Livro Reportagem Fora de Campo - TCC

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fora de campo a paix達o do torcedor goianiense


Pontifícia Universidade Católica de Goiás Comunicação Social - Jornalismo Trabalho de Conclusão de Curso - 2015/2 Autora Giullya Franco Orientador Rogério Borges Diagramação Thereza Sanvés Capa Divulgação: Fernando Leite - Jornal Opção

fora de campo a paixão do torcedor goianiense Giullya Franco

Franco, Giullya Fora de Campo: a paixão do torcedor goianiense Goiânia, GO

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Dedicatória Dedico este livro à torcedora mais fiel que eu conheci: minha mãe Débora Cristina. Desde 1994 foi ela que sempre torceu por mim. Nunca mediu esforços para acompanhar todos os meus passos. Me ensinou os maiores valores da vida e dedicou a mim um amor sem tamanho. Nas minhas derrotas foi sempre a primeira a me levantar, e nas minhas vitórias a primeira a me aplaudir. A cada caminho que trilhei sempre levei comigo a vontade de que no fim o resultado fosse motivo de orgulho para ela. Por isso, à minha mãe, dedico a realização dos meus sonhos e todo o meu amor. 6

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Agradecimentos

A Deus, primeiramente, por permitir sob sua proteção e regência que eu chegasse à conclusão deste trabalho com o qual sonhei nos últimos quatro anos da minha vida. À minha mãe Débora Cristina, me faltam palavras. Sem ela nada disso seria possível. Foi quem abriu mão dos próprios sonhos para viver e realizar os meus. Pela sua luta diária, que mesmo com o cansaço nítido, nunca deixou de mostrar a alegria em poder me proporcionar as melhores oportunidades de crescimento. Ao meu pai Evânio Franco, por ter sido o responsável em me apresentar o futebol, o melhor esporte do mundo. Meu primeiro e melhor companheiro de arquibancada. À minha avó Coraci, que me deu um quarto na sua casa e cuidou de mim com o maior amor do mundo, digno de primeira e única neta. Minha eterna companheira. 9


Ao meu irmão Evânio Filho, simplesmente por tê-lo em minha vida. Afinal, ninguém é feliz sozinho. Com ele dividi o amor dos meus pais e o controle do nosso vídeo game. Ao meu avô Joaquim, pelo bom humor com o qual sempre encarou todos os momentos em que pela falta de experiência de vida eu via dificuldades. Ao grande professor Rogério Borges, jornalista pelo qual tenho imensa admiração. Pela paciência em orientar este trabalho e por compartilhar comigo esse momento de extrema importância na minha vida. Com grande importância, aos personagens que contribuíram com a produção deste livro. Cada experiência compartilhada me rendeu grande aprendizagem. Vocês possibilitaram a realização de um sonho. Ao Goiás Esporte Clube, o meu clube de coração. O clube da minha família. E primeira empresa que me abriu as portas para o mercado profissional dentro da área que sempre sonhei em trabalhar. Enfim, a todos que contribuíram para a produção deste livro-reportagem. Desde o apoio moral à busca pelas informações.

Goiânia Novembro – 2015 Giullya Franco

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É chato ser brasileiro! Por Nelson Rodrigues

“Dizem que o Brasil tem analfabetos demais. E, no entanto, vejam vocês: — a vitória final, no Campeonato do Mundo, operou o milagre. Se analfabetos existiam, sumiram-se na vertigem do triunfo. A partir do momento em que o rei Gustavo, da Suécia, veio apertar as mãos dos Pelés, dos Didis, todo mundo, aqui, sofreu uma alfabetização súbita. Sujeitos que não sabiam se gato se escreve com “x” ou não iam ler a vitória no jornal. Sucedeu essa coisa sublime: — analfabetos natos e hereditários devoravam vespertinos, matutinos, revistas, e liam tudo com uma ativa, uma devoradora curiosidade, que ia do “lance a lance” da partida até os anúncios de missa. Amigos, nunca se leu e, digo mais, nunca se releu tanto no Brasil. E a quem devemos tanto? Ao escrete, amigos, ao escrete, que, hoje, é o meu personagem da semana, múltiplo personagem. Personagem meu, do Brasil 13


e do mundo. Graças aos 22 jogadores, que formaram a maior equipe de futebol da Terra, em todos os tempos, graças a esses jogadores, dizia eu, o Brasil descobriu-se a si mesmo. Os simples, os bobos, os tapados hão de querer sufocar a vitória nos seus limites estritamente esportivos: Ilusão! Os 5 x 2, lá fora, contra tudo e contra todos, são um maravilhoso triunfo vital de todos nós e de cada um de nós. Do presidente da República ao apanhador de papel, do ministro do Supremo ao pé-rapado, todos, aqui, percebem o seguinte: — é chato ser brasileiro! Já ninguém tem mais vergonha de sua condição nacional. E as moças na rua, as datilógrafas, as comerciárias, as colegiais andam, pelas calçadas, com um charme de Joana d’Arc. O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigos: — o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem. Ele já se vê na generosa totalidade de suas imensas virtudes pessoais e humanas. Vejam como tudo mudou. A vitória passará a influir em todas as nossas relações com o mundo. Eu pergunto: — que éramos nós? Uns humildes. O brasileiro fazia-me lembrar aquele personagem de Dickens que vivia batendo no peito: — “Eu sou humilde! Eu sou o sujeito mais humilde do mundo!” Ele vivia desfraldando essa humildade e a esfregando na cara de todo mundo. E se alguém punha em dúvida a humildade, eis o Fulano esbravejante e querendo partir caras. Assim era o brasileiro. Servil com a namorada, com a mulher, com os credores. Mal comparando, um são Francisco de Assis de camisola e alpercatas. Mas vem a deslumbrante vitória do escrete, e o brasileiro já trata a namorada, a mulher, os credores de outra maneira; reage diante do mundo com um potente, um irresistível élan vital. E vou mais além: — diziam, de nós, que éramos a flor de três raças tristes. A partir do título mundial, começamos a achar que a nossa tristeza é uma piada fracassada. Afirmava-se também que éramos feios. Mentira! Ou, pelo menos, o triunfo embelezou-nos. Na pior das hipóteses, somos uns ex-buchos. E a quem devemos tanto? Ao meu personagem da semana. Ninguém aqui admitia que fôssemos “os maiores” do futebol. Rilhando os dentes de humildade, o brasileiro já não se considerava o melhor nem de cuspe a distância. E o escrete vem

e dá um banho de bola, um show de futebol, um baile imortal na Suécia. Como se isso não bastasse, ainda se permite o luxo de vencer de goleada a última peleja. Foi uma lavagem total. Outra característica da jornada: — o brasileiro sempre se achou um cafajeste irremediável e invejava o inglês. Hoje, com a nossa impecabilíssima linha disciplinar no Mundial, verificamos o seguinte: — o verdadeiro inglês, o único inglês, é o brasileiro. Um Didi, lá fora, observou uma calma, uma polidez, um equilíbrio que fariam morrer de inveja o major Anthony Eden. Amigos, na Suécia quem levou pontapé, do pescoço para cima, fomos nós. E, ainda por cima, roubaram a gente, bifaram os nossos gols, a nossa camisa. Mas tudo inútil, porque o Brasil apresentou o maior escrete do universo, segundo os mais exigentes críticos do mundo. Por fim, a lição do meu personagem. Ele ensinou que o brasileiro é, sim, quer queiram quer não, “o maior”.”

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Crônica retirada do livro A Pátria de Chuteiras


Sumário Muito mais que um jogo...................................................................19

Um contador de histórias.................................................................76 Herança de família.............................................................................82 Do rádio esportivo para o coração................................................26

Rubro-negro: a cor do meu coração..............................................88

Amor à flor da pele...........................................................................34 Colecionador de memórias..............................................................42

Um ilustre torcedor...........................................................................94 O Goiânia que deixou saudades...................................................100 Vila Nova: uma religião....................................................................50 Com o Vila onde e como ele estiver.............................................58

Fora do lance: o futebol jogando longe do campo.................105

Do campo para a arquibancada......................................................68

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Muito mais que um jogo São apenas 90 minutos, sinaliza o cronômetro. No círculo central, apita o juiz. Começa o jogo. Entre quatro linhas, um duelo com 22 homens. Do lado de fora, a paixão de milhões de pessoas. Na atenção de todos, a bola. No êxtase da emoção, o gol. No contexto geral, o esporte mais apaixonante do mundo: o futebol! Seja na rua, quadra da escola, campo de terra, quintal de casa, na penitenciária ou no convento. No vídeo game ou no ‘Totó’. Não importa o lugar ou circunstância. O futebol não precisa de muito para ser praticado. E muito menos para ser sentido. Escrever sobre futebol é um grande desafio, principalmente quando o assunto foge ao fato corriqueiro. Muito mais do que o simples relato de um jogo, o histórico de um time, e o retrospecto de um campeonato, este livro vai transmitir a emoção que envolve o torcedor. Mais especificamente, o torcedor do futebol goianiense. 18

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Fora do principal eixo que envolve os grandes clubes de futebol do Brasil, Atlético Clube Goianiense, Goiás Esporte Clube, Goiânia Esporte Clube e Vila Nova Futebol Clube construíram a história do futebol goianiense e, principalmente, interferiram na vida de milhares de torcedores goianos. Nas próximas páginas, 13 deles relatam com um misto de sentimentos a relação com as agremiações. Pulando a ordem cronológica da fundação de cada agremiação, as histórias aqui começam com o verde e o branco. Verde do cerrado goiano, mas além disso, da esperança esmeraldina. Palavra derivada de esmeralda, que é um dos minerais mais nobres que existem. Coincidência ser a cor da camisa do Goiás. O clube localizado em uma das regiões mais valorizadas de Goiânia e com os torcedores considerados de camadas sociais mais abastadas, também é o único que representa o Estado no torneio mais importante do País, o Campeonato Brasileiro da Série A, e o que possui o maior número de títulos regionais, além de ter sido finalista de um campeonato internacional. Já a esperança entra no sonho de todo torcedor esmeraldino: conquistar um título de expressão. Torcida exigente, acostumada com grandes craques e bons campeonatos. Os esmeraldinos se gabam com o título, dado por eles mesmos, de Maior do Centro-Oeste. Da cor do sangue que corre na veia e no ritmo de um batimento cardíaco, é o movimento que se vê na arquibancada de um jogo do Vila Nova. Torcida sofredora, porém fiel. Disputa com o Goiás a posição de ser a maior do Estado, afinal são as duas torcidas mais jovens da região. Porém, com perfil totalmente diferente, muitos torcedores do Vila nunca chegaram a ver um título dentro do estádio, mas estão em todas as partidas do colorado. Pode ser que o verde seja a cor da esperança, mas há quem contrapõe que o vermelho é a cor da paixão. Com a raiz em Campinas, a torcida do clube mais antigo de Goiânia faz jus à sua idade e possui torcedores mais velhos que o próprio clube. O Atlético Goianiense e seus torcedores muitas vezes são motivos de chacota para os rivais por possuírem na atualidade um número reduzido de público no estádio. Porém, seus torcedores, assim como um Dragão,

que é o mascote do clube, não se intimidam e mostram sabedoria e força de superação. Superação talvez seja a principal palavra que envolva o clube que renasceu das cinzas. Esmeraldinos, vilanovenses e atleticanos, é quase possível dizer que todos são torcedores do Goiânia. Aos maiores amantes da história do futebol goiano é triste não ver mais o Galo Carijó entre os grandes clubes da capital. Alvinegro, o Goiânia, que em seus primórdios era chamado de Chapa Branca por ser o time dos principais governantes regionais, sofreu com as consequências do tempo e com a modernização do futebol. Agora o Goiânia, assim como as cores de sua camisa, vê suas glórias passarem em preto e branco. Porém, foi peça fundamental para que o futebol viesse a crescer na cidade. A realidade entre os quatro clubes é totalmente diferente, mas não impediu que seus torcedores tivessem características em comum. A esperança é verde e faz parte do sonho de Tia Fia de ver o Goiás campeão brasileiro, mas não impediu que a colorada Patrícia desafiasse os próprios limites através da fé para ver o Vila Nova conquistando um título, e muito menos faz com que o ilustre professor Pantaleão deixe de acreditar que o Goiânia ainda pode se salvar. Debaixo da pele, o sangue é vermelho do colorado. Mas na pele da apaixonada Thaissa o que se vê é o símbolo cor de esmeralda. Entre os historiadores deste livro, o Atlético por ser o mais antigo, possui os dois personagens mais velhos, como o sábio professor Horieste que resolve retratar suas histórias em livros, e o simples Sebastião, que se encantou com o uniforme rubro-negro. Porém, o saudosista esmeraldino Thiago não abre mão de reconstruir a história do Goiás com sua coleção de camisas. Há também os jovens Igor e Giullia. Herdeiros da paixão, um pelo pai, a outra pela mãe. Igor é atleticano, não sabe explicar bem, mas tem o Atlético como parte da família. A moça é colorada, filha de Patrícia, e doente pelo Vila Nova. Já os jornalistas Luciano e Donizeti guardam o carinho pelo Goiânia, mesmo não tendo presenciado seus momentos de glórias. Olímpio não herdou do pai o gosto pelo esporte, mas bastou ir ao estádio uma única vez

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para se encantar com a bola rolando, sonhar em ser jogador, e vestir a camisa do Vila Nova. Em compensação, Rodrigo tem uma família inteira de colorados, passa 24 horas envolvido com o Vila, e se tira férias, a companhia para as viagens é a camisa vermelha. Com toda sua simplicidade, o futebol goianiense conquistou seu espaço. Nossos clubes proporcionaram a esses torcedores momentos únicos de emoções indescritíveis. Para os mais velhos, a saudade do Estádio Olímpico, e para os mais novos a vontade de tê-lo conhecido. O clássico Vo-Vô, envolvendo os dois clubes mais experientes da capital, deixa um gostinho de quero mais para quem valoriza o que é da terra. O Campeonato Goiano de 1973, decidido entre Goiás e Vila Nova, talvez o mais polêmico de todos, quando narrado pela voz do experiente Edson Rodrigues, leva que qualquer torcedor fantasie as cenas do jogo. As vinhetas do programa esportivo Escrete de Ouro não precisam ser tocadas mais de uma vez para que venha à tona na memória do goianiense a narração de uma partida de futebol. Alguns bordões como, “Sacodiu, sacodiu, e o placar mudou”, “Apitou. Começou!”, “É gol, que felicidade...” são marcantes para o futebol goiano. Para quem está de fora é apenas uma simples frase ou só mais um som, para quem vive é muito mais que uma emoção. Assim como os jogadores dentro de campo, este livro tem a responsabilidade de representar a paixão de seus torcedores. Que a cada página o leitor tenha a capacidade de se surpreender como se assistisse uma jogada dentro de campo. Chegando ao final do livro, que o resultado seja como esperado em uma partida, positivo. O apito inicial está dado, que todos façam uma excelente leitura!

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Goiás Esporte Clube “Sou dessa terra de raça forte Gente nobre que sabe o que faz Esse é meu clube, esse é meu Estado Eu sou Goiás, eu sou de Goiás Te trago no peito, bem do meu lado Nosso clube, nosso Estado Eu sou Goiás, eu sou de Goiás Te levo comigo e não largo jamais Goiás é nosso, é de coração Nosso clube, nosso Estado Nossa grande paixão Goiás é nosso e pode muito mais Vamos juntos mostrar ao mundo Do que esse clube é capaz.” Messias e Matheus

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Do rádio esportivo para o coração Tia Fia

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rádio esportivo, sempre capaz de transmitir emoções e estimular a imaginação e fantasia de seus ouvintes, no início da década de 1970, foi o responsável por aflorar em Jodelmi Cardoso Sobrinho o desejo de assistir uma partida de futebol no estádio. Hoje, a aposentada de 66 anos de idade, é considerada referência na arquibancada do Estádio Serra Dourada como torcedora fiel do Goiás Esporte Clube. Nascida na fazenda, em Bela Vista de Goiás, Jodelmi se mudou para Goiânia aos 17 anos de idade, onde logo se casou. O marido costumava deixá-la sozinha com os filhos no final de semana para festar e a moça, que possuía um radinho de pilha, tinha o costume de escutar a programação das rádios, até que um dia, sintonizou na Rádio Brasil Central, que transmitia uma partida entre Vila Nova e Atlético Goianiense. Mas quando o narrador 26

descreveu a cor dos uniformes, Jodelmi pensou: “Ah, meu Deus, que horror! Esses uniformes devem ser podres de feios.” Ainda assim ficou entusiasmada com o anúncio do jogo a ser realizado no domingo seguinte, entre Goiás Esporte Clube e Vila Nova. Chegado o dia do jogo, a nova ouvinte da RBC estava ligada à narração da partida. Quando o narrador novamente citou as cores das equipes, nasceu dentro de Jodelmi a simpatia pelo alviverde. “Quando falou a cor do uniforme do Goiás eu fiquei louca. Falei ‘meu Deus do céu, deve ser bonito demais da conta’”, recorda a aposentada na ocasião em que o Goiás venceu o Vila Nova por 3 a 0, no Estádio Olímpico, e despertou nela a profunda vontade de ver esse time jogar. Sem dinheiro para ir ao estádio e com dois filhos para cuidar, a jovem decidiu começar a trabalhar em casa, e, com a ajuda de uma vizinha, aprendeu a fazer bordados. Durante dois anos Jodelmi acompanhou os jogos do Goiás pelo rádio, até que juntou seu dinheiro e resolveu ir ao estádio, situação que atiçou o ciúme do marido que tentou impedi-la. “Eu não te dei dinheiro, você não vai”, impôs o marido, e Jodelmi retrucou: “Vou, eu tenho meu dinheiro. Hoje eu quero ver se você é homem para me impedir. Tô cansada das suas chantagens.” Após a discussão, Jodelmi pegou as crianças e rumou para o Estádio Olímpico. E o marido seguiu atrás. Jodelmi estreou com vitória, em seu primeiro jogo no estádio ela afirma que o Goiás venceu novamente o Vila por 3 a 0, mas na verdade, com tantos jogos na memória ela se confundiu. O Goiás venceu a equipe colorada por 2 a 0. O marido resolveu torcer pelo rival por implicância, mas ela não deu moral à decisão. A partir daí, Jodelmi nunca mais deixou as arquibancadas, mas deixou o marido! Durante muitos anos viveram em conflitos, e um dia o moço pediu que ela escolhesse entre ele e o Goiás. Sem pensar duas vezes a torcedora deu o aviso: “Ajunta seus trapos e vaza, porque eu só vou largar o meu Goiás no dia que eu morrer, se Deus não der licença pra eu voltar!”. O recado de Jodelmi deixou o casal sem conversar por semanas, mas não foi o fator principal para a separação. Eles ainda viveram alguns anos juntos, porém o relacionamento não suportou as divergências e chegou ao fim. 27


Com a separação, a torcedora recorda que começou a viajar com a torcida para ver o Goiás jogar. O primeiro destino foi a cidade de Campinas, em São Paulo. Na oportunidade o Goiás enfrentaria o Guarani pelo jogo de volta do Campeonato Brasileiro de 1985, onde empatou por 1 a 1, marcando a memória da torcedora. Dentre as diversas emoções e situações que o futebol é capaz de proporcionar aos seus torcedores, também se encaixam as oportunidades. Jodelmi recorda com muito carinho da primeira vez que foi à praia. “A melhor viagem que eu fiz foi a primeira vez que fui ao Rio de Janeiro, para assistir Vasco e Goiás, porque eu tinha vontade demais de conhecer o mar. Fui pra assistir o jogo, mas nós fomos à praia. Só no Rio eu fui quatro vezes pra ver o Goiás”, relembra com alegria. Mesmo sendo considerada como referência na torcida esmeraldina, poucas pessoas sabem dizer quem é Jodelmi Cardoso. A torcedora com mais de 40 anos de arquibancada, foi carinhosamente apelidada por “Tia Fia”. Conforme foi envelhecendo ao lado da torcida, hoje é chamada por alguns mais novos de “Vó Fia”. “E eu nunca importei de jeito nenhum. Virou Tia Fia e todo mundo me chama de Tia Fia”, descreve orgulhosa do carinho que recebe dos amigos de estádio.

Divulgação-GloboEsporte

Tia Fia mostrando a camisa preferida

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Fia é tão fiel ao clube do coração que mesmo aos 66 anos, sem ter a obrigatoriedade de pagar o ingresso para assistir aos jogos de futebol, a torcedora resolveu se fidelizar ao Goiás e pagar mensalmente o valor de R$29,90 no plano de torcedor oficial Nação Esmeraldina para contribuir com o Goiás. “É mixaria o que eu pago? É. Mas com o amor que eu tenho pelo meu time, a forma que eu posso ajudar é essa. Então eu vou ajudar!”. Que o brasileiro é apaixonado por futebol todo mundo sabe, mas como explicar o que se passa pela cabeça, se é que podemos dizer que existe razão, de torcedores que dedicam uma vida de amor e devoção a uma entidade futebolística? Tia Fia é o retrato de milhões de torcedores que consomem futebol 24 horas por dia. Durante uma hora de conversa na casa da vovó esmeraldina, é impossível não notar a sua paixão pelo futebol e, principalmente, pelo Goiás Esporte Clube. Vestida com o seu “manto sagrado”, hoje, além do rádio, ela acompanha todos os programas esportivos possíveis que passam na televisão. E vestida com o manto, porque ela não usa outras roupas. A camisa do Goiás é marca registrada da imagem de Dona Jodelmi, que também abriu mão da cor vermelha por representar o clube rival. Segundo a esmeraldina, o envolvimento causado pelo esporte gerando sentimentos como emoção e rivalidade são os fatores que podem ajudar a explicar o poder de atração do futebol. Podemos até concordar com Tia Fia, os sentimentos que o futebol proporciona realmente nos atraem, mas como explicar a exaltação máxima quando o torcedor coloca o clube como fator essencial de sobrevivência? Ao ser questionada sobre a importância do Goiás para ela, Tia Fia responde, sem rodeios e com profunda certeza: “Tudo! Eu amo o Goiás igual eu amo os meus filhos. Meu coração é partido em quatro partes: três é dos meus filhos e uma é do Goiás.” E se engana quem pensa que esta senhora de aparência frágil e tão apaixonada pelo clube apenas sabe torcer. Jodelmi dá aula de conhecimento sobre futebol para qualquer um que vier a contestá-la. Entende desde o esquema tático dentro do campo aos esquemas sujos de administração que lamentavelmente acontecem nos bastidores do melhor esporte do mundo. 29


Insatisfeita com a atual situação do Goiás no Campeonato Brasileiro, que caminha a largos passos para sofrer o quarto rebaixamento na história, a torcedora não poupa verdades sobre os jogadores do elenco esmeraldino. “Esse ano, de todos os times do Goiás que eu já vi jogar, e olha não foram poucos, esse é o pior time que eu já vi o Goiás ter. Vou te falar a pura verdade, se fosse um time para disputar alguma coisa, nenhum titular do Goiás seria titular, seria tudo reserva, e tem uns lá que nem pra reserva serviria”, afirma, com revolta. Em 2012 o Goiás conquistou o título do Campeonato Brasileiro da série B e garantiu seu retorno à elite do futebol nacional, montando em 2013 um excelente plantel que chegou às rodadas finais do torneio com chances de ficar entre os quatro melhores do País e disputar novamente a Copa Libertadores da América. Seria um sonho maravilhoso para a torcida esmeraldina, que mesmo tendo um clube superior aos seus rivais no Estado em questões de estrutura e nível de campeonatos disputados, nunca conquistou nenhum título de expressão nacional. Porém, quando o time atingiu uma zona de segurança, deixou de pontuar no torneio, situação que fez milhares de torcedores desacreditarem no esmeraldino. Hoje, além da má fase dentro de campo, o clube não consegue alavancar seu programa de torcedores oficiais e nem mesmo colocar um bom público no estádio. Foram poucos esmeraldinos que mantiveram a mesma linha de Jodelmi, de acompanhar o clube como se fosse um verdadeiro casamento, “na alegria e na tristeza”. Moradora do Residencial Village Garavelo II, em Aparecida de Goiânia, a cerca de 16 km de distância do Estádio Serra Dourada, Tia Fia enfrenta dois ônibus para chegar aos jogos do Goiás, e olha que em 2015 ela faltou apenas a um, por motivo de saúde. E a companhia de Jodelmi para ir aos jogos? É sobrenatural! Ao escutar a pergunta: “Mas com quem a senhora vai para o estádio?” Jodelmi respondeu sorrindo: “Mais Deus. Nós dois num separa não. Vou de ônibus, às vezes eu pego uma carona para voltar, às vezes eu venho de ônibus, mas nunca deixei de ir, não tenho preguiça de ir ver meu Goiás.” Desde que os filhos seguiram seus caminhos, a torcedora mora sozinha. Ela

diz que os filhos até vão aos jogos de vez em quando, mas cada um com suas próprias pernas. Ela não depende de ninguém. Se contra o atual elenco do time a torcedora não mediu palavras para alfinetar, os administradores do clube também não passaram despercebidos pela esmeraldina que conhece cada detalhe dos 72 anos de história do Goiás. A má fase tem culpado e ela não se censura ao falar sobre a família que administra o clube durante todos esses anos e que desperta revolta de grande parte dos torcedores do time, considerado por muitos como o maior do Centro-Oeste. “Muita gente contesta, mas para mim, a culpa é da família Pinheiro. Eles parecem aquele cachorrão, que põe o osso na porta da casinha e não come, mas se o pequeno for lá pegar ele avança. Reconheço tudo o que já fizeram pelo Goiás. O patrimônio que o Goiás tem deve à administração deles, fizeram muita coisa boa, mas chegou a hora deles entregarem o Goiás para outras pessoas cuidarem. Eles não são insubstituíveis!”, declara Tia Fia apontando os responsáveis pela fase conturbada enfrentada pelo clube goiano. Jodelmi carrega uma bagagem de memórias vividas com o Goiás em seus momentos de glórias e fracassos. A torcedora guarda jogos, como o empate com o Santos do Rei Pelé, no Pacaembu, no ano de 1974, como um dos melhores que já acompanhou. Lembra também da magia que o Goiás proporcionou aos seus torcedores, no Estádio Serra Dourada, quando disputou a Libertadores em 2006. E com os olhos cheios de lágrimas Jodelmi diz: “Ai, menina, foi muito dolorido.” É a recordação da disputa da inesquecível final da Copa Sulamericana, em 2010. Sobre esta final, Jodelmi não se privou de dizer com semblante enfurecido: “Foi nesta época que tomei raiva daquele povo do Grêmio. Eu até tinha simpatia pelo Grêmio, mas hoje, se jogar Grêmio e Corinthians, pra mim são dois desconhecidos!”. Em 2010 o Grêmio era quarto colocado no Campeonato Brasileiro e só se classificaria para a Copa Libertadores se o Goiás não conquistasse o título da Copa Sulamericana. A vovó esmeraldina também contou com tristeza um sonho que tem de viver ao lado do Goiás, mas confessa que tem muito medo de não conseguir alcançar. “Eu temo muito pelo futuro do Goiás.

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Sempre falei que não queria morrer enquanto eu não visse meu Goiás sendo campeão brasileiro, mas eu estou desistindo desse sonho.” O caso de amor entre a querida Tia Fia e o Goiás Esporte Clube pode ser apenas mais um, comparado a todos os outros espalhados no Brasil. Mas para quem frequenta os jogos do Goiás, a imagem da senhora que fica na porta do túnel ao lado da torcida organizada, sempre com uma bermuda, unhas verdes e um boné do Goiás em dias de sol, será guardada na memória, assim como ela guarda os momentos de glória do Verdão. O sentimento de um torcedor de futebol talvez nunca consiga ser explicado, principalmente por aqueles que acreditam que tudo na vida tenha uma razão. Mas torcedor de futebol pensa com o coração, “e quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”.

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Campeonato Brasileiro de 1974: Santos 4 x 4 Goiás O Goiás estava no seu segundo ano de disputa do Campeonato Brasileiro. Na época, o Santos possuía uma incrível equipe comandada por Pepe, e tinha como o principal jogador do elenco o Rei Pelé. O Goiás, ainda tímido no cenário nacional, foi a São Paulo enfrentar a equipe no Estádio do Pacaembu, no dia 6 de fevereiro. A equipe esmeraldina perdia o jogo por 4 a 1. Pepe já havia substituído Pelé, que estava no vestiário, quando nos 11 minutos finais o Goiás conseguiu empatar a partida. Paghetti, que já havia marcado o primeiro gol esmeraldino, balançou a rede por mais duas vezes. O atacante Lucinho, nos últimos minutos do jogo, marcou o gol do empate.

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Amor à flor da pele

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Thaissa Netto

mendoim, refrigerante, cerveja, balas e picolé fazem parte do ‘cardápio’ oferecido pelos estádios de futebol espalhados pelo Brasil. É tradição. Durante os noventa minutos de tensão enfrentados pelo torcedor na arquibancada, os petiscos auxiliam na tarefa de tentar acalmar os ânimos, mesmo que não surtam efeito algum. O maior chamativo para que uma pessoa vá ao estádio é o futebol, mas como para toda regra há uma exceção, o picolé também entrou no jogo e foi quem seduziu a menina Thaissa. Assim que a mãe de Thaissa, Dona Giovana, descobriu a gravidez, o pai e os irmãos já planejavam a chegada de um garoto. Os três apaixonados por futebol e torcedores do Goiás queriam ensinar o menino a torcer e dar sequência à paixão que vinha de gerações. Ao descobrir que uma moça estava a caminho, a família não se importou. Assim que Thaissa chegou, logo se en34

carregaram de levar a menina aos jogos do Goiás. Para entreter uma criança durante noventa minutos a alternativa foi o picolé. “A cada gol do Goiás, eu ganhava um picolé. Então eu morria de torcer só para ter o meu picolé. Não entendia nada, mas achava o máximo estar no meio de toda aquela vibração”, recorda a jovem. Os anos passaram, a garota cresceu e criou amor pelo esporte. Na família vieram as primas, nenhum primo. As outras não têm o costume de acompanhar com frequência o futebol, mas Thaissa afirma que são esmeraldinas, “graças a Deus”. Com o passar dos anos, o picolé tornou-se peça secundária. A garota começou a entender o contexto das partidas, as regras do esporte, e muito mais do que isso, passou a dedicar seu amor ao Goiás. Thaissa de Lima Netto tem 26 anos e viveu todos eles acompanhando o Goiás. No Estado de Goiás é difícil encontrar um estádio que a torcedora não conheça. Onde o Goiás joga, Thaissa vai. A menina, que era esperada como um menino, surpreendeu até a família e mostrou que futebol não é mais um esporte exclusivamente masculino. Fiel, dedicada, e muito apaixonada, a própria se adjetiva como “doente” pelo Goiás. E até onde vai essa paixão? A de Thaissa não ficou somente no coração, ela foi à flor da pele. Em 2007, o Goiás corria o risco de rebaixamento no Campeonato Brasileiro da Série A e a jovem fez a promessa de tatuar uma estrela verde na nuca caso o clube se salvasse. Na última rodada do campeonato, o Goiás enfrentou o Internacional no Estádio Serra Dourada. O jogo foi para testar a força do coração dos esmeraldinos, que além da vitória do Goiás, precisavam torcer simultaneamente para que o Corinthians não vencesse o Grêmio. Em Goiânia, o Internacional abriu o placar para o sufoco dos alviverdes. Elson empatou para o Goiás e deixou viva a esperança de Thaissa. Na etapa final, o lateral Vitor sofreu pênalti para o Goiás e levou à loucura os 35 mil torcedores presentes. Paulo Baier, maior artilheiro do Goiás na era do Campeonato Brasileiro de pontos corridos, foi o escolhido para fazer a cobrança. Juiz apitou, Baier bateu, Clemer defendeu. Mas para torturar de vez o coração da esmeraldina, o bandeira mandou voltar a cobrança, o goleiro colorado se adi35


país vizinho. Depois de muita insistência, a garota convenceu a mãe e, junto com a amiga Mila, viajou um dia antes do jogo. “Ficamos no mesmo hotel do time, perto dos principais pontos turísticos de Buenos Aires, mas na verdade, só visitamos estádios. Fomos movidas até lá pelo futebol e tudo só girava em torno de futebol”, relembra. Contando todo o trajeto até o Estádio Libertadores da América, a torcedora recorda que foram escoltados pela polícia e chegaram com cinco horas de antecedência. Convencer a Dona Giovana de deixá-la ir ao jogo foi difícil e acabou que ninguém mais sabia da viagem da garota para poupar as preocupações, tendo em vista que o jogo era considerado como perigoso para a torcida visitante. Mas como diz um velho ditado popular: “A mentira tem perna curta.” Quando o avô de Thaissa, responsável por introduzir o amor pelo Goiás na família, ligou a televisão para ver o jogo, lá estava a netinha, em Avellaneda. Aí o desespero dobrou! Da forma mais dramática, nos pênaltis, o Goiás perdeu para o Independiente o título do campeonato. Sonho que vive engasgado e que faz Thaissa chorar ao lembrar, mesmo passados cinco anos. “Não sei bem se felizmente ou infelizmente eu estava lá. Queria apoiar a todo momento, mas sofri demais. Tive a experiência mais perfeita e mais triste. Mas isso é futebol, um misto de emoções. Eu amo mais que tudo e faria tudo de novo!” Mesmo com a incurável cicatriz deixada pela Copa Sulamericana no coração de todos os torcedores esmeraldinos, Thais-

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Acervo Pessoal

antara. Segunda cobrança, que poderia ser considerada como um replay. Novamente Paulo Baier erra, Clemer se adianta e o bandeira manda realizar uma nova cobrança. Imprevisibilidade que só o futebol proporciona. Dessa vez a história mudou, o escolhido, não da cobrança de pênalti, mas da salvação do time, foi Elson. O atacante cobrou o terceiro pênalti, sacodiu a rede e garantiu a virada para o Goiás. O jogo terminou em 2 a 1. O Corinthians empatou em 1 a 1. E Thaissa registrou a história, não somente na memória, mas na pele. Sobre a tatuagem, mais uma vez faz um agradecimento celestial: “Graças a Deus eu a fiz!” Só que a paixão da torcedora foi muito além da estrela. Thaissa queria marcar no próprio corpo algo que fizesse uma nítida referência ao sentimento que alimentou desde o nascimento. Dos trechos do hino do clube, a jovem selecionou a sua citação favorita. O “Eternamente Serei Goiás” está escrito nas costas de Thaissa. E se engana quem acha que ela parou por aí. “Faltava alguma coisa. Queria o símbolo na minha pele, em um lugar que eu pudesse ver a todo momento”, afirma a jovem. No pulso Thaissa tatuou o primeiro escudo da equipe esmeraldina, com a cor verde, em degradê. E ainda assim a torcedora garante que as três tatuagens não conseguiram traduzir o seu sentimento pelo Verdão. “Não há nada que eu tatue ou faça, que possa exemplificar ou explicar esse amor!”, garante, orgulhosa. Esmeraldina no Serra Dourada Nos 72 anos de história, com uma das tatuagens à mostra um dos momentos mais importantes que o Goiás e seus torcedores viveram lado a lado foi em 2010. O clube chegou pela primeira vez à final de um campeonato internacional, a Copa Sulamericana. A decisão do título foi na Argentina e, sem dúvidas, Thaissa decolou para o

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Thaissa na Argentina assistindo Independiente x Goiás


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porcionou um desfecho diferente para cada uma. Dona Jodelmi preferiu escolher o Goiás ao marido, e o casamento não suportou a relação com o time de futebol. Mas para Thaissa, o Goiás revelou um futuro diferente. Muito mais que vitórias e títulos, na arquibancada a jovem encontrou um casamento. O advogado Márcio Borges sempre acompanhou o Goiás no estádio, inclusive também foi para a Argentina, onde Thaissa o viu pela primeira vez, mas não chegaram a se cumprimentar. Dois anos depois, nada mais nada menos do que em um clássico entre Goiás e Vila Nova os dois foram apresentados por amigos em comum. Graças à vitória do Verdão saíram para comemorar e dali para frente comemoraram todos os jogos juntos. “Saímos para comemorar e começamos a namorar. Com seis meses de namoro nós noivamos e com mais seis meses nos casamos”, conta Thaissa. A decoração da igreja: verde. A música para a saída do casal da igreja: hino do Goiás. A vida a dois é baseada na rotina do Goiás. Todos os planos são feitos baseados no calendário de jogos do time para que não percam uma partida. Além disso, o casal tem a meta de ir a dois jogos fora de Goiânia Ao lado do marido Márcio Borges todo ano. “Tem no jogo do Goiás dado certo. Viajamos, conhecemos novos lugares e estádios, mas o melhor de tudo: vemos nosso verdão!”

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sa teve momentos marcantes de alegria que contribuíram para transformá-la nesta fiel torcedora. Pelo Campeonato Brasileiro da Série B, em 1999, o Goiás recebeu o Bahia no Estádio Serra Dourada para o jogo que proporcionou um dos gols mais bonitos marcados no estádio. O confronto terminou empatado em 4 a 4. Mas o gol marcado pelo atacante Fernandão deixou em êxtase todos os torcedores, comentaristas e quase levou os narradores à loucura. Uma belíssima bicicleta na entrada da grande área. Gol que deixou o nome do artilheiro Fernandão, falecido em 2014 em um acidente de helicóptero, escrito na história do Goiás. Alguns narradores chegaram a considerar que o feito merecia uma placa no Serra Dourada. “O jogo Goiás x Bahia foi incontestável. Eu tinha 11 anos e teve de tudo nesse jogo. Nunca tinha visto nem na TV um gol de bicicleta e nosso ídolo Fernandão fez isso na minha frente. Foi como se fosse câmera lenta, essa imagem nunca saiu da minha cabeça”, diz a torcedora. Sobre o que o Goiás significa, Thaissa não sabe explicar, mas sabe sentir. E sente muito. “O Goiás representa meu humor. Quando ele perde quero sumir do mundo. Ele é tudo pra mim. Um amor lindo que se chama Goiás Esporte Exibindo a coleção de camisas Clube. Não é só uma entidade, não sei explicar, só sei sentir. Mas dizem que o amor é isso. Sem definição. Só sabemos que amamos a todo momento.” Com 40 anos a menos do que Tia Fia, mas com o mesmo sentimento de amor pelo Goiás, as duas são exemplos de torcedoras e até se conhecem da arquibancada. Apesar de viverem uma relação fiel com o clube, o Goiás pro-


Copa Sulamericana de 2010 Em 2010 o Goiás chegou à final da Copa Sulamericana e se sagrou vice-campeão do torneio. A equipe esmeraldina, que havia passado por um ano conturbado, perdeu o título do Campeonato Goiano no primeiro semestre e foi rebaixada no Campeonato Brasileiro da Série A. Chegar à final de uma competição internacional foi um sonho para a torcida esmeraldina que amenizou muito a dor do rebaixamento, pelo menos até o dia da decisão. Na primeira fase o Goiás passou pelo Grêmio, chegando às oitavas e eliminando o Peñarol, do Uruguai. Nas quartas de final, o esmeraldino eliminou o Avaí, e na semifinal, com muita raça, o Goiás tirou o Palmeiras. Nesta fase, o alviverde goiano perdeu o primeiro jogo por 1 a 0 no Estádio Serra Dourada. Na volta, o Palmeiras abriu o placar no Pacaembu, mas o Goiás conseguiu a virada. O gol da classificação foi marcado pelo zagueiro Ernando, que levou o Goiás para a inédita final internacional. Já rebaixado no Campeonato Brasileiro, o Goiás recebeu o Independiente, da Argentina, no Estádio Serra Dourada, no dia 1º de dezembro. Aos 21 minutos do primeiro tempo, o Goiás havia fechado o placar do jogo. Rafael Moura e Otacílio Neto marcaram para deixar o Goiás na vantagem de 2 a 0. Alimentando o sonho de ver o clube conquistar o título inédito, no dia 8 de dezembro, cerca de três mil torcedores esmeraldinos foram à Avellaneda, em Buenos Aires, torcer pelo Goiás. Essa data ficou marcada para a torcida esmeraldina como um sonho que virou pesadelo. O Independiente venceu por 3 a 1 no tempo normal. Como na final da competição o critério de gols fora de casa deixa de valer, o jogo foi levado à prorrogação, e acabou sendo decidido nos pênaltis. Nas cobranças, Felipe errou para o Goiás, e deixou o clube com o amargo saber do vice-campeonato. Com a derrota da equipe goiana e a conquista do time argentino, o Grêmio, quarto colocado no Campeonato Brasileiro, se classificou para a Copa Libertadores da América de 2011. O Flamengo também foi beneficiado, garantindo vaga na Sulamericana do próximo ano. 40

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Colecionador de memórias

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Thiago Libório

audosista é o termo utilizado para se caracterizar alguém que tem gosto por coisas ou momentos do passado e que sabe valorizar o que já não existe mais. Um excelente adjetivo para qualificar torcedores de futebol. Eles são capazes de recordar a escalação de um time de duas décadas atrás, ou até mesmo quem fez um gol de um título importante de um ano em que nem eram nascidos. O torcedor de futebol guarda pôster do time, reportagem de jornal, fita VHS de uma partida antiga, mas muito mais do que isso, o torcedor coleciona memórias. É através de vitórias, títulos e conquistas que se escreve a história de um clube de futebol, mas nada disso seria possível sem o saudosismo e o conjunto de recordações de seus torcedores. E nada melhor para representar a história de um clube do que os uniformes vestidos em cada ano da trajetória. O Goiás Esporte Clube possui um torcedor que fez questão de remon42

tar o ciclo do clube através da sua coleção de camisas. Thiago Libório de Paula, engenheiro civil, 33 anos, esmeraldino, bairrista e detentor de aproximadamente 300 camisas do Verdão. O esmeraldino que começou a ir ao estádio com um tio e o padrinho, ainda na infância, recorda que viveu grandes momentos com o clube no decorrer dos anos. Mas foi em 1999, o ano inesquecível para Thiago, quando o Goiás conquistou o título do Campeonato Brasileiro da Série B, que o torcedor resolveu dar início à coleção. “O título de 1999, pela Série B, foi o que fez com que eu me inspirasse e me tornasse um torcedor diferente que buscasse algo a mais. Aí veio a ideia de fazer a coleção e desde então tenho feito. Pra mim é muito especial fazer parte dessa história e resgatar um pouco também a história do Goiás”, afirma Thiago. No início, o torcedor começou a adquirir as camisas através da compra comum, depois passou a adquirir dos amigos, via internet e também dos conselheiros do clube. A primeira foi comprada no ano 2000 e Thiago afirma que de 1989 até 2015 possui todos os uniformes, além de algumas camisas que antecedem essa data, como um modelo de 1982 que pertenceu ao folclórico centroavante Dadá Maravilha, que atuou no clube esmeraldino entre 1981 e 1982 e possuía a famosa frase: “Me diz o nome de três coisas que param no ar: beija-flor, helicóptero e Dadá Maravilha.” Para manter todas as camisas conservadas, o esmeraldino guarda separadamente cada uma em sacos plásticos com uma espessura maior e as embala a vácuo. Mas para adquirir uniformes tão antigos, o torcedor afirma que não mede esforços. “Obviamente adquirir uma camisa antiga hoje é bem mais difícil, mas sempre que tenho a oportunidade vou onde tem para buscá-la.” O esmeraldino, que também faz parte do Conselho Deliberativo do Goiás, possui um acervo superior ao que o próprio clube tem, e já chegou a emprestar os uniformes para um evento realizado pela instituição no ato do lançamento dos uniformes do ano de 2014, quando houve uma exposição das camisas do Goiás pelo tempo. Frequentador assíduo do Estádio Serra Dourada nos jogos do Goiás, Thiago relembra a história de uma camisa que considera especial, por tê-la adquirido no próprio jogo. “Em 2002, eu ad43


Rodrigo Charu-TV Goiás

Thiago exibe camisa durante exposição

quiri essa camisa com o cara que vendia amendoim na escadaria do Serra Dourada. Na época cheguei e falei para ele: “Cara, sou colecionador de camisa e eu preciso dessa camisa d’ocê! Ele falou pra mim: ‘Se você comprar 10 saquinhos de amendoim eu te dou ela’, e aí foi, comprei os amendoins”, relembra com risadas. O termo saudosismo é a palavra utilizada a todo momento por Thiago para se auto definir. Ciente da importância que tem o tamanho do seu acervo de camisas esmeraldinas, o torcedor se preocupa em fazer parte da história do clube, e também em poder trazê-la à tona para outras gerações de torcedores. No evento realizado há cinco edições que reúne colecionadores de camisas de futebol em Goiânia, Thiago sempre participa representando o Goiás. É possível que Thiago seja hoje o maior colecionador de camisas esmeraldinas. As camisas são importantes? Sim, muito. Mas não só de camisas vive o torcedor. Fiel ao clube esmeraldino, o colecionador se recorda de um dos seus jogos mais marcantes, com placar e ano da partida sem nenhuma falha de memória. O confronto foi entre Goiás e Flamengo, pela 3ª rodada da primeira fase do Campeonato Brasileiro de 1991. Nesta partida, a equipe esmeraldina atropelou o Flamengo no Serra Dourada por 5 a 1. Os responsáveis por dar essa alegria a Thiago foram Ag44

naldo, Niltinho, Josué e o artilheiro Túlio Maravilha, que marcou duas vezes. Pelos cariocas, Ailton marcou o gol de honra. Na fase conturbada que o clube vive em 2015, o torcedor, que acompanhou incontáveis jogos com a ‘casa cheia’ e festa da torcida não compreende a razão de ver nos últimos jogos o estádio tão vazio. Para o saudosista, independentemente da situação que o clube está, o mais importante é valorizar a agremiação relembrando as coisas boas que já aconteceram. “O importante é sempre recordar as coisas boas e viver o momento. Presenciar que aquilo é uma coisa boa, é uma diversão, uma alegria e é isso que eu faço para a minha vida.” E o estádio para muitos é o lugar para o torcedor acompanhar o seu time de coração. É a arquibancada que emite a emoção que a televisão não pode transmitir, e para viver isso é necessário torcer para um time da sua região, segundo os defensores desta bandeira. “O conselho que eu dou para esses jovens, o pessoal que está começando agora, é ser bairrista. Amar o seu Estado, amar a sua cidade, e principalmente, torcer para um clube daqui. Eu acho que não tem coisa melhor do que você viver o clube vendo os passos dele no dia a dia, vendo a história dele no dia a dia”, afirma o torcedor. Além de todas as memórias e coleções, o esmeraldino ainda guarda com carinho a lembrança de dois ex-jogadores do clube, que considera como ídolos. Ambos de posições bem distintas, para mostrar como o gosto de cada torcedor é bem diferenciado. Um ataca e o outro defende. Thiago tem o goleiro Harlei, jogador que mais vestiu a camisa do Goiás, 831 vezes, como um de seus maiores ídolos. Do outro lado do campo, o torcedor coloca o atacante Araújo, maior artilheiro da história do clube, com 145 gols, e narra lances capazes de fazer qualquer admirador do futebol recriar na imaginação a cena do passado. “Uma jogada que eu me lembro até hoje foi contra o Juventude. Ele deu um chapeuzinho no meio de campo, saiu do meio e chegou dentro da área e tocou pro Dil fazer o gol. Foi um golaço. Então lembro desse jogo até hoje.” A fidelidade do saudosista Thiago é exemplo do que muitos torcedores também vivem. Através de pessoas como 45


ele, a memória do futebol, e também dos clubes, não se apaga. Assim como ele recebeu a paixão de seu tio e padrinho, ele irá ser exemplo para alguma próxima geração, e assim o futebol segue um ciclo de formação dos seus torcedores. O Estádio Serra Dourada é para Thiago como a sua segunda casa e o Goiás faz parte do cotidiano da vida do torcedor. “Hoje o Goiás significa, parece até brincadeira, mas faz parte da minha vida. Eu não consigo desvincular o Goiás da minha vida. Hoje eu tenho que conciliar o Goiás, a família e o trabalho. Então é uma necessidade que eu tenho na minha vida. O Goiás hoje, com certeza, já faz parte da minha vida. E se Deus der oportunidade, quero viver muitos anos ainda com o meu clube do coração!”

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Com uma das camisas de sua coleção

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Vila Nova Futebol Clube “A cor dessa cidade tem o toque, tem o tom de emoção Vermelho, vermelhaço Vermelhusco, vermelhante Vermelhão A glória de um tetracampeão É suor, é garra, é emoção Sempre Vila Nova, para sempre eu hei de ser Vermelho Meu coração é vermelho Só vermelho no meu coração, êo êo Vila, Vila Nova, vermelho é a paixão Vila, Vila Nova meu eterno campeão Vermelho, a nação Vermelho, Vila Nova bate forte o coração Vermelho, Vila Nova meu eterno campeão.”

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Vila Nova: uma religião Patrícia Negrão e Giullia

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rações, rezas e sinal da cruz fazem parte do cenário de todos os jogos de futebol espalhados no Brasil. Os estádios podem ser considerados como templos de fé, que retratam o mais profundo sentimento de dependência do sagrado. E com tanta devoção, promessas inusitadas são feitas à espera de um milagre que possa salvar o time do coração em um campeonato. Em 2005, no Estádio Serra Dourada, Goiás e Vila Nova disputavam o título do Campeonato Goiano. Após os dois jogos terminarem empatados, a decisão foi da forma mais dura para qualquer torcedor: nos pênaltis. Entre as 45 mil pessoas que assistiam atentas a decisão, estava a colorada Patrícia Negrão, ajoelhada na arquibancada e de costas para o gramado. Há três anos sem comemorar títulos, Patrícia conversou mentalmente com Deus e depositou toda sua fé em uma promessa no ápice 50

da emoção. “Ah, meu Deus! Se o Vila for campeão em cima do Goiás vou dar uma volta de joelhos aqui na arquibancada.” Se a promessa teve peso ou não na definição do resultado é algo difícil de saber, mas, por 3 a 1, o Vila Nova venceu o Goiás nas penalidades máximas e conquistou seu 15º título no Campeonato Goiano da primeira divisão. Passados 10 anos da promessa feita e não cumprida, o Vila Nova não alcançou mais nenhum triunfo no torneio. Patrícia não sabe se classifica a promessa como superstição, crendice, ou mesmo idiotice, e até tentou mudá-la, mas chegou à conclusão de que aquilo que foi prometido não muda. Compromisso é compromisso, independente da razão pela qual o fez, ela precisava cumprir. Na noite de quarta-feira, dia 7 de outubro de 2015, entre os 34 mil torcedores presentes no Serra Dourada, estava Patrícia, mais uma vez, no mesmo local da promessa, no alto da arquibancada sul. Dessa vez, além da camisa vermelha e bermuda branca, que representavam as cores do Vila Nova, era possível notar os curativos no joelho de uma mulher com semblante de dever cumprido. Na oportunidade o Vila Nova enfrentaria a Portuguesa em busca do acesso à Série B do Campeonato Brasileiro. Uma semana antes do confronto decisivo para a equipe colorada, a torcedora não quis mais adiar o cumprimento da promessa temendo que o clube fracassasse mais uma vez na busca pelo acesso e pelo título do torneio. Nesse momento importante, surge uma personagem responsável por fazer Patrícia cumprir sua promessa. A filha Giullia teve conhecimento do feito da mãe, e foi quem empurrou a vilanovense até o estádio para colocar fim a essa novela. “Mãe, você vai cumprir a promessa do Vila hoje, acorda que nós estamos indo pro Serra Dourada!”, foram as palavras de Giullia uma semana antes do jogo. Chegando ao palco da promessa, Patrícia colocou duas toalhas e a proteção no joelho. Ajoelhou atrás do gol dos vestiários e começou a saga da qual achava que nunca iria dar conta. O Estádio Serra Dourada possui a maior dimensão de gramado do Brasil. São 118 metros de comprimento por 80 me51


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tros de largura, levando em conta que a arquibancada fica em uma parte superior e possui dimensões maiores do que as do gramado. Pode-se calcular que Patrícia concluiu de joelhos um trajeto de cerca de 400 metros em devoção ao Vila Nova. A religião e o futebol caminham lado a lado, e a fé é a palavra maior que move um torcedor. Pelo menos, foi assim com Patrícia. Somente a fé pode explicar a esperança alimentada por milhões de torcedores que lotam os estádios, seus templos, acreditando na vitória do seu time do coração, mesmo que todas as circunstâncias digam o contrário. Os torcedores sofrem, mas acreditam que seu time vai vencer, e essa fé é inabalável até que o juiz apite o fim da partida e aponte o centro do campo. Para comprovar mais ainda que não existe torcedor que não tenha fé, a camisa que carrega o escudo dos times de futebol é comumente chamada de “manto sagrado”. E o sentimento de promessa cumprida aflorou na colorada Patrícia a esperança de que agora o Vila Nova volta a erguer uma taça. “Se o Vila não ganha título por minha causa, agora ele ganha, agora acabou”, ressaltou ela, que com lágrimas, comemorou o gol de Ramires, aos 24 minutos do segundo tempo, deixando o Vila à frente, com a vitória de 1 a 0, na disputa pelo acesso. Superstição ou não, melhor não brincar com a fé em um momento tão importante. Patrícia cumprindo a promessa E se Patrícia tinha de 10 anos um peso na consciência pelo Vila Nova possivelmente estar pagando pelos seus pecados, ela pode se aliviar. O Tigre eliminou a Portuguesa e carimbou seu passaporte de volta para a série B do Campeonato Brasileiro. Sem sufoco, sem sofri-

mento, aos 14 minutos do primeiro tempo o atacante Frontini já havia marcado os dois gols da vitória do Vila por 2 a 1 no Estádio Canindé, e garantiu ao colorado: alívio, vitória e acesso. Aos 38 anos, Patrícia Lopes Ferreira Negrão é assistente jurídica e recorda que apesar da influência da família, toda colorada, ela começou a torcer para o Vila Nova em 1995, quando acompanhou o irmão mais velho em um jogo da final do Campeonato Goiano, em Anápolis, onde o Vila foi derrotado por 1 a 0 pelo Galo da Comarca. Em Goiânia, o Vila venceu o jogo de volta e se sagrou campeão daquele ano. A partir daí, Patrícia, que também tinha admiração por um professor da escola torcedor do Tigre, passou a frequentar assiduamente o estádio com seus dois irmãos e chegou à conclusão de que estava no lugar certo. “Tô em casa, é aqui mesmo que eu quero ficar”, afirma ao relembrar seus primeiros jogos ao lado da torcida vilanovense. Mesmo sem ter uma explicação concreta para toda essa paixão que sente pelo Vila Nova, a torcedora cita um trecho do livro Precisa Escrever, do autor Rafael Magalhães, que segundo ela é um retrato do que é torcer pelo clube colorado: “A história do time cujo a torcida não tinha motivos para amar, e amava. A história do time que não tinha forças para duelar contra o rival, e duelava. O time que tinha tudo para dar certo e não dava. A torcida que tinha tudo para acabar e sobrevivia.” Nos 20 anos de arquibancada, a torcedora colorada já pôde acompanhar a equipe em momentos de ascensão e decadência, dos quais o Vila Nova participou nestes últimos anos. Entre eles, ela relembra com pesar da goleada aplicada pelo maior rival, o Goiás, por 6 a 1, no campeonato estadual de 2009, que afirma ter sido um dos piores jogos que acompanhou do Vila Nova. Mas também relembra os bons momentos, como o título conquistado em cima dos esmeraldinos em 2001, e os jogos que acompanhou durante muitos anos pelos estádios do interior, debaixo de sol forte, ou de tempestades, como aconteceu em Inhumas, na vitória de 2 a 0 do colorado em cima do Grêmio Inhumense, no Goianão de 2003. A colorada afirma que torcer para o Vila Nova é sof53


rer e que o torcedor do time pode até adormecer, mas ele acorda de novo. Patrícia faz parte de uma legião de seguidores do Vila Nova que honram e se orgulham de vestir a camisa cor de sangue, o mesmo sangue que escorreu de seus joelhos em nome de um sentimento que para quem não o possui, foge à razão: o sentimento do torcedor de futebol. Fugindo à famosa regra de que a paixão pelo futebol é uma herança deixada pelo nosso pai e que este é um esporte masculino, o número de mulheres que acompanham o futebol tem crescido cada vez mais. Ao lado de Patrícia, no Estádio Serra Dourada existe uma companheira fiel à mãe e ao Vila Nova. Com 18 anos de idade, Giullia Andressa Sales Negrão, afirma orgulhosa e com toda certeza que começou a torcer pelo Vila Nova antes mesmo de chegar ao mundo. “Foi desde que eu estava na barriga dela, desde pequena eles sempre me trouxeram para o estádio. Então minha infância foi aqui dentro do Serra Dourada”, conta a jovem sorridente. Durante o jogo contra a Portuguesa, Giullia gritava incansavelmente junto à torcida vilanovense as palavras de apoio aos jogadores do colorado. Em um momento da partida, sua mãe Patrícia soltou aos risos a frase: “essa louca é minha filha!”. E foi exatamente no momento em que a torcida entoou com muito fervor o grito: “Ô, Tigrão ô ô ô, Tigrão ô ô ô...”, que Ramires mandou a bola para o fundo das redes, levando ao momento de êxtase maior de uma partida de futebol, mãe, filha e mais de 20 mil colorados. A fé que moveu Patrícia a fazer uma promessa inusitada pelo Vila Nova foi também passada para a geração seguinte. Giullia foi a principal incentivadora para que a mãe cumprisse de forma rápida a promessa, com medo do que estava reservado para o futuro do seu clube do coração. “Quando eu soube, fiz questão que ela cumprisse o mais rápido possível. Quando começou as quartas de final, eu falei se tinha como ela cumprir antes do jogo, porque é vida ou morte”, declara apreensiva a garota durante o intervalo da partida. Se por um tempo Giullia acompanhou a mãe nos jogos, hoje, quando Patrícia não pode ir, a garota não abre mão do compro-

misso com o Vila. A mãe relata que a filha é tão apaixonada pelo Tigre que “ela chora, passa mal, a pressão dela abaixa”, em alguns jogos do colorado. Quando provocada com a possibilidade de não torcer mais pelo Vila Nova um dia, Giullia se impõe: “O Vila é para sempre. A bandeira vai estar em cima do meu caixão!”.

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Divulgação-Site Oficial Serra Dourada

Mãe e filha no Estádio Serra Dourada


Campeonato Goiano de 2005 O Campeonato Goiano de 2005, ocasionador da promessa de Patrícia Negão, foi disputado por 12 equipes divididas em dois grupos de seis componentes. Nas 12 primeiras rodadas os clubes se enfrentaram com jogos de ida e volta entre Grupo A e B, e nas seis últimas rodadas as equipes se enfrentaram dentro do próprio grupo. Foram classificados para a semifinal os dois primeiros colocados de cada grupo. No Grupo A, Goiás e Mineiros, e no Grupo B, Vila Nova e Grêmio Inhumense, que se enfrentaram através de cruzamento dos grupos, classificando para a final o Goiás, que eliminou o Grêmio Inhumense, e o Vila Nova, responsável pela eliminação do Mineiros. As duas partidas da final foram realizadas no mês de abril, a primeira no dia 10 e a segunda no dia 17. O primeiro confronto terminou empatado em 1 a 1, com gols de Marquinhos Paraná do lado vermelho, e Paulo Baier para os esmeraldinos. O jogo decisivo passou por seus 90 minutos sem gols. Na cobrança de pênaltis, o Vila Nova venceu por 3 a 1. As cobranças foram convertidas por Marquinhos Paraná, Vítor e Rodrigo Alvim. No lado verde, apenas Rodrigo Tabata balançou a rede. Aldrovani, Júlio Santos e Edmílson perderam as oportunidades. Com o resultado, o Vila Nova quebrou o jejum de três anos sem levantar o caneco da competição. Foram 20 jogos, 16 vitórias, três derrotas e um empate. O artilheiro do torneio foi o esmeraldino Paulo Baier, com 12 gols marcados, e as equipes que menos pontuaram, Goiânia e Anápolis, sofreram o rebaixamento.

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É impossível contar quantas vezes Rodrigo, que tem 26 anos de idade, foi longe só para ver o Vila Nova em campo. A primeira viagem do torcedor para fora de Goiás foi em 2008, quando o colorado disputava a Série B do Campeonato Brasileiro com grande chance de Ao lado da família no conseguir o acesso. O aniversário de 4 anos destino foi Curitiba, que abriu estrada para uma sequência de viagens ainda no mesmo ano, como relembra o torcedor. “Contra o Paraná, eu estava de férias, em 2008. Deu para coincidir com a faculdade e foi meu primeiro jogo. Dai eu já fui em vários outros. Naquele ano, como o time estava bem, eu acabei indo em São Caetano, Santo André e duas vezes em Brasília.” Em 2008, Rodrigo afirma não ter perdido um jogo sequer do Vila no Estádio Serra Dourada, mas perdeu muitas aulas e provas na faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Naquele ano, o colorado bateu na trave para alcançar o sonho da Série A, mas terminou o campeonato na sexta posição, com 58 pontos, cinco a menos que o quarto classificado, Barueri. Mas o insucesso não fez com que Rodrigo puxasse o freio de mão no caminho de seguir o Vila Nova. Em 2013, o colorado diz ter realizado a sua viagem mais marcante e a mais distante atrás do Tigre. O destino: Campina Grande, Paraíba, a 2.317 quilômetros de distância de Goiânia. O Vila Nova estava nas quartas de final do Campeonato Brasileiro da série C e enfrentaria a equipe do Treze, no Estádio Presidente Vargas, onde perdeu por 1 a 0. “Mesmo o Vila perdendo de 1 a 0, conseguimos o acesso aqui por 2 a 0. Foi uma viagem que ficou marcada pela distância e complicação.

Com o Vila onde e como ele estiver Rodrigo Menezes

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família toda é de vilanovenses e foi a influência do pai que fez com que o advogado Rodrigo Silva Menezes se tornasse um torcedor do Vila Nova Futebol Clube a ponto de dedicar quase toda sua vida em prol de alguma atividade ligada ao clube. O amor pelo time do coração já o fez viajar incontáveis vezes para assistir aos jogos do Tigre no interior de Goiás e fora do Estado, além das diversas vezes em que a missão se inverteu: ao invés de o Vila Nova levá-lo, ele levou o Vila para o mundo conhecer. O advogado diz lembrar-se de ser vilanovense desde os quatro anos de idade, quando ganhou do pai a sua primeira camisa do clube. “Quando eu tinha quatro anos ganhei minha primeira camisa do Vila, e de lá para cá sempre foi aumentando esse amor que eu sinto pelo Vila Nova. Veio de família, e já estou passando para o meu sobrinho que acabou de chegar”, conta o torcedor. 58

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leiro paraguaio, mas para bem perto da bandeira do Vila, vista por todos os milhões de telespectadores aflitos naquele momento. Thiago Silva chutou para defesa do goleiro, mas André Santos repetiu o feito de Elano e Fred deu sequência aos erros dos companheiros. Acabou. O Brasil estava eliminado da Copa América, mas a bandeira do Vila Nova estava inclusa em todas as imagens que rodaram por semanas nos principais veículos de comunicação e portais esportivos da América do Sul. Foi o maior tipo de mídia espontânea que o clube teve em sua história. Ousadia e sorte, não do brasileiro Rodrigo, mas do colorado Rodrigo. Apesar do vexame da Seleção, a repercussão foi tão grande, até mesmo pelos rivais esmeraldinos, que consideraram a bandeira como a causadora do erro de todos os pênaltis brasileiros. Alguns até mesmo compararam o artefato com o astro da música mundial Mick Jagger, considerado o maior pé frio da história do futebol. Porém, os vilanovenses levaram no humor e mostraram a todo momento o orgulho de ter a bandeira do colorado marcando presença na história nos jogos do Brasil. E se o Brasil não passou de fase, a bandeira passou! Rodrigo já havia comprado ingresso para os próximos jogos e acabou levando a bandeira até os confrontos da semifinal e da definição do terceiro lugar. Não podemos dizer com toda certeza que a bandeira foi a culpada, mas também não se pode duvidar, afinal, as palavras Vila e vilã são quase gêmeas.

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Divulgação-TV Globo

O estádio lá era muito ruim, foi difícil entrar, foi difícil sair, o jogo foi muito tenso, mas foi a mais marcante”, afirma sorrindo. Embora o mais comum fosse ver um torcedor acompanhar o clube por onde ele jogar, quando se trata de futebol, assim como dentro de campo tudo pode acontecer, do lado de fora, não se pode esperar pouco de quem é apaixonado por um time. Tendo em vista que o clube nunca disputou um jogo fora do País, por que não levar o Vila Nova para conhecer novos ambientes? E foi isso que Rodrigo fez. Aliás, tem feito desde 2008. Mas a história que vem ao caso aconteceu na Copa América de 2011, disputada em Buenos Aires, na Argentina. E engana-se muito quem pensa que o jovem foi para a terra dos hermanos especialmente para ver a Seleção Brasileira. “Em 2011, eu fui para a Copa América, na Argentina, mas na verdade, eu fui mesmo com a ideia de levar a bandeira do Vila, o jogo do Brasil foi só um detalhe”, conta o colorado orgulhoso. Rodrigo chegou ao Estádio de La Plata bem mais cedo e escolheu um local estratégico para instalar sua bandeira: atrás do gol. Mas a bandeira do colorado não era tão simples, tinha dois metros de largura por dois metros de altura e tomou conta de toda a parte frontal da arquibancada do estádio. Digna da imprevisibilidade que só o futebol é capaz de proporcionar, naquele momento nem em suas maiores fantasias com o Vila Nova, Rodrigo poderia imaginar o desfecho daquela história. Quartas de final da competição, o Brasil estava pronto para encarar o Paraguai e também para dar o pontapé inicial a um dos seus maiores vexames na história (lembrando que o jogo contra a Alemanha na Copa do Mundo aconteceu três anos depois). Fim de jogo e a rede não balançou para nenhum dos lados, assim como na prorrogação, e a definição da partida foi para os pênaltis. Quando Sérgio Pezzotta, árbitro da partida, apontou o gol onde seriam realizadas as cobranças de pênaltis, lá estava a bandeira do colorado, mais destacada do que qualquer outra bandeira que figurasse ao lado. O drama da partida começou no primeiro pênalti brasileiro. Elano preparou, bateu, pra fora. Para longe do gol de Villar, go-

Bandeira do Vila atrás do gol na Copa América


Muito orgulhoso desta história, mesmo não tendo conseguido outra repercussão tão grande Ao lado do pai no nas outras viagens em Estádio Citrus Bowl que levou o Tigre da Vila Famosa [e dificilmente vai conseguir], o torcedor tem como principal componente das suas malas de viagem Acervo Pessoal a camisa do colorado. Em recente viagem nas férias de 2015, Rodrigo levou o Vila Nova aos Estados Unidos. O time foi ao Estádio Citrus Bowl, para acompanhar o Orlando City, time do brasileiro Kaká, pentacampeão com a Seleção em 2002 e que não estava na Copa América em 2011, além de ter ido pela primeira vez em um jogo de baseball, na cidade de Miami. “Normalmente quando viajo, levo só camisa do Vila. Tem um amigo meu que fala que todo torcedor do Vila tem um contrato falando que onde ele for e tiver mais de 50 pessoas tem que estar com a camisa do Vila. Então, sempre que viajo e tenho oportunidade, tento fazer isso. Pra levar o Vila mesmo para fora do Estado e ser mais reconhecido.” E levar camisas do Vila Nova por onde ele for nunca vai ser problema para Rodrigo. O colorado que coleciona viagens e jogos em prol do clube também possui cerca de 150 camisas da equipe vilanovense. Algumas herdadas do pai, o mais fiel companheiro de jogos, outras compradas, presentes de amigos e até mesmo de alguns jogadores. Para ele, a mais rara, mesmo não sendo aquela que ganhou aos quatro anos de idade, que é muito especial, foi a camisa lançada com a foto dos torcedores. “Eu e meu pai colocamos nossa foto. É a mais marcante porque não é todo torcedor que tem o privilégio de ter sua foto na camisa oficial do clube. Inclusive jogaram uma partida com

ela. Vai ficar marcada para o resto da minha vida porque eu não sei se haverá outra oportunidade”, relembra, com emoção. De quase todas as histórias contadas por Rodrigo, aventuras, viagens, loucuras, coleções, nenhuma chegou a um desfecho com vitórias e títulos, mas apesar disso, o Tigre possui uma torcida fiel, que não levantava uma taça há 10 anos, até ter conquistado a segunda divisão do Campeonato Goiano de 2015. Disputando campeonatos inferiores ao Atlético Goianiense e ao Goiás, o Vila, com sua grande torcida, chegou em 2015 a rivalizar com o quase extinto Goiânia, que luta para permanecer na segunda divisão do Campeonato Goiano. Mas apesar das dificuldades encontradas pelo clube ao longo destes anos, a família colorada esteve sempre presente. “Pelas raízes mais humildes, acho que agrega mais a torcida pelo fanatismo. Dizem que a cor vermelha é muito forte e marcante, e que as torcidas vermelhas envolvem maior fanatismo. Apesar de eu não acreditar muito, eu acho que isso mexe com a torcida. Independente de título, de vitória, o pessoal está lá firme.” Para o pensamento de alguns mais conservadores e que não veem o futebol com o seu poder de transformação, o que pode-

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Exibindo o Vila Nova durante a formatura


ria acontecer com o garoto que não pensava duas vezes em faltar aula para ver o time jogar? Que saía de carro de Goiânia para ir e voltar de uma cidade que não conhecia só para acompanhar o Vila? Que dormiu várias vezes no aeroporto por não encontrar um hotel? Ele se formou em Direito, passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. E por culpa do destino ou não, começou a trabalhar em um escritório de advocacia que em 2015 passou a prestar serviços jurídicos para o Vila Nova Futebol Clube. Após 23 anos de ter ganho a primeira camisa colorada, Rodrigo passou a vestí-la em campos bem distantes dos gramados, os tribunais. Hoje, muito mais do que um vilanovense de arquibancada, o fanático torcedor faz parte das decisões do clube e ajuda a construir o futuro do Vila Nova. Rodrigo vive diariamente ao lado do Vila. Além disso, o torcedor sempre se empenhou em campanhas que colaborassem para o crescimento do Vila Nova. Mesmo sendo comum em Goiás ver diversas pessoas torcendo para clubes de outros Estados ou até mesmo para dois times, Rodrigo escolheu ser apenas vilanovense. “Por sempre estar indo no estádio e acompanhando o Vila, nunca tive e nunca despertou em mim o interesse de torcer, de acompanhar um outro time. Inicialmente foi influência do meu pai, mas depois de mais velho tive a consciência e fui tentando convencer mais pessoas a agir assim também.” Rodrigo, durante muito tempo, levava para os jogos uma faixa com a mensagem: “Sou goiano, meu time também!” A faixa fazia parte de uma campanha entre os torcedores dos três clubes da capital, junto à Anapolina e o Crac, para incentivar as pessoas a valorizarem os times da sua região. Em 2014, o torcedor afirma ter vivido um dos piores momentos como torcedor do clube após sofrer dois rebaixamentos seguidos, o primeiro no Campeonato Goiano e o segundo no Campeonato Brasileiro da Série B. A partir daí, a situação do Vila se complicou ainda mais, com altas dividas, problemas jurídicos e falta de dinheiro para organizar a vida do clube. Em parceria com a diretoria que assumiu o time em 2015, Rodrigo participou de um acordo para iniciar uma campanha de arrecadação financeira através da torcida. “Eu e outro torcedor

tivemos a ideia de abrir uma conta para ter a participação de torcedores comuns e a diretoria do clube aceitou. Abrimos a conta no meu nome e no nome de mais um torcedor conhecido e começamos a divulgação. A imprensa também divulgou. Não foi um valor muito expressivo, mas foi uma forma daquele torcedor mais simples estar participando do clube e ajudando dentro da condição dele”, relata o advogado. Durante um mês conseguiram arrecadar cerca de R$ 20 mil, que foram utilizados para pagar a folha salarial de alguns funcionários do clube. Toda a ação teve prestação de contas para diretoria e torcida. Não se pode negar que com a fidelidade de alguns torcedores como Rodrigo, o Vila Nova vem se reerguendo e voltando mais uma vez a mostrar uma das principais características do futebol: a transformação. O clube eliminou a Portuguesa nas quartas de final do Campeonato Brasileiro da Série C de 2015, e garantiu seu retorno à Série B em 2016. O jogo de eliminação foi realizado no Estádio Canindé, em São Paulo, e não precisa nem dizer quem estava lá para apoiar o famoso “Tigrão”. Rodrigo mais uma vez concluiu sua missão, e voltou para casa contente. Trouxe na mala, além das camisas, a suada classificação da qual fez parte de algum modo. Quando questionado sobre a importância do clube colorado na sua vida, Rodrigo não se priva de colocá-lo como um verdadeiro integrante da sua casa, onde ainda mora com os pais. “Vejo o Vila como um membro da família mesmo. Toda minha família gosta. Meu pai sempre vai aos jogos, minha mãe gosta muito, minha irmã também, e nasceu meu sobrinho agora. Já demos a camisetinha do Vila dele. Faz parte da nossa história. Não foi algo que escolhemos, é algo que já veio comigo, fui escolhido!”.

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Campeonato Brasileiro da Série B 2008 Neste ano o campeonato teve grande visibilidade devido ao fato do Corinthians compor o grupo dos 20 clubes que disputavam o acesso à Série A. Além disso, foi um dos melhores campeonatos da Série B realizados pelo Vila Nova, que se manteve entre os quatro primeiros até a 34ª rodada. Das cinco rodadas restantes, o Vila Nova tinha a necessidade de fazer oito pontos para a classificação. O clube enfrentaria Marília, Grêmio Barueri, Corinthians, Brasiliense e Bragantino. O colorado venceu apenas o Bragantino, e somou três pontos, não conseguindo a classificação. O Vila Nova terminou o torneio na 6ª posição, com 58 pontos e teve como artilheiro do campeonato o atacante Túlio Maravilha com 24 gols. O campeão neste ano foi o Corinthians, que junto ao Santo André, Avaí e Grêmio Barueri garantiram o acesso. Foram rebaixados o Marília, Criciúma, Gama e CRB.

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Do campo para a arquibancada Olímpio Neto

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ugindo um pouco do costume, não foi o pai de Olímpio quem escolheu o time de futebol do filho, na verdade, o pai dele nem gostava de futebol, uma espécie rara de brasileiro. Mas Olímpio, um garoto de sorte, tinha um tio apaixonado pelo melhor esporte do mundo e o mais tradicional do Brasil. Foi em 2002, quando tinha apenas sete anos de idade, que Olímpio pisou pela primeira vez no Estádio Serra Dourada. Mal sabia ele o que era futebol e muito menos o que esse esporte reservava para seu futuro. Levado pelo tio, o jovem relembra seu primeiro contato com o Vila Nova: “Tenho um tio que é apaixonado no Vila e ele começou a me encher o saco por causa de futebol e um dia me convenceu a ir no estádio. Entrei no estádio, vi o campo, aquela coisa, a torcida cheia e o Vila ganhou o jogo sofrido, por 2 a 1, de virada. Foi à primeira vista, eu fui e falei: ‘amei esse esporte, 68

agora sou Vila Nova’, e comecei a ir em todos os jogos com ele.” Olímpio Jayme Neto tem 20 anos de idade, é estudante de administração e ex-jogador do Vila Nova Futebol Clube. Após conhecer o futebol, logo despertou no garoto o interesse em participar de outra forma deste esporte: dentro de campo. O início da carreira foi na categoria de base do rival Atlético. Depois seguiu para o Goiânia e, aos 16 anos, recebeu o convite para defender o clube do coração. E defender literalmente. Olímpio era goleiro. É crescente o número de meninos que desde criança idealizam o sonho de um dia se tornar um grande jogador de futebol. Esse esporte tem a capacidade de criar na fantasia não só das crianças, mas também dos adultos, a imagem de um ídolo através de um jogador que chega a ter mais poder do que o personagem mais famoso das histórias em quadrinhos. Hoje, Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo fazem a cabeça da turminha, desde as habilidades com o pé até o estilo do corte de cabelo. Mas em toda a história já existiram muitos outros. Os jogadores de futebol chegam a ser considerados herois de um País. O Brasil é o país que mais possui títulos mundiais, o único pentacampeão, e nasceu aqui o jogador considerado como o Rei do Futebol, Pelé. Mais um aspecto que contribuiu para que os nossos brasileirinhos sonhem em, um dia, trilhar de chuteiras esse mesmo caminho. Olímpio foi um desses que se encantou ao ver a bola rolar no gramado. Torcedor e defensor do clube, aos 18 anos o vilanovense compôs o elenco profissional e chegou a ser o segundo goleiro do Vila Nova, quando teve um dos momentos mais marcantes na carreira. Em 2013, na disputa da Série C do Campeonato Brasileiro o Vila Nova conquistou o acesso, e Olímpio era um dos jogadores profissionais da equipe. “Os momentos que mais me marcaram foi quando subimos para a Série B, em 2013, que eu estava no elenco profissional. Eu ficava lembrando, ‘poxa, a última vez que o Vila subiu eu era torcedor e estava na arquibancada, hoje eu estou aqui, treinando com o elenco e passando o sofrimento deles’. Quando eu vi, a gente estava subindo para a Série B e eu estava no meio do time. Isso aí pra mim foi gratificante e 69


depois disso, que já estava decidido que eu queria parar de jogar futebol, eu continuei a torcer pelo Vila Nova igual eu sempre torci.” E como continuou a torcer pelo Vila Nova! Do campo para a arquibancada, da arquibancada do Serra Dourada para a arquibancada de fora do Estado. Olímpio acompanhou o Vila nos jogos do Campeonato Goiano da Segunda Divisão dentro e fora de casa, esteve nos jogos do Campeonato Brasileiro da Série C, e, em um dia inusitado, resolveu ir para Cuiabá ver o Vila Nova jogar. “Esse ano [2015], o Vila na série C, eu fui pra Cuiabá ver o jogo do Vila. Eu fui sozinho, mas eu sabia que iam outros torcedores. Pensei: ‘ah, eu vou sozinho, chegar lá enturma, e fica tranquilo’. Fui sozinho, voltei de lá com 10 amigos. A gente saía todo dia, fomos pro jogo juntos. Ir pra Cuiabá ver um jogo é loucura!”, conta sob risadas. O jogo contra o Cuiabá foi na Arena Pantanal e terminou empatado em 1 a 1. Olímpio tem uma família que não acompanha futebol, com exceção do tio e do irmão, que aprendeu com ele. O Rapaz não conseguiu seguir a carreira como jogador após se decepcionar com os bastidores, e, o mais incrível, nunca viu o Vila ser campeão dentro do estádio. Quais as razões que fazem dele um

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Ao lado de amigos no Estádio Canindé

Acervo Pessoal

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eu nunca vou esquecer”, comemora o ex-jogador. Apesar de ter chegado a compor a equipe profissional do Vila Nova, a carreira do jovem no clube do coração não seguiu muito adiante. A beleza que é vista dentro de campo e na arquibancada, exceto nos atos de violência, Defendendo o Vila Nova não é sempre a mesma na época de jogador nos bastidores, onde o torcedor mais fiel deve se poupar de ter acesso. Por problemas internos com membros da comissão técnica, somados à insegurança de seguir uma carreira sem garantia, Olímpio tomou a difícil decisão de encerrar a carreira ainda muito jovem. Esse foi um dos momentos mais difíceis que o torcedor passou com o clube. “Vamos vendo o tanto que o futebol é sujo e as coisas foram me desanimando, além de eu achar muito arriscado abrir mão de tudo, dos estudos, de uma estrutura boa que a minha família poderia me dar para ir num caminho muito arriscado e sujo que é o futebol.” O que aconteceu com Olímpio acontece de forma frequente com os vários garotos que buscam no futebol uma profissão para se dedicar e que, quando não concluída com sucesso, muitas vezes acaba gerando frustrações de diversas maneiras. Assim que parou de jogar, o ex-goleiro mudou seus hábitos de vida e acabou se afastando por um certo tempo do esporte que havia aprendido a amar. “De março até janeiro deste ano eu não fui em nenhum jogo do Vila. Eu não assistia Globo Esporte e nenhum canal que pudesse passar a imagem do Vila Nova, sabe? Para eu não sentir saudade. Eu queria esfriar a minha cabeça, pra ver se era isso mesmo que eu queria, que era parar de jogar. Eu me afastei de tudo durante um ano e foi bom para eu poder desapegar. Aí,


fiel torcedor? Por que depois de todos os contras que o futebol mostrou, cada dia o garoto se fez mais presente na sua torcida pelo Tigre? Aí entram os mistérios do sentimento que envolve o futebol e os torcedores vilanovenses. Assim como o advogado Rodrigo, o jovem Olímpio também faz parte do grupo de torcedores que carrega o Vila Nova na mala. “Sempre quando eu viajo para fora de Goiás ou para fora do Brasil eu levo uma camisa para eu poder representar o Vila, e curiosamente eu sempre encontro um goiano que grita: ‘ô Vila Nova’, ou então ‘tá ceeeedo Vila’, ou solta aquele ‘Viiiiiiila’. Sempre tem!”, relata com alegria. Com a recente conquista do acesso à série B, Olímpio pôde escrever mais um capítulo como torcedor do Vila. Ao lado de outros colorados, o jovem embarcou para São Paulo para ver o Tigre decidir o confronto no Estádio Canindé contra a Portuguesa. O Vila Nova não passou muito sufoco, venceu por 2 a 1, e dessa vez, a torcida que tanto sofre pôde respirar aliviada mais cedo: o Tigrão voltou. E dentro da casa do adversário Olímpio comemorou com o canto: “Ah, mas que beleza, eu faço festa na casa da Portuguesa!”. Como o bom administrador que vem se formando, Olímpio não tem sonhos pequenos para o Tigrão. Atualmente, o jovem faz parte do Conselho Deliberativo do Vila Nova e contribui com a diretoria para a tomada de decisões. “Se um dia entrar uma diretoria que não é ética, que não é transparente, que não cumpre com as obrigações do Vila eu largarei o conselho, mas no futuro eu ainda tenho vontade de ser presidente do Vila Nova!”, confessa o torcedor. Entre sonhos, torcidas e entregas, Olímpio tem uma grande certeza: ainda vai ver o Vila Nova na Série A. Enquanto isso, e como ele pode, se dedica diariamente ao Vila Nova, o time que seu tio apresentou para que ele levasse em seu coração pela vida inteira.

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atlético clube goianiense “Devagar eu vou chegando e dizendo pra vocês Quando o jogo começa, agora é nossa vez O estádio tá bonito e começa a emoção O Dragão tá em campo e de novo campeão O time chega junto E buscando a vitória A Máfia tá gritando São nossos dias de glória Mas agora é a vez E não tem para ninguém O que resta para os outros No fim é dizer amém. Esse time é de orgulho E de muita tradição Com o peito cheio eu grito Uh, eu sou Dragão.” (Rap da Máfia Atleticana)

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orieste Gomes, aposentado, ex-professor de Ciências Humanas na Universidade Federal de Goiás e Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Escritor e atleticano. Nascido no interior paulista, em 1933, chegou ao Estado de Goiás com seis anos de idade para morar em Campinas. Filho de Júlio Gomes, ex-jogador de futebol ainda na era da não-profissionalização, Horieste herdou muito mais do que a genética do pai. Traz consigo o mesmo apreço pelo futebol. Na chegada da família em terras goianas, a cidade de Goiânia ainda estava em construção. Aos moradores de Campinas haviam apenas três atrações numeradas por Horieste, destinadas ao la-

zer do cidadão campineiro: a Praça Joaquim Lúcio, a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição e o Estádio Antônio Accioly. Com exceção do pai, na geração de Horieste ainda não existia a idealização de grandes craques no futebol para despertar a fantasia do garoto. Mas o jovem começou a acompanhar os treinos e jogos do Atlético no Estádio Antônio Accioly e no Estádio Olímpico, passando a interessar-se por praticar a arte. “Eu adquiri do meu pai a habilidade, do ponto de vista genético, de trabalhar os dois pés. Na minha transição de criança para adolescência e para a juventude eu ia praticamente toda semana assistir os treinos e as partidas que eram realizadas no Estádio Antônio Accioly. Para grande parte dos membros da população de Campinas, o lazer era ir até o campo, no Accioly ou no Olímpico. Daí eu notei que tinha habilidade jogando bola”, conta. E a partir da habilidade descoberta, ainda garoto, Horieste se juntou com outros rapazes e fundaram um time de várzea chamado Palmeiras, trazendo as características do time paulista, chamado pelo professor de forma carinhosa como “Palmeirinha”. No Palmeirinha, Horieste disputou seus primeiros jogos com times amadores e alguns anos depois começou a jogar no maior de Campinas, o Atlético. “Eu chutava muito bem e driblava muito bem com os dois pés: direito e esquerdo. Eu era um marcador nato! Foi rara uma partida que eu não marquei gol”, recorda o modesto, diga-se de passagem, meia esquerda. Como atleta, Horieste passou pelo juvenil, aspirante e titular. Porém, o jogador de futebol na sua época vivia o amadorismo. Aos 12 anos, foi preciso que ele optasse pelo trabalho, considerando que a família era muito pobre. Marcenaria foi a primeira profissão, depois aprendeu a trabalhar com máquina de arroz. Junto ao trabalho, desde muito novo, ele não abriu mão dos estudos conciliando as atividades com a formação oferecida pelo ensino público. Em destaque ele classifica o Grupo Escolar Pedro Ludovico Teixeira, ao qual tem grande apreço por tê-lo estimulado ao gosto pela leitura. A carreira de jogador não despontou, assim como acontece com milhões de jovens na atualidade, mas o sentimento de torcedor ficou guardado no coração de Horieste. Aos 81

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Um contador de histórias Horieste Gomes

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Com o livro sobre a história do Atlético

Divulgação-Jornal O Popular

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anos, com aparência de um senhor frágil para quem o vê de longe, ele surpreende no primeiro contato. Inteligência e carisma imensuráveis são as duas principais características deste homem. Horieste não nasceu em Goiás, mas fez daqui, mais precisamente da Campininha, à qual sempre se refere com muito carinho, parte de sua história e trajetória de vida. Ao lado de Campinas, para ele está o Atlético Goianiense. Mais velho que o próprio clube de futebol, o torcedor conheceu toda a trajetória do Dragão de Campinas, onde ele afirma que o clube “foi Dragão e Calanguinho”. Não querendo guardar essa brilhante história do time mais antigo da Capital somente na memória, Horieste resolveu passar para o papel a saga do clube goiano. Mesmo com 81 anos, a memória do professor é infalível, e não somente para o Atlético. Nas 212 páginas da ‘Saga do Atlético Clube Goianiense (19372012)’, Horieste contribuiu para enriquecer o conhecimento de qualquer torcedor, pesquisador e estudante sobre o contexto que envolve o futebol goiano. Ele trouxe à tona valiosas informações sobre o Goiânia, Goiás e Vila Nova. Datas, números exatos, jogadores e campeonatos históricos fazem parte da obra. “Resolvi colocar isso no papel, para que o leitor apaixonado pelo futebol goiano tivesse uma visão histórica, tanto que no livro eu trabalho a relação do Atlético com o Vila, Goiânia e o

Caracterizado com o uniforme do Dragrão

Goiás. Procurei fazer um pequeno histórico de cada um incorporando a trajetória do Atlético Goianiense. Um livro que desse uma sequência lógica, apresentando, não resta a menor dúvida, um time vitorioso dentro do futebol goiano e nacional”, relata. Torcedor assíduo da arquibancada do Estádio Serra Dourada, Horieste segue os passos do Dragão até hoje em seus campeonatos. Como companheiro, ele tem o cunhado, também atleticano, que o acompanha em todos os jogos. Suas características como torcedor ele mesmo faz questão de qualificar. “Minha postura é de um torcedor atleticano apaixonado, mas com os pés no chão. Não sou um fanático. Sou um torcedor que tem uma postura crítica do futebol, porém sem cair no lado pessimista.” E a partir de suas considerações ele traz em seu livro um pensamento resgatado de Sócrates, um dos maiores ídolos corinthianos. Considerado um dos maiores jogadores do futebol brasileiro, era médico e também atuou na crônica esportiva, vindo a falecer em 2011, com falência múltipla dos órgãos em decorrência de um choque séptico. “Ele colocou de certo modo o meu pensamento, que eu encontrei também na crônica que ele escrevia na Carta Capital, que é a dialética aplicada ao futebol. Só pode ser campeão se tiver um oponente, o oponen79


te é o vice. Não existe campeão se não tiver o seu oponente, então por natureza e essência, ambos são campeões”, afirma. Sobre o Atlético, “a importância é de um valor existencial, porque ele fez parte da minha vida...” são as palavras de Horieste. Com as décadas de fidelidade ao Atlético, Horieste ainda menciona os grandes jogadores que viu passar pelos gramados goianos, dos quais afirma que tem recordações perfeitas. O goleiro Paulista, os irmãos Dido e Washington, o meia Toca Fundo, o habilidoso Cisquinho, o inesquecível Epitácio, conhecido como Diabo Loiro, e o extraordinário Tarzan, que chegou a ser artilheiro do Atlético em 1948 e 1949, são os principais responsáveis pelas melhores memórias do torcedor. Na certidão de nascimento de Horieste pode até estar registrada a naturalidade de Igarapava, mas no coração do professor, sem dúvidas ele é campineiro. Com generosidade, ele compartilhou seu conhecimento com as novas gerações de cidadãos goianos. Horieste ajudou a construir parte da história cultural do Estado de Goiás historiando os fatos do século passado. Como torcedor, sem loucuras, mas com muito carinho e sentimento pelo rubro-negro goiano que também o ajudou a construir a sua própria história de vida. Entre as razões pela qual resolveu contar a história do Dragão, o escritor pontua três tópicos, do qual será citado o último, localizado na página 17 de obra. “...diz respeito à minha responsabilidade social como indivíduo e cidadão comunitário que cresceu e se fez homem na bucólica Campininha das Flores, e que hoje, pela chegada da modernidade, vê, sente e chora, a cada dia que passa, a destruição progressiva do que pouco resta do seu patrimônio natural-cultural. Daí, a minha preocupação em deixar registrado nestas poucas linhas, especialmente para as novas gerações, um relato sucinto de reconstrução histórica da saga atleticana que, naquela época, para mim e milhares de campineiros-torcedores do Dragão, significou desfrutar de momentos prazerosos nos estádios, traduzidos em sentimentos repletos de alegrias, de emoções e encantamentos, às vezes perturbados pelas tristezas advindas com as derrotas.” O senhor magro, de aproximadamente 1,60m, sempre com

um boné na cabeça e óculos de grau, tem a voz funda ao contar suas histórias, fazendo com que os interessados fiquem bem próximos para poder escutar melhor. Quanta sorte de quem já teve o privilégio. Na voz baixa de Horieste há uma viagem a se fazer pelo tempo. Ninguém sai de uma conversa com o velho professor sem colocar na bagagem um pouco de conhecimento. O vilarejo de Campinas, casa do Atlético Clube Goianiense, e raiz da maioria de seus torcedores recebeu com suas modestas atrações a família de Horieste. E assim, a terrinha goiana, mostrou-se acolhedora, criando um grande cidadão goianiense, apaixonado pelo cerrado, contador de histórias e amante do futebol goiano.

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A Saga do Atlético Clube Goianiense (1937-2012) O livro escrito por Horieste Gomes foi lançando em Goiânia no dia 28 de abril de 2015. A obra resgata a história do Atlético Clube Goianiense, o time mais antigo de Goiânia, além de trazer registros sobre os demais clubes da capital, ex-jogadores, dirigentes e torcedores símbolos do futebol goiano. Em mais de 200 páginas Horieste retratou também as grandes lembranças que tem da cidade de Campinas, onde morou com a família ao chegar do interior paulista. A Saga do Dragão Atleticano está à venda em diversas livrarias de Goiânia e na loja oficial do Atlético, Dragão Store.


Herança de família Igor de Morais

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ntes mesmo da fundação de Goiânia como a capital do Estado de Goiás, foi formado em 1937, na cidade de Campinas, que viria a se tornar um bairro da capital, o Atlético Clube Goianiense. A equipe de futebol mais antiga de Goiânia, enfrentou em sua trajetória momentos dramáticos, e por pouco não teve o mesmo fim que o seu primeiro rival, o Goiânia. Em consequência da idade do clube, a torcida atleticana é tradicionalmente caracterizada por possuir integrantes mais velhos, aqueles que acompanharam todo o contexto do crescimento da cidade e do clube, como o Professor Horieste. Mas há também outra leva de rubro-negros, herdeiros de uma paixão de família. Família esta, que na maio82

ria das vezes teve sua raiz na querida Campininha das Flores. No meio da nova geração de atleticanos está Igor de Morais, de apenas 18 anos. O garoto, que não se recorda muito bem da fase ruim que o clube passou, apenas sabe que acompanhava o pai nos jogos do Estádio Antônio Accioly. Depois da volta do clube para a elite do futebol goiano, o garoto transformou o Dragão em parte da sua vida. “Minha família é toda de Campinas e toda torce para o Atlético. Desde pequeno meu pai sempre me levou pro Accioly, mas o Atlético teve uma fase muito ruim até 2005, então fui em poucos jogos. Depois de 2005 o time começou a se reorganizar, foi quando eu fiquei fanático, e aí que eu comecei a torcer de verdade mesmo”, relembra o jovem. Herança do pai Emival, talvez a maior que Igor poderia ter, e que sem dúvidas será passada para as próximas gerações da família Morais, a paixão pelo Atlético se tornou mais intensa quando o jovem perdeu o seu torcedor exemplo. Após a morte do pai, Igor passou a frequentar os jogos do Dragão ao lado dos irmãos e de um primo, mas tendo a referência do pai guardada no coração. “Meu pai é falecido, e por isso o Atlético se torna uma religião para mim, porque é onde eu tinha mais conexão com ele. Ele me levava para o estádio sempre”, comenta Igor. Fiel ao Atlético, Igor nunca deixou de seguir os ensinamentos do pai. Mesmo com o clube rubro-negro possuindo uma torcida mais antiga, e atualmente em um número pequeno, o torcedor nunca cogitou a ideia de torcer para outra equipe que despontasse mais no futebol nacional ou que viesse a conquistar títulos expressivos. “Eu nunca achei bonito isso de torcer para dois times. Meu pai também sempre foi só Atlético. Minha família foi só Atlético. Sempre ficou só entre Atlético. Nunca nem teve a opção de ter outro time. Mesmo vendo jogo de televisão e essas coisas.” Igor não foi influenciado pelos amigos, maioria torcedores do Goiás e Vila Nova, e muito menos pela mídia. O jovem preferiu seguir sua tradição e apoiar o clube que fazia parte da identidade da família. E foi assim que junto à ascensão do rubro-negro o garoto também amadureceu. Depois do Atlético ter ressurgido das cinzas, o Dragão conquistou o Campeonato Brasileiro da Série C em 83


2008 e, no ano seguinte, subiu para a elite do futebol nacional, onde permaneceu por três anos. Em 2011, o clube encerrou o campeonato na 15ª colocação e faturou uma vaga na Copa Sulamericana. É a partir daí que Igor, ainda menor de idade, comete sua primeira loucura pelo Dragão, fora do País. E foi ao lado do primo Plínio Eduardo que o garoto embarcou nessa aventura de assistir o primeiro jogo internacional da história do Atlético. “Quando passamos pelo Figueirense e saiu o adversário no Chile, meu primo me ligou e falou assim: ‘Eu consigo pegar uns dias de folga no trabalho, vamos pro Chile?’ E eu estava na escola, falei para ele que ia matar aula e ele disse que convenceria minha mãe. Aí ele convenceu ela e eu fiquei louco por isso, muito feliz. Foi uma viagem super curta, mas só para ver o jogo”, relembra Igor. A viagem foi só para ver o jogo, porém, os torcedores saíram de Goiânia com o futuro incerto, já que não tinham nem ingressos para a partida. Ao chegar em Santiago, capital chilena, a primeira ideia dos fanáticos foi procurar o hotel em que o clube estava hospedado e pedir os ingressos. Ideia válida e bem sucedida. O Diretor de Fute-

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Ao lado do primo Plínio, no Estádio San Carlos de Apoquindo

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bol, Adson Batista, atendeu com alegria o pedido de Igor e Plínio, e de mais 24 torcedores que encontraram no caminho. Apesar de o Atlético ter perdido o jogo por 2 a 0, o jovem torcedor afirma que faria tudo outra vez e recorda com carinho da experiência vivida ao lado do seu time do coração. “O jogo foi muito ruim, mas a ida para o estádio foi boa. Saímos junto com o time do hotel. No estádio, a torcida do Universidad Católica é muito simpática, alguns torcedores deles vieram até falar com a gente.” Em Goiânia, o Atlético acabou vencendo o jogo por 3 a 1, mas foi desclassificado pelo critério de gols fora de casa. Atualmente Igor estuda Medicina na Universidade Federal de Goiás e acabou tendo que se mudar para Jataí, no interior de Estado, onde fica a universidade. Mesmo com a distância de Goiânia, o garoto não deixa de acompanhar o time. Sempre que possível, Igor está no Estádio Serra Dourada, local responsável por proporcionar grandes emoções ao jovem. Entre elas, Igor se recorda de uma aventura, digamos que até um pouco insana, quando o Atlético enfrentou o Goiás, pelo Campeonato Brasileiro de 2010. “Quando o Goiás jogou com o Atlético num jogo da Série A, o Atlético estava atrás do Goiás na zona de rebaixamento, e o Goiás uma posição fora da zona. O Atlético ganhou o jogo e conseguiu passar e empurrar o Goiás pra zona. Nesse jogo eu pulei pra dentro da geral e dei uma volta correndo no campo. Isso pra mim é uma loucura, porque passar embaixo da torcida do Goiás é só doido que faz isso”, conta com risadas a aventura. Entre vitórias e derrotas, o torcedor confessa que já chorou muitas vezes pelo Dragão e que o amor pelo clube é uma forma de viver. “Se não tivesse o Atlético, primeiro eu acho que não ia ter vida, porque eu conheci o Atlético quando eu nasci. Se eu não fosse atleticano uma parte de mim ia me faltar.” Junto com esse amor incontestável que Igor leva pelo Atlético no coração, ele também guarda com valor objetos representativos que marcaram sua trajetória como torcedor. Entre eles está a faixa que levou para o Chile e uma camisa que ganhou do goleiro Márcio, um de seus ídolos no clube, na viagem sulamericana. 85


Exibindo a bandeira do Atlético no Chile

Copa Sulamericana 2012: Universidad Católica x Atlético Goianiense

Acervo Pessoal

Pelo jogo de ida das oitavas de final da Copa Sulamericana, em 2012, o Atlético Goianiense fez sua estreia jogando fora do Brasil. A partida foi realizada no Estádio San Carlos de Apoquindo, em Santiago, no Chile, na noite do dia 3 de outubro. A equipe do Universidad Católica venceu o primeiro confronto por 2 a 0, com gols marcados por Francisco Silva e Álvaro Ramos. Em Goiânia, na segunda partida, o Atlético recebeu os chilenos no dia 24 de outubro, no Estádio Serra Dourada. O jogo terminou em 3 a 1 para o Dragão, que não conseguiu a classificação devido ao gol fora de casa ser levado como critério de desempate. Os gols brasileiros foram marcados pelo goleiro Márcio, Reniê e Joilson. Do lado chileno Michael Ríos garantiu a classificação.

Jovem e fanático, Igor é um exemplo de fidelidade ao clube. O mais jovem torcedor das histórias que aqui foram relatadas torcendo exclusivamente pelo clube mais antigo se diverte com as situações que convive na sua rotina de torcedor. “Acho engraçado, porque eu tenho muitos amigos que são Goiás e Vila, e não tantos que são Atlético. Meus amigos que torcem pro Vila têm um grupo no whatsapp, e uns amigos do Goiás copiaram e também fizeram um grupo do Goiás. Nós do Atlético também temos um grupo, mas não contamos porque é muito pequeno. O grupo deles têm cerca de 40 pessoas, e o nosso tem 10”, se diverte ao contar. Com a paixão herdada pelo pai, o companheirismo dos irmãos e do primo e a identidade da família, Igor é mais um torcedor que escreveu sua história ao lado da trajetória de um clube. “O Atlético faz parte da minha família, ele é como se fosse o sobrenome!” A torcida do menino que cresceu na arquibancada do Estádio Antônio Accioly é torcida que não tem fim. É torcida que vem de outras gerações e que vai continuar pelas seguintes.

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Rubro-Negro: a cor do meu coração Sebastião da Costa

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o estádio de futebol é o local onde se encontra todos os tipos de pessoas. Raças, crenças e culturas diferentes. Uma partida de futebol pode reunir em seu público pessoas com milhares de formas de pensar, agir e principalmente de sentir, mesmo estando todos envolvidos em um contexto. Crianças, adolescentes, adultos, velhos, homens e mulheres, todos eles dentro de um estádio podem ser substituídos, sem erro, por uma única palavra: torcedor. Em dias de jogos do Atlético Goianiense no Estádio Serra Dourada, além da presença do nostálgico professor Horieste e do estudante de Medicina Igor, existe mais um ilustre torcedor, o Seu Sebastião. Figura simples, aposentado, 88

morador do Jardim Novo Mundo e cheio de netos pela casa, o vovô começou a seguir os passos do rubro-negro goiano em meados da década de 1950, período da sua adolescência. Como quase todo bom amante do esporte nacional, é claro que Sebastião arriscou seus chutes dentro das quatro linhas. “Eu fui jogador. Já joguei contra o Vila Coimbra, Inhumas, Nerópolis, Damolândia. Joguei também no Ibama e na Vila Abajá. Na verdade eu fui de várzea”, conta com seriedade sobre a carreira. Vindo do interior do Estado, Tião era torcedor do tricolor carioca, o Fluminense. Ao ver um jogo do Atlético, ao contrário da esmeraldina Tia Fia que odiou as cores do adversário, o Seu Sebastião adorou o uniforme. “Eu vi o uniforme e gostei do tipo. Falei: Essa camisa é bonita, vou torcer pra esse time. E comecei a frequentar o Estádio Olímpico”, relembra. Mesmo escolhendo um clube goiano para torcer, o aposentado de 72 anos de idade continua torcendo pelo time da infância, tendo dois clubes de coração. É comum que cada torcedor guarde na memória um campeonato, jogo, ou atleta que marcou história pelo clube do coração. Com Sebastião essa tradição não foi quebrada. Ao buscar em seus registros pessoais um momento marcante como atleticano, o senhor não foi tão longe. Pegou uma carona em sua memória com cerca de 35 quilômetros de distância de Goiânia, e foi parar no município de Nova Veneza, local onde o Atlético enfrentou a extinta equipe do Goianás. “Tava eu e meu irmão, era Atlético e Goianás. O campo era novo, de terra, e por causa do aterro a torcida ficava lá em cima. O Atlético com um jogador que não lembro o nome mais, tocou uma bola e eu e meu irmão estávamos atrás do gol. A bola que chutou veio tão forte e eu tirei a cabeça. Aí pegou no meu irmão que caiu lá embaixo. Até acho que deu problema na cabeça e ele tá internado por causa disso”, recorda o torcedor que está com o irmão internado no hospital, em estado grave, com problemas neurológicos. Sebastião afirma que tinha 17 anos na época. Mas calcula-se que o Atlético deva ter vencido o jogo, tendo em números apenas sete partidas entre as duas equipes, seis vitórias para o Dragão e apenas uma para o time do interior, em 1958. Com o último duelo tendo se 89


jeito de torcer. Mas é com total certeza que quando a bola rola dentro do gramado e balança o fundo da rede, o grito de gol traz dentro de todos eles um sentimento comum. Na comemoração, todos são um só, seja quem for. Todo mundo é torcedor.

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Acervo Pessoal

realizado em 1959, não dá para saber se após 59 anos da partida o irmão de Tião veio sofrer as consequências da pancada. Com um vocabulário simples, o velho torcedor vai contando sua história, no caso dele, não com o clube da Campininha, mas com a equipe do uniforme bonito. Sem rodeios e totalmente espontâneo, Tião é direto em todos os questionamentos. Ao relatar o que o motiva a ir sempre aos jogos no estádio ele responde sem tempo para pensar: “Vou sempre porque não pago nada mesmo.” Entre os ídolos do torcedor, mais uma vez não há restrições na resposta. “Eu tive um ídolo. Foi o Bola Sete. O maior goleiro que teve no Atlético até hoje. Era um pretão alto, comprido e magro. Uma coisa esquisita. Não tem Márcio, nem ninguém. Ele foi o maior!”, afirma com convicção. Sebastião também é um torcedor que gosta de guardar lembranças do clube e conta a história de um pôster do Dragão. “Tenho uma foto de 1968. Ela é de preto e branco. Conquistou o Campeonato Goiano. Seu Sebastião exibindo sua Naquele tempo não alembro camisa mais o nome dos jogadores, mas tenho a foto. Se brincar nem o Atlético tem ela. Tá guardada aí”, garante. Porém, Seu Sebastião foi traído pela memória. Em 1968, o Campeonato Goiano foi conquistado pelo Goiânia. Mas o importante é sabermos que ele guarda uma foto antiga do clube, em preto e branco. Mesmo ele não querendo mostrar porque “tá muito difícil pegar”, ela está guardada em algum lugar da casa do velho torcedor. Das misturas encontradas na arquibancada, pode ser que cada um tenha seu


goiânia esporte clube “O galo carijó é professor O galo carijó é brigador O galo quando entra no rebolo Pega a bola, faz o gol, esconde a bola e ninguém vê Cadê a bola? Cadê, cadê? Goiânia Esporte Clube futebol é com você Com você! Com você!” (Hino oficial)

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Um ilustre torcedor Professor Pantaleão

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oi o arquiteto José Neddermeyer e alguns outros aficionados por futebol que se reuniram e tomaram a decisão de formar o Goiânia Esporte Clube, história essa contada minuciosamente pelo ilustre torcedor do Galo Carijó, Reinaldo Assis Pantaleão. Professor de história aposentado, com 64 anos de idade e bastante conhecido na cidade como Professor Pantaleão, o educador é considerado um dos mais folclóricos torcedores do Goiânia. Além de professor, Pantaleão também se tornou figura conhecida no meio político goiano após ter sido candidato à Prefeitura de Goiânia, em 2012, pelo Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL, e em 2014 se candidatou a deputado estadual, porém não foi eleito em nenhuma das oportunidades. Mas a história que vamos contar começou em 1955, um ano após o Goiânia conquistar o triunfo de ser pentacampeão estadual. 94

Aos cinco anos de idade, Reinaldo morava junto à família, no Setor Coimbra, onde criavam uma diversidade de animais, entre eles, alguns galos. Um deles chamava a atenção. Um pequeno garnisé, valente por natureza, desafiava as grandes raças em brigas e conquistava a admiração do jovem garoto, que via seu irmão Sebastião acompanhar e vibrar por um outro Galo através do rádio. “Sempre o Tião, meu irmão, falava assim: ‘olha o galinho, olha o galinho, galooooo!’ E eu sempre fiquei com aquele negócio do galo por causa do garnisé, e passei a ter amor pelo galinho. Como meu irmão torcia para o Galo, eu falei: vou torcer pro Galo! E qualquer coisa eu gritava: Gaaaloooo!”, revela o professor. Na adolescência, Pantaleão se mudou para Campinas com a família, onde trabalhou como engraxate, vendedor de picolé e passou a frequentar o Estádio Antônio Accioly, casa do Atlético Clube Goianiense, equipe que travava o maior duelo com seu clube de coração. Apesar da rivalidade existente entre as duas maiores equipes de futebol do Estado na época, meados da década de 1960, ele relembra as amizades que fez no time rubro-negro goiano e momentos históricos em que assistiu à vitória do Galo na casa do adversário. “Um dia foi muito curioso, isso no ano de 61 ou 62. O Goiânia ganhou do Atlético lá, por 2 a 1, e no meio da torcida do Atlético, o estádio lotado de atleticano, eu grito: GAAAAAALO. Todo mundo me olhou, aí o Ataídes (treinador do Atlético na época) falou: ‘não, não mexe com ele, ele é nosso amigo’”, conta com expressão de orgulho. Como historiador que é, tal formação não poderia deixar de influir no torcedor. Com 60 anos torcendo e acompanhando o Goiânia, Pantaleão pode ser considerado quase como uma enciclopédia viva da história do clube. Além de ter acompanhando a trajetória do Goiânia durante anos, o professor relembra, com pesar, de alguns jogadores do tempo áureo do clube, inconformado com a situação precária que o Goiânia vive nos dias de hoje. Ele destaca jogadores como Foca, Ailton, Loló, Manduca, nomeando-os como alguns dos tantos craques que passaram pelo Galo Carijó. “O Goiânia teve uma trajetória muito bonita, 95


de grandes conquistas, até o ano de 74, no último título que ele ganhou. No pentacampeonato, teve um dos maiores artilheiros do futebol goiano e brasileiro, chamado Foca, e jogadores que faziam um time de grande presença no futebol goiano.” O torcedor mais popular do Goiânia utiliza do transporte público na cidade e não passa despercebido em nenhum local por onde transita. Um senhor, com estatura média, barba grande e branca da experiência, poderia até ter sua aparência confundida com a do “bom velhinho” Papai Noel na época das comemorações natalinas. Carismático, Pantaleão circula pelas ruas do Centro de Goiânia distribuindo cumprimentos e utilizando a camisa alvinegra. A cada estabelecimento Pantaleão tem que parar para falar com alguém. Quando a primeira saudação vem, já se escuta: “E o Galo, professor?”. Do outro lado da rua alguém já grita: “GAAAALO”, e Pantaleão imediatamente devolve: “Olha o Galo aí.” É impossível ter uma conversa em público com o professor sem ser interrompido por alguém que queira cumprimentá-lo. Com o time do Goiânia quase inativo no cenário do futebol regional, Pantaleão tenta sempre manter a memória do clube

Divulgação-Internet

Com a camisa do Goiânia durante debate

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viva porque tem total convicção de que o Galo faz parte da formação cultural do Estado de Goiás. Neste ano, o Goiânia disputou a segunda divisão do Campeonato Goiano, mas o torneio só teve um pouco mais de visibilidade do que nos anos anteriores porque contou com a presença do Vila Nova, campeão da edição. Com exceção deste campeonato em que o Goiânia tem dificuldades para se manter, o clube não disputa outras competições durante o ano e acaba, infelizmente, caindo no esquecimento. Para a geração de torcedores mais jovens, muitas vezes o velho Galo Carijó não é nem mesmo lembrado. Nem sequer sabem da sua importância no histórico do futebol em Goiás. É frequente na rotina do professor as pessoas o questionarem sobre o time de futebol e sobre sua torcida, já que ele quase sempre está usando a camisa do Goiânia. “Quando eu saio na rua com a camisa do Goiânia, as pessoas falam assim: ‘Uai, esse cara deve tá doido.’ Eu estou dando aula e o menino fala assim: ‘Uai, professor, você torce pro Goiânia?’ É. ‘Mas não existe.’ Como não existe? É patrimônio, filho! Até brinco: Qual é o nome da capital do Estado? Goiânia. Pronto! Então eu levo na brincadeira para mostrar que a cultura de uma cidade tem que ser valorizada, senão nós não vamos ter ninguém”, relata. Pantaleão recorda que quando tinha cerca de 12 anos, o Botafogo, do Rio de Janeiro, veio enfrentar a equipe da Seleção Goiana, no Estádio Olímpico. Um dos jogadores da equipe goiana pertencia ao Goiânia. O lateral esquerdo, chamado Cléssio, mas conhecido como Peru. Já o Botafogo tinha em seu elenco o grande nome de Garrincha. Com esses dois atletas, Pantaleão tem em sua memória uma cena que nunca se apagou e que o faz até mesmo se arriscar a classificar o esporte como uma arte e o jogador de futebol como um artista. “Aqui aconteceu um fato engraçadíssimo. O Garrincha parou a bola e o Peru, que era jogador do Goiânia, veio e ele deixou a bola e saiu correndo e o Peru correndo atrás dele. No estádio todo mundo levantou e começou a rir. O Garrincha afastou, o Peru passou e ele tacou a cara dele no alambrado, até machucou. Aí o Garrincha voltou e o estádio em peso levantou para bater palmas pro Garrincha.” 97


O décimo quarto e último título que o Goiânia conquistou na primeira divisão do Campeonato Goiano foi em 1974. De lá para cá o time não teve mais ascensão. Apenas conseguiu conquistar a segunda divisão em 1998 e depois em 2006. Em 1999, o Galo disputou o Campeonato Brasileiro da série C e fez um de seus jogos considerados como memoráveis para muitos torcedores. E também para Pantaleão. A equipe carioca do Fluminense, comandada por Carlos Alberto Parreira, visitou os goianos no Estádio Serra Dourada no dia 18 de setembro. Roni abriu o placar para o tricolor e logo em seguida o Goiânia teve a expulsão de Peta. Com um jogador a menos, Euzébio empatou para o Goiânia e Airton Fraga, com um golaço, virou para a equipe da casa. No segundo tempo Roni fez mais um para o Fluminense, voltou a empatar o jogo e Emerson virou para o carioca. Chegando ao fim do jogo, Adriano, de pênalti empatou para o Goiânia, e Diego Souza marcou o último gol do jogo para a equipe goianiense, rendendo ao Goiânia uma de suas melhores partidas. “São coisas que às vezes não se tem em jornais, não se tem notícias e as pessoas muitas vezes falam: ‘Ah, esse time não tem história’, mas tem. E muita história.” Apaixonado por futebol e esperançoso pelo Goiânia, o antigo torcedor, em meio à conversa, tira alguns segundos para cantar: “O galo carijó é professor. O galo carijó é brigador...” Através do hino, o torcedor expressa sua paixão pelo Goiânia e afirma ser um sonhador, que se emociona com o futebol. Ele admite que no seu dia a dia mantém viva a esperança de ver o Goiânia voltar a brilhar e nunca deixa de lembrar da tristeza de vê-lo em decadência. “Queremos que o Goiânia sobreviva, que ele volte a brilhar. Por isso, tenho uma mistura de alegria pelo passado e uma certa tristeza e angústia. Mas sou muito esperançoso, acredito na humanidade, apesar dos pesares.” Como o bom torcedor, a presença do lado místico e da sorte não falta durante uma partida. Presença confirmada no Estádio Serra Dourada em dias de jogos do Goiânia, o torcedor, que quando criança sempre ia de boné preto ao estádio, hoje reveza entre o preto e o branco, mas confia que o acessório é

que dá sorte ao Galo durante as partidas. Mesmo que o clube faça poucos jogos durante uma temporada, o torcedor não deixa em nenhum momento de mostrar o seu carinho pelo time do seu mascote favorito. “É uma importância histórica. Mas é uma importância também de gostar, de sofrer. Eu acho que o torcedor que não gosta e não sofre não é torcedor!”

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Campeonato Goiano de 1974 A edição do Campeonato Goiano de 1974 contou com a participação de nove equipes. O torneio foi realizado em dois turnos e o campeão de cada um se classificou para a final. O primeiro turno foi conquistado pelo Goiânia. Em oito jogos a equipe venceu cinco, empatou três e não sofreu derrotas, somando 13 pontos. O segundo turno teve apenas sete jogos, já que o Santa Helena saiu da competição, e o Goiás como campeão. Os esmeraldinos tiveram cinco vitórias, um empate e uma derrota, somando 11 pontos. Com a classificação de Goiânia e Goiás, os dois realizaram o primeiro jogo da final no dia 20 de novembro, no Estádio Olímpico, e o Goiânia venceu por 1 a 0. O segundo jogo ocorreu no dia 24 e terminou com um empate em 1 a 1, dando o título do torneio ao Goiânia.


O Goiânia que deixou saudades Donizeti Araújo e Luciano Martins

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iferente dos tempos de hegemonia no futebol goiano, quando o clube era até mesmo chamado de ‘Chapa Branca’ por ter em seus cargos diretivos membros do poder público, o Goiânia vive hoje tempos de quase abandono. O clube, que disputa pouquíssimos jogos por ano, não possui mais expressão no esporte goiano, porém o Galo Carijó mantém o carinho mesclado com a saudade de muitos torcedores do clube, e até mesmo simpatizantes. Luciano Martins de Siqueira, 47 anos, jornalista e editor do Jornal Daqui, conheceu o Goiânia na infância e acredita que pela influência do padrinho começou a torcer pela equipe, já que o pai e o restante da família torciam para Goiás e Vila Nova. Os primeiros jogos que acompanhou, na década de 1970, foram ao lado do pai, porém só via o Goiânia jogar se fosse contra o Vila Nova, pelo pai ser colorado. 100

Donizeti José de Araújo, 51 anos, jornalista e comentarista de esportes da PUC TV, teve o primeiro contato com o Goiânia em um jogo no Estádio Olímpico, o famoso Clássico Vovô, contra o Atlético, nome dado ao duelo dos dois times mais velhos da capital goiana. A única recordação do jogo foi o primeiro amigo de arquibancada. “Me lembro de um garoto. As torcidas ficavam juntas na arquibancada. Ele tinha uns três ou quatro anos, da minha idade. Nós não vimos o jogo, porque todo lance de ataque a torcida levantava, aí nós ficamos brincando.” Quem o influenciou foi o irmão mais velho, torcedor do Goiânia e que o levava ao estádio. Idades próximas, profissões semelhantes e torcida pelo time em comum. Os dois torcedores vivenciaram a mesma época do Goiânia, mas não tiveram a oportunidade de aproveitar a boa fase do Galo. Eles, porém, guardaram durante quase 40 anos o respeito pelo clube que os inseriram na torcida de futebol. Além das semelhanças históricas, os alvinegros compartilham de opiniões muito parecidas sobre a situação histórica que envolve o Goiânia. Além da torcida, a profissão dos dois influencia para que se mantenham informados sobre o Goiânia e sempre busquem notícias da entidade. Para o Goiânia chegar na fase que chegou, Luciano aponta que o clube não soube evoluir junto com a evolução do futebol. “Má administração. O Goiânia não é da minha época, mas conheço a história e escuto falar que por ter sido um dos maiores do Estado achou que só isso bastava e se não se atualizasse viveria disso, e mostrou que não era isso.” Donizete também viu no seu clube a falta de crescimento, além da expansão dos adversários. “A partir de 1961, o futebol goiano passou a ter profissionalismo. O que em tese permitiu que os outros crescessem também. Foi a mudança da vida que fez que os outros clubes também começassem a crescer. E o Goiânia continuou arcaico, ele foi se apequenando, enquanto Goiás, Vila e Atlético começaram a se organizar.” Sobre a situação do Goiânia, Donizete afirma: “O Goiânia não tem presente e nem futuro. O Goiânia precisa mudar tudo pra ter um futuro.” Mas mesmo com estas condições, Donizeti não deixou de acompanhar e torcer pelo Goiânia durante os 101


poucos jogos que disputou em 2015, somente pela segunda divisão do Campeonato Goiano. Ele também é torcedor do Botafogo, do Rio de Janeiro, outra herança do falecido irmão, que além de ter deixado os times de coração ao caçula Donizeti, legou-lhe um pôster do time do Galo do ano de 1968. Para o torcedor o clube é uma lembrança boa, como um namoro de adolescência. “Apesar de você ter carinho, é como uma lembrança. É como aquela namorada que você teve quando era adolescente, mas ela seguiu a vida dela e você seguiu a sua. Não deixou de gostar dela, mas não é que você vai ter que reatar um namoro, é uma lembrança boa. O Goiânia hoje é nada mais do que uma lembrança boa pra maioria dos torcedores.” No caso de Luciano, ele costuma guardar cerca de 15 camisas do clube, mas afirma não usar muito em consequência da profissão. Porém, torce apenas para o Goiânia e sempre acompanha os jogos que tem oportunidade. “Hoje em dia faço sempre questão de estar em todos os jogos do Goiânia. Vou porque sempre pode ser o último”, comenta. Fiel ao Goiânia, o jornalista não esconde o sentimento que tem pelo clube. “O sentimento é de tristeza, porque seria possível melhorar, e principalmente porque o clube já foi grande, já teve uma torcida grande, já conquistou vários títulos.” O sentimento dos jornalistas reflete a história do Goiânia. Infelizmente, o clube que carrega uma belíssima história no futebol goiano está se desfazendo. A cada dia as dificuldades para se manter aumentam. Em consequência do futebol moderno e da concentração de interesses voltadas aos clubes de expressão nacional, principalmente os do Rio de Janeiro e São Paulo, times como o Goiânia vão sofrendo as consequências. Assim como o Goiânia tem dificuldades para se manter no cenário regional, Vila Nova e Atlético se esforçam muito para se manter onde estão. E se o Goiás leva a vantagem em cima das equipes regionais, no duelo com os times nacionais o clube também se apequena. Mas apesar de todo esse contexto, o coração dos torcedores, sejam de que times for, não veem divisão.

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Fora de lance: o futebol jogando longe do campo

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Após conhecer as diversas histórias dos torcedores do futebol goianiense ficou mais nítido o poder que o futebol tem de se envolver na rotina de um povo. Antes mesmo dos primeiros passos e palavras, como herança dos pais, muitas crianças já passam a viver a realidade de um clube de futebol. Na maioria das vezes, quando chega a fase adulta a paixão pelo clube fica ainda mais intensa. Com as exceções de Tia Fia e Seu Sebastião, todos os personagens que aqui contaram suas histórias tiveram uma influência familiar na escolha do clube de coração. Sejam pelos pais, tios ou avós, o time de futebol foi previamente escolhido. E ainda existem aqueles que acabaram de chegar ao mundo, como o sobrinho de Rodrigo, mas já está predestinado a acompanhar o tio nas viagens pelo Vila Nova. Já no caso de Dona Fia e Sebastião, o encantamento foi natu105


ral. As simples cores chamaram a atenção. Foram atraídos para o jogo, e o futebol entrou de vez na vida de cada um, mesmo os dois tendo conceitos de torcida diferentes. Jodelmi não tem necessidade de pagar ingresso, mas prefere gastar com um plano de fidelização ao Goiás, simplesmente por poder ajudar o clube. Sebastião já aproveita a vantagem: se é direito dele, não vai pagar. Mas não dá para dizer que ele também não é torcedor. Diante das ideias de cada um, há quem acredite que durante um jogo de futebol no estádio haja mais orações do que em um culto na igreja. Thaissa agradece a Deus várias vezes por ser esmeraldina, Patrícia desafia o próprio corpo para pagar promessa pelo Vila Nova e Igor considera o Atlético como a sua religião. O torcedor sente necessidade de fazer parte do time e isso pode ser retirado de cada um dos que acabamos de conhecer. Na pele de Thaissa está gravado um trecho do hino do Goiás, e na biografia de Horieste um livro sobre o Atlético. No caso de Thiago, o torcedor possui mais camisas do clube do que a própria entidade. Olímpio foi jogador, hoje é torcedor e conselheiro, mas sonha um dia em ser o dirigente máster do Vila Nova. Porém, apesar da beleza que envolve este esporte apaixonante, existe o revés da situação. Muitos torcedores acabam se afastando do estádio devido a fatores negativos que contribuem para manchar a imagem de algo tão fascinante. O primeiro deles é a violência. Em Goiânia, principalmente entre as torcidas de Goiás e Vila Nova. O clássico que chegou a colocar 65 mil pessoas no Serra Dourada, em 1979, nos últimos anos não chega a atingir 30% desse público. O próprio Professor Pantaleão, apaixonado pelo Goiânia, mas amante do futebol regional, relata a mudança de comportamento dos torcedores nas últimas décadas. “Eu me lembro bem nos anos 60 e 70, eu saía de Campinas com os torcedores do Atlético para assistir jogo do Goiânia e Atlético no Estádio Olímpico. Nós íamos de camisas do Goiânia e do Atlético, a pé, todos cantando e voltava todos brincando sem problemas nenhum. Hoje você não pode fazer isso mais. Você vai assistir uma partida com a camisa de um time, mesmo que não seja os que estão jogando, os caras

te olham torto. Já te olham com rivalidade e agressão”, lamenta. Outro grande responsável pelo afastamento do torcedor do estádio é a administração feita pelas diretorias do clube, onde o menos valorizado acaba sendo o torcedor. Com a modernização do futebol, cada vez mais os clubes querem implantar programas de fidelização para obrigar o torcedor a associar-se ao clube. Para conseguir o feito, as agremiações acabam dispondo os ingressos para o torcedor considerado “comum” a valores elevados, consequência que tem tirado o torcedor mais pobre da arquibancada. Exemplo disso, o Goiás Esporte Clube para receber o Flamengo em 2015, no Estádio Serra Dourada, pelo Campeonato Brasileiro, colocou os ingressos com valores excessivos para a população. Como o clube sabe que esse é um dos jogos que atraem o maior público ao estádio, quiseram lucrar com a partida. Nas cadeiras, o ingresso custava R$ 200 e nas arquibancadas R$ 100. Já o torcedor com fidelização pagava R$ 20 e R$ 10 nos respectivos setores. O público pagante foi de 10.245 pessoas, um dos menores dos últimos tempos e a renda líquida de R$588.065,99. Outra atitude tomada pela diretoria dos clubes que fere a dignidade do torcedor é a venda de jogos. Mais uma vez, o Goiás serve como exemplo. No jogo com o próprio Flamengo, pelo Brasileiro de 2014, o clube aceitou a quantia de R$ 1 milhão para que o confronto fosse organizado por uma empresa privada e realizado na Arena Pantanal, em Cuiabá, no Mato Grosso. A atitude foi um balde de água fria para os mais apaixonados esmeraldinos, que esperam um ano inteiro para ver o clube enfrentar o um time nacional em Goiânia. E para os que pregam o bairrismo e valorizam a torcida pelos clubes regionais? O desgosto foi certeiro. “Ainda vou a todos os jogos, mas está sendo um casamento cheio de turbulências. É muito sentimento. Sinto que o torcedor não vem sendo valorizado, sinto que não fazem mais questão da nossa presença, e desfazem de nós que estamos lá independentemente da situação”, observa a esmeraldina Thaissa. Contribuinte ao baixo público está a televisão. Hoje ela é quem mais investe nos clubes de futebol para obter seus direitos de imagem, tendo assim autonomia direta até mesmo para alterar

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a tabela de um campeonato. Somando à violência e ao descaso dos clubes com o torcedor, cada vez mais o futebol perde seus adeptos da arquibancada. Além do mais, os frequentadores mais antigos do estádio ainda lamentam a proibição dos apetrechos utilizados pelas torcidas para fazer a festa no estádio. “A modernização do futebol está o deixando cada dia menos popular e mais seletivo. Os clubes precisam de renda, e a criação do torcedor de sofá tem sido lucrativa. Eu gostaria de esperar mais estádios lotados, mais valorização da organizada e também do torcedor comum. Um estádio sem a bateria é tão depressivo, um estádio sem pirotecnia é tão sem luz, um estádio sem bandeiras é tão sem cor. Estão nos negando o direito de expressar nosso sentimento em forma de canções, em forma de frases, em forma de alegria! Estamos sem motivação dentro, fora e nos bastidores do futebol!”, desabafa a fiel esmeraldina. Porém, mesmo com os clubes vivenciando momentos difíceis, os torcedores comprovam a paixão com atos como os que conhecemos nas páginas deste livro. Independente da distinta realidade vivida pelos times de futebol de Goiânia apresentados aqui, os nossos torcedores mostraram que o sentimento não tem divisão e muito menos região.

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