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No Seminário das Educandas de Nossa Senhora da Glória

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A ilustradora

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Geme na min’halma, A alma do Congo, Do Níger da Guiné, De toda África enfim A alma da América A alma Universal

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Quem tá gemendo Negro ou carro de Boi? Quem tá gemendo?, Solano Trindade

Oseminário funcionou primeiramente na sede do hospital da Santa Casa, na chácara dos Ingleses. Posteriormente foi transferido para o antigo prédio do Hospital Militar, na Ladeira do Acu (atual Avenida São João, onde encontra-se o prédio dos Correios), perto do Beco do Sapo. Foi criado pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo para servir de recolhimento e ministrar a educação primária, prendas domésticas e profissionais gratuitamente às órfãs de pais militares, ou as que fossem indicadas pelo governo, Irmandade, e famílias ricas. Escravos e africanos livres eram os principais trabalhadores no Seminário das Educandas, coordenado por

um diretor. Como eram serventes, ficavam encarregados por todas as limpezas e serviços pesados do lugar. Margarida Mina entrou no Brasil após a Lei Eusébio de Queirós de 1851, conseguiu provar o fato com a ajuda de um estudante da Academia de Direito perante ao Juiz de Órfãos. Tutelada pelo Estado, teria que cumprir 14 anos de trabalhos remunerados para alcançar a sua emancipação (seria uma maneira de escravidão disfarçada?). Acabou enviada para trabalhar no Seminário das Educandas, ralaria como cozinheira e lavadeira, para essa última tarefa teria que dirigirse ao Rio Tamanduateí com uma grande trouxa de roupas na cabeça pelo menos duas vezes por semana. Aos domingos e dias santos as ruas da cidade ficavam cheias de escravizados, negros e mestiços forros, era o momento de estreitar os laços de amizades. Com imensas saudades da sua terra, Margarida uniu-se à Irmandade do Rosário dos Homens Pretos. Chegou a fazer parte da Congada. Gostava de dançar e cantar, possuía boa voz. Porque aquela manifestação era uma resistência e tradição dos africanos. Era uma marca da ancestralidade em terras brasileiras. Sabia que os brancos tinham horror às festas dos negros e aos cortejos fúnebres ditos como “sinistros”. Foi em um domingo depois de um folguedo no Largo do Rosário que ela aproximou-se sentimentalmente de Zeferino Moçambique, africano livre, responsável pelo abastecimento de água no Seminário das Educandas. Diariamente, Zeferino fazia quantas viagens fossem necessárias para buscar o valioso líquido pelos chafarizes e bicas da cidade, muitas vezes, o

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abastecimento era irregular e ele precisava peregrinar por aí para conseguir água. No recolhimento moravam quase cem meninas e adolescentes. Nos dias de folga, realizava o mesmo trabalho para outras famílias e ganhava uns trocados. Tudo seguia bem, apesar da fadigosa lida. Margarida Mina quando sentia que estavam abusando da sua boa vontade, realizava os trabalhos com mais vagar e brigava por seus direitos. Em meados de 1855 um homem chamado Claudino foi trabalhar no Seminário das Educandas. Já havia morado em diversas cidades brasileiras. Apresentou um bom currículo em serviços administrativos. Fazia boa figura. Foi então que começaram a surgir os primeiros casos de estupros das utentes do recolhimento. Uma investigação foi iniciada. Os primeiros a serem apontados foram os africanos, incluindo Zeferino Moçambique. Os crimes permaneceram abafados pelos membros da Irmandade. Seria um escândalo sem tamanho se viesse à tona. Patrícia era uma das internas, ela não andava. Nasceu com essa deficiência. Foi vítima do tarado. Apareceu grávida. Ao nascer, a criança era branca. E no caso das outras adolescentes os nenês também eram de pele alva. Concluiu-se, portanto, que não poderiam ser os africanos os responsáveis pelas deflorações. As meninas andavam tão apavoradas que algumas fugiram. Patrícia sentia-se tão envergonhada por ser mãe solteira que uma tarde conseguiu apoiar o seu corpo no parapeito da janela do sobrado e jogou-se do primeiro andar.

Bateu a cabeça numa pedra. A morte foi instantânea. Dizem que os seus olhos saltaram para fora do globo ocular. Foi um horror! As vítimas foram interrogadas, o diretor desejava saber o nome do predador. Elas não revelavam, nem sob ameaças. Claudino além de pervertido, era torturador e prometia se vingar. A menina Amelinha, de 12 anos, em uma manhã apareceu morta em circunstâncias muito estranhas. As garotas sabiam que era Claudino. O desgraçado disfarçava muito bem, dispôs-se até a procurar o criminoso pelas redondezas e fazer ronda no prédio. O pervertido passou a agredir as africanas livres. Margarida Mina foi a primeira. Fazia de “gato e sapato” a indefesa mulher. Ela o precisava satisfazer sexualmente e realizar as suas fantasias. Margarida um dia falou para ele que preferia morrer a ter que ser sua escrava sexual. Ela não queria mais sair para ir lavar roupas, pois era naquelas horas que o delinquente atacava. Quando ela engravidou, não sabia se o pai era Zeferino ou o monstro do Claudino. Protegeria o filho como uma leoa, com a sua própria vida. Criou coragem e denunciou o depravado agressor. Então, as outras moças também revelaram a verdade. Claudino foi detido, a gravidade dos seus atos o poderia levar a ser condenado à morte pela forca. Na cadeia precisou ficar isolado dos outros presos: prometeram o linchar. O homem

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ficou uma fera, jurava vingança a todos que o prenderam, principalmente à Margarida Mina. Ela vivia angustiada, tinha muito medo de Claudino. Zeferino prometeu a proteger. Em fevereiro de 1857, já no final da gestação, ela soube que Claudino havia fugido da prisão. Por ordem do diretor, Margarida não iria mais sair de dentro do Seminário até o algoz ser preso novamente. Foi mandado um destacamento vigiar a entrada do Seminário 24 horas por dia. Estava Margarida na cozinha do recolhimento a preparar o almoço das meninas, quando viu um vulto pela janela. Assustada saiu para verificar e atrás da mangueira avistou Claudino. Sua reação foi sair correndo, passou veloz pela portaria e foi em direção ao ribeirão Anhangabaú. Margarida gritava, tropeçava e caia. Sentiu a bolsa estourar. Claudino vinha em seu encalço. Num zigue-zague, ela saiu perto do cemitério. O portão estava aberto e ela correu em direção à capela. Lá estavam d. Lina e a mestiça Raulina. Margarida gritava desesperada para que fechassem a porta depressa, um tarado estava a seguindo. As mulheres trancaram a porta. Margarida sangrava muito, acabou dando à luz a uma menina dentro da capela. D. Lina pegou a criança e a enrolou na toalha que ornamentava o altar de N. Sra. dos Aflitos. — Ilana! Ilana! Ilana! É o seu nome. – sussurava Margarida a agonizar. Era o nome de uma antiga interna do Seminário, ela contou à Margarida que o seu nome era de origem grega e significava “reluzente”, “pessoa brilhante”.

Achou tão bonito que queria assim batizar o seu bebê se fosse do sexo feminino. Sem poderem sair, notaram que alguém espiava pelo buraco da fechadura e tentava abrir a porta. Claudino conseguiu. Com os seus olhos de diabo, arrancou a recém-nascida dos braços de d. Lina. Teve a certeza que a filha era sua porque era mestiça. Margarida tentava gritar, não tinha forças. Morreu ali mesmo. Que triste fim! O criminoso fugiu com a filha nos braços. Desapareceu. As autoridades policiais vieram até o cemitério e tomaram as devidas providências. Nos jornais da cidade e em outras localidades foi mandado colocar um aviso sobre o perigoso tarado e bandido. Três meses passados, uma menina foi deixada na Roda dos Expostos numa madrugada. D. Lina a recolheu. Não sabia, mas era a filha de Margarida. Deu o nome de Marculina a criança que foi batizada no dia seguinte. Estava bastante debilitada, foi levada ao Hospital de Caridade. Morreu um mês depois em 30 de junho de 1857, foi encomendada e sepultada no cemitério, na ala dos anjos. Claudino foi descoberto tempos depois na vila de Jacareí. Foi decidido que deveria ser conduzido à capital. Ele confessou todos os seus delitos e que havia deixado a filha na Roda dos Expostos. Foi somente assim que João Coveiro e Lina ficaram a saber que Marculina era a filha de Margarida. Acabou morto antes de ser sentenciado. Zeferino Moçambique conseguiu entrar na cadeia e com a ajuda de outros presos, assassinaram Claudino a facadas.

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