BRICOLEGIO zine
Escola: prisão ou libertação?
Editorial O que você tem em mãos é uma produção independente conhecida como “fanzine”, ou “zine” para os mais íntimos, com o objetivo de trazer questões a respeito da escola. Num primeiro momento trazemos o pensamento de dois importantes teóricos das ciências humanas, Michel Foucault e Paulo Freire. O primeiro com a constatação da semelhança das escolas com o ambiente das prisões, o segundo com uma crítica ao modelo tecnicista da educação e com a proposta de uma educação emancipadora. Aliado a isso, trazemos referências musicais e cinematográficas que também suscitam reflexões sobre a temática da educação. Aqui, além de expormos uma visão crítica, também apresentamos uma proposição a se pensar sobre o papel da escola na formação de humanos atentos e sensíveis à realidade em que vivemos. Este trabalho se trata de um material paradidático que pode auxiliar professores e alunos em sala de aula a pensar sobre o papel da escola em suas vidas e instigar debates e atividades complementares.
Texto, revisão e edição: Luisa Galvão Donati, Thiago Jonas N. de Souza Diagramação: Thiago Jonas N. de Souza “Bricolégio Zine” é uma produção independente. Ano: 2020
A escola para foucault O teórico francês, Michel Foucault, afirma que as escolas se parecem com as prisões e os manicômios, pois compartilham de elementos como grades, rotina, sinais, salas (celas), uniformização das roupas e da conduta. Os três locais são espaços de domesticação dos corpos. “Não são apenas os prisioneiros que são tratados como crianças, mas as crianças como prisioneiras. As crianças sofrem uma infantilização que não é delas. Nesse sentido, é verdade que as escolas se parecem um pouco com as prisões.” (CRUZ; FREITAS, 2011)
Escolas são prisões? Além do filósofo francês, temos também esse tipo de leitura sobre o ambiente escolar através da música. Canções como “O Reggae” da banda brasiliense Legião Urbana e “Schools Are Prisons”, da inglesa Ex Pistols (não confundir com Sex Pistols) são exemplos disso. Na canção da Legião Urbana, temos o eu lírico que diz: “Ainda me lembro aos três anos de idade/ O meu primeiro contato com as grades/ O meu primeiro dia na escola/ Como eu senti vontade de ir embora”. Para entender, é sempre importante lembrar o contexto em que os membros da banda cresceram: Ditadura Militar, época em que no Brasil mais se investiu no modelo tecnocrático e rígido de educação. Renato Russo, muito provavelmente, narra experiências pessoais, embora tenha sido de classe média na jovem Brasília. Já “Schools Are Prisons”, como o título já diz em tradução direta, as “Escolas são Prisões”. “Você tirou os melhores anos da minha vida”, inicia a música, se referindo a escola como quem se refere a uma pessoa íntima. “E fez com que eu não pudesse decidir”, mais uma vez temos aqui o modelo de educação disciplinadora, onde não há reflexão. O aluno é incapacitado de desenvolver sua autonomia, portanto, de tomar decisões. “E aqueles 13 anos de prisão/ Não me ensinou a amar”,
semelhante ao documentário “Corações e Mentes: Escolas que transformam” na fala de um aluno entrevistado que diz: “Esse é o mais importante: trabalhar a mente e o coração”, pois o modelo tecnicista retira o humano do aprendizado, ou seja, ensina técnicas, mas sem lugar para as emoções. “E dizem que tiveram seus motivos/ Tudo vindo de cima”, ou seja, a hierarquia rígida deste modelo, onde os alunos, sem poder desenvolver sua autonomia, são proibidos de participar da própria construção do ambiente escolar. E um trecho importante, sobre como a “liberdade” é um tabu neste modelo de ensino, fazendo também uma analogia ao modelo das fábricas ao qual as escolas se submetem: “Dentro de sua fábrica/ Há uma coisa que eles não podem ensinar/ É assim que se sente livre”. Por fim, a música diz: “Escolas são prisões/ Esqueceu as estações/ Escolas são prisões/ Quais são as razões para este desperdício de primavera?”, pois, a escola que se propõe a “preparar para a vida”, que supostamente se resume ao mercado de trabalho, esquece que a vida não para enquanto se está dentro das grades da escola.
ESCOLA E EMANCIPAÇÃO: CRÍTICA AO MODELO TECNICISTA O educador brasileiro Paulo Freire ganhou destaque por sua proposta de um modelo de educação emancipadora*. Como tornar a escola, que foi moldada de forma tão rígida, em um espaço libertador? Freire era contra o que chamava de “educação bancária”, que colocava o/a professor/a como detentor/a do conhecimento e o/a aluno/a apenas como depositório. Ele acreditava que a educação deve se basear no diálogo entre professor/a e aluno/a, e incentivar a consciência crítica. Como produções que reiteram a crítica da teoria de Paulo Freire, temos as canções do Pink Floyd, “Another Brick in the Wall” e a da banda Born to Freedom, “Reciclaram Nossos Sonhos Para Vender”. A mais conhecida de todas, “Another Brick in the Wall”, também é uma canção que aborda questões a respeito do modelo bancário da educação, da rigidez hierárquica e da punição como método pedagógico. Embora marcada pelo seu tempo, certas práticas educacionais * Que torna independente, liberta.
destacadas na letra se perpetuaram até os nossos dias. As escolas do século XXI ainda veem seus alunos como “mais um tijolo na parede”, sem nome, sem rosto, sem identidade. Um dado que dele interessa apenas o resultado. Um dado para a avaliação dos índices da escola, para poder passar de série ou ser aprovado no ENEM.
A música da Born to Freedom, banda natalense, em um contexto geral, trata da uberização da força de trabalho - tema atual, inclusive, da sociologia do trabalho. Mas há um trecho importante que nos interessa, o qual diz: “Novas teorias pra tudo permanecer/ Na escola desde cedo nos ensinam a competir/ Trabalho flexível para nos enrijecer/ Você deve estudar pra nos servir/ O emprego é esse, vai querer?”. Nota-se uma clara referência crítica ao modelo tecnicista que ecoa nos discursos e práticas das escolas. Discurso e prática que também é assimilado pe-
-la sociedade e postos em prática quando dizem que você só deve aprender aquilo que vai servir a algum propósito do mercado: “estude para ganhar dinheiro”, “estude para conseguir emprego”. Formação orientada não a construção do saber e do indivíduo com qualidades humanas, mas sim, concentrado em desenvolver mão de obra qualificada que o mercado possa absorver, ou seja, formar de acordo com uma demanda de mercado, o que é completamente oposto a uma ideia de educação emancipadora.
Para Paulo Freire, a educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode se basear numa compreensão das pessoas como seres "vazios" a quem o mundo "encha" de conteúdos, pois são "corpos conscientes". E essa consciência não se faz com o depósito de conteúdos, mas a partir da problematização das pessoas em suas relações com o mundo.
Há espaço para diversão na escola? Até então discutimos a escola sob o ponto de vista foucaultiano, onde esta seria um espaço semelhante à prisão e, em seguida, apresentamos uma crítica ao modelo tecnicista da educação, feita por Paulo Freire. Vamos agora pensar a partir desta provocação: poderia a escola ser um espaço de diversão? Mesmo a proposição emancipadora de Paulo Freire não parece ser algo tão divertido assim, não é mesmo? Existe a possibilidade de transformar o aprendizado em algo divertido? O que você acha sobre isso? Na música “Rock ‘n’ Roll High School” a banda punk Ramones falou sobre uma escola onde somente a diversão teria vez. Somente a diversão também seria o ideal? Discuta em sala com seus/suas colegas e professor(a) a respeito destas questões!
Cena do clipe “Do you wanna dance?” do Ramones, onde eles tocam dentro de uma escola completamente oposta ao modelo das escolas de seu tempo.
A escola nos telões: filmes sobre a educação No filme Escola de Rock (2003), Dewey é um músico que se passa por professor em uma escola e resolve montar uma banda de rock com as crianças, depois de notar que elas têm vocação musical. Mesmo com seu plano excêntrico, ele consegue se aproximar dos alunos e alunas e mostrar que a escola pode valorizar os talentos e personalidade de cada um. Através do rock, o protagonista leva o espírito de liberdade e rebeldia para a sala de aula e, em contrapartida, aprende bastante com o empenho dos/as estudantes. “Escola de Rock” nos lembra que a escola pode também ser um espaço de diversão e de incentivo à contestação.
Escola de Rock. Paramount Pictures, 2003
O filme faz, inclusive, referência a outro filme muito relevante, Sociedade dos Poetas Mortos (1989), onde a filosofia do professor era fazer os alunos pensarem com suas próprias cabeças e terem suas próprias ideias. Fazendo-os se descobrirem como seres pensantes, descobrindo suas verdadeiras paixões e não apenas agindo como robôs programados a aprender somente o que lhes é ensinado.
Sociedade dos Poetas Mortos. 1989
Temos também o Clube dos Cinco (1985), onde cinco alunos, com personalidades distintas, ficam na detenção no sábado na escola, tendo que escrever uma redação como resultado de suas reflexões a respeito de seus atos considerados infracionários por pais e direção. Esta obra é interessante por retratar não só a questão da punição como método disciplinador com proposição pedagógica, mas em como isso não se trata de um mecanismo eficiente, dado em vista que durante todo o filme os alunos confinados acham um jeito de burlar ainda mais as normas. Também reflete sobre a importância da liberdade, já que esta é negada a todos aqueles jovens que o tempo todo se questionam se suas vontades são válidas, já que eles nunca são ouvidos, seja em casa ou na instituição. E aí, lembrou de algum outro filme interessante que tem a educação como tema? Compartilhe com a turma.
Referências bibliográficas CRUZ, Priscila Aparecida Silva; FREITAS, Silvane Aparecida de. Disciplina, controle social e educação escolar: um breve estudo à luz do pensamento de Michel Foucault. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP/Marília. Edição 7, jun. 2011. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Documentários e filmes: Corações e Mentes: Escolas que transformam (2018) Escola de Rock (2003) Sociedade dos Poetas Mortos (1989) Clube dos Cinco (1986) Músicas citadas: Ramones - “Rock n’ Roll High School”, Álbum: End of the Century (1978) Legião Urbana - “O Reggae”, Álbum: Legião Urbana (1985) Ex Pistols - “Schools Are Prisons” (1997) Pink Floyd - “Another Brick in the Wall”, Álbum: The Wall (1979) Born to Freedom - “Reciclaram Nossos Sonhos Para Vender”, Álbum: Time to Change (2019)
Sobre os autores
Luisa Galvão Donati: bacharela e licencianda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Apreciadora de músicas, filmes e artes em geral, como maneira de ler o mundo e transformá-lo. Sonha com uma educação engajada e inclusiva, que estimule a autonomia e a expressão.
Thiago Jonas N. de Souza: licenciando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Trabalha por hobby com ilustrações e produção de zines e acredita no valor pedagógico destas ferramentas. Se propõe sempre a pensar em um modelo educacional que trabalhe o/a aluno/a do ponto de vista de sua humanidade, pensando sempre que, antes de seu rótulo de estudante, estamos lidando com um ser.