Plano Piloto de Brasilia

Page 1


PLANO PILOTO DE BRASร LIA

Flรกvio Tavares Brasileiro Yuri Vieira Batista Ferraz


Resumo O nascimento de uma cidade, jamais é de forma casual, a nova capital do Brasil, surgiu de um esforço mútuo (figura 1), com uma proposta ousada e encantadora. O projeto urbanístico de Brasília exibe detalhes impressionantes, fruto de um urbanistapensador, que a partir dos rabiscos em forma de cruz, deu poder a imaginação e com sua experiência, pôs em prática as mais diversas teorias urbanísticas da época, mais que isso, transformou-o num projeto atemporal, que atrai visitantes durante todo o ano. As características morfológicas são apresentadas de forma a contextualizar e situar o leitor mostrando a sua finalidade; os aspectos projetivos existentes são aqui explorados com o intuito de discutir as necessidades que a capital de um país exige, com suas peculiaridades, debatendo sua nova postura meio século depois, já com o avanço da sociedade moderna; pensar a cidade não somente como histórica, mas como uma metrópole do futuro (figura 2). Palavras-chave: projeto, cidade, Lúcio Costa, Brasília. Figura 1

Resumen El nacimiento de una ciudad, jamás es de forma casual, la nueva capital de Brasil, surgió a partir de un esfuerzo mutuo, con una propuesta osada y encantadora. El proyecto urbanístico de Brasília exhibe detalles impresionantes, fruto de un urbanistapensador, que, a partir de esbozos en forma de cruz, dio poder a la imaginación y con su experiencia puso en práctica las más diversas teorías urbanísticas de la época, más que eso, lo transformó en un proyecto atemporal, que atrae visitantes durante todo el año. Las características morfológicas son presentadas de manera de contextualizar y situar al lector mostrándole su finalidad; los aspectos proyectivos existentes son aquí explorados con el propósito de discutir las necesidades que la capital de un país exige, con sus peculiaridades, debatiendo su nueva postura medio siglo después, ya con el avance de la sociedad moderna; pensar la ciudad no solamente como histórica, sino como una metrópoli del futuro. Palabras clave: proyecto, ciudad, Lúcio Costa, Brasília. Figura 2


Introdução No despovoado cerrado brasileiro, realizou-se o projeto de uma ousadia jamais vista no Brasil, de um simples cruzamento de linhas (figura 3), nasceu uma cidade, uma capital, Brasília. Seguindo o previsto nas constituições de 1891, 1934 e 1946, Juscelino Kubitschek construiu, no planalto central, a nova capital mesmo em meio às críticas e desconfianças. Figura 3

Um importante passo para a ocupação e desenvolvimento do centro-oeste do Brasil. O concurso para a escolha do projeto da cidade de Brasília teve como vencedor, Lúcio

Figura 4

Costa, que, com 15 desenhos, 3 857 palavras e um toque de genialidade, criou “a maior contribuição urbanística do século XX” (figura 4), segundo o presidente da comissão julgadora, Sir William Holford. “Era um rabisco e pulsava”, completou Carlos Drummond de Andrade. "Lucio Costa estreia em literatura, fazendo urbanismo" (Rubem Braga, Correio da Manhã, Caderno B, edição de 24 de março de 1957). Todas essas frases exprimem o encantamento das diversas personalidades ao projeto, que muito mais que técnico, foi de uma capacidade retórica inalcançável pelos demais. Meio século se passou, o conceito, quase unânime, de “cidade moderna” perpetuasse indiscutivelmente sobre a capital, porém, o que antes eram críticas, hoje são problemas reais a serem discutidos e resolvidos, um projeto urbanístico tão bem pensado e concluído

Foto e Facó, 2003

mostra suas falhas.


Figura 5

Desenvolvimento Nota-se no projeto de Lúcio Costa que o resultado alcançado é fruto de sua experiência, pois nele consegue-se perceber uma síntese inédita de aspectos formais,

ideias e influências de teorias urbanísticas, das diferentes épocas e espaços. Algumas destas associações são reconhecidas pelo autor como a “filiação intelectual francesa e a lembrança sempre amorosa de Paris” (figura 5), “os gramados ingleses” (figura 6), “Piccadilly Circus”, “Times Square”, “Champs Elysées”, “Diamantina”, “os terraplenos chineses” e as “auto-estradas e viadutos dos arredores de Nova York”. Figura 6

Em sua exposição, seu projeto, um fator determinante para a vitória do concurso, propunha que a nova capital deveria conformar-se morfologicamente à paisagem – “a horizontalidade e a topografia deveriam ser seus elementos compositivos” (LUANDE,

Figura 7

Francisco), aproveitando-se da imensa planície existente no cerrado (figura 8). Figura 8

Outra característica marcante é que Lúcio Costa consegue transcender a técnica, revelando-se um grande pensador, pois, como revela ARRAIS (2008) „sua cidade‟ é

“entendida como civitas e não simplesmente como urbs” caracterizando e sustentando o projeto sempre a partir de sua identidade fundadora (a capital administrativa do Brasil), levando em consideração os aspectos sócio-culturais que a futura sede do governo terá. Brasília surgiu, segundo criteriosos conceitos de “legibilidade” criados por Kevin Lynch, “a facilidade com que as várias partes da cidade podem ser visualmente apreendidas, reconhecidas e organizadas segundo um esquema coerente”, utilizando premissas como a topofilia.


Ambientes urbanos que promovam mais amenidades, conforto e bemestar obtêm, por parte da população, uma relação de empatia ambiental mais positiva (topofilia), que além de ter um efeito direto na produção de bem-estar e salubridade ambiental, contribui também reduzindo ou evitando efeitos negativos de fuga, que geraria excessiva extensividade urbana ou ainda a construção de estruturas urbanas (...), geralmente buscada para a compensação de bem-estar e amenidades ambientais perdidas no interior do espaço urbano. (RIBEIRO, 2006) Figura 9

Possui ainda um alto grau de imaginabilidade, que, “lhe dá uma grande probabilidade de evocar uma imagem forte num dado observador” (COSTA, L, 1957, p. 01) (figura 9). Tudo isso era necessário ao que se propunha à capital, o urbanismo deveria atuar ali como um esquema de segurança, necessário a uma capital que concentraria o poder, delimitando a área para a agitação das massas e demais reflexos do poder (figura 10).

Aspectos físicos Figura 10

A estrutura planejada para a nova capital dispõe dois eixos cruzando-se em ângulo

reto, onde se encontra implantada magistralmente, a Plataforma Rodoviária de Brasília, num arranjo topográfico esplêndido de grandes dimensões (700m de extensão) e complexa arquitetura (figura 11). A Plataforma é o ponto fulcral do tecido urbano de Brasília, determinando um lugar privilegiado, constituindo-se como a gênese do desenho urbano do projeto de Lucio Costa. Neste sentido, ela se configura como uma infraestrutura urbana fundamental para a consolidação do tecido urbano do Plano Piloto, articulando diretamente os setores conexos e se inscrevendo como espaço estratégico para o funcionamento do Plano Piloto. [...] Dotados de feixes de pistas automobilísticas no sentido NorteSul e Leste-Oeste, calçadas, e áreas de estar, entre zonas de sombra e passeios a céu aberto, estas superfícies se convertem elas mesmas através de seu desenho - em novos lugares e espaços urbanos. (ROSSETTI, 2010)

Figura 11


Já se pode perceber então, que Lúcio Costa faz uso dos princípios da Carta de Atenas, eliminando os cruzamentos de vias, utilizando para isto as mudanças de nível (figura 12). Assim, com este recurso, objetivou-se facilitar o trânsito de veículos, evitando o desgaste da máquina com excesso de paradas. Evidencia-se, assim, que a nova capital teve o foco de seu projeto baseado no automóvel particular, com vias de largura adequadas e diversas outras políticas de transporte individual. Fato este, que

se deve ao momento desenvolvimentista que o Brasil passava sob a administração de Juscelino Kubitschek. O Eixo rodoviário (Eixão), que é inclusive, uma rodovia federal, corta a cidade de ponta a ponta, dividindo a área residencial no sentido transversal, área esta que Figura 12

“representa o homem no nível individual de sua existência, onde ele possa viver com boa qualidade, possibilitando-o de usufruir, na forma plena, dos momentos de descanso e do convívio social mais íntimo” (LUANDE, 2007). Já o outro, chamado Eixo Monumental, representa a “dimensão coletiva” (LUANDE, 2007), composto essencialmente pelos edifícios institucionais, sendo conhecido por isso como a

Figura 13

espinha dorsal da malha (figura 13). Os dois eixos são margeados pelo Lago Paranoá e por uma área verde. Ainda no Eixo Rodoviário, encontram-se as famosas quadras residências e seus blocos de comércio e serviços (superquadras). Os espaços de lazer foram dispostos ao redor do lago; nessa região também foram implantadas áreas de moradia, chamados residencial Lago Sul e Lago Norte. Logo então criadas, as superquadras (figura 14) formaram a identidade da capital, entre desencantos e deslumbramentos foram implantadas no sentido da curvatura das

curvas de nível, com o gabarito máximo de seis pavimentos, permitindo que as copas das árvores e as coberturas dos edifícios estivessem, invariavelmente, em uma altura relativamente próxima umas das outras. Figura 14


Dispostas de forma a criar um genuíno habitat, elas são reconhecidas através de números e letras que informam o seu posicionamento no desenho da cidade, “mas são também mencionadas consoante a proximidade de equipamentos comerciais e serviços existentes nas suas adjacências” (RAMOS, 2009). Em sua maioria os edifícios estão implantados sobre o pilotis (figura 15), com a ideia geral de socializar o espaço térreo, com espaço livre para uso coletivo.

Considerações finais

Figura 15

O cinqüentenário de Brasília será comemorado pela imagem icônica que Lucio Costa e Oscar Niemeyer conseguiram criar com seus prédios simbólicos e organização espacial (figura 16). Porém, não devemos somente exaltar esses cinqüenta anos de história. Mesmo com tamanha genialidade, seria de uma grande inocência imaginar que Brasília ficaria imune da pobreza, violência e, principalmente, corrupção. ”Isto tudo é muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano”, disse Lúcio Costa, ao Jornal do Brasil, em uma visita à cidade em novembro de 1984. A capital não é mais apenas uma “cidade”, junto às cidades-satélites, forma um aglomerado urbano (figura 17). E, mesmo sendo um ícone, já

Figura 16

não é um símbolo utópico, mas a realidade do Brasil. No entanto, por tudo que foi visto, Brasília merece respeito, pela sua importância histórica nacional, sendo um marco para a arquitetura, política e sociedade brasileira. Assim, muito se discute atualmente no meio acadêmico e não-acadêmico inclusive, sobre o tombamento da capital, onde de um lado se vota pelo direito de preservar esse patrimônio como um projeto singular, pelo contexto que surgiu, e que não pode ser alterado, já por outro lado, argumenta-se sobre a necessidade de

mudanças exigidas justamente pelo desvirtuamento da sociedade, e os novos rumos que a cidade tomou. Essa é uma discussão complexa e que merece um estudo mais aprofundado, para detalhar as reais necessidades da nossa capital. Figura 17


Montagem Marquez, 2007

Referências LUANDE, Francisco. O projeto para o plano-piloto e o pensamento de Lúcio Costa. Disponível em: http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.087/223. Acesso em 18 mai. 2010. ARRAIS, Cristiano. Retórica e persuasão no concurso para o Plano Piloto de Brasília¹ Disponível em: http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.098/130 Acesso em 18 mai. 2010. ¹Este texto é uma versão resumida e adaptada do capítulo 6 de sua tese de doutorado, defendida junto ao PPGH-UFMG, intitulada “Projeções Urbanas: um estudo sobre as formas de mobilização do tempo na construção das cidades de Belo Horizonte, Goiânia e Brasília”, em 2008. RIBEIRO, Edson Leite. Cidades (in) sustentáveis: reflexões e busca de modelos urbanos de menor entropia. João Pessoa: Editora Universitária, 2006. ROSSETTI, Eduardo. Lúcio Costa e a plataforma Rodoviária de Brasília. Disponível em: http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.119/3371. Acesso em 18 mai. 2010. RAMOS, Tânia. Superquadra: vida suspensa. Disponível em: http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.112/27. Acesso em 18 mai. 2010.

Figura 18


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.