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o colar Ana Lúcia Lopes Meira

O COlar

Ana Lúcia Lopes Meira Bibliotecária

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A biblioteca é um espaço interessante quando as narrativas se entrelaçam com as literaturas dispostas nas estantes aparentemente estáticas. Porque de repente pode ocorrer um movimento imprevisível em que os personagens reais surgem e alteram a ordem pré estabelecida do funcionamento da biblioteca. Neste momento iniciase uma crônica a ser escrita entre bibliotecários e frequentadores do espaço da biblioteca, evidentemente dependendo do olhar e análise da situação daquele quem pretende ser o narrador do fato. Certo dia, por volta das doze horas e trinta minutos, chegou um grupo de crianças em uma das bibliotecas do Centro Educacional Unificado, pois há o costume do público infantil, bem como de adolescentes e adultos chegarem um pouco mais cedo, entre horário de saída e entrada das aulas nas escolas para passar na biblioteca. As crianças por muitas vezes são protagonistas das histórias que acontecem dentro da biblioteca, portanto neste dia não foi diferente. O grupo de crianças aparentemente estava interessado num livro de literatura infantil, pois solicitaram que a bibliotecária lesse uma história do livro que haviam escolhido. Então, todos após escolherem o livro, sentaram-se em volta da bibliotecária para ouvir a história selecionada pelo grupo, porém, durante a atividade uma das crianças interrompeu a leitura e perguntou: - Tia, a senhora é macumbeira? A bibliotecária de súbito pensa e interroga a si mesma: “O que levou a criança a fazer aquela pergunta?”. Visto que a história ali apresentada não tinha relação com a pergunta da ouvinte. Então ela respondeu a criança com outra pergunta para compreender o seu pensamento. - Por que?

A criança respondeu que era por causa do colar que a bibliotecária usava. Se o colar era da macumba! As outras crianças do grupo de repente também fixaram o olhar no colar da bibliotecária e ficaram esperando por alguma resposta. A bibliotecária levou as mãos até o pescoço e tocou no colar que usava. Era um lindo adereço marrom, feito com sementes grandes de aproximadamente dois centímetros cada uma! O colar tinha certo brilho, ela havia ganhado de presente de uma amiga artista plástica. Um colar chamativo e imponente circundava seu pescoço que agora tinha ganhado atenção das crianças e roubado a cena da leitura da escrita de códigos a serem decifrados. A bibliotecária levantouse e caminhou até a estante onde localizava os dezoitos volumes da Enciclopédia Barsa de encadernação luxuosa preta. Retirou um dos volumes da estante, caminhou até a mesa, sentou-se na cadeira e agora reunida com as crianças, abriu o volume na página do verbete sobre macumba. Ela explicou que macumba é um instrumento de percussão de origem africana, semelhante ao instrumento reco-reco. Informou que o termo é frequentemente utilizado erroneamente como uma designação genérica para as religiões de matrizes africanas como o candomblé e a umbanda. Enfatizou que as religiões de matrizes africanas foram incorporadas a cultura brasileira desde muito tempo, quando os escravizados desembarcaram no Brasil e encontraram em sua religiosidade uma forma de preservar suas tradições, idiomas, conhecimentos e valores trazidos da África. Falou sobre o respeito que devemos ter por todas às crenças religiosas e valorizar a diversidade. O grupo ficou atento ao diálogo que ali se estabelecia a partir daquela curiosidade. Interessante que a conversa não se relacionava com a história que estavam ouvindo. As crianças também não pediram para que a bibliotecária retornasse para a leitura que havia sido interrompida. O relógio já marcava 13h10, hora do grupo de crianças partirem para escola e não chegarem atrasadas. No dia seguinte o mesmo grupo retornou à biblioteca com muita euforia e ao adentram a biblioteca disseram: - Tia, queremos ver o livro do feitiço! A bibliotecária percebeu que o grupo referia aos volumes da Enciclopédia Barsa, pois ao falarem apontaram para estante em direção à coleção. Mas, por que será que utilizaram o termo livro do feitiço?

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