas se incomodaram bastante com essa personagem principal insegura, com dificuldade de encontrar sua própria voz. Quero acreditar que a ficção tem espaço para todos os tipos de personagens


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femininas complicadas, multifacetadas, e rejeito a ideia de que existe uma “forma certa” de criar um personagem principal, independentemente do seu gênero. O final da história é bombástico e tenho certeza de que deixará todo mundo chocado. Em que momento você soube que esse seria o desfecho? Eu sou fascinada por finais, provavelmente por causa dos meus estudos de História na universidade e meu trabalho como jornalista. Isso me ensinou, acima de tudo, que as histórias nunca acabam — não para os envolvidos — e que nunca há apenas uma versão dos acontecimentos. Sempre me intrigou a maneira como diferentes versões da verdade surgem em, digamos, inquéritos ou julgamentos no Tribunal da Coroa, e, depois, o júri basicamente escolhe qual versão acredita ter acontecido, e essa se torna a verdade legal, oficial, histórica — independentemente de ter acontecido ou não, ou de muitas pessoas relacionadas aos acontecimentos considerarem essa versão verdadeira ou não. Eu sempre soube que queria ter mais de uma versão plausível para os acontecimentos. Por isso, quando escrevi o livro, tomei cuidado para manter várias possibilidades. Até que, certo dia, sentei e decidi como seria a revelação e como a carta acabaria, e acho que escrevi por umas 12 horas seguidas até ficar satisfeita!

Tradução: Ana Beatriz Fiori

Como você se sente com a publicação de seu livro no Brasil? Pode mandar uma breve mensagem aos associados do nosso clube? Estou extremamente feliz com o lançamento do livro para os brasileiros, e espero que gostem! Mal consigo acreditar que meu livro vai viajar até o Brasil. Eu visitei o Brasil na primeira vez que fiz um mochilão (para a Venezuela), quando era adolescente. A América do Sul parecia ser o lugar mais empolgante do mundo naquela época, e eu adoraria voltar. Para os associados do clube de livros: muito obrigada por escolherem Greenwich Park. Espero que vocês gostem da história. Uma das coisas mais legais em publicar um livro é receber essas mensagens de pessoas do mundo inteiro — então, por favor, contem-me o que acharam nas redes sociais. Eu vou adorar saber a opinião de vocês!

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16 ANÁLISE ATENÇÃO: Este texto apresenta conteúdo sensível para spoilerfóbicos.

Protagonista no divã MARIANA SOLETTI*

Conceitos da psicanálise ajudam a entender o que há por trás da aparente ingenuidade de Helen Haverstock, personagem principal de Greenwich Park

E

É formada em Jornalismo e Letras/Inglês pela PUCRS, cursa Letras/ Português e é mestra em Teoria da Literatura pela mesma universidade. Trabalha com redação e revisão textual e pesquisa literatura em língua inglesa e psicanálise.

nquanto Helen Haverstock está tentando se ocupar das tarefas domésticas, cuidando das roupas de bebê, atentando-se à reforma da sua espaçosa mansão e buscando limpar a casa na espera de seu primeiro filho, uma segunda trama se desenrola em paralelo à sua pacatez. O marido e o irmão estão sendo chantageados pela sua nova melhor amiga, que conhece os mais profundos segredos da família. A cunhada tem um caso com Daniel, seu marido, e busca uma fuga silenciosa que deixará a protagonista sem um tostão. Como resposta às mais variadas dicas de que algo pode estar errado, Helen pensa: "Cuidar da roupa é, provavelmente, um mecanismo de defesa, uma fuga. Mas parece funcionar melhor do que a maioria das coisas. O chiado suave do ferro, as nuvens de vapor que vêm e vão diante dos meus olhos, o alisamento dos vincos, tudo isso é hipnótico de alguma forma". As nuvens de vapor em seus pensamentos podem ser lidas como uma metáfora inteligente para a cortina de fumaça que Helen criou para não encarar a realidade dos fatos. Debaixo de seu próprio nariz, uma "grávida" comendo alimentos crus e ingerindo bebidas alcoólicas em qualquer situação, apropriada ou não; uma mala com pertences seus e do marido roubados; um casamento que se torna frio, cuja outra metade está mais ocupada com os compromissos de trabalho do que com os trâmites para o nascimento do filho tão esperado, e isso vai do curso de


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pré-natal até as compras para o quarto do bebê; e uma cunhada invejada e admirada em quem Helen não encontra um colo. Se Katherine Faulkner disse que precisamos ler a ingenuidade da protagonista levando em consideração seus privilégios, é necessário pontuar que as voltas que ela dá até entender o que está acontecendo podem incomodar os leitores. No entanto, a construção da sua história faz muito sentido: ela não consegue sair da trama que Rachel e os outros criaram para ela, seja qual for a intenção de cada um, porque não consegue deixar de lado a ideia de ter uma família nuclear, um relacionamento funcional e a aparência da felicidade. Ora, uma herdeira que estudou em Cambridge pode se dar o luxo de estar no meio de um escândalo nacional? Assim, o desejo de manter uma vida irretocável vem como um mecanismo de defesa para esconder os defeitos de uma rotina (não tão) perfeita. Sigmund Freud entende o deslocamento como um "processo primário", ocorrendo quando há a substituição de uma representação por outra, de modo que, na verdade, se gostaria de dar mais importância à primeira do que à segunda. A princípio, isso foi discutido como um movimento onírico, mas nosso inconsciente pode transferir as emoções na vida de vigília, em que as ansiedades são aliviadas diante de impulsos agressivos ou sexuais. Helen Haverstock não sonha durante a narrativa. Entretanto, desconta em outras pessoas os sentimentos ligados a

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18 ANÁLISE

"Helen é, ao mesmo tempo, protago­nista e coadjuvante de tudo que acontece durante as mais de quatrocentas páginas de suspense." quem está lhe fazendo mal. Charlie, seu irmão mais novo, é visto como um transgressor. O seu trabalho é informal, há abuso de substâncias e, realmente, ele parece sofrer de uma adolescência tardia, julgada por todos a seu redor. Rory, o irmão mais velho de Helen, também é visto como o principal problema em variadas passagens do livro; ele e Daniel tornaram-se sócios do escritório de arquitetura Haverstock, inaugurado pelo pai de Helen e seus irmãos. Da sua prisão pelo assassinato de Rachel até os problemas financeiros da firma, é Rory o centro das atenções. Até mesmo seu próprio caso extraconjugal ofusca o caso extraconjugal mais importante da trama. Helen Haverstock é, ao mesmo tempo, protagonista e coadjuvante de tudo que acontece durante as mais de quatrocentas páginas de suspense. Na verdade, ela é uma mulher perdida em todas as possibilidades dos entrelaces, pois, em algum movimento de culpa e prazer em detrimento de seus privilégios, busca entender da melhor maneira os melhores lados das piores pessoas que estão ao seu redor. Dessa maneira, a identidade "inexiste" para que ela se sacrifique em prol dos erros dos outros. Contraditoriamente, suas próprias problemáticas estão imersas no emaranhado de plot twists. Não à toa, Helen prontamente "acolheu" a coitada da Rachel, como um ato de benevolência esperado da mulher que ela almejava ser, pensando em todas as qualidades da cunhada Serena. Otto Rank, um dos discípulos favoritos de Sigmund Freud, publicou um famoso estudo sobre o duplo em 1914. Nele, o duplo é visto como uma projeção de processos identitários. No livro, utilizou diversos


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exemplos literários, sendo um deles o conto “William Wilson”, de Edgar Allan Poe, em que há uma tolerância exacerbada por parte do protagonista em relação a seu duplo, que compartilha com ele nome, aniversário, aparência, fala e outros trejeitos. Apesar do aspecto sinistro, William Wilson não consegue odiar “sua contraparte, e também não consegue se livrar dos ‘conselhos secretamente aludidos’ por ele, obedecendo a eles de má vontade”. A tolerância faz com que o duplo possa ser visto paradoxalmente tanto quanto protetor quanto perseguidor. Quando Helen começa a entender que a presença de Rachel em sua vida terá reverberações inesquecíveis, o duplo se junta à ideia de paranoia, que tem uma disposição clássica para o narcisismo. A explicação tradicional de Freud é que a paranoia se relaciona com ideias de supervalorização do próprio eu e com o conceito de megalomania. A perseguição que Helen sente em relação a Rachel é, tomando as palavras de Otto Rank, uma defesa "contra a sua descoberta sem disfarces, com os mecanismos paranoicos característicos da projeção". De acordo com o mesmo autor, representações literárias do duplo confirmam o alinhamento freudiano do transtorno narcísico à paranoia. Em vários momentos de Greenwich Park, Helen não sabe quem é ela e quem é Rachel. Uma mulher, grávida, ocupa sua casa e faz parte de sua família. Ela usa o vestido azul e aveludado de sua mãe. Quem é quem nessa história? A nossa hipótese de que Helen Haverstock é protagonista e coadjuvante continua em pé. Protagonista, pois é ela a detentora da voz mais desenvolvida do livro, e suas emoções são postas em foco na narrativa. Coadjuvante, porque vive todo o conflito através da percepção que tem sobre o que há por fora, não por dentro. Como seria Helen uma narcisista? A explicação está no intuito de ela buscar a validação dos outros por meio de uma postura supostamente empática, que se traduz em ingenuidade para a sociedade. Quem nos manipula em Greenwich Park é Helen Haverstock antes de qualquer pessoa. Mas conhecê-la por inteiro não é a tarefa mais fácil do mundo.

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vem aí

agosto

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Prepare-se para fortes emoções! O livro do mês de aniversário da TAG é uma ficção histórica tocante e envolvente. Em meio a acontecimentos trágicos, acompanhamos trajetórias de mulheres fortes e resilientes em uma trama mobilizada por temas como o amor, o pertencimento e a busca de liberdade. Para quem gosta de: ficção histórica, dramas, personagens femininas fortes

Best-seller do New York Times, o livro de agosto tem como protagonista uma jovem aspirante a escritora que, aos 31 anos, vê a sua vida entrar em crise. Para realizar o sonho de seguir uma carreira criativa, ela precisará lidar com a depressão e outros desafios que se impõem em sua rotina, envolvendo também dilemas amorosos. Para quem gosta de: ficção contemporânea, histórias de amadurecimento, protagonistas envolventes



“Existe apenas uma solução para o intrincado enigma da vida: melhorar a nós mesmos e contribuir para a felicidade dos outros.” – O ÚLTIMO HOMEM, MARY SHELLEY


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