4 minute read

POPULAÇÃO PENAL ANGOLANA E SAÚDE MENTAL - PERSPECTIVA PSIQUIÁTRICO-FORENSE

I - INTRODUÇÃO

O Serviço Penitenciário da República de Angola é o órgão do Ministério do Interior encarregue de garantir a execução das penas privativas de liberdade e medidas de segurança impostas pelos Tribunais, bem como o controlo dos sujeitos a prisão preventiva, garantindo a sua reabilitação multidimensional e reinserção na sociedade, bem como a prestação da assistência médico-sanitária, que corresponda às exigências indispensáveis de profilaxia, promoção e tratamento da saúde dos reclusos, sem descurar a assistência psicossocial, a luz da Lei Penitenciária (Lei n.º8/08 de 29 de Agosto).

II - CARACTERIZAÇÃO

A população penal angolana internada nos estabelecimentos prisionais ronda actualmente os 22.200 reclusos, sendo 10.300 preventivos e 11.900 condenados, apresentando uma média de 31 anos de idade.

III - SOBRE A SAÚDE MENTAL

Conceitualização

A saúde mental é uma parte integrante do conceito geral de Saúde, ou seja, um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.

Pode ser encarada como algo mais do que a ausência de doença mental, mas como elemento positivo, um recurso com valor intrínseco, um bem importante para a saúde física e para qualidade de vida, um fundamento universal de bem-estar individual e uma condição essencial ao funcionamento adequado da pessoa e da comunidade, independentemente de factores geográficos e culturais. Factores como condições de trabalho, rendimento salarial, o estatuto educacional e a qualidade das relações interpessoais constituem elementos essenciais à saúde mental positiva. A falta destes pressupostos no domínio da qualidade de vida dos cidadãos representa uma desestabilização da saúde mental e proporciona a perturbação mental, derivada de problemas sociais, culturais e/ou económicos.

Situação actual

A população penal angolana apresenta uma prevalência significativa de morbilidade psiquiátrica, destacandose os transtornos de personalidade, droga-adição (cannabis, álcool e crack), transtornos psicóticos, transtornos afectivos, epilepsia e oligofrenias. Actualmente, no que tange a recursos humanos qualificados, contamos com médicos psiquiatras, psicólogos clínicos, assistentes sociais, bem como enfermeiros especializados, constituindo o corpo de profissionais de saúde mental que cobre a intervenção em promoção, psicodiagnóstico, terapêutica e reabilitação da população penal acometida por alterações comportamentais, psiquiátricas e psico-emocionais. Em Angola, existem estruturas de apoio à Saúde Pública que visam a assistência médica especializada, no domínio da saúde mental. O Hospital Penitenciário Psiquiátrico, inaugurado em 2013, representa, no âmbito da humanização dos Serviços Prisionais, um marco significativo, visando responder à elevada prevalência de perturbações mentais no seio da população penal. Torna-se preocupação para o Serviço Penitenciário a assistência psicossocial especializada, direccionada para a identificação e classificação causal do comportamento criminoso. Para além da assistência psiquiátrica e psicológica, o hospital produz perícias forenses para os órgãos judiciários e judiciais, realiza formação em saúde mental e é o núcleo embrionário de uma rede de cuidados de saúde mental que se pretende implementar ao nível do sistema penitenciário. Para além da capacidade especializada mobilizada para responder aos desafios que se impõem, a Psiquiatria Penitenciária está equipada com meios de diagnóstico e terapêutica, como electroencefalograma, RX, terapia electroconvulsiva, laboratório de análises clínicas e estomatologia. Uma das principais tarefas dos profissionais de saúde mental está ligada à pesquisa activa para detectar precocemente os portadores de transtornos mentais e, por meio de mecanismos de referência e contra referência, processar-se o internamento e posterior acompanhamento em ambulatório. O crescente aumento de pedidos de perícias forense reflecte, na nossa modesta visão, uma maior sensibilidade social ao portador de transtorno psiquiátrico e a convicção judicial de que a perícia é uma ferramenta de prova para decisão do juiz e o perito, inevitavelmente, um agente auxiliar na administração da Justiça. A cooperação entre os profissionais de saúde mental e os órgãos de justiça (judiciário e judicial) tem contribuído significativamente na redução da criminalização do doente mental.

IV - PERSPECTIVAS

A psiquiatria no mundo contemporâneo procura compreender os aspectos peculiares do comportamento humano. Num país que viveu um longo conflito armado, são cada vez mais frequentes comportamentos anormais. A grave situação económica, com repercussões na condição social dos angolanos, também tem precipitado acções criminosas. Neste contexto, e com o objectivo de dar resposta aos desafios supracitados, perspectivamos:

• A instalação e funcionamento em pleno de um Centro de Estudo Psicodiagnóstico, de modo a promover e desenvolver acções na perspectiva das ciências humanas e comportamentais, para elaborar estudos de investigação científica que permitam a definição de estratégias de saúde mental, no seio da população reclusa.

• O treinamento em matéria de saúde mental para os oficiais da polícia e da magistratura, potenciando os agentes socializadores de ferramentas ligadas à higiene mental, bem como a intensificação dos cuidados em saúde mental nos estabelecimentos prisionais são passos que devem ser dados no sentido de evitar o encarceramento de pessoas portadoras de doenças mentais graves.

V - CONCLUSÃO

Concluímos que constitui um imperativo urgente o alargamento dos cuidados de saúde mental nas vertentes de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, ao nível do Sistema Nacional de Saúde Penitenciária, com o objectivo de potenciar uma saúde integral positiva, não somente para a população reclusa, mas também para os operadores penitenciários. Actualmente, os media têm veiculado, de forma recorrente, comportamentos e atitudes pouco abonatórias de alguns agentes da nossa corporação policial em relação aos cidadãos. Por esse motivo, considerámos e recomendámos a inclusão de acções de saúde mental no rastreamento, acompanhamento, monitorização, tratamento e reabilitação de todos os efectivos do órgão portadores de conduta desviante. Os aspectos focalizados que visam a instabilidade na saúde mental dos cidadãos, incluindo reclusos, dependem em grande parte do contexto e da qualidade de vida destes. O meio social é que define o indivíduo e as carências influenciam as acções delituosas. Assim sendo, Angola deve continuar a envidar esforços para a garantia das necessidades básicas dos cidadãos, mas também a criação de autonomia para que as pessoas afectadas possam apreciar e alcançar uma melhor qualidade de vida, por forma a serem participantes activos no desenvolvimento do país.

This article is from: