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Poemas das Mãos Zezé Macedo

Zezé Macedo

De minha mãe:

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Aquelas mãos suaves e macias. Aquelas mãos tão frias. Foram na minha vida, dois poemas... Plantaram rosas, desenhando esquemas. E a minha fronte ungiram, só de luz Quando traçaram o sinal da cruz.

De meu filho:

Aquelas mãos franzinas, miudinhas, Aquelas mãos quentinhas. Que apontavam estrelas do sol-por. Aquelas mãos que eu vi em cruz unidas. Tão pálidas, tombadas e feridas Foram dois marcos para a minha dor.

Do meu amor:

Aquelas mãos violentas, poderosas, Aquelas mãos formosas. Que me deram carícias de ninar. Aquelas mãos que me traziam rosas. E tocavam baladas fervorosas. Aquelas mãos fizeram-me sonhar.

De meu pai:

Aquelas mãos morenas e tão brandas. Quais duas velas pandas. Colocadas no mar da minha vida; Foram sempre uma âncora querida Salvando-me do abismo de mil mortes. (Abençoadas mãos brandas e fortes)... Aquelas mãos que um dia como prendas De luar, me trouxeram oferendas. Aquelas mãos Que a todo mundo mostram o caminho De rosas e espinhos. Aquelas mãos piedosas já no fim Da sua caminhada dessa vida. Eu hei de encontrar como guarida Esperando por mim.

Meu Breviário, editora Catedra, Rio de Janeiro, 1981.

NORMINha (13/4/2021)

Terça-feira, manhã nublada de outono: estou preparando o roteiro para a live Histórias de superação através da Literatura, da 10ª. Semana de Estudo e Leitura 2021, da qual o Coletivo São Paulo de Literatura está participando.

A live acontecerá hoje no final da tarde, participaremos Ricardo Hidemi Baba e eu. Vou falar sobre o meu novo livro Alegria e Gratidão: palavras de um coração, onde conto como descobri o diagnóstico de um câncer de mama metastático, e como a literatura e a poesia me auxiliam a enfrentar o tratamento oncológico.

Estava finalizando o texto de apresentação da live quando recebi uma mensagem via Whatsaap do Laercio Cardoso de Carvalho, ele avisava sobre o falecimento da querida Norminha.

Poxa, que triste notícia!

Conheci a Norminha na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, ela era bibliotecária e lá trabalhava há tempos, sendo responsável pela sala “Coleção São Paulo”. Pessoa generosa e atenciosa atendia os consulentes com muita competência. Comprometida com o seu trabalho, dava todas as diretrizes para pesquisadores que a adoravam. Ela era a “alma” daquele acervo. Leitora voraz e memória prodiga.

Diversos livros de minha autoria e da Editora Matarazzo foram dedicados à capital paulista, fiz doação de todos para o acervo da “Mário”. A Norma sempre contava que os leitores procuravam as obras para pesquisa. Isso me deixava satisfeita e contente.

Conheci-a melhor depois que passei a participar da Caminhada Noturna pelo Centro, idealizada e promovida pelo Carlos Beutel, do APFEL restaurante vegetariano. Os encontros semanais aconteciam às quintas-feiras, às 20 horas, na escadaria do Theatro Municipal, comandado pelo guia de turismo Laercio Cardoso de Carvalho. Dificilmente Norminha faltava a uma edição da “Caminhada”, foi uma grande divulgadora e incentivadora.

Também nos encontrávamos nos tours de sábado e feriados que o Laercio organizava. Alguns dos roteiros foram baseados em livros que escrevi, o Laercio sempre me convidava para lançar os títulos com um passeio, uma ideia genial, literalmente “passeávamos pela história”!

Norminha sempre estava conosco. Risonha e observadora, não era muito de falar, mas nunca deixava de fazer comentários com informações e curiosidades paulistanas, ah, e sempre indicando uma bibliografia.

Como era gostoso andar pelas ruas da cidade com um grupo de pessoas apaixonadas por memórias e boas histórias!

Faz muita falta não poder estar nos eventos presenciais com os amigos, entretanto, atualmente a “Caminhada” é virtual por conta da pandemia do coronavírus.

Quero recordar de dois tours inesquecíveis que fizemos e tivemos a companhia da Norminha: o primeiro foi quando lancei o livro “Giro Noturno: fragmentos das noites paulistanas” em junho de 2017, fizemos um passeio pelas ruas da Vila Buarque, território dos anos dourados das boates paulistanas e da boa música se fazia nessas casas. O Laercio batizou o tour como “Vila Boate”. A rua que mais “deu o que falar” foi a Major Sertório, local de reminiscências musicais e de luxúria. Foi divertidíssimo!

O segundo aconteceu em fevereiro de 2018, quando visitamos a igreja de Santa Cecília, o Museu da Santa Casa, a Biblioteca Municipal Infanto-juvenil Monteiro Lobato e o Centro Histórico e Cultural do Mackenzie. Quatro pontos históricos e de importância relevante para São Paulo. Cerca de 30 pessoas (ou mais) participaram. Que aula de história e banho de conhecimento!

Quando a Tatiana Belinky fez 100 anos, em março de 2019, a “Caminhada” fez uma homenagem à escritora, me convidaram para também contar algumas histórias. A Norminha levou de presente para sortear uma biografia da Tatiana

lançada pela coleção Aplauso da Imprensa Oficial.

Um dos pontos visitados foi a Praça da República, no livro tem uma foto de 1931 com a Tatiana, sua mãe e os dois irmãos que foi tirada junto à ponte do lago da praça. Norminha que nos mostrou e acabamos tirando uma fotografia do grupo ali também.

No começo deste ano, o Laercio me convidou para participar de uma “Caminhada” virtual. Em conversa com a Cecília Oka, membro da equipe que organiza as lives, soube que a nossa querida bibliotecária e amiga estava vivendo na Hospedaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal, na Aclimação. Afastada do trabalho há mais de um ano, estava em tratamento oncológico devido a um câncer de mama. A família e os amigos a visitavam com frequência, enviavam presentes e comidinhas.

A notícia muito me sensibilizou, pois fui diagnosticada com a mesma doença. Desde então trocamos várias mensagens pelo Whatsaap. Depois soube que a Norma havia contraído a covid-19. O coração apertou. E como registrei no começo da crônica, soube hoje do seu falecimento.

Vou lembrar sempre com carinho da Norminha. Seu nome completo é Norma Shizue Haru. Tenho certeza que ela descansou e sua alma está em paz após a longa enfermidade, sempre foi uma excelente pessoa e estimada por todos que a conheceram. Hoje a live Histórias de superação através da Literatura será dedicada à sua memória.Deixo aqui meus sentimentos à sua família e amigos!

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