OUTRA BIZARRA SALADA 2023

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ORQUESTRA METROPOLITANA DE LISBOA

DIREÇÃO BEATRIZ BATARDA

DIREÇÃO MUSICAL CESÁRIO COSTA

COM
A PARTIR DE KARL VALENTIN
BRUNO NOGUEIRA RITA CABAÇO
teatrosaoluiz.pt 2023 M/12
© Beatriz Batarda
18- 25 FEV

BEATRIZ BATARDA

Quando, em 2011, fui convidada pela Aida Tavares para encenar um espectáculo a partir de textos do clown Karl Valentin, que contaria com a interpretação da Orquestra Metropolitana de Lisboa, dirigida pelo Maestro Cesário Costa, e do humorista e actor Bruno Nogueira no papel de Valentin, interessou-me particularmente a oportunidade de juntar à música o teatro físico e das palavras, para evidenciar uma crítica social e política. Intuía que esta crítica não se faria unicamente na constatação, antes através de uma interpretação da minha contemporaneidade capitalista debaixo do escrutínio da Troika. Durante o período de pesquisa, os nomes dos anti-capitalistas Erwin Piscactor, Bertolt Brecht e Kurt Weill assaltavam o meu imaginário, assim como as ilustrações satíricas de Georg Grosz e o teatro resultante do horror vivido nas trincheiras da Grande Guerra 1914-18. Desenharam-se jogos de luz e sombra de objectos metálicos e um “homem voador” ao som de música do séc. XIX; os figurinos das actrizes (Luísa Cruz e eu), remetiam para os anos convulsos da República de Weimar em que, depois de se ver o valor da vida reduzido a nada, o erotismo surgia como um antídoto para a morte. Nesse ambiente íntimo e misterioso, entre plumas azuis e meias altas de seda magenta, cantava-se e dançava-se ao sabor do estilo cabaret, como se de uma promessa de melhores dias se tratasse.

Hoje, contam-se cem anos desde que o Dadaísmo e o Surrealismo irrom-

piam para questionar as fronteiras entre a sociedade normativa, aquela de que nos fala a narrativa oficial, e o mundo real, onde a desconformidade e o acaso determinam a sua lei. Entre essas fronteiras, na terra de ninguém, nascia o intervalo cómico explorado por Karl Valentin nos acidentes da linguagem, que davam a ver as sobras do mundo ocidental depois de atravessar uma crise económica, uma Grande Guerra, uma pandemia causada pelo influenzavírus A (H1N1), e em vésperas da ascensão do Nazismo. É no rescaldo de outra pandemia causada, desta vez, pelo coronavírus (Sars-Cov-2), inquietos com o anúncio do avanço da maior recessão global desde a Grande Depressão, que assistimos a estranhas movimentações do mundo que geram fluxos incertos. A nossa contemporaneidade impacienta-se na urgência de encontrar novas formas de abordar a vida no planeta, novas formas de organização social e económica, e exigem-se reajustes profundos que vão desde a revisão do uso das palavras à abolição da energia fóssil. É nos curtos intervalos de correntezas como estas, em que o medo e o ressentimento ganham protagonismo, que nos agarramos ao humor para ultrapassar o que nos assusta e reflectir, brincando, sobre a natureza do permanente desarranjo do mundo e das suas questionáveis divisões.

Talvez seja esta última, a primeira das razões que fizeram com que quisesse revisitar A Bizarra Salada. Até porque, se desistir de afilar a crítica

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Fotografias de ensaio © Estelle Valente

social e política sem condescendência, estarei a falhar naquilo que considero a primeira responsabilidade do artista, a de fazer uso da liberdade. Outra das razões, talvez a mais próxima, será a de ver em cada encenação a possibilidade de encontro com pessoas que admiro, cuja abordagem ao trabalho me devolve um sentido de pertença, e com quem gosto de pensar. Passados 12 anos da primeira versão deste espectáculo, volto a cruzar-me com Aida Tavares, Tiza Gonçalves, Hernâni Saúde, João Santos, Marta Pedroso, Ana Cristina Lucas, e restante equipa do São Luiz com quem trabalho desde 2007; e claro, com o Maestro Cesário Costa, João Pires, Artur Raimundo, e a Orquestra Metropolitana de Lisboa, da qual destaco os cúmplices Ana Pereira, Ana Claúdia Serrão, Inês Marques, Janete Santos, Joana Cipriano, Joana Dias, Jorge Camacho, João Moreira, Irma Skenderi e Sérgio Charrinho. Revê-se a cor das imagens com o Nuno Meira, com quem colaboro desde 2008. Ajusta-se com o Cesário Costa a escolha da música, mantém-se Lisboa será Sempre Viena, de Tiago Derriça, Contos de Hoffmann, de Jacques Offenbach, Poeta e Aldeões, de Franz von Suppé, The Merry Wives of Windsor, de Otto Nicolai, Valentin Canta e Ri, de Paulo Brandão, e junta-se Concerto para Flauta e Cordas, de Anne Victorino d’Almeida.

Neste encontro, reúnem-se todas as vontades para que este espectáculo –que parece mais fácil do que é – dê lugar ao rigor e à leveza – essenciais aos tempos na música e de comédia – e assente à medida nos seus talentosos intérpretes, Bruno Nogueira e Rita Cabaço.

Sabendo que é verdade que, dependendo das épocas, o humor e a sátira adoptaram diversas expressões, podendo ser tristes ou feéricos, solitários, poéticos, filosóficos, críticos, absurdos ou surrealistas, os nossos dias parecem-me ser dias de misturas porque, afinal de contas, nada é fixo ou constante. Partimos de um ensaio/concerto que é interrompido por palavras que pouco ou nada acrescentam, a não ser a frustração colectiva de não se conseguir andar para a frente. A orquestra, um corpo social complexo – também ele mais problemático do que possa parecer – assume aqui o lugar de protagonista, enquanto metáfora para a organização do mundo e das suas perplexidades. Escreve-se “com mãos em lágrimas” uma carta de amor não correspondido e assiste-se à dor provocada pelos desencontros, tão difíceis de compreender e, pior, de aceitar. Com a guerra espalha-se a inflação e normaliza-se a escassez, recorre-se à economia da troca por troca, perdem-se, entre outras coisas, as nuances dos sabores e as receitas mais se parecem com ajuntamentos de incomestíveis. Da fumaça e dos vapores, regressa uma promessa de salvação, para um animal de estimação e para o riso, e também para o eco das reivindicações do direito à festa. Na rua, passam as vidas que correm, “bicicletas, pessoas, gente, público, transeuntes, uma grande multidão” composta por pessoas de muitas cores e feitios, diferentes ou não, mas todas bizarras à sua maneira, iguais nos seus direitos e responsabilidades. No teatro, passa por nós um desfile de Carnaval que interrompe a música e as palavras, é mais uma vez Valentin

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a desconversar, a criar confusão como manobra de confronto com a opressão do quotidiano. Convoca-se para a festa uma orquestra em convulsão, uma maestrina em esforço, um músico especialista no boicote, mais “dois rolos de serpentinas a guarnecer as terrinas, vinha-d’alhos de oito dias com ensopado de enguias, tinta de óleo marinada, dois ratos de caldeirada, mexe-se bem com a colher, tudo isto que disse e mais se houver”. É a receita de Outra Bizarra Salada, coma-a toda e não deixe ficar nada.

Antes que se encerrem as contas, quero ainda agradecer às Causas Comuns o carinho com que abraçaram

a Offkey Produções neste projecto, e ainda ao amigo José António Tenente, Glória Rosa, Marta Levezinho, Patrícia Dória, Teatro do Bairro, São Luiz Teatro Municipal e Orquestra Metropolitana de Lisboa. Agradeço em especial, a alegria dos “transeuntes” que entenderam que era o seu lugar dar resposta a esta convocação pelo direito à festa. Por fim, agradecemos a dedicação das instituições ACT- Escola de Actores, Companhia Maior, Associação para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo, Associação de Pais 21, Associação Salvador, Associação Semear, Casa da Estrela, Casa da Praia, Aldeia S.O.S..

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BRUNO NOGUEIRA

Há muitos anos fui desafiado a encontrar um projecto para fazer com a Orquestra Metropolitana de Lisboa. A proposta tinha tanto de entusiasmante como de assustadora - esta coisa da “carta branca” é uma vertigem que pode ser um estoiro bom ou mau. Saltando muita história, em 2011 estreámos então no Teatro São Luiz o espectáculo Uma Bizarra Salada, com encenação de Beatriz Batarda, e com a Luísa Cruz, eu, o maestro Cesário Costa, e a Orquestra Metropolitana de Lisboa no elenco. Pegámos em textos do autor alemão Karl Valentin, e foi uma alegria levar a palco um universo que era desconcertante, insano, cómico, e romântico, tudo ao mesmo tempo.

Quando a Aida Tavares (directora artística do São Luiz) nos desafiou a voltar a levar a cena este espectáculo, era fácil esquecer a frase feita “nunca voltes ao sítio onde foste feliz”. Não se deixem enganar, essa frase foi pensada por alguém que se cansou de ser feliz.

E assim foi. Os textos não mudaram, mas mudaram muito os tempos e o meu olhar sobre eles (textos e tempos). Desta vez tenho a companhia da Rita Cabaço, que vem brincar comigo e com a orquestra, e com quem descubro novas coisas passados estes anos todos, nos textos e nos tempos. Ter feito este espectáculo com a Luísa Cruz há 12 anos, e revisitá-lo agora com a Rita, são dois dos muitos presentes que me foram dados nesta profissão. Mantém-se a orquestra, e a belíssima direcção musical do maestro Cesário Costa. O olhar delicado, certeiro e inesperado da Beatriz Batarda, é uma sorte ainda maior que faz com que esta Outra Bizarra Salada seja uma aventura nova, com memórias doces. E o São Luiz, casa onde encontro sempre a feliz razão pela qual volto.

Não sei como vai correr para quem estiver sentado a ver na plateia, mas para quem está em palco é uma noite muito feliz. Quem me dera que a pudessem levar convosco.

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Os autores escrevem segundo a antiga grafia.

OUTRA BIZARRA SALADA

DE BEATRIZ BATARDA

A PARTIR DE TEXTOS DE KARL VALENTIN

BRUNO NOGUEIRA, RITA CABAÇO E ORQUESTRA METROPOLITANA DE LISBOA DIREÇÃO MUSICAL CESÁRIO COSTA

Sala Luis Miguel Cintra quarta a sábado, 20h; domingo, 17h30

Duração: 1h30 (aprox.); M/12 €8 a €15 (com descontos)

Música de: Tiago Derriça, Anne Victorino d’Almeida, Franz von Suppé, Jacques Offenbach, Otto Nicolai; Arranjos: Tiago Derriça; Direção de Orquestra: Cesário Costa; Direção: Beatriz Batarda; Dramaturgia: Beatriz Batarda, Bruno Nogueira; Tradução: Luiza Neto Jorge e Maria Adélia Silva Melo; Interpretação: Bruno Nogueira, Mariana Lobo Vaz, Rita Cabaço e Orquestra Metropolitana de Lisboa*; Desenho de Luz: Nuno Meira e Alexandre Costa; Guarda-Roupa: Patrícia Dória; Desenho de Som: Sérgio Milhano (PontoZurca); Assistência à Encenação: Mariana Lobo Vaz; Coordenador de Equipas: Bernardo Souto; Direção de Produção: Rita Faustino; Produção Executiva: Mariana Dixe

*Nuno Inácio, Janete Santos (flautas); Sally Dean, Carla Pereira (oboés); Nuno Silva, Jorge Camacho (clarinetes); Lurdes Carneiro, Rafaela Oliveira (fagotes); Daniel Canas, Jérôme Arnouf (trompas); Sérgio Charrinho, João Moreira (trompetes); Fernando Llopis (tímpanos); João Duarte (convidado, percussão); Ana Ester Santos (convidada, harpa); Ana Pereira, José Pereira, Carlos Damas, Diana Tzonkova, Joana Dias, Inês Marques (estagiária OML), Alexêi Tolpygo (1ºs violinos); Ágnes Sárosi, José Teixeira, Anzhela Akopyan, Daniela Radu, Nonna Manicheva, Diana Esteves (estagiária OML) (2ºs violinos); Joana Cipriano, Irma Skenderi, Andrei Ratnikov, Pedro Pires (estagiário OML), Valentim Petrov (violas); Nuno Abreu, Catarina Gonçalves, Jian Hong, Ana Cláudia Serrão, Tiago Mirra (estagiário OML) (violoncelos); Ercole de Conca, Vladimir Kouznetsov (contrabaixos)

Produção: São Luiz Teatro Municipal, em parceria com Causas Comuns e Metropolitana, com o apoio da Offkey Produções Artísticas

A Causas Comuns é uma estrutura financiada pelo Governo de Portugal – Ministério da Cultura / DireçãoGeral das Artes e é membro da Performart – Associação para as Artes Performativas em Portugal

Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Catarina Ferreira, João Romãozinho, Marta Azenha Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Cláudio Marto, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Rui Lopes Operação Vídeo Filipe Silva Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Diana Bento, João Reis, Pedro Xavier

18 a 25 fevereiro 2023 música / estreia
teatrosaoluiz.pt

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