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Entrevista a JOÃO MACHADO
Nascido na cidade de Xique-xique, região do sertão baiano, João Machado conta a sua história a partir das imagens que faz. As fotografias revelam homens e mulheres repletos de alegria e de fé, pessoas que possuem no seu olhar a graça da vida. Machado faz parte desse povo.
Em um lugar de honra da casa, estão as duas câmeras que marcam a trajetória do fotógrafo em busca de sua linguagem. A Yashica G de médio formato o acompanhou nos eventos que fazia para alimentar o corpo. A Canon A1 que ganhou de um amigo lá em Xique-xique quando não sabia mais se seria fotógrafo e o que faria da vida, estava na bagagem quando voltou para fotografar o sertão, e se tornou o alimento da alma.
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O relato emocionado nos mostra um homem em paz com suas raízes e sabe, como ninguém, revelar o cotidiano dos baianos, principalmente dos peregrinos que vão em romaria para Bom Jesus da Lapa.
Cores quentes, sombras projetadas e quadros em contraluz fazem parte da linguagem que revela sem ser óbvia. Os personagens estão lá, mas, ao mesmo tempo, são etéreos. Podem ser eu ou você, basta que nos identifiquemos. Esse formato faz com que a fotografia de João Machado seja um vocabulário mundial e ele seja um dos grandes nomes da fotografia documental e autoral.
Qual foi a tua primeira experiência como fotógrafo? Cheguei em São Paulo bem jovem. Meu pai queria que eu tivesse melhores oportunidades. Até aquele momento eu só trabalhei na lavoura e na feira com ele. Morei com minha irmã e comecei a trabalhar como servente de pedreiro. Comprei uma câmera fotográfica Beirette VSN de um colega. Até hoje não sei por que fiz isso. Acredito que a fotografia já tinha me escolhido. Mas foi uma experiência mal sucedida. Fiz fotos das minhas sobrinhas Claudia e Talita e do cachorro Lupe e quando levei para revelar, o filme estava velado. Mais tarde descobri que o problema era da câmera e não meu, que alívio! Isso me levou a uma assistência técnica onde conheci aquele que me ensinaria os primeiros passos pela fotografia, o João Caieiro.
A técnica veio da prática nos eventos e no cotidiano, mas e a linguagem? Quem te ensinou? Quem te inspirou? Eu lia muitas revistas e aprendi tudo com elas. A fotografia tinha me arrebatado. Eu olhava as fotos de grandes fotógrafos e ficava extasiado. Não gostava de fotografar eventos, queria fazer arte como as coisas que via, mas precisava sobreviver e assim, fiquei muito tempo fotografando casamentos, formaturas, etc., mas sempre que podia, realizava meus projetos, sempre em preto e branco. Através das revistas, sabia onde aconteciam as exposições e os concursos. Inscrevi-me para uma leitura de portfólio com um projeto sobre uma Olaria que era perto de minha casa. Foi um sucesso.
Quando você começou a fotografar o sertanejo? Em 2002 fui para uma romaria em Bom Jesus da Lapa. Encontrei-me com as histórias contadas pelo meu pai. O ato de pagar uma promessa é muito mais do que o clichê. É o encontro das pessoas com elas mesmas e a sua esperança. Fotografei o que vi, mas já sabia estarem lá. As fotos faziam sucesso, mas eu queria ir além, fazer algo que fosse minha linguagem. E então comecei a fotografar em cores. A romaria foi meu local de experiência, o meu laboratório. Faço as fotografias na última luz da tarde e primeiras luzes da noite. As cores são aquelas que vejo e o corte é feito no momento da captura. Não faço praticamente nada de pósprodução.
Você participou de muitas exposições. Quais te marcaram? Em 2009, quando voltei de Xique-xique, realizei algumas fotos 10x15 e espalhei na lousa da empresa que trabalhava fazendo eventos, a Spinola. Coloquei o nome de EXPOXIQUE, em referência a um evento nacional de fotografia, a tradicional Expo Foto Brasil. Em 2015 a Nikon lançou uma campanha “Eu sou a diferença no olhar” para aproximar seus consumidores e criar conexão com a marca. Convidou-me para fazer a exposição “O Sertão de João Machado” . Ali apresentei meu olhar sobre o sertão, a fé e os costumes desse povo que fez parte da minha infância. Quando olhamos para tua fotografia vemos uma maturidade de quem sabe o que quer dizer e tem domínio da linguagem fotográfica, não somente da técnica. Você acredita que essa maturidade vem do fato de ter começado a fotografar em filme? Sim. Os fotógrafos que começaram por meio do filme, possuem características de linguagem diferentes. Eu, por exemplo, não faço recortes depois. Eu já sei que tipo de imagem terei quando estiver fotografando. Não preciso repetir o mesmo quadro dezenas de vezes. Ao usar o filme, tínhamos um cuidado maior com o que queríamos dizer. Não havia muito espaço para o erro, e isso fazia com que fôssemos mais cuidadosos e atentos. Hoje vejo jovens em busca do sucesso, mas que não possuem paciência diante dos outros.
Vemos que usa muitos quadros que o pesquisador Philippe Dubois chama de “espaço fora de campo” , aquilo que está fora do retângulo fotográfico, mas que faz parte dele como uma linguagem. É o caso das sombras projetadas. Você vê isso como parte da linguagem das histórias que não via, mas sentia? Acredito que sim. Minha mente era povoada pelas histórias de meu pai. Olhar para os devotos é muito mais do que estar naquele lugar, é ir em uma peregrinação visual que vai ao encontro de minha raiz.
Quais equipamentos você usa? Uma Nikon D800 e duas lentes: uma 50 mm 1.4 e uma 28 mm.
Isso explica a sua proximidade com as pessoas. Sim. Não faz sentido fotografar pessoas com lentes que te distanciam. Respeito muito aqueles que fotografo. Eles me autorizam a realizar as fotografias a partir do olhar, do reconhecimento entre nós.
Você saiu de São Paulo, um grande centro da cultura brasileira. Qual o motivo? Em 2019 vim para Petrolina, Bahia, mas com a chegada do confinamento por consequência da pandemia, vi os dias passando, isolado, sem poder retornar a São Paulo. Fui ficando. Aqui tenho tudo e estou conectado com o mundo através da internet, mesmo não tendo muita habilidade com ela.
Você respira fotografia. Vive dela também? Sim. Um dos cursos que ministro é o “Poéticas Noturnas” . Levo meus alunos para fotografar bem cedo, no fim da noite, ao entardecer, os dois horários que mais gosto para captar belas imagens com a luz e as sombras tão características das minhas fotografias.
O curso é ministrado na cidade de Canudos, interior da Bahia, devido à sua importância histórica, e em outras cidades da região do vale do rio São Francisco, onde meus alunos podem ver de perto as paisagens, o povo sertanejo e seus costumes. Também ministro, em Salvador, quatro imersões por ano no mundo da fotografia, onde ensino a fotografar e falo com mais profundidade sobre os momentos históricos da imagem. Comercializo minhas fotografias através da internet, sempre dentro dos padrões museológicos de galerias, e todas passam por um padrão de qualidade, certificadas, podendo ser entregues em impressão e montadas ou não, a critério do cliente. Viso ter um espaço em Salvador onde eu mesmo possa comercializar minhas produções.
Para ver os trabalhos do fotógrafo acesse seu perfil do Instagram @joaomachadoart.