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Obra concluída
Obr Con luíd
Terminado de escrever o volume, Jair ainda pensou que poderia reunir mais histórias, mas o livro tem o espaço físico limitado. Talvez, se o título despertasse o interesse do público, poderia fazer um segundo tomo. Era preciso fazer uma revisão e consultar d. Lina no Asilo de Mendicidade, à Rua da Glória. Ele precisou fazer diversas visitas e ler os manuscritos. A velhinha escutou com paciência e foi corrigindo o que se fazia necessário. Jair poderia jurar que viu algumas vezes o vulto de João Coveiro em pé, apoiando as mãos por detrás da poltrona aonde d. Lina estava sentada. Nestes momentos sacudia a cabeça. “Deve ser coisa da minha imaginação”, pensava. Sua pele ficava arrepiada. D. Lina ressentia-se de não ter mais forças e condições de saúde para continuar a conservação da capela dos Aflitos e para dar continuidade ao Terço dos Aflitos aos domingos. Há tempos já havia cessado esta atividade religiosa, ela mal conseguia andar. Foi criado em 1857 a Irmandade de N. Sra. dos Aflitos para a manutenção do pequeno templo. Não durou muito por motivos financeiros. Em 1883 a Mitra Diocesana entregou as chaves e a responsabilidade da gerência aos membros da família Bourroul.
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Embora de construção modesta, a capela contava com inúmeras obras de artes religiosas como as esculturas de santos, altares e retábulos do século XVIII. São Paulo estava muito diferente. Tudo transformado. Sem os registros dessas memórias populares e apenas transmitido pela oralidade, elas correriam o risco de se perderem para sempre. Pertenciam apenas às recordações de quem as vivenciou. D. Lina ficou contente em saber que seu nome e do seu finado consorte figurariam num livro. Para ela algo inimaginável. “Coisas dos pretos e dos pobres nunca interessaram a ninguém”, comentou com Jair. Ansioso para o compêndio de narrativas ser publicado, Jair apressou-se em ir à tipografia e fazer o negócio acontecer. Demoraria alguns meses para os exemplares ficarem prontos. O primeiro seria de d. Lina, mesmo analfabeta, ela precisava guardar a obra da qual fez parte e ajudou a construir. Um dia, ao cair da tarde, um moleque de recados foi enviado à casa de Jair à Rua do Hipódromo, no Brás. Chegou esbaforido, bateu na porta e avisou que era urgente, o bilhete veio do asilo. Surpreso, Jair tirou o papelzinho do envelope e leu que d. Lina havia falecido naquela manhã, aos 95 anos. Ele ficou muito triste, o livro ainda não chegara da gráfica. No final da tarde de 19 de julho de 1894, Jair foi até o cemitério municipal da Consolação para acompanhar o velório e o sepultamento da sua amiga na quadra geral dos adultos. O lançamento do livro Cemitério dos Aflitos: contos de vidas aconteceu no final de 1894 e foi um sucesso. Amarílis, a filha adotiva da enfermeira Júlia Espada, compareceu e
emocionou-se com as narrativas redigidas por Jair com tanta riqueza de detalhes. As ilustrações ficaram fiéis às narrativas, arte produzida pela jovem Camila, artista plástica talentosa, filha de Jair.
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