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Vacina de 1904 Geraldo nunes

SãO PAuLO

de todos os tempos

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geRaldO NUNeS

Jornalista, escritor e blogueiro, participa das publicações da Editora Matarazzo desde 2016.

SeMelhaNçaS eNtRe a paNdeMIa dO cORONavÍRUS e a RevOlta da vacINa de 1904

O Brasil sempre foi um país cheio de crendices, pajelanças, curandeiros e benzedeiras a ocupar o lugar que caberia aos médicos e à ciência. Quando ainda éramos colônia de Portugal, boticários vindos da Europa traziam poções mágicas, vendidas a peso de ouro, capazes de curar a população de todos os males.

Foram inúmeras as epidemias de varíola e febre amarela até a chegada da família real, em 1808. Para atender as necessidades da corte que logo sentiu a falta de médicos, Dom João VI determinou a criação de duas escolas de medicina. Surgiram assim, o Real Hospital Militar de Salvador e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro. Acredite, foram essas as únicas medidas governamentais voltadas à saúde pública até a Proclamação da República. Em 1904, a situação no Rio de Janeiro estava insustentável pela grande proliferação de doenças, entre elas novamente, a febre amarela, além da peste bubônica e da renitente varíola. A razão para tantos males já se sabia, estava na falta de saneamento básico e na grande quantidade de ratos transmissores de várias doenças. O povo desconhecia os modos de prevenção. Se já não bastasse tamanha ignorância, a população ainda foi vítima de uma medida bem intencionada, colocada em prática de maneira errada.

O então presidente da República, Rodrigues Alves, contratou o médico sanitarista Oswaldo Cruz para resolver o problema das doenças no então distrito federal. Para acabar com os ratos, o renomado cientista sugeriu oferecer dinheiro ao povo como recompensa para quem matasse o maior número de roedores.

A medida surtiu efeito contrário porque muita gente passou a criar ratos para depois matá-los e assim ganhar mais dinheiro nas recompensas. Se decidiu então convocar cerca de 1.500 funcionários públicos que sem nenhum aviso prévio começaram invadir casas para retirar delas e depois queimar, os colchões, móveis e roupas velhas considerados infectados.

Não houve por parte do governo nenhum plano de reposição desses utensílios queimados e as famílias ficaram sem ter o que vestir e onde dormir. A situação piorou quando uma ordem estabeleceu que haveria uma vacinação pública e obrigatória contra a varíola. Muitos desconheciam o que era uma injeção e entre os moradores passou a circular a informação que a picada da agulha era muito dolorida. Devia ser mesmo, porque naquele tempo uma mesma agulha de injeção servia a centenas de pacientes.

Em novembro de 1904, o povo saiu às ruas do Rio de Janeiro para um protesto que deu início ao episódio que entrou para a história como A Revolta da Vacina. Rui Barbosa, então deputado federal, ocupou a tribuna para defender os revoltosos e se posicionou contrário à vacinação. “Não tem nome na categoria dos crimes do poder, a tirania de se envenenar com a introdução no sangue, de um vírus sobre o qual existem os mais bem fundados receios de que seja um condutor ainda maior dessa moléstia e da morte”, bradou o futuro “Águia de Haia”.

Após o discurso inflamado, o médico Oswaldo Cruz foi afastado do cargo pelo presidente Rodrigues Alves, apesar de sua comprovada competência. Ainda assim, o sanitarista conseguiu convencer parte dos congressistas de que as doenças só diminuiriam se houvessem ações que levassem ao aprendizado de noções de higiene por parte de todos.

Durante a Revolta da Vacina bondes chegaram a ser tombados no Rio de Janeiro e agora, no Brasil de hoje, algumas pessoas ainda desconfiam da eficácia das vacinas contra o coronavírus. Outras continuam saindo às ruas sem colocar em prática as medidas preventivas, como o uso de máscaras cirúrgicas e o tão necessário distanciamento social.

Assim como em 1904, parte da população não entende que o objetivo principal é preservar vidas, daí o crescente número de mortes causadas pela covid-19. Continuamos como no início do século 20, carentes na distribuição de água potável, no tratamento de esgotos e sem uma coleta eficiente de lixo capaz de eliminar resíduos sólidos. Nada impede que outras epidemias surjam em curto espaço de tempo. Motivo: Um povo que não conhece seu passado tende a repetir os mesmos erros.

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