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EntrEvista

Noadias toca para seu aluno e seus irmãos durante uma das aulas em domicílio Foto: @Vaguinhofotografia

eDuCaçãO / entrevista

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PrOfessOra nOaDias nOvaes,

uma mulher nOtável

Na semana em que se comemorou o Dia dos Professores, vários telejornais deram destaque ao projeto fabuloso e emocionante da Professora Noadias Castro Braz de Novaes, mais conhecida como Noadias Novaes, moradora do distrito de Betânia do Cruxati, Itapipoca, Ceará. Noadias é uma força da Natureza: rompe barreiras, vai além da sua vocação, a dedicação, estudos, carinho, determinação, perseverança e a crença em seu ideal fazem com que a professora supere qualquer empecilho.

Noadias transforma seu trabalho em um amor incondicional à educação de crianças especiais! Começou o projeto sem nenhuma pretensão, mas repercutiu nacionalmente, e não se engane: a educadora não perde o foco, para ela o que interessa é continuar o seu nobre trabalho, como nos conta na entrevista. As fotos que ilustram a entrevista são de @Vaguinhofotografia

➢ Conte-nos um pouquinho sobre a sua infância. Desde pequena já pensava em ser professora?

Na minha infância sempre via a minha mãe Lígia, que era professora (hoje aposentada), em sua rotina diária em planejamentos das aulas, correções dos trabalhos dos alunos e, sempre que possível, também a acompanhava na escola, mas nunca pensei que um dia poderia estar também na frente de uma lousa dando aulas. Lembro também que brincávamos de “escolinha” com minha irmã e primos, mas sempre como aluna.

➢ Como sua mãe é professora, ela te influenciou na escolha da profissão?

Sim. Pela convivência e as oportunidades que surgiam na época talvez houvesse uma determinada influência para que eu também seguisse a carreira do magistério, e que escolha maravilhosa que fiz! Tenho até a sensação de que foi o magistério que me escolheu. Minha mãe era professora da zona rural, que na época recebia a conotação

de “Regente Rural”, ela não possuía condições financeiras para financiar um curso universitário para mim, então, minhas tias se reuniram e pagaram minha faculdade de Pedagogia.

➢ Quando você começou a lecionar?

A primeira oportunidade para lecionar surgiu em 2005, como professora temporária, em turmas do Ensino Médio em uma escola pública, cerca de 7 quilômetros distante do local onde moro. No primeiro mês de salário, financiei uma motocicleta em 48 meses, aprendi a andar de moto nas estradas indo à escola, onde levava muitas quedas. Nessa escola passei um ano, no ano seguinte fui transferida para uma escola situada na minha localidade, Betânia, onde fiquei por 12 anos. Lembro que o salário que recebia era pra investir nas tecnologias do momento para melhorar na ministração das aulas como: retroprojetor, reagentes e produtos acessíveis para as aulas de química, Datashow etc. Eu ficava muito satisfeita com a reação dos alunos quando chegava com algo moderno, moderno pelo menos para nós (risos).

➢ Como surgiu a chance de trabalhar com alunos especiais?

Finalmente, me efetivei como professora de Educação Infantil na Rede Municipal de Itapipoca. Na primeira turma do Pré II (atualmente Infantil V), tive a oportunidade de encontrar entre os matriculados um aluno com Síndrome de Down. Aquele ano foi de grande desafio para minha carreira profissional, primeiro tive que buscar conhecer o que era essa síndrome e como a pessoa que a possui aprende. Em seguida, tive que planejar as aulas sempre tendo cuidado de contemplar também esse aluno. Não imaginaria jamais que este seria um de muitos desafios que viriam e que decidiriam definitivamente o que realmente me realizaria profissionalmente e pessoalmente.

➢ Ao ter contato com os alunos especiais, você buscou por cursos em formação específica?

Sim. Acho que pelo meu desempenho visto na Educação Infantil, fui convidada pela Secretaria de Educação, em 2011, para fazer cursos de formação na Capital, em Fortaleza. A Prefeitura cedia o transporte e durante cinco anos, uma vez por semana, eu e um grupo de professores íamos estudar

sobre Libras, Deficiência Intelectual, Braille, autismo, Atendimento Educacional Especializado (AEE). Mais tarde, fiz especialização em Educação Especial e atualmente faço especialização em Neuropsicopedagogia.

➢ Trabalhar com a inclusão se tornou uma missão para você?

Com lágrimas nos olhos lhe respondo que sim! Ao longo da minha carreira profissional, tive grandes oportunidades de lecionar em uma universidade pública, no Ensino Médio, passei em um vestibular para Enfermagem em uma universidade pública aqui no Ceará, mas, o que realmente me realizou foi trabalhar com pessoas com deficiências. Este sentimento me move todos os dias, já se tornou parte da minha vida.

➢ Qual a dinâmica do seu trabalho junto aos alunos no Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Sala de Recursos Multifuncionais Especiais?

No primeiro mês do ano letivo, faço o levantamento dos alunos matriculados na escola e avaliação dos encaminhamentos dos professores da sala regular, feito isso, traço um plano de atendimento individualizado, em que se fará atividades que atendam a especificidade de cada aluno. Com um calendário pronto, os atendimentos são realizados no contraturno de suas aulas na sala regular. E todo o final de semestre, é feito um relatório individual com os aspectos afetivo-social, cognitivo, psicomotor que foram observados durante todo o período e entregue às famílias, aos professores e ao núcleo gestor da escola.

➢ Com a chegada da pandemia de Covid-19, os estabelecimentos de ensino foram fechados. Foi então que você teve a ideia de levar as aulas do AEE para seus alunos em domicílio. Como se deu o desenvolvimento desse projeto super especial?

A pandemia nos pegou de surpresa e com o fechamento da escola veio o grande desafio de como continuar com as aulas durante esse período. Elaborei um projeto chamado AEE na Quarentena, onde previa várias situações que poderiam ocorrer nesse período, como desmotivação dos alunos com as atividades escolares em domicílio, falta de acesso à internet, sintomas da Covid-19 etc. Assim como também contemplar estratégias para atender às possíveis ocorrências e otimizar

o acompanhamento pedagógico durante esse período. Alguns dos meus alunos não têm acesso à internet e não têm outro meio para comunicar-se (nem por agente comunitária de saúde), outros possuem Transtorno Opositor Desafiador-TOD, o qual dificulta que as famílias consigam executar junto ao me deslocar até suas residências para ministrar as aulas.

➢ Nesse projeto, você conta com o auxílio de outros parceiros? Sim. Para que isso acontecesse, fui em busca de parceiros que poderiam contribuir e todos possuem funções específicas dentro do projeto. Na área da saúde, conto com ajuda de um microbiologista que me orienta nos atendimentos na casa dos alunos a respeito do distanciamento permitido, esterilização e higienização de materiais, uma enfermeira que orienta as famílias para possíveis sintomas da Covid-19 e higienização correta, uma psicóloga que atende possíveis doenças de ordem emocional entre todos envolvidos no projeto, duas agentes de saúde comunitária que fazem o acompanhamento dos alunos na suas áreas de atuação, quando os mesmos encontram algum problema no aparelho celular. Na área da comunicação, um radialista que manda recadinhos às famílias e aos alunos durante seu programa para incentivá-los e estimulá-los na execução das atividades. Enfim, o núcleo gestor da minha escola que concede alguns materiais que necessito.

➢ Para que você possa visitar todas as residências dos alunos, como se dá o deslocamento?

Tenho alunos que moram aqui mesmo na minha localidade, para estes, eu vou a pé mesmo. Porém, tenho outros que moram distantes, a cerca de 4 km, que vou de bicicleta.

➢ Você canta e toca violão, seus alunos devem amar suas performances.

Apesar de não saber tocar muito bem, eu gosto muito de música e meus alunos amam cantar. Então eu junto tudo isso e fazemos da música momentos maravilhosos de aprendizado e afeto.

➢Sabemos que no Brasil o professor é muitas vezes desvalorizado e não bem remunerado. Entretanto, o melhor pagamento da sua dedicação é notar o envolvimento do aluno com o aprendizado e os lindos sorrisos que eles te presenteiam no dia a dia?

Se formos olhar para o salário e o que dizem negativamente do professor (principalmente nesse período), o sentimento será de tristeza mesmo. Porém, prefiro manter o foco nos meus alunos e no meu trabalho, me sinto feliz e realizada com isso. Não tem preço ver os alunos e as famílias tendo orgulho dos avanços em cada atividade realizada. Essa é a minha energia para suportar o sol quente, a canseira e a poeira a cada dia. Oro ao Senhor para que me dê mais um dia com saúde, para que eu consiga alcançar minha meta.

Para terminar a entrevista, a Professora Noadias revela outros resultados positivos e especiais do seu projeto: “Durante esse período de pandemia, na execução do projeto AEE na Quarentena, outros fatos importantes foram ocorrendo. Temos duas mães que pediram para estudar e quatro irmãos que estavam sem estudar, então agora todos são meus alunos, possuem materiais produzidos por mim de acordo com seus níveis de aprendizagens. Muito satisfeita por essas adesões. Me sinto abençoada com tudo isso.”

CANÇÃO PARA O AEE

Música e letra: Profº Paulo Anderson Muniz *

No olhar de uma criança eu posso perceber Uma força de vontade... vontade de aprender. Abra seu olhar... abra seu coração Abra sua mente e viva a inclusão.

AEE... AEE... Viva a inclusão... alegria de aprender. AEE... AEE... Viva a inclusão... alegria de aprender.

Não tire da criança o direito de sonhar Vamos dar as mãos, vamos juntos caminhar. Diga não ao preconceito, diga não a solidão Não enxergue o problema... enxergue a solução.

AEE... AEE... Viva a inclusão... alegria de aprender. AEE... AEE... Viva a inclusão... alegria de aprender.

Diga não ao preconceito, diga não a solidão Não enxergue o problema... enxergue a solução. Abra seu olhar... abra seu coração Abra sua mente e viva a inclusão.

AEE... AEE... Viva a inclusão... alegria de aprender. AEE... AEE... Viva a inclusão... alegria de aprender

* Letra e Música de um amigo da Professora Noadias Novaes que partiu ainda muito jovem.

PessOas que transfOrmam viDas: assim é a PrOfessOra nOaDias nOvaes!

Foto: @Vaguinhofotografia

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