Venceremos Nº 5

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Nยบ 5

Abril/2018


Os tiros não cessam, juntamente com os factóides que surgem a respeito de tudo que se relaciona com a vereadora morta que sempre lutou para representar a parcela mais fragilizada da sociedade. Mataram Marielle, um crime com características explícitas de execução. Junto de sua morte veio o aviso de que há algo ostensivamente organizado para nos punir. Muitos também morreram, fisicamente e simbolicamente depois disso. Aqui lamento não só a morte dela, mas a morte do que havia de humano dentro de muitos que desdenharam de sua morte pelo simples fato de não compactuarem com a luta nem com as ideias suas. Lamento o que amigos têm se tornado por uma suposta desilusão com a esquerda, compactuando agora por inteiro com políticas neoliberais massacrantes das classes marginalizadas. O capitalismo não dá conforto a ninguém, a não ser aqueles que lucram com a força de trabalho alheio. Foda-se meu smartphone! O capitalismo não me deu nada, não me possibilita nada, ele me priva e muito de viver uma vida com qualidade! Eu tenho me matado para sobreviver. Minha mãe tem mendigado num emprego ganhando pouco mais de quatrocentos reais, meu padrasto tem chegado só o trapo em casa para poder manter meus dois irmãos num colégio particular de periferia porque o ensino público é propositalmente sucateado por N motivos, onde um deles é a promoção do ensino privado. Enquanto as políticas neoliberais de nosso governo bosta seguem a mil, todo dia gente vem comendo bala, graças ao tráfico, que é fruto do próprio sistema capitalista, e da intervenção militar nos morros onde morre civil trabalhador, gente metida com o tráfico e também os soldados que são massa de manobra do sistema, este que nunca põe a cara a tapa, sempre manda alguém de patente menor para se arriscar. Enfim... este zine também é político, se deleite com seu conteúdo multiforme, se informe e se transforme! Venceremos! Thiago Jonas

Zine VENCEREMOS #5 Abril/2018 Na capa: Marielle Franco Edição, capa, diagramação e outras coisas: tudo feito por mim, eu mesmo, Thiago Jonas. CONTATO neuralzine@gmail.com SIGA O TUMBLR: Underart1.tumblr.com NUNCA JOGUE UM ZINE NO LIXO, SEMPRE PASSE ADIANTE.

Thiago Jonas, graduando em Ciências Sociais lá na UFRN que além de cientista quer ser poeta, zineiro e professor.


Esperança Cansa mais Do que se alcança

A forma da perfeição A forma da perfeição É esta que não tem forma É livre, viva, intensa e caótica Não se molda a qualquer padrão

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Sem ti Senti Que não sentia nada

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Eis a forma da perfeição Que pulsa e repulsa É antilógica No âmago, inerente à carne cósmica Inquietante vontade de libertação

Apenas Há penas

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Segundo derpertencimento Sinto o despertencimento Tento a todo custo pertencer Ajo ao ponto que provoca descontentamento Pois não sei minha hora de morrer Subi os muros Pulei Saltei de costas Como num suicídio Corri veloz Por medo Me inquietei Tremi os músculos da face Um amarelo sorriso Senti as dores Que nunca imaginei Eu me convergi De encontro ao não eu Me esqueci nos sons da minha cabeça Agonizei e quase enlouqueci Instável estou assustado por natureza

Thiago Jonas

...


Saiu correndo por correr Como Tom Hanks no filme Passadas largas na partida Pés levantados na subida Não sabia até onde ia Não sabia porque ia Mas tinha plena certeza Que o mais veloz seria Correu até os tênis rasgar Não parou nem para os calos sangrar Nem deixou o pulmão respirar Correu tão rápido até a si mesmo ultrapassar ----------

Viciado em café Coração meu que não para Masoquista de pulsações ----------------------Meus sonhos não cabem Na minha cabeça Escorrega pelos lábios Transforma-se pelas minhas mãos

Meus sonhos Caem bem nesse calor de Natal Sonho verdadeiro Sonho marginal

Combina com calor Pois sonho que é sonho transpira Expira mais que pulmão cheio Que na síntese outro sonho inspira

Sonho do João, sonho do Tonho Sonho do Tião, sonho do sonho Quem dera ser um peixe Quem dera não mais ouvir essa canção

Meu sonhos não cabem Nas suas poesias cheias de regras Nas suas poesias cheias de rimas Meu sonhos não cabem sequer nessa poesia

Shilton Roque é vocalista da banda de hardcore natalense, Born to Freedom, poeta, cronista, zineiro, vegano e sindicalista.


Colônia Cecília e afins. Era uma tarde comum, o mesmo caminho de sempre de retorno ao lar após um cansativo dia de trabalho, o que havia de extraordinário era uma reunião, reunião com aquele professor que propôs a organização de um livro em conjunto. Mas o que nos surpreendeu naquele final de dia foi um apagão, daqueles blackouts que meia banda do país fica sem luz, e todos no outro dia chegam no serviço com a piadinha do estagiário da hidrelétrica. Aquela piadinha onde dizem que o chefe ao sair do trabalho diz ao obediente estagiário - Desliga tudo ao sair… Uma dúvida incutiu minha cabeça, com o apagão a reunião fica revogada? Diante do meu interesse no assunto, resolvi ir sem a certeza dela ocorrer ou não, e olha que era bem longe da minha casa. Já entrei no carro pensando que estaríamos num caos geral sem semáforos funcionando, com a educação que já presenciamos cotidianamente no trânsito só pude esperar o pior. Já próximo ao meu destino final, atravesso o cruzamento das avenidas Prudente de Morais com a Miguel Castro, e para o deleite do meu coração anarquista, eis que presencio 4 cavalheiros. Estavam postados em meio as 4 vias que se cruzavam, os 4 caval(h)eiros do apocalipse, manuseando seus cajados de poder, que em muito se pareciam com flanelas. Os mesmos abandonaram seus cavalos de aço, e muito mais que isso, abandonaram por alguns instantes suas vidas, seus compromissos e objetivos para estarem ali fazendo o que faziam. O que estavam fazendo? Com seus cajados organizavam o trânsito que com os semáforos funcionando já era caótico, mas com o trabalho deles não, graças a seus poderes e seus gritos entre si, fizeram com que todos que ali passavam chegassem sem problemas ao seu destino, sem acidente algum naquele local. Graças ao trabalho dos 4 cavaleiros do apocalipse, todos puderam seguir com suas vidas normalmente naquele dia. Porém quando estou a passar pelo cruzamento, a luz retorna a cidade do Sol, e de modo contrário aos preceitos bíblicos, os cavaleiros não somem, mas comemoram como o pênalti perdido pelo Baggio o fim da sua tarefa, e o retorno aos seus compromissos. Como seria bom se todos pensassem como os cavaleiros, com toda certeza, se no Paraná tivessem pensado assim, a Colônia Cecília talvez tivesse prosperado ou perdurado por mais tempo, afinal de contas, “não pode haver liberdade onde não há solideriedade”. Shilton Roque


Ficções distópicas são tão realistas quanto a realidade, Enquanto a Utopia é tida como uma idealização Do Impossível. Distopia não é ficção. Utopia é ficção Distopia é a realidade. Lucas Portto, graduando em Ciências Sociais pela UFRN, fissurado por distopias graças a Orwell, também é fã do Dr. Dráuzio Varela e Lázaro Ramos.

“Você é a melhor lembrança que tenho de mim mesmo.” Lucas Gabriel, graduando em Tecnologia da Informação na UFRN, acredito ser mais músico que qualquer outra coisa. Ama Beatles e Legião Urbana, independente da ordem.

*** Poesia Física Em memória de Marielle Franco

Minha poesia é física Porque a dor é física Porque a morte é física Porque sinto na pele Thiago Jonas


As madrugadas foram feitas para nós As madrugadas As garrafas Mais uma vez Mas agora você está aqui Nós estamos aqui A fumaça Do seu corpo Do cigarro Nós andamos pela cidade Faça lua Ou faça chuva Mas com chuva é bem melhor É o que certamente você diria Todas essas madrugadas fugidas Tem um gosto especial dos lábios do céu negro Tem o gosto dos teus lábios Tem o gosto do malte entre as tuas pernas As madrugadas tem as nossas assinaturas Com ou sem embriaguez Pra fugir e fingir olhar as estrelas Mesmo em dia de chuva Enquanto lá fora chove As nossas pernas nuas se enroscam Nas madrugadas da minha cama Nas madrugadas que são tão minhas Nas madrugadas que são tão suas.

Adriano Silva é um jovem de 20 anos, estudante de Letras da UFRN que muito antes disso sempre foi poeta. Sua poesia é intensa, cálida e nunca breve.


MADRUGADA INFINITA A pior hora de um dia ruim é a madrugada. Não costumo ter insônia, mas em algumas noites o sono custa a vir. Nesses momentos não consigo me concentrar para estudar, não consigo ler ou assistir nada. Minha mente fica tão agitada que meus pensamentos ganham vida e todos os monstros que eu inventei gritam à minha volta e mordem minha alma. Meu quarto que sempre foi meu maior refúgio se torna uma caixa que encolhe cada vez mais, pronta para me esmagar. Vou para a varanda. O vento da noite bate contra meu rosto e me sinto quase beijado. Minha respiração volta a ser regular e por alguns instantes me sinto bem. Observo a cidade que dorme silenciosa e me pergunto se em algum lugar alguém sente o mesmo que eu. Se alguém olha para a cidade e se sente deslocado e solitário. Eu gostaria de saber que não sou o único ficando louco. Na maioria das madrugadas ouço meu irmão indo até a cozinha tomar água. Uma parte de mim implora que ele venha me perguntar como estou, para eu poder desabar e deixar tudo o que sinto escorrer pelos meus olhos e me livrar daquele peso. Mas a parte sensata reza para que ele só volte para o quarto e durma o sono que eu não consigo, sem o peso das coisas que sinto. Do alto do apartamento que divido com meu irmão e meu melhor amigo, eu penso se não seria melhor saltar dali e colocar um fim naquilo tudo. À essa hora o sono já veio e não preciso passar tanto tempo pensando em como seria não existir mais. Geralmente não são nem 2 da manhã, mas me sinto exausto como se estivesse acordado a três dias. Caio sobre minha cama e fecho os olhos, logo adormecendo e entrando em um sonho bom. Um sonho em que alguém segura minha mão e me dá um abraço apertado. Em alguns dos melhores sonhos a pessoa até diz que me ama.

Yves Lincoln é graduando em Ciências Sociais na UFRN, um jovem paraense de quase dois metros de altura que de longe pode assustar, mas que tem um coração condizente com seu tamanho. Sonha em ser escritor.


III - Esqueça-me - Eu envelheço e minha existência colidiu com a verdade do mundo - As dores do parto de um novo homem e do mundo no qual deus foi destronado São os faróis e buzinas, os gritos aturdidos de toda máquina reativa As fantasias da madrugada monocromática Em relances da cidade que gira a meu redor sem paleta de cores definida no caos ordenado Outdoors, sorrisos de vidas sobrevidas perdidas dissimuladas Eu sei que milhares me observam, Mas nenhum deles me reserva uma palavra não virtual Apesar de minha mente repousar sobre o continente - Ele me disse: chore - Chorar para conter a esquizofrenia de perdidos como você O poema satânico O encontrei hoje entre escombros da cidade Antes de dormirmos, hoje, juntos no quarto escuro Sentamos todos, somamos todos, ouvimos todos. A fumaça de nossos incêndios tomou conta daquele quarto Deitamos e experimentamos As desconsolações da nossa filosofia A perdição da humanidade paralítica, Especialmente da minha Silêncio! tudo queimou no final Todos falavam que demônios se levantaram e tocaram nossas cabeças Eu tive a sorte da visão do belo homem Ele estava nu em meio ao povo abismado em ver a si mesmo E a música acabou

Caio Fernandes, graduando em Ciências Econômicas pela UFRN, tem o discurso poético mais eloquente do século. Será ele a reencarnação mais melancólica e subversiva de Augusto dos anjos?



RODA ENFERRUJADA Normalmente eu me sinto como uma roda enferrujada. Até funciono, mas mais atrapalho o andamento de todo o resto do que avanço. Sinto como se minha vida tivesse encontrado um ponto de onde não conseguia mais sair. Travado e capenga. Sinto como se minha vida não seguisse para lugar nenhum como deveria ser. Meus sonhos se resumem a chegar em casa e deitar. Na maior parte do tempo fico dentro do meu quarto, num eterno limbo, preso à uma estagnação que é mais forte que tudo o que conheço. Quando era pequeno sonhava em ser bombeiro e salvar vidas. Queria entrar em prédios em chamas e resgatar crianças e idosos. Esse sonho morreu tão logo surgiu e não lembro bem o porquê. Logo veio outro para substituir: médico veterinário, para cuidar das criaturas mais puras que andam sobre a Terra. Esse durou mais tempo, até eu descobrir que ser veterinário não era ficar brincando com filhotes o dia inteiro. Depois veio o sonho de ser escritor, de contar histórias, mudar vidas com minhas palavras. Esse sonho persiste. É mais forte que eu. Em muitos momentos eu me vejo parado e sem cor em um mundo de cores vibrantes. Plantado numa posição desconfortável, onde ninguém me vê e de onde não posso sair. Permaneço ali eternamente até perecer. Abro meus olhos pra vida real, olho minha imagem refletida no espelho do banheiro e percebo que menos de mim sobra a cada dia que passa.

Yves Lincoln Ilustração: Thiago Jonas



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