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isa rodriguEs Thais Matarazzo

Isa Rodrigues em 1937

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Isa Rodrigues e Moacyr Franco, 1964

isa rODrigues (24/10/2020)

Thais Matarazzo

Hoje, me lembrei pela manhã da atriz Isa Rodrigues. Ela era tão divertida e alegre! Que saudades! Existem pessoas que conhecemos e não existe nenhum estranhamento, não há filtros, a empatia é “direta e reta”. São pessoas que você não vê com frequência, mas quando encontra, é aquela festa! A troca de energia é tão boa que a prosa vai longe... Conheci Isa no Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Sempre que viajava para lá, tirava um dia para visitar o Retiro e lá passava o dia conversando com os artistas residentes: cantores do rádio, circenses e atores do teatro. Algumas vezes o amigo Gabriel Gonzaga me acompanhava nessa aventura. A Isa Rodrigues era a mais comunicativa do grupo, estava sempre sentada na varanda da sua casinha na companhia da cachorrinha Gigi. Quando a conheci, já tinha 80 anos, possuía baixa estatura, magrinha, com o cabelo chanel pintado, usava grandes óculos escuros e vestido longo. Puxadora de conversa, falava alto para quem quisesse ouvi-la. Aí já viu, não é? Encontrou uma boa ouvinte para suas histórias! Quer dizer, a gente não sabia

se escutava ou se ria, porque ela era engraçadíssima e performática ao contar os seus causos! Excelente papo de comadres. Recordo-me como se fosse hoje a primeira vez que a vi, quando ela soube que eu era paulistana, foi logo dizendo: “— Eu também! Nasci em São Paulo na Rua da Glória, sou uma velha paulistana apaixonada pela minha terra!”. Um dia, pedi um autógrafo em um livro e ela escreveu assim: “De uma velha paulistana para uma jovem paulistana”. Uma graça! Narrava com empolgação sobre seu glorioso passado artístico. Que memória fotográfica Isa possuía: recordava fatos da sua infância com riqueza de detalhes, passagens ocorridas há 70 anos estavam tão frescas em sua memória! Falava que seus pais eram atores mambembes. O pai, Benito Rodrigues, era espanhol, a mãe, Alzira Rodrigues, portuguesa. Eles imigraram para Belém, PA. Casaram-se e foram ser artistas. Tiveram vários filhos, cada um nascido em um estado. Foram descendo para a região Sul. Em 1926, estabeleceram-se em São Paulo, fizeram amizade e passaram a trabalhar na companhia do ator e empresário Nino Nello. Isa nasceu no ano posterior, em 17 de julho. Nello foi seu padrinho de batismo, ela sentia grande orgulho disso, mas lamentava que o padrinho fosse uma personalidade esquecida. Morou em São Paulo até os 9 anos de idade, lembrava-se vivamente da pensão da d. Adelaide, onde residiam vários artistas, na Av. São João, próxima à Rua Frederico Steidel. Como os pais trabalhavam bastante, quem tomava conta de Isa e seus irmãos era a dona da pensão. Ela tinha uma filha chamada Haydée, que ensinou a pequena Isa a cantar, sambar e sapatear. Nessa altura da conversa ela parou e perguntou: “— Você já ouviu falar da Casa do Ator?”. Respondi que no bairro da Vila Olímpia existia uma rua com essa denominação, porém não sabia quase nada sobre a história do lugar. Isa revelou que começou no teatro para arrecadar dinheiro para o projeto. Sem Benito e Alzira saberem, Nino Nello, ao final do espetáculo, pegava Isa, a colocava no palco e pedia para ela cantar e dançar. Era uma loucura. Pediam bis! O público jogava moedas no palco, o padrinho recolhia a féria e a destinava à Casa do Artista (que só seria inaugurada parcialmente em 1938). “— O meu pai estava no fundo do teatro e escutava aqueles aplausos fora de hora, vinha correndo ver o que era. Ele ficava danado, não queria que eu fosse artista. Sabia das dificuldades da classe teatral”, comentava.

No final de 1936, a Companhia Nino Nello foi desfeita, a família Rodrigues resolveu tentar a sorte no Rio de Janeiro. A consagração de Isa veio rapidinho: após atuar na festa artística da atriz portuguesa Eva Stachino, no Teatro República, precisou trisar o seu número, cantou uma música do repertório de Carmen Miranda. Foi de anônima a revelação em uma noite! “— Eu cantei, sambei e mexi com a plateia, tudo que eu tinha aprendido com a Haydée. A plateia me adorou e fui fartamente aplaudida. O empresário e teatrólogo Freire Júnior estava lá. Imediatamente, foi falar com o meu pai e acabou contratando a família toda para trabalhar na sua companhia no Teatro Recreio. Seu sócio era o Luiz Iglésias. Passei a ser chamada de ‘Shirley Temple brasileira’!”. A partir de então, não parou mais: várias peças foram escritas para que Isa fosse protagonista. Atuava com Oscarito e Eva Todor. Gargalhava ao contar que, para ficar mais parecida com atriz mirim norte-americana, mandaram pintar seus cabelos de loiro e fazer ondulação permanente. Seu pai ficou louco! E o salão de beleza que fez o serviço ficou tão famoso que Isa virou nome de penteado. Isa Rodrigues teve uma carreira longa e bastante interessante: foi amiga próxima de Dercy Gonçalves. Ela que ajudou na campanha para construção de novas casas no Retiro, nunca imaginou que um dia iria para lá. Isso aconteceu em 2003, já estava viúva. Tantas e tantas passagens ela narrava com o seu bom humor. Em outra ocasião, perguntei para Isa como ela encarava a velhice, ela respondeu. “— Acho bom, agora não faço nada. Trabalhei muito e ajudei minha família. A cada ruga nova digo, ‘seja bem-vinda!’. A vida é essa: tudo passa e temos que nos conformar. Não sou saudosista, mas sinto muitas saudades do meu marido, dos meus pais e dos irmãos, todos já partiram desse mundo. Meu filho e minha neta vêm me visitar a cada duas semanas. Estou satisfeita. Amo morar aqui no Retiro e daqui ninguém me tira!!!”. Como fiquei muito empolgada com nosso primeiro bate-papo, ela me forneceu o número do seu telefone. Recomendava que ligasse de vez em quando para a “velha paulistana” aos domingos de tarde, porque lá no Retiro tudo estava mais pacato. Essa querida artista brasileira faleceu aos 88 anos, em dezembro de 2015. Na tarde de hoje, assisti ao filme Marido de Mulher Boa (1960), Isa contracena com grandes personalidades como Zé Trindade, Renato Fronzi, Otelo Zeloni, Wilson Grey, tudo muito divertido! Foi ótimo recordar Isa Rodrigues!

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