TREMA! Revista - Edição dos Dissidentes [15]

Page 1

TREMA! revista de teatro

EDIÇÃO DOS dissidentes

ANO 4

#15

MAIO 2019


EDITO R Quando o padrão se torna pressuposto de violência, física ou simbólica, provocar uma cisma é questão de sobrevivência. Daí

porque, nos últimos tempos, temos ouvido, com frequência, o eco sonoro da palavra dissidente. O que ela significa? Na acepção do termo, atribui-se ao descontente, ao divergente, cuja insatisfação leva a uma separação, a um conflito. Em outros modos, um rebelde à sua maneira.

Quando trazemos essa ideia para o território dos corpos, em suas

múltiplas existências e manifestações, nos deparamos com uma espécie de jargão de luta: corpos dissidentes tornaram-se o sinônimo da liberdade LGBTQ+ nesses tempos de rasgos, mas também de

costuras. Corpos que clamam pelo respeito, pelo direito de existir. Corpos negados socialmente, mas que reivindicam seu ethos num mundo sempre à espreita para eliminá-los, exterminá-los. Queremos o contrário e, por isso, dedicamos esta 16ª edição — a penúltima da história da TREMA! Revista — às pessoas transgênero, travestis, não binárias, a homens femininos, a mulheres masculinas, aos sem-limites de possibilidades. Dedicamos a gays, lésbicas, bissexuais, poliamorosos. Estamos falando de gênero e sexualidade, em formas de vida que vão de encontro à heteronormatividade, branca e machista. Mas estamos falando ainda dos corpos periféricos do brega, através do ensaio de Chico Ludermir. Até onde vai a palavra dissidente? Não queremos determinar. “Nossos corpos, dissidentes, em si já fazem política”, afirma a atriz, cantora e militante trans Renata Peron, em entrevista nas páginas a seguir. Artivista, como se define, ela foi candidata a deputada federal pelo PSol de São Paulo em 2018, conseguido 13.220 votos. Não é pouca coisa, apesar de não ter sido eleita, como não o é o fato de ter 42 anos, sua idade atual. Como nos reporta o jornalista Mateus Araújo, autor da entrevista, “de acordo com estudo realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), essa é uma população brasileira ‘condenada’ a morrer, atualmente, aos 35 anos”.


O RIAL “Os espaços são negados para travestis e transexuais./ E já passou da hora de/ sermos tratadas apenas como objetos sexuais./ Se eu tô aqui hoje podendo gritar nossa dor,/ eu devo isso às minha manas que na labuta foram/ e são assassinadas com crueldade e dor”, escreve, em versos, a artista Vulcanica Pokaropa, outra colaboradora desta edição, feita, na maior parte, por meio de uma convocatória aberta. Em 2016, nos ativemos ao tema do corpo, trazendo colaboradoras como a performer Jota Mombaça, que tece suas pesquisas sobre a colonização anal nos trópicos. Além disso, trabalhamos, na edição da Censura (#11), O Evangelho segundo Jesus, rainha do céu, monólogo da atriz trans Renata Carvalho censurado em algumas cidades brasileiras, com episódio lamentável no Festival de Inverno de Garanhuns, no ano passado. Desta vez, trazemos a história do solo Frango, com depoimento trazido pelo seu autor José Reis, “cujo devir viado vinha sendo modulado e silenciado há mais de 20 anos”. E para completar esta edição, temos o luxo de compartilhar o texto da peça Desculpe o atraso, eu não queria vir, de Cleyton Cabral, que foi segundo lugar no 3º Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia, em 2018, e a crítica do Projeto Maravilhas, por Clóvis Domingo Santos. Ficamos felizes com o resultado da revista. Esperamos que vocês também fiquem.

TREMA!_dissidentes


colaboradores desta edição

CLÓVIS DOMINGOS DOS SANTOS

MATEUS ARAÚJO

CHICO LUDERMIR

Artista cênico, pesquisador, professor e crítico teatral

Jornalista, pesquisador, crítico de teatro e mestrando

É artista transmídia, jornalista e escritor. É mestre em

no site Horizonte da Cena. Atualmente, realiza estágio

em Artes Cênicas pela Unesp, em São Paulo.

Sociologia pela UFPE e integrante dos movimentos

pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Artes

Coque Vive/(R)existe e Ocupe Estelita, no Recife.

Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto, com pesquisa sobre crítica e cena contemporânea.

JOSÉ REIS

VULCANICA POKAROPA

CLEYTON CABRAL

É piauiense e dedica-se à investigação em dança,

Byxa travesty degenerada, 25 anos, mestranda em

Escritor, dramaturgo, ator e publicitário no Recife.

teatro e performance. Integra o Coletivo de

Teatro pela Udesc, performer, produtora da série

Tem seus textos publicados em várias coletâneas.

Documentação e Pesquisa em Dança da UnB, o

Desaquenda, pela Cucetas Produções, disponível no

Publicou os livros Tempo nublado no céu da boca,

Núcleo Corpo da Unipaz/DF e colabora em projetos

Youtube. Integrante da Cia. Fundo Mundo, companhia

Mosaico, Escrever ficção não é bicho-papão, O menino

artísticos no Instituto Dom Barreto/PI.

de circo formada exclusivamente por pessoas

da gaiola e Planta baixa. É integrante do Autoajuda

transexuais, travestis e não binárias. Bambolista,

Literária, grupo de estudos de literatura. Circula com

iniciante em contorção e palhaçaria, punhetiza.

o espetáculo Solo de guerra.

p­ — 4



NOTA DE PROCEDIMENTO

JOSÉ REIS zereisneto.reis@gmail.com

p­ — 6


F r a n g o é um trabalho que começou a ser pensado em abril de 2016, em Teresina, Piauí, no momento em que eu estava repensando diversas questões artísticas que atravessavam meu corpo. Eu vinha cansado de processos criativos que não me arrebatavam mais, que mantinham minha relação com o espectador em um lugar morno e previsível. Sentia que precisava transcender as práticas criativas que minhas formações me haviam ensinado e criar algo que não soubesse o que poderia vir a ser. Comecei a circular pelas praças que povoaram minha infância, pelos parques que frequentava aos domingos, pela margem do rio onde pescava com vara de bambu e angu de milho, pelo aeroporto que meu pai me levava para esperar os escassos aviões que visitavam o céu de Teresina. F R A N G O é um trabalho 1 que começou a ser pensado em abril de 2016, em Teresina, Piauí, no momento em que eu estava repensando diversas questões artísticas que atravessavam meu corpo. Eu vinha cansado de processos criativos que não me arrebatavam mais,

UM TESTEMUNHO

1

que mantinham minha relação com o espectador em um lugar morno e previsível. Sentia que precisava transcender as práticas criativas que minhas formações me haviam ensinado e criar algo que não soubesse o que poderia vir a ser. Comecei a circular pelas praças que povoaram minha infância, pelos parques que frequentava aos domingos, pela margem do rio onde pescava com vara de bambu e angu de milho, pelo aeroporto que meu pai me levava para esperar os escassos aviões que visitavam o céu de Teresina. Caminhando pelo centro da cidade, lugar que sempre habitei (ou fui e sou habitado?), escutava as mesmas músicas de forró que removiam as emoções de um menino que rebolava e, por isso, era reprimido pela vizinha na frente do pai. Calcinha Preta, Mastruz com Leite, Cavalo de Pau, Magníficos, essas bandas traziam, naquele momento, um desejo de volta.

1 Texto inédito sobre o espetáculo Frango, que já circulou pelos seguintes festivais: Festival do Teatro Brasileiro, RecifePE; MID – Movimento Internacional de Dança, Brasília-DF; Mostra CultDance, Brasília-DF; Suda – Encuentro Internacional de Danza de Valparaíso, Chile; Ensaios Perversos, São PauloSP; SenThe, Teresina-PI; Ruído e Gesto, Rio Grande-RS; Escala 1:1, Palmas-TO; Festival Nacional de Teatro, Floriano-PI; Cena Breve, Curitiba-PR; e ¼ de Cena, Brasília-DF.

TREMA!_dissidentes

p­ — 7


NOTA DE PROCEDIMENTO

frango – foto: pedro lacerda

p­ — 8


Caminhando pelo centro da cidade, lugar que sempre habi-

Assim nascia Frango, no corpo de um jovem cujo devir via-

tei (ou fui e sou habitado?), escutava as mesmas músicas de forró

do vinha sendo modulado e silenciado há mais de 20 anos e que

que removiam as emoções de um menino que rebolava e, por isso,

por isso necessitava escorregar na minha dança. Então, de volta a

era reprimido pela vizinha na frente do pai. Calcinha Preta, Mas-

Brasília, reservei uma sala de ensaio no Núcleo de Dança da UnB e

truz com Leite, Cavalo de Pau, Magníficos, essas bandas traziam,

comecei a trazer as imagens da infância, o banho de Lavanda John-

naquele momento, um desejo de volta.

son que minha mãe me dava, o corpo reprimido, o rebolado en-

Pedi ao meu pai que me falasse de tudo o que a gente fazia junto quando eu era criança, aonde eu gostava de ir, quem me

gasgado, as músicas de forró e um lençol que virava saia e vestido e dava movimento ao meu corpo.

acompanhava, como era a cidade antigamente, o que havia mu-

E eu rodopiava, alegre, potente, vivo e só. Nunca convidei nin-

dado, o que havia se perdido, o que ainda sobrevivia frente a uma

guém para ver meus ensaios, pois queria uma dança que nascesse

demolição de prédios históricos e a uma imensidão de estacio-

realmente da solidão, para ser dividida em um lugar de fraqueza,

namentos, clínicas privadas e farmácias. Todos esses caminhos

distante de um lugar de análise, crítica ou de feedback, tão comuns

me empurravam para a fragilidade de um corpo pisoteado pela

aos processos de criação. Um dia, vagando pelo Instagram, conheci

heteronormatividade, castrado pelos olhos de censura dos cole-

Eduardo Bruno, um artista cearense com quem iniciei uma interlo-

gas da escola e bloqueado nas festas de forró porque não exalava

cução a respeito do que eu estava experimentando e que me indicou

masculinidade quando chamava uma menina para dançar.

alguns dispositivos que foram fundamentais para o que a obra é hoje.

TREMA!_dissidentes

p­ — 9


cena da peça frango – foto: pedro lacerda

Permaneci frequentando a sala de dança durante vários meses, sem a pretensão de criar nada. No entanto, eu já estava criando.

ser. Estar no mesmo tempo-espaço dos espectadores, transformar-se no mínimo, no resto, no que são se ilumina.

Nasciam posturas que lembravam bodybilders, modelos do circuito

Frango é o pinto em crescimento. É a fragilidade reprimida

fashion, gogo boys, machões, bombados, lutadores competidores,

no corpo. É um ser criado para o consumo humano. É carne de

dentre outros corpos que reforçavam um ideal de masculinidade

borracha. É o fracassado. É a invenção de um bicho. É a bicha que

frágil e opressor ao mesmo tempo. E com eles eu dançava, na in-

solta a franga. É o bobo, o ridículo, o vitimizado, o desinteressante.

certeza, na brincadeira, mas também na dor e na consciência do

Do latim, frangere. Partir, romper. Frango é o pinto que ainda não

que eles representavam no contexto de tantos jovens que com-

cresceu o suficiente para virar galo. É o pivô de dietas proteicas

partilhavam uma história de repressão.

que prometem um corpo vigoroso, belo e desejável sexualmente.

A imprevisibilidade dessa obra que nascia me levava a ele-

Frango é uma dança que morre e nasce durante toda a apre-

mentos que trouxessem materialidades orgânicas e que fossem

sentação. Isso porque há uma abertura à qual eu me submeto

efêmeros e vulneráveis, como a dança que eu criava. Purpurina,

quando decido devir entre o belo, o torto, o débil, o feio, o bicho

mel, penas artificiais, leite líquido, bananas e um frango cru. O fran-

morto que beijo e acaricio, mas que arranco a carne com os den-

go surgia como uma metáfora para falar de heteronormatividade,

tes, com quem danço Meu vaqueiro, meu peão e me recordo dos

de um corpo pré-fabricado para estar na norma, um corpo que se

bailes onde eu me envergonhava de dançar na adolescência, mas

molda socialmente para manter o poder onde ele já está.

cujas imagens preenchiam meus sonhos e seguem preenchendo,

Enquanto danço, crio um tempo junto, mobilizo um corpo que tenta se colocar de pé, ocupar o espaço, rastrear o meio e des-

pois hoje o forró é um disparador recorrente quando estou a iniciar um novo trabalho.

cobrir relações, enquanto a dança aparece e desaparece no de-

Devir frango era devir infância, saudade, esquecimento de

vir do movimento. Esse processo de desaparecer pode soar uma

dores, desejo de ser tocado pelo público, sedução, desejo de de-

idealização ou uma representação. No entanto, quando penso no

vorar o frango como um bicho, desejo de incorporar um animal,

existir em dança, entendo o desaparecimento como uma fissura

desejo de ciscar, desejo de ganhar outros contornos com plumas

naquilo que se espera ver: ser fundo, estar por trás, ser uma pedra,

coladas ao corpo. Era também o desejo de um corpo inumano, um

ser uma caneca, ser um tronco — seres que não se esforçam para

corpo margem — inoperante, torto, disfuncional, trincado, revela-

existir, não perguntam o porquê da existência, são o que podem

dor de outras camadas de percepção; um corpo sombra.

p­ — 10


cena da peça frango – foto: pedro lacerda

TREMA!_dissidentes

p­ — 11


projeto maravilhas – foto: luiza palhares

p­ — 12


ESFERAS DA INSURREIÇÃO: NOTAS PARA UMA VIDA NÃO CAFETINADA 1 Períodos de convulsão são sempre os mais difíceis de viver, mas é neles também que a vida grita mais alto e desperta aqueles que ainda não sucumbiram integralmente à condição de zumbis –

vidades: a pulsão se põe em movimento e o desejo é convocado a agir. E quando se logra manter

CLÓVIS DOMINGOS DOS SANTOS

em mãos as rédeas da pulsão, tende a irromper-se um trabalho coletivo de pensamento-criação

clovpalco@gmail.com

uma condição a que estamos todos destinados pela cafetinagem da pulsão vital. Vale assinalar que em sua dobra financeirizada, o regime colonial-capitalístico exerce sua sedução perversa sobre o desejo cada vez mais violenta e refinadamente, levando-o a se entregar ainda mais gozosamente ao abuso. Nesse grau de expropriação da vida, um sinal de alarme dispara nas subjeti-

que, materializado em ações, busca fazer com que a vida persevere e ganhe um novo equilíbrio. Por isso, momentos como este de agora são sempre também os mais vigorosos e inesquecíveis. Suely Rolnik

A vida precisa perserverar Projeto Maravilhas 3 e os afetos dissidentes

E

screvo este texto num enorme es-

tos sociais, o exercício democrático. Uma

Assisti ao Projeto Maravilhas na

forço de romper um certo aneste-

política cafetina a alimentar e engrossar

véspera das eleições, precisava me

siamento, uma tristeza profunda, as

o caldo de um horizonte sombrio no qual

alimentar de arte, convívio, presença

palavras afogadas, uma angústia gerada

o fascismo contemporâneo a cada dia se

humana, imaginários poéticos e espa-

nos últimos dias com a eleição no Brasil.

revela e nos ameaça em nossas possibili-

ços de respiro, dentro desse panorama

A eleição no Brasil de um presidente que

dades de existir, estar, amar, criar, transitar

tão asfixiante que vem roubando nos-

desprezou o debate e o diálogo públicos

e falar. Mas, como afirma Rolnik: a vida

sa potência de estar vivo. O trabalho

e que, com seus discursos de salvação

precisa perseverar. Mais uma vez, é chega-

aborda as geografias da sexualidade,

messiânica, mensagens de ódio e intole-

da a hora das invenções: como mobilizar

no caso as vivências homossexuais

rância, antes mesmo de tomar posse, já

novos afetos? Como criar mundos nos

masculinas nos espaços, e entrelaça

deixou claro seus inimigos e alvos princi-

quais estejamos nos amparando? Como

história da cidade, memórias pessoais,

pais: a educação, a cultura, a liberdade de

produzir ressonâncias que anunciem mi-

autoescrituras ficcionais e corpografias

expressão, o pensamento crítico, os direi-

cropolíticas de resistência e insurreição?

urbanas subjetivas.

1 N-1 Edições, 2018, p. 25.

2 A primeira versão deste ensaio crítico foi publicada no site Horizonte da Cena, em novembro de 2018.

3 O espetáculo Projeto Maravilhas foi realizado pela Plataforma BEIJO (Belo Horizonte/MG). E visto pelo autor no dia 27 de outubro de 2018, na Funarte MG. Para informações sobre a Plataforma BEIJO acessar: https://www.facebook.com/plataformabeijo/

TREMA!_dissidentes

p­ — 13


CRÍTICA O cenário é composto por um jardim com muitas plantas e vasos. Começa reduzido e concentrado (como um esconderijo, já numa referência à vida homossexual) e, com o passar do tempo, se expande, se abre, avança ao encontro do

COMO NÃO REPRODUZIR OS VALORES FÁLICOS E AGRESSIVOS PROVENIENTES DE UMA EDUCAÇÃO MACHISTA?

COMO CRIAR LAÇOS E FORMAR COMUNIDADES?

DE QUE FORMA APOSTAR NA SUAVIDADE COMO DISPOSITIVO RELACIONAL?

COMO ENCARAR O MACHO-ANIMAL QUE HABITA EM MIM?

COMO SUBSTITUIR PODER POR POTÊNCIA?

p­ — 14 COMO NÃO INTERNALIZAR O OPRESSOR?


público, cria frestas e instaura pequenas ambiências. Se o desejo homossexual é muitas vezes vivido na solidão e clandestinidade, a montagem parece nos convidar a um florescimento existencial coletivo.

COMO NOS REEDUCAR?

COMO FALAR DE SENTIMENTOS?

COMO ASSUMIR FRAGILIDADES, AS VIVENCIANDO COMO FORÇAS?

EM SUA CONCEPÇÃO ESTÉTICO-POLÍTICA, ESTARIA O TRABALHO NUMA CONTRAMÃO E GESTO DISSIDENTE DO QUE HABITUALMENTE SE VÊ / VIVE NO HOMOGÊNEO E, TREMA!_dissidentes ÀS VEZES, CAPTURADO UNIVERSO GAY?

projeto maravilhas – foto: luiza palhares

COMO SUPERAR NOSSO INSTINTO DE DEFESA DOS AFETOS, ESSA NOSSA COMPETIÇÃO COTIDIANA, ESSE NOSSO MEDO DAS PALAVRAS?


CRÍTICA

UM PROJ E TO DE VIDA A F IRM ATIVA E COL E TIVA A vida quer perseverar, não a morte. E Projeto Maravilhas fala da condição assassina que muitos homossexuais se veem obrigados a experimentar: matar o desejo, matar a possibilidade de amor, matar a construção de uma identidade positiva, matar nossa subjetividade, matar nossas poucas alternativas de realização, matar e, assim, secar a planta frágil e única que somos. Se a vida não persevera, os jardins se tornam artificiais e as árvores-existências não vicejam. Mas, como se afirma num momento do espetáculo: “Eu precisei matar para viver”. A sobrevivência física e até mesmo psíquica de muitos cidadãos homossexuais depende então de um crime. Ou de muitos crimes. No espetáculo, esses crimes são assumidos. “O meu parque é também um cemitério.” Mas esse ciclo será sempre perpetuado? Eis a questão que os criadores desse trabalho nos colocam. E a resposta é definitiva: não. A vida quer perseverar… E, para isso, precisamos conversar, escutar, acolher as diferenças, respeitar e sensibilizar: “Eu quero ver você”. Ainda que, em sua estrutura, o espetáculo apresente camadas de um experimento cênico, sua força está numa dramaturgia (assinada por Marcos Coletta) que não abre mão do necessário enfrentamento das palavras, dos discursos padronizados, que opera por deslizamentos de sentidos, tensionando a presença de atores tão jovens frente a questões tão projeto maravilhas – foto: luiza palhares

urgentes e pouco encaradas. O teatro articulado à vida e pela vida. A vida precisa

perseverar. Um trabalho que enuncia a força positiva e disruptiva dos afetos dissidentes. A cenografia dialoga com o primeiro lugar evocado na dramaturgia: o Parque Municipal, palco de um crime homofóbico real que escandalizou a sociedade belo-horizontina nos anos de 1940 (tema do livro Paraíso das maravilhas, de Luiz Morando, e que foi fonte de inspiração para o trabalho). Nos momentos seguintes do espetáculo, o jardim vai se materializando e atualizando lugares de sociabilidade gay da cidade, como banheiros de shopping, saunas, cinemão, quartos etc. A homossexualidade é, de fato, vivida

p­ — 16


nos espaços domésticos e também públicos, num jogo de forças entre pertencimento, exclusão, visibilidade e proteção. Há um momento significativo no trabalho no qual podemos reconhecer que a maioria das saunas gays da cidade está localizada em ruas cujos nomes são de povos indígenas: Caetés, Tupis, Timbiras. Nesse ponto, se articulam, ainda que subterraneamente, questões sobre colonização, a fabricação de guetos, as dizimações, quem é ou não é visibilizado, os chamados “involuntários da Pátria” na acepção de Eduardo Viveiros de Castro. Aisha Brunno, Igor Leal, Bremmer Guimarães e Pedro Henrique Pedrosa têm uma atuação performativa. Os quatro atores são amigos que se revezam em cena e em discussões (ora mais densas, ora com muito humor) sobre masculinidades, preconceitos, vida no armário, desejos, sonhos e medos. O espetáculo traz, em seu bojo, uma dimensão colaborativa na reunião dos criadores, com a direção de Cláudio Dias, que recupera certa proximidade com os trabalhos da Cia. Luna Lunera, me remetendo muito ao espetáculo Urgente. A dramaturgia de Marcos Coletta (integrante do Quatroloscinco Teatro do Comum) faz delicada costura entre depoimento pessoal e material poético. A cenografia de Thálita Motta funciona como uma instalação plástico-visual que, ao ser transformada pelos atores, se conecta à ideia de que a cidade é um espaço pelo qual se luta, se monta, se conquista, se organiza e se festeja. Espaço como território de disputa e política de transformação. Como sustentar heterotopias? Não será o espaço urbano um rico e possível traçado da diversidade? Projetar a cidade, projetar os afetos, projetar e agir coletivamente, uma vez que os poderes trabalham a partir da nossa solidão, nosso isolamento, nosso individualismo, nossa clandestinidade. A montagem-projeto tem uma atmosfera tropicalista dos anos 1970, lembra Caio Fernando Abreu e Gal Costa, oscila entre a leveza e o projeto de se criar um jardim mais afetivo e comunitário. Os tempos mudaram: avançamos ou retrocedemos? Mesmo com os aplicativos gays à nossa disposição, o que buscamos encontrar é atemporal: apenas um corpo? Ou um afeto? Um corpo sem afeto? Um corpo e uma história? Por que a gente se lembra mais dos lugares do que das pessoas? Alguém te habita? São muitas indagações propostas nesse trabalho, não há lição de moral, não há cartilhas a seguir, a insurreição aqui é poder falar, poder silenciar, rir, chorar, dançar, “dar pinta”, “fechar”, se contradizer. Um espaço de compartilhamento que me remeteu à ideia foucaultiana da homossexualidade como forma de amizade. “A gente vai plantar árvores em nosso Lar das Mariconas” — eis a promessa feita pelos jovens artistas já construindo seu jardim futuro. A vida quer perseverar. A vida quer perseverar, quer revigorar, agora mais do que nunca. A vida quer perseverar e vingar nas ruas, nos bares, nas salas de aula, nos espaços de teatro, nas boates, nos beijos na boca. Eu quero ver você, porque a vida quer perseverar, quer romper o medo e a inércia. A vida quer perseverar! Maravilha é lutar por isso, ampliar esse jardim. Projeto Maravilhas a partir de agora é Projeto Resistências.

TREMA!_dissidentes

p­ — 17


NOSSOS CORPOS, DISSIDENTES, EM SI JÁ FAZEM POLÍTICA


MATEUS ARAÚJO ma.mateusaraujo@gmail.com

E

entrevista com

m qualquer oportunidade que tem, Renata Peron repete a idade. Os 42 anos recém-completados são um orgulho; mais do que isso, soam como uma vitória. Renata já ultrapassou

em 13 anos a expectativa de vida de mulheres como ela. De acordo com estudo realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), essa é uma população brasileira “condenada” a morrer, atualmente, aos 35 anos. Vítimas fatais do preconceito,

Renata Peron

os “corpos T” lutam diariamente por representatividade em vários espaços sociais. Lutam pela dignidade de ter, ao menos, o nome respeitado e a vida protegida. Criada em Santa Cruz, a 445 quilômetros de João Pessoa, na Paraíba, Renata de Morais Pessoa — o sobrenome Peron é artístico — chegou a São Paulo em 2005. Trouxe consigo memórias trágicas. Na casa de 13 irmãos, apenas ela e mais cinco sobreviveram à desnutrição e às infecções respiratórias. Aos sete anos, viu a mãe se suicidar tocando fogo no próprio corpo. Aos 17, se mudou para Juazeiro da Bahia, carregando a pecha de “vergonha da família”, por ser, naquele momento, um homem afeminado. Mas foi ali, num contexto de exclusão e repulsa, que ela encontrou o teatro e a música como espaços de acolhimento. Desde os 27 anos, Renata Peron faz dos palcos sua militância. Na capital paulista, entrou para movimentos de luta por direitos humanos, fez faculdade, se formou em Assistência Social, é recepcionista na SP Escola de Teatro (instituição do governo do estado), além de, claro, cantora e atriz. “Nossos corpos, dissidentes, em si já fazem política”, afirma. É pelo estranhamento e enfrentamento, diz Renata, que as pessoas trans ocupam espaços fundamentais na esfera política. “É preciso que mulheres trans, mulheres negras, mulheres periféricas estejam nesses lugares que, a priori, são masculinos, hétero, cis e branco”, frisa. No ano passado, com uma caixa de som portátil, microfone na mão e a câmera de celular, ela saiu às ruas de São Paulo para fazer a própria campanha política. Foi candidata a deputada

renata peron – foto: luli vianna

federal pelo PSol e teve 13.220 votos. Embora não tenha sido eleita, foi um número expressivo e bastante singular, com maioria dos eleitores morando no interior. “Eu atribuo isso realmente a uma questão de empatia, não só com a nossa causa, mas por nos perceber enquanto pessoas políticas e pensantes.” Nesta entrevista à Trema! Revista, a artivista, como se autodefine, fala sobre a experiência na política e a representatividade como forma de luta social.

TREMA!_dissidentes

p­ — 19


ENTREVISTA

“O homem é sempre percebido como mais qualificado para ocupar as funções públicas. Por isso, se faz necessário que os corpos que não ocupam esses lugares e não estão de acordo com esse padrão se façam presentes”

Renata, por que você decidiu que deveria entrar para a

tejam nesses lugares que, a priori, são masculinos, hétero, cis e branco. Você teve mais de 13 mil votos como deputada federal por

política?

São Paulo. A maioria de cidades do interior — região historicamente

RENATA PERON Olha, eu tenho 42 anos hoje e me entendo como

mais conservadora. O que você acha desses números?

travesti desde dos 17. Eu só fui fazer minhas readequações físicas com 27 anos. Durante esse período todo, eu sempre vi a

RENATA Olha, eu acredito que tirar 13 mil votos nessa atual con-

necessidade de representatividade – que é diferente de visi-

juntura é perceber que a sociedade está se abrindo para a coisa

bilidade. E eu nunca vi na política uma pessoa que não fosse

da empatia. Porque há 10 anos, era impossível você ver alguém

LGBT lutar em prol da nossa causa com unhas e dentes — como

querer se candidatar, quem dirá tirar votos. E, sobretudo, em vá-

o movimento negro faz, como os deficientes fazem. Então, eu

rias cidades do estado de São Paulo. Eu fui votada em 388 cida-

acho que a necessidade de entrar para a política foi de não se

des, e tirei 13.220 votos. Atribuo isso, realmente, a uma questão

ver representada pelos que lá estavam. Depois que fui agredida

de empatia, não só com a nossa causa, mas por nos perceber

em 2007, aqui em São Paulo, eu fui percebendo que não era só

enquanto pessoas políticas e pensantes.

na militância do ativismo, fora da política, que eu deveria estar,

mas precisaria estar dentro — e foi isso que me impulsionou a

Mas apesar dessa expressiva votação, você não teve

me tornar candidata.

muita abertura na participação dos mandatos de outros depu-

tados eleitos pelo PSol. Você se recente disso? E por que acha Como a política pode ser uma forma de intersecção en-

que não houve abertura?

tre corpo, gênero e representatividade?

RENATA O PSol não é diferente dos demais partidos que eu coRENATA O problema é que, na política, se privilegia um único tipo de

nheci antes de estar dentro da máquina da política. O único

corpo: o do homem branco, cis e hétero. Não há uma representativi-

partido que me filiei foi o PSol, mas eu dei uma estudada nos

dade entre os corpos. Então, acho que esse engessamento na política

outros, tanto de esquerda quanto de direita. Essas pessoas que

é o que representa o problema maior para nós, mulheres trans: há um

estão hoje no poder, independentemente do posicionamento,

claro engessamento das relações de poder. O homem é sempre per-

querem se manter onde estão. Então, nós somos usados como

cebido como mais qualificado, mais bem-preparado para ocupar as

boi de piranha, como pessoas que conseguem atrair votos

funções públicas. Então, por isso se faz necessário que esses corpos

para eleger aqueles que eles decidiram. Me parece, e espero

que não ocupam esses lugares e não estão de acordo com esse pa-

que eu esteja enganada, que os partidos não estão preocupa-

drão se façam presentes, briguem por espaço, disputem os espaços. É

dos que mulher travesti, transexual ou negra periférica possa

preciso que mulheres trans, mulheres negras, mulheres periféricas es-

estar no lugar de homem branco heteronormativo. O que a

p­ — 20


“Tirar 13 mil votos nessa atual conjuntura é perceber que a sociedade está se abrindo para a coisa da empatia, porque, há 10 anos, era impossível você ver alguém (trans) querer se candidatar, quem dirá tirar votos”

gente percebe é que essa galera quer se manter lá, e que nos

Mas o que fazer com essa informação? Apenas reconhecer e,

usa pra que a gente possa mantê-los, porque existe a coisa do

por exemplo, não dar um trabalho para as meninas trans que

coeficiente, né? Nós fomos 100 candidatos — dos 100 candi-

se candidataram e ajudaram a eleger os outros deputados que

datos, nós fomos as 10 mais votadas. O que eu entenderia se

ali estão? Nós temos o exemplo da Erica Malunguinho, aqui

fosse eu a presidente de um partido? Que os 10 mais votados

em São Paulo, que foi eleita, mas não foi com a ajuda do par-

são eventuais políticos em perspectivas, e que precisam estar

tido. O partido deu — e não sei o valor exato — menos de R$ 5

dentro da máquina pública, para aprender como ela funciona.

mil. Então, a eleição de Erica foi o partido que ajudou? Ou foi

Então, eu daria trabalho nos próprios mandatos, que foram 11

ela, dentro da própria militância e ativismo, que conseguiu 60

candidatos eleitos, para trabalhar como assessores deles, mas

mil votos?

infelizmente meu partido não pensa assim. Eu acho que ainda é preciso discutir muito a questão da transfobia internalizada pra ver se a gente, algum dia, pode mudar e ver uma presidente

Como, para além de um mandato, é possível um corpo trans exercer a política?

num partido sendo uma travesti, ou uma negra, uma trans, um deficiente, mas a gente está um pouco distante disso.

RENATA Nós já fazemos isso há muitos anos. Essa história de entrar em política institucional é que nós fomos aprendendo e

Então você acha que isso é um tipo de transfobia? Mesmo num partido de esquerda, com outras travestis e trans eleitas?

nos informando que, se quisermos mudar institucionalmente e constitucionalmente as coisas, criando leis para punir ou jugar os nossos algozes, é na política que a gente precisa estar. Mas

RENATA Os partidos de esquerda e direita não são apenas trans-

nós já exercemos a nossa política no dia a dia. Eu trabalho aqui

fóbicos; são, sobretudo, partidos machistas. Porque nós fomos

na SP Escola de Teatro e, ao expor aqui meu corpo nessa recep-

criados numa sociedade heteronormativa, machista e sexista.

ção, para esses alunos que passam todos os dias, já é um ato

A diferença de alguns partidos — e acredito que o PSol seja um

político. Quando eu reivindico melhorias aqui dentro da própria

desses — é que há entendimento de que isso existe e que se

empresa, pedindo para que a direção da escola possa nos dar

precisa fazer algo para mudar. É o mesmo quando alguém diz

um trabalho ou um plano de carreira, eu estou fazendo política.

assim: ‘Eu entendo meus privilégios — sou um homem branco,

Quando eu crio uma ONG junto com outras amigas, quando a

sou um homem cis; eu fui criado em escolas particulares, eu

gente realiza a Caminhada Pela Paz, todos os anos, estou fazen-

tenho meus privilégios’. Opa, isso é um fato bom. Você reco-

do política. Quando a gente vai a eventos — quer seja ele héte-

nheceu ele [o privilégio]. O que é que você vai fazer a partir

ro, misto — e fazemos fala, a gente está fazendo política. Para

daí? Eu acho que o PSol e todos os outros partidos podem

além das políticas institucionais, os nossos corpos, dissidentes,

reconhecer que são transfóbicos e que têm seus privilégios.

em si já fazem política.

TREMA!_dissidentes

p­ — 21


CONTRIBUIÇÃO DRAMATÚRGICA

p­ — 22


CLEYTON CABRAL ccomunicador@gmail.com

DESCULPE O ATRASO, ~ EU NAO QUERIA VIR

OBRA DEDICADA À RENATA CARVALHO. POR TUDO E POR TANTO.

1 Esta peça foi segundo lugar no 3º Prêmio Ariano Suassuna de Cultura Popular e Dramaturgia, em 2018. A Cia. Paradóxos (SP) está montou o texto e estreou em abril de 2019. Está prevista também, em 2019, uma leitura encenada do texto por um grupo de Matosinhos, cidade portuguesa pertencente ao distrito do Porto, em Portugal. O Salvé a Língua de Camões acontece há mais de 15 anos e contempla textos de dramaturgos de países de língua portuguesa.

TREMA!_dissidentes

p­ — 23


CONTRIBUIÇÃO DRAMATÚRGICA

EU TENHO A CARA DA MINHA IDADE

personagens

A peça começa quando a atriz que interpreta a personagem Mulher no presente faz um telefonema. Ao fundo, o Homem no passado ob-

homem no passado

serva docemente a Mulher no presente, enquanto poda um roseiral. A

mulher no presente

Mulher no futuro está sentada, diante de uma máquina de escrever.

mulher no futuro

(conversa telefônica. uma mulher e um homem. no passado.) mulher no presente

Agora tenho uma papoula entre as pernas.

cenário homem no passado um jardim

(Off.)

Como você sonhava: um jardim abaixo do ventre. mulher no presente

O perfume à flor da pele. homem no passado

(Off.)

Manhãs gerânios, tardes magnólias, noites rosas. mulher no presente

Obrigada por regar este sentimento que cresce a cada abraço encharcado. homem no passado

(Off.)

Não precisa agradecer. Tudo isso foi plantado por você. E eu ainda era tão semente. (Silêncio.) (A Mulher no presente põe o telefone no gancho. Levanta-se, dá alguns passos em direção à plateia.) mulher no presente

Desculpe o atraso, eu não queria vir. (Pausa.) Meu pai morreu quando eu tinha 20 anos. Uma parte de mim que já não está. Vinte anos que não ouço sua voz. (Ela se lembra do pai.) Dizem que sou meu pai cagada e cuspida. A mesma cara. O mesmo corpo. O humor e o sarcasmo, iguaizinhos. “Tu é Ciço todinha!”, dizem. (Ela se lembra do pai.) Meu pai separou da minha mãe quando eu era pequena. Aos nove anos, eu não sabia o que era saudade e já começava a colecioná-la. Eu adorava minha camisa do Snoop, minhas botinhas ortopédicas, pular poças d'água na chuva segurando as mãos do pai e da mãe. Ainda me lembro do último passeio: painho me abraçou bem forte escondendo a chuva dentro dos olhos. Mas eu vi tudinho com meus olhos de guarda-chuva. p­ — 24


O MENINO QUE MORAVA NO JARDIM

(Ela se lembra do pai.)

O Homem no passado se aproxima, entrega uma das rosas que carrega nas mãos à Mulher no presente, que vai para o fundo. A Mulher no pre-

Quando ele vinha me visitar, sempre me levava na loja de brin-

sente pega um regador no jardim do Homem no passado e rega a cabeça.

quedos. Tomávamos guaraná Antarctica. A vida de canudinho. (Com uma rosa e uma tesoura de jardim nas

Eu fotografava com os olhos cada detalhe: o cabelo castanho

homem no passado

escuro repartido na lateral, as sardas, as roupas modernas e co-

mãos.) Toda rosa traz em si: perfume e dor. (Entrega a rosa a alguém

loridas, a mão que ficou paralisada por uma mordida de gato.

da plateia.) Sempre que estou cuidando do jardim, lembro de um

Para não esquecer.

amigo e meus olhos se transformam em duas piscininhas. (Pausa.) Resolvi começar essa história falando das rosas porque, se agar-

(Ela se lembra do pai.)

ramos uma, podemos sentir seu perfume, mas também podemos nos furar com os espinhos.

Numa dessas visitas ele me trouxe uma fita K7 com a gravação de

Kyro era meu melhor amigo. (Pausa rápida.) Tinha o cabelo

um programa de rádio que apresentava no Piauí. Por algum moti-

escorrido feito macarrão, os olhos nervosos e alegres: dois gran-

vo — que não sei explicar —, nunca coloquei no toca-fitas. Guar-

des vagalumes. A gente brincava todos os dias. Peteca, pião, pesca-

dei-a tão bem-guardada que não sabia mais do seu paradeiro.

-pesca. Ele morava no quintal de sua casa. Kyro andava cabisbaixo. Por que estava triste se o quintal era um lugar seguro e divertido?

(Ela se lembra do pai.)

Se tinha uma goiabeira, um pé de pitanga e uma mangueira com um balanço? A gente brincava de dar nome às minhocas do quin-

Quando eu era criança, chorava e via as luzes se desmanchando.

tal. Tinha uma que se chamava Hilda. Ela parecia uma contorcio-

Eu pensava que toda vez que eu chorava, as pessoas também

nista de tão flexível. Meu avô dizia que eu tinha minhoca na cabe-

viam as coisas neblinadas. Isso me dava um sentimento de cul-

ça. Minhoca na cabeça pode ser uma pessoa cheia de histórias na

pa. Perguntei: Painho, por que as pessoas derretem quando eu

cabeça, uma pessoa que não tem nada na cabeça, ou uma pessoa

choro? Você só vê as coisas diferente, ele disse me abraçando.

que pensa em algo e fica toda hora repetindo a mesma coisa. Kyro era muito amado por sua família e por todos os vizinhos. Ele era diferente de todos os meninos da rua. (Pausa.) O corpo de Kyro era de menino, mas em vez de pernas, possuía raízes cravadas na terra fofa. Ele nunca saía dali. Nunca. Quem quisesse vê-lo tinha que cruzar o jardim, o terraço, a sala, a cozinha e o corredor que dava para o enorme quintal. Kyro gostava muito de mim e ficava com riso frouxo quando eu aparecia. Ria por qualquer motivo. Nossa brincadeira predileta era recortar imagens de revistas, colar num papel cartolina e inventar nossas próprias histórias: reis comilões, princesas com poderes de aliviar cheiro de pum, trovões roucos, lagartixas que balançavam a cabeça sempre dizendo “não”. Eram tantos personagens. A gente passava a tarde inteira brincando. Ninguém sabia explicar o porquê de Kyro morar no quintal como uma árvore. Mas ele adorava. Gostava de receber os primeiros raios de sol antes de todo mundo. As borboletas eram visitas frequentes e ele adorava dormir ouvindo as cigarras cantoras. Kyro, meu melhor amigo, estava prestes a completar 10 anos. A família resolveu fazer uma festa surpresa no clube do bairro. Organizaram tudo. Naquela manhã ensolarada de agosto, com uma tesoura de jardim, cortaram suas pernas-raízes. Kyro mandou me chamar às pressas. Me abraçou chorando a chuva de um ano inteiro. (Silêncio.) Até hoje eu me lembro de Kyro. (Pausa rápida.). E sei que quando chove, ele joga pingos de chuva no quintal de todas as casas. A Mulher no presente rega a roseira do Homem no passado.

TREMA!_dissidentes

p­ — 25


CONTRIBUIÇÃO DRAMATÚRGICA

ESSES HOMENS ABERTOS À PRIMAVERA FLORESCEM DE VIDA

A Mulher no futuro levanta-se e lê a carta que escreveu para o Ho-

(Silêncio.)

mem no passado, enquanto a Mulher no presente dança livremente. Como um rio, a Mulher no presente imprime os sentimentos e sen-

Não se preocupe, encare como uma lagarta que rasteja, mas

sações das palavras da Mulher no futuro.

logo, logo, se transformará em borboleta.

mulher no futuro

preocupava em defender as mulheres desde pequena. Me fez

Carta para o homem que jamais fui.

entender que não sou estranha, que não sou uma aberração,

Seu nome ainda me incomoda e quando o escuto nos lugares, me

que sou transgênero e não há nada errado nisso.

Obrigada por existir. Você foi muito importante quando se

sinto um avestruz. Quero desaparecer. Às vezes, quero que as pes-

Mas uma coisa, antes que eu esqueça: eu nunca te aban-

soas te esqueçam, mas não existe um botão para acabar com sua

donei, mas é preciso seguir voando por outros jardins. Não te

memória. Escrevo esta carta em uma tentativa de reconciliação.

esqueço e te prometo estar ao lado de todas as mulheres que,

Sabe, você foi muito corajosa, muito mesmo. Não é qualquer pessoa que questiona o gênero assim de forma tão genuí-

assim como eu, também sofrem diariamente com esse machismo. Enquanto eu estiver transviva, lutarei.

na. Numa sociedade onde a masculinidade padrão é venerada, esperada e aceita, enquanto as feminilidades são vistas como

Com amor,

inferiores, sinais de fragilidade e passividade. A minha luta não

Você.

é só antitransfóbica, é antimachista. Eles abominam tudo que

Ainda mais feliz.

seja feminino. Lembra quando gritavam mulherzinha, viadinho, bicha safada? Na rua, na escola. Mesmo com esse cenário, você foi além das expectativas e se permitiu discutir. Que orgulho! Lembro da sua vontade de querer ser livre, usar roupa de princesas, calda de sereia, brincar de boneca, fazer comidinha, mas você era “homem” e tinha que brincar de polícia, médico, luta. A violência foi sua referência de infância. Quanto mais ódio, melhor. Mas, aos poucos, você foi se permitindo o prazer. Aí a coisa começou a andar. Você descobriu o corpo, se masturbou sem achar que aquilo era pecado. Repito: que orgulho! Lembra quando você levou seu namorado para o almoço de Páscoa? Sua família conservadora quase desabou. Caras e bocas à parte, tiveram que engolir junto com o peixe ao molho de coco o “viado” pecador graduado de vestido e muito bem-acompanhado. Não se cobre tanto, eu sei que você ainda não se sente inteira. A sociedade não foi legal o suficiente pra você se libertar. O mais bonito da sua trajetória é essa dança, você emergiu da areia fofa, rastejou como uma minhoca, se questionou. Eu sei que você ainda não consegue ver suas qualidades. Ah, isso leva um tempo. É que você ainda não se reconhece. Em breve, esse dia vai chegar. O temporal vai passar e o coração vai deixar de ser lugar encharcado de mágoa e o corpo vai ser, enfim, seu aconchego. É um período difícil, mas você vai superar. Você vai ver! Se aceitar e fazer carinho, já é um começo e tanto! Semana passada vi um homem no restaurante falando de uma mulher que levou para o motel de uma forma tipicamente machista e lembrei na hora de você. Lembrei de como era desconfortável essa situação e como ficava indignada. Às vezes, revidava e, pronto, começava o show: puto, viado, vou te levar num puteiro pra você ver o que é bom! Calma, você vai aprender a lidar com todo esse ódio. Nesse processo, uma sensação de morte vai lhe invadir, mas não se apavore, confia que vai dar certo. Siga com a cabeça erguida até que você se reconheça na imagem que aparece no espelho. p­ — 26

Entrega a carta ao Homem no passado.


MUSEU DO ESQUECIMENTO

OS ABACATES JAMAIS PASSARÃO ILESOS PELOS CORAÇÕES

A Mulher no presente, o Homem no passado e a Mulher no futuro

mulher no presente

formam um totem.

Em 2013, fui passar uma temporada na Argentina. Vinto de fevereiro, uma segunda-feira. Despertei às seis da manhã. Mal

mulher no presente

dormi na noite anterior. As duas malas foram fechadas antes

Quando era criança, fui flagrada me masturbando no sofá. Que

de cair na cama. Resolvi trabalhar o desapego e não levar mui-

é isso?, gritou minha irmã.

tas coisas: algumas roupas, três pares de sapatos (confesso que sou apegada a sapatos!), três livros: um de crônicas, de

homem no passado

Caio Fernando Abreu; um de contos, de Dalton Trevisan, e um

Estou com sete, oito, nove anos. Acordo de madrugada me tre-

de espanhol (eu só sabia falar gracias); um CD com a discogra-

mendo e chorando. Estou no quarto que divido com meu irmão.

fia completa de Caetano e três boxes: Ella Fitzgerald & Louis Armstrong, um só com cantores de jazz e outro só de blues.

mulher no futuro

Livros e músicas sempre são ótimas companhias. Seis da ma-

Por que meu pai passava o maior tempo livre dele jogando

nhã: quando cheguei na cozinha, vi que minha mãe deixou um

carteado com os amigos? Por que meu pai só chegava embria-

pacote de leite em pó e dois abacates maduros em cima da

gado em casa?

mesa. Suspirei sorrindo. A senhora quer que eu leve esses abacates e leite na

mulher no presente

mala? (Imitando a mãe.) É pra você fazer sua vitamina lá, filho...

Não soube o que dizer-fazer. Foi uma das primeiras vezes em

filha. (Pequena pausa.) Ah, as mães! Para não desapontá-la, co-

que toquei meu corpo.

loquei o pacote de leite na mala. Recebi um abraço com choro, desci com as malas para a garagem e fui acordar meu irmão,

homem no passado

que me levaria ao aeroporto. (Pausa.) Sabe a primeira coisa

Eu digo: estou com uma forte dor na barriga. (Pausa.) Mas acho

que senti vontade de fazer quando cheguei em Buenos Aires?

que ele percebeu.

Tomar vitamina de abacate.

mulher no futuro

(Pausa.)

Por que meu pai batia na minha mãe quando eles discutiam? Por que meu pai tinha outra família? Por que eu tenho uma ir-

Minha mãe morreu naquele ano. Eu estava numa livraria no

mãzinha no Piauí que eu nunca conheci?

centro de Buenos Aires quando meu irmão telefonou para dar a notícia. Eu tinha acabado de folhear este livro (Pausa rápida.)

mulher no presente

sobre a morte de uma mãe. (Mostra o livro Os verbos auxilia-

Mais constrangedor foi quando ela achou uma carta que escrevi

res do coração, de Péter Esterházy.). Comprei e perambulei pelas

para o professor de educação física.

ruas de Buenos Aires.

homem no passado

(Corta um abacate e coloca no liquidificador com água, leite e açúcar.)

Meu irmão estava fazendo sexo com a namorada. Ela estava por cima dele, cavalgando. Foi a primeira vez que vi alguém fazendo sexo.

Dia desses, li uma entrevista desse autor húngaro. Ele dizia: “As palavras são sempre insuficientes e nós podemos sempre to-

mulher no futuro

má-las como esperança. Mas contra a morte elas não ajudam.

Perguntas. Perguntas. Perguntas. Respostas: não trabalhamos.

Talvez possam servir contra a dor que se sente em relação à morte. Mas a literatura não é um meio de curar a dor, como uma aspirina contra a dor de cabeça. A literatura não é prática, mas perigosa”. (Bate a vitamina no liquidificador até ficar no ponto.) Até hoje, todas as manhãs, faço vitamina de abacate. (Serve em alguns copos. Oferece à plateia.) Alguém aceita?

TREMA!_dissidentes

p­ — 27


CONTRIBUIÇÃO DRAMATÚRGICA

DESENCAIXOTANDO MEMÓRIAS

MEU CORAÇÃO É UMA CACHORRO NO QUINTAL

mulher no futuro

mulher no presente

Minha mãe guardava nesta caixa alguns cartões que escrevi.

Meu quarto fica aqui. O dela, aqui. Tão perto. (Reconstitui os pas-

Têm bilhetes meus quando era muito pequena. Faz tempo! Eu

sos do seu quarto até o da mãe.) Pertíssimo. E quase não conver-

já gostava de escrever.

sávamos. Viver presa não era tarefa fácil. E quando a prisão era a própria casa? Habitat de água doce e lágrimas salgadas. Corpo-

Entrega a caixa para o Homem no passado, que abre e mostra e lê al-

-trapo-molusco dentro de uma concha em espiral. Mulher-ca-

guns cartões. Ele lê uns bem inocentes e clichês. A Mulher no futuro ri.

ramujo. Ela queria sair. De si, da casca, daquela vida mínima. Ela queria sumir. Ir para o jardim que era o seu lugar. Terra molhada.

homem no passado

Transmutar-se. Deixar de ser. Ela que negava sua vida aquática

Com A escrevo amor, com P escrevo Paixão, com D escrevo Das

dentro de um quadrado.

Dores dentro do meu coração. mulher no futuro mulher no futuro

(Para o Homem no passado.)

Fui visitar a casa que morei por 30 anos e trouxe alguns objetos.

E o da batatinha? (Vai até uma caixa. À medida que fala dos objetos, mostra-os à plateia.) homem no passado

“Batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão. Menininha

Este espremedor de laranjas é mais velho do que eu.

quando dorme, põe a mão no coração. Sou pequenininha do

Este porta-gelo já viu muitas doses de uísque. Decorou muitas

tamanho de um botão, carrego papai no bolso e mamãe no co-

festas na laje.

ração. O bolso furou e papai caiu no chão. Mamãe que é mais

Este copo Tupperware tem a minha idade. Nenhuma ruga.

querida ficou no coração”.

Nenhum cabelo branco.

mulher no presente

homem no passado

Pela fresta da porta, eu vi mainha chorando no quarto com este

Saiu pela boca

cartão nas mãos.

escapuliu ali na mesa da cozinha

(Silêncio.)

na hora do jantar mainha perguntou

mulher no futuro

meu filho, o que houve?

Das delícias da faxina: encontrar o convite de casamento dos

houve não, mainha, há

meus pais. Novembro de 1968 (Mostra à plateia.) Mil novecen-

há muito

tos e sessenta e oito! Um ano mítico. Ponto de partida para uma

muito amor

série de transformações políticas, éticas, sexuais e comporta-

mainha engoliu o choro

mentais. O marco para os movimentos ecologistas, feministas, das organizações não-governamentais e dos defensores das

(Pausa.)

minorias e dos direitos humanos. (Pausa.) Tudo o que parecia sólido desmanchou-se no ar. No mundo e lá em casa. (Pausa.)

Meu coração é um cachorro no quintal. O dono viajou e não

Mas o convite de casamento continua intacto.

voltou mais.

p­ — 28


A RÁDIO TOCOU MEU CORAÇÃO

mulher no presente

Ontem revirei todas as minhas caixas, o guarda-roupa, as gavetas. Adivinhe o que achei? (Mostra a fita K7.) Alguém aí tem um toca-fitas? Eu abro uma garrafa de vinho. A Mulher no futuro tira um toca-fitas de uma caixa. A Mulher no presente põe a fita K7. A Mulher no presente dá o play. Entra voz do locutor do programa de rádio. As três personas ouvem atentamente. Emocionam-se com a voz do pai. voz

(Off.)

Eita, menino, vamo faturá? É, faturá... tem que faturá... É isso aê... Comercial Raul Novo Oriente... Ele vende al cass, sonrisal, anador, sandália... sandália, linha, chinelão, peça de bicicleta... eita hômi pra vender misturado é tudo... açúcar, café, feijão... Éeeee... Comercial Raul, ô, Raul, manda alguma coisa Raul... (Entra Gilberto Gil cantando Pai e mãe.) voz

(Off.)

Eita coisa boa... Arrocha! Manhã da MPB com Cíço Brasil... Zil zil... Show! É isso aê... eita lá! Vou dançar isso lá no Ré-cife, visse? Eu vou dançar... lá no Ré-cife... visse? É... chegar lá, vou dançar isso aê... vou chamar meu amigo Ramo... Ramo Cavalcante... Raminho... Silvana... se acorda menino, que daqui a pouco eu chego aí a qualquer momento... vou arrochar o buriti... é... é vou chegar lá... vou dançar... só forró pernambucano... eita, caba macho, vai ver o que é bom... agora vou jogar uma musiquinha aí pra meu amigo Sebastião... Sebastião Farias... é... aquela turma... ali da... ali pertinho no centro de Santa Filomena e adjacências... e outra coisa... e pro povo de Alto Parnaíba também, tá? (Entra a música Você é doida demais nas vozes de Lindomar Castilho e Ronaldo Adriano. O Homem no passado abre um vinho e distribui algumas taças com a plateia.) Seis horas e vinte cinco minutos na... FM 100.5 megahertz... eita, Parnaíba arrochado!... nota 10! (A Mulher no presente dá stop no toca-fitas. Silêncio.) mulher no presente

Meu pai era um megafone. homem no passado

Minha mãe, uma máquina de costura. mulher no futuro

Eu era um documento de Word em branco e agora sou um livro. Um brinde! TREMA!_dissidentes

Fim. p­ — 29


p­ — 30


é um trabalho 1 que começou a ser pensado em abril de 2016, em Teresina, Piauí, no momento em que eu estava repensando diversas questões artísticas

TRAVESTY POESIA

que atravessavam meu corpo. Eu vinha cansado de

processos criativos que não me arrebatavam mais, que mantinham minha relação com o espectador

em um lugar morno e previsível. Sentia que precisava transcender as práticas criativas que minhas

formações me haviam ensinado e criar algo que

não soubesse o que poderia vir a ser.

Comecei a circular pelas praças que povoaram

minha infância, pelos parques que frequentava aos

domingos, pela margem do rio onde pescava com

vara de bambu e angu de milho, pelo aeroporto que meu pai me levava para esperar os escassos aviões

que visitavam o céu de Teresina. Caminhando pelo centro da cidade, lugar que sempre habitei (ou fui e sou habitado?), escutava as mesmas músicas de

forró que removiam as emoções de um menino

vulcanica pokaropa que rebolava e, por isso, era reprimido pela vizinha

na frente do pai. Calcinha Preta, Mastruz com Leite, Cavalo de Pau, Magníficos, essas bandas traziam, naquele momento, um desejo de volta. penso e repenso, de

onde vem esses fundamentos?!

o macho me vê passar, não se contenta em só olhar tem que de algum jeito minha atenção chamar sua masculinidade é mais frágil do que vidro se dói só de trombar uma transvyada ao vivo macho, vê, se acostuma porque tamo organizada e se vier com gracinha, é molotov na sua cara tu me vem com esse discurso carregado de machismo falando pros sete cantos que não qué ideia comigo tenta me diminuir a um cu e uma piroca tá me hipersexualizando com suas ideias tortas

1 Este texto é um copilado de poesias que escrevi e que conversam entre si. Nunca foram publicadas em locais mais formais. Às vezes, participo de slams e acabo recitando elas. Também tenho um número de bambolê onde recito uma ou outra.. E duas delas têm vídeos publicados no meu Facebook (/vulkanikaa).

TREMA!_dissidentes

p­ — 31

1


CONTRIBUIÇÃO POÉTICA mas eu tô empoderada e eu vou falar pra tu eu sou muito mais que isso e pra você não dou meu cu tô cansada desses olhares, risos e piadas eu não vim no mundo pra ser tirada

de otária

e na minha mente, eu tenho é uma certeza que se tu se ofende com a minha corpa, com a minha voz é nesse corre que eu tenho que continuar pra sua cova você mesmo cavar eu tô sempre de boas querendo trocar ideia só não me venham com o pé atrás e falsos julgamentos achando que, a qualquer momento, sua boca vou querer beijar, sua roupa vou querer tirar, porque não, eu não penso o tempo todo em putaria e meteção embora eu goste... essa mente aqui corre longe mas você nesse seu bloqueio mental que me reduz a pouca coisa e me tira de louca

eu só consigo é ter pena, pena por você não querer enxergar que nós e nossas corpas temos muito a falar os espaços são negados para travestis e transexuais e já passou da hora de sermos tratadas apenas como objetos sexuais

se eu tô aqui hoje podendo gritar nossa dor eu devo isso às minha manas que na labuta foram e são assassinadas com crueldade e dor o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo e é o que mais consome pornografia protagonizadas por nós aí eu te pergunto...

você naturaliza ou questiona esse problema estrutural, desumano e desleal? A igreja diz que sou aberração e que pro céu eu não vou não o Estado diz que eu sou doente, mas se nega a dar tratamento hormonal pra minha gente a sociedade adora nos esconder, bota a gente de madrugada numa esquina que é pra na luz do dia ninguém nos ver máximo respeito

a todas as putas,

que se mantenham firmes e vivas e que num futuro próximo seja possível vivermos em segurança à luz do dia nessa sociedade que se mostra cada dia mais doentia eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente no país onde eu nasci e poder me orgulhar e ter a consciência que travesti tem p­ — 32

seu lugar!


É

POSSÍ VEL! É P O S S Í V E L, É P O S S Í V E L, É P O S S Í V E L, out ra mas culin idade é pos s íve l É É É

P O S S Í V E L, P O S S Í V E L, P O S S Í V E L, outra masculinidade é possível

Olho pro mundo e vejo esse monte de macho aí mandando Vejo a merda que tá e logo concluo que não tá rolando Vejo o retrocesso, essa gente não sabe aonde vai E o caminho certo não é a igreja que dita mais

É possível, é possível, é possível, outra masculinidade é possível É possível, é possível, é possível, outra masculinidade é possível Desde que o Brasil foi invadido por aquelas merdas de colonizadores europeus O retrocesso do nosso povo aqui se deu O homem cis branco achou e ainda acha que tudo que quiser pode fazer É chacina contra povo preto, indígena, população transgênera É o nosso

sangue

que escorre pelo chão

Mas não causa comoção, medidas não serão tomadas não O que eles mais têm feito é acabar com as nossas vidas na base da bala e do fogo E olha nóis aí de novo Travesti é morta com 7

facadas

na região do rosto

e encontrada nua Jovem, negre de 21 anos não foi encontrade, pois rolou execução seguida de queima do corpo…. estranho

Seria realmente estranho se a realidade fosse outra, não é não? Eles nos roubam milhões descaradamente Sucateiam saúde, educação, cultura Terceirizam e privatizam todos os meios de produção E ainda colocam o povo contra o povo para que nos matemos sem eles sujarem as mãos Quando também não terceirizam esse serviço pra polícia militar Que como todo bom cãozinho

adestrado

cumpre

Esperando seu biscoitinho de bônus ganhar Pelo visto uma tem sido suficiente! Por que milhares de mãos não matam um Temer, um Feliciano, um Bolsonaro?

É possível, é possível, é possível, outra masculinidade é possível É possível, é possível, é possível, outra masculinidade é possível TREMA!_dissidentes

p­ — 33


CONTRIBUIÇÃO POÉTICA

É possível, é possível, Toda essa machidão tem no peito rancor e não procura paz Porque eles não querem perder privilégio, é óbvio demais Por cada rua que passo, não sei se chego até o fim viva Os machos me olham torto, me causam marcas

psicológicas e físicas

É possível, é possível, é possível, outra masculinidade é possível É possível, é possível, é possível, outra masculinidade é possível é possível ! E eu digo macho – ma-acho, seu império vai cair abaixo macho – ma-acho, seu império vai cair abaixo tá com medo das travekas invadindo os espaços não quer conviver com a gente, quer sempre nos deixar de lado fala que as travas não prestam, só vivem na putaria quem tu acha que tu é? vai cuidar da tua vida tu me vê passar na rua e fica todo incomodado desaquenda, seu

ocó, queu não aturo macho otário

e se vier com gracinha pra cima das trava aqui pode é se preparar que ileso tu não vai sair macho – ma-acho, seu império vai cair abaixo TRAVA

TRAVECO

TRAVECA

TRÁ

TRAVA

TRAVECO

TRAVECA

TRÁ

TRAVA

TRAVECO

TRAVECA

TRÁ

é travesti, é terrorista eles manipulam, fingem, forjam e matam mas, mesmo assim, as travas não se calam doutrinam todo um povo em nome do senhor demonizam nossas corpa qué pra tirar nosso valor depósito de ódio passe livre pra cisnorma continuar causando a discórdia

tu faz isso por proteção? tu faz isso por proteção? tá com medo que pra tu as trava vire inspiração? aqui é close meu amor, LUTA e tombação cuidado que as travas tão organizadas, meu irmão pode ir saindo de fininho sem chamar muita atenção e se vier pro atraque, pode se preparar seu machão p­ — 34


é possível, outra

é possível

e eu sei que na minha casa eu fico bem mas é só botar o pé pra fora que vish.. a cisgeneridade já tá preparada pra tentar fazer com que minha autoestima seja dilacerada não foi e nem está sendo fácil construir esse ser que habita esse espaço e pode crer que muita mudança ainda vai acontecer se a minha vida ninguém interromper vez ou outra, na real, quase sempre eu bambeio me boicoto, desacredito nos meus potenciais mas venho tentando aprender a não desistir dos meus ideais por conta dessa gente que vem descontar em mim suas frustrações pessoais, ou estruturais às vezes, é uma tarde na rua e três dias dentro de casa pra poder repor as energias que a sociedade me gasta mas aí quando eu me recupero me boto linda novamente com aquele batom azul brilhante aquele vestidinho curto já esperando da cara de vocês receber a expressão de susto assustou? toma

uma aguinha com açúcar

e assiste à revolução que ela já começou e mesmo que tu não queira ver saiba que já estamos derrubando esse padrão estético que sempre te privilegiou e fez acreditar que os espaços foram feitos apenas para pessoas semelhantes a você é reintegração de posse bebê ocuparemos todos os cargos e espaços aí eu quero ver você me ofender vou colar com o meu bonde pra te cobrar e tu vai ver, que nossa existência é uma resistência contra gente igual a você que tenta nos silenciar e preferem nos ver mortas a uma poesia nos ouvir recitar dizendo as verdades que vocês tentam ocultar mas vai passar mal que se depender de mim, muitas outras travestis ainda vão passar por aqui deixando seu legado, subvertendo o patriarcado que só se interessa em ver nosso sangue escorrendo pelo ralo mas eu não me calo e sempre falo: saúde mental é tudo e bora contá com aliades

para construirmos juntes uma sociedady com mais oportunidades TREMA!_dissidentes

p­ — 35


CONTRIBUIÇÃO VISUAL

p­ — 36


TREMA!_dissidentes

p­ — 37


p­ — 38


TREMA!_dissidentes

p­ — 39


CONTRIBUIÇÃO VISUAL

F

CHICO LUDERMIR

azer fotografias é um exercício estranho de presença. Es-

Desde que recebi o con-

chico.ludermir@gmail.com

que fiz a primeira saída, na festa de comemora-

mera, ou simplesmente portar uma, em contexto de pesquisa ensaística, parece automaticamente alçar qualquer indivíduo ao seu redor ao status de “outro”, alvo de observação, com força hiperbólica. Se, por um lado, esse tal olhar

vite para fotografar as expressões do brega no Recife até o momento em

tar com os olhos por trás de uma câ-

ção de aniversário da casa Planeta Show, na Abdias de Carvalho, um sem número de dispositivos me atravessaram enquanto possibilidade. Em sua maioria, eram artifícios que

antropológico-artístico aguça a visão, que revela nuances e deta-

me levariam a fotos de arquivo e a uma pesquisa imagética bi-

lhes e possibilita entendimentos e construções narrativas pouco

bliográfica. Um resgate histórico conduzido por um acervo pré-

evidentes ou óbvias (mas, por vezes, evidente e óbvias), por outro,

-existente que me blindaria de uma exposição, onde eu mesmo

é totalmente carregado de pretextos, hipóteses e mesmo vieses,

seria o realizador das fotos. Uma outra possibilidade ventilada,

intencionais ou não, revelados ou não.

que foi descartada somente na reta final (mas não totalmente),

1

Existem diversos mecanismos de interferência no real acio-

me mantinha na chave de uma suposta isenção: provocaria os

nados nesse “ir a campo” que compõem, ao final, uma relação

participantes da festa a se fotografarem e eu apenas organizaria

de poder daquele que representa sobre o representado. Desde a

o apanhado, incrementando o material com uma análise dos

própria presença às escolhas dos momentos capturados, enqua-

elementos presentes somada a uma reflexão, que me interessa

dramentos e composições, interferências concretas de uma

muito, sobre as faces da autorrepresentação e das gestualidades

direção de pose ou locação, até a escolha do material que vai ser

dentro delas.

publicado e suas interferências na imagem como corte, saturação e contraste.

O ensaio final, este que apresento nestas páginas, acabou por se construir na própria experiência das festas de brega. Me

Começo com essa reflexão autorreferencial não somente

rendi ao perceber que não adiantariam as fugas rumo àquela

porque acho necessário assumi-la aprioristicamente em qual-

suposta isenção, falácia à qual recorremos quando os assuntos

quer trabalho (e trago isso de experiências com as travestis 2 , por

se apresentam com complexidade assustadora, como é o caso

exemplo), mas também porque neste ensaio especificamente, em

(ou quando somos ingênuos, ou agimos de má fé). Nem mesmo

que se realçam os contrastes entre duas experiências marcadas

o ato de dar a câmera, ou de coleta de material, nem mesmo

por elementos de classe, raça – e automaticamente entre zonas

a pesquisa de arquivo me tiraria a carga de autor. Mas não foi

periféricas e centrais, privilegiadas e não da sociedade –, fui toma-

somente uma rendição, foi também uma escolha de me posi-

do por diversas camadas de desconforto, que versam sobre repre-

cionar, de me assumir e de me expor, através do contato direto.

sentações simbólicas e, principalmente, sobre o meu lugar (de fala

E investigar também os meus próprios receios e medos.

também) no mundo.

Como seria possível fazer deste ensaio fotográfico um texto que levantasse questões relevantes? E mais, como fazer tudo

1 Este texto é a apresentação de um ensaio fotográfico acerca da cena brega pernambucana, uma das maiores expressões artísticas da periferia recifense. Foi publicado originalmente no livro Ninguém é perfeito e a vida é assim, de Thiago Soares, indicado ao Prêmio Jabuti de 2018. 2 Chico Ludermir é autor do livro A história incompleta de Brenda e de outras mulheres (Confraria do Vento, 2016).

p­ — 40

isso sem objetificar, constranger, reforçar estigmas ou caricaturizar as personagens? Como traduzir uma experiência que é, por excelência, movimento e música, em fotografia, uma técnica intrinsecamente silenciosa e estática? E, além de tudo, como fazer isso com inovação estética e fuga das obviedades?


As fotos aqui correspondem à maneira como fui atraído pelo

foi interessante observar as filas de táxi na frente do Roof Tebas,

que se desenvolvia na minha presença. Isso, é claro, traz todas as

em contraposição às pistas livres de carro na Abdias; não viraram

marcas das provocações do livro Ninguém é perfeito e a vida é assim,

imagens, tampouco os preços dos ingressos e das bebidas, com-

mas além dessas, por um sem número de questões construídas ao

pletamente contrastantes).

longo do restante da minha vida. Qualquer criação tem uma dura-

Revela-se ainda nas fotos posadas (e a pose, é necessário di-

ção mista. Não há como fugir. É o tempo que a gente leva fotogra-

zer, é um certo estado de congelamento. Uma encenação, ou até

fando, mas é, também, toda a trajetória que nos levou até aquele

uma pequena experiência de morte. No instante dela, opera uma

exato presente – o que inclui, certamente, toda as características

conexão com aquilo que vai-se tornar de forma inalterável. A pose

da nossa socialização.

é resultado de uma certa instância de escolha e revela a forma

Eu, homem branco, filho da classe média (ainda que atual-

como a retratada/o gostaria de ser visto, dentro dos padrões que

mente morador de um bairro periférico do Recife), em uma festa

ela/ele próprio avalia como aceitável e bonito). Pela quantidade

gratuita de música brega, num bairro periférico da cidade, com pú-

de informações contidas nesse tipo de foto “artificial”, conferi às

blico majoritariamente composto por pessoas negras, era clara-

fotos posadas uma certa relevância neste ensaio.

mente um elemento dissonante. Naquele espaço, visivelmente, eu

Em um momento no qual fervem as discussões sobre apro-

era um outsider – o que não significa que eu tenha sido rechaçado.

priação cultural, não é possível apresentar essas fotos sem apon-

Parecia que todo o baile percebia que era a primeira vez que eu es-

tar questões que se referem a um processo paulatino que vem

tava ali. Não por acaso, não encontrei nem sequer um conhecido,

reposicionando o brega no imaginário recifense. A palavra per si,

naquela pequena multidão.

junto ao ritmo, que carregou, durante a minha infância, a pecha de

As marcas do meu corpo estavam agindo ali. Minha gestua-

algo cafona e inadequado, foi se transfigurando em algo “cult” e

lidade, minha forma de vestir e minha branquitude não se ca-

“descolado”, não por acaso, na medida em que ia alcançando um

muflavam, arrisco dizer que contrastavam. A máquina fotográfica

espaço próprio longe da periferia.

me servia como dispositivo do contato e foi praticamente a úni-

De representação típica das classes pobres, atrelada obvia-

ca forma de permear encontros e conversas ao som da música

mente à origem dos seus cantores e ao conteúdo de suas letras,

alta. A ausência de partilha de certos códigos era um demarcador

quase sempre crônicas de uma vida periférica, as festas de brega

forte. E gerava dúvida de qual era o meu nível de consentimento

ganharam uma nova vertente elitizada, com um espaço restrito

para fotografar. Esperei um tempo até receber convites. “Tira

àqueles que se filiam às classes privilegiadas. A mistura de classes

uma foto da gente.”

não foi diminuída pela partilha de um gosto musical comum.

Eu, homem branco, filho da classe média (ainda que atual-

Muito usado na sociologia, mas pouco trazido para o debate

mente morador de um bairro periférico do Recife) em uma festa

das apropriações, Pierre Bourdieu nos apresenta, em sua teoria

paga (R$ 30) de música brega num bairro central da cidade, com

social dos gostos, reflexões importantes: não há nada intrínseco

público majoritariamente composto por pessoas brancas era,

a determinada experiência; nenhum quadro, fotografia ou músi-

para meu incômodo, um elemento pertencente àquele espaço.

ca é essencialmente boa. Mas, nunca por acaso, quando determi-

Apesar de ser minha primeira vez ali, certamente isso não ficava

nada expressão passa a ser fruída por frações dominantes, muda

evidente pela quantidade conhecidos que eu encontrei. Pessoas

automaticamente de status (e vale dizer que o contrário também

que estudaram comigo em colégios particulares, na graduação

opera – quando passa a ser fruída por classe dominadas, perde

e no mestrado da Universidade Federal de Pernambuco. Se eu

seu caráter distintivo). Ou em bom breguês, “o mundo gira, o

não reforçasse que estava ali a trabalho, o que era mais uma vez

mundo é uma bola”.

demarcado pela minha câmera, eu facilmente passaria por um

O que se percebe ao frequentar festas com o mesmo estilo

frequentador daquela festa (minha barba era um pouco maior

musical, mas ocupado por públicos diferentes (pela sua localiza-

do que a dos demais e minha roupa talvez mais desarrumada e

ção, preço e pelo próprio caráter identitário de cada festa), é uma

intencionalmente mais discreta – fui de jeans e camisa preta. No

espécie de mimese nunca perfeita, porque classe dominante nun-

mais, o mesmo padrão). Fui tomado por uma autocrítica feroz

ca quer ser inteiramente igual à classe dominada.

que talvez tenha me instigado ainda mais a olhar com criticida-

Uma das fotos no ensaio me parece carregar esse elemento

de certas características daquele momento, tão revelador das

síntese: um menino negro, vestido com uma jaqueta, era o único

diferenças sociais.

de boné e bermuda da marca Cyclone na festa do Roof Tebas. Se

É impossível não fazer uma análise comparativa tanto das

apresentava como elemento disruptivo. Um curto-circuito que

experiências quanto do seu registro correspondente, frente a um

personificou, para mim, todos os contrastes que eu já vinha obser-

contraste explícito, cujo elemento comum é o estilo musical. As

vando numa comparação mental. (Se estivesse no Planeta Show,

fotos provavelmente revelarão aquilo que as palavras deste meu

passaria despercebido). Mas ele estava ali. E, de alguma forma,

texto só poderão acessar de forma limitada. As imagens dizem

escancarava para quem quisesse ver todos os demarcadores das

respeito a símbolos de diferenciação incorporados, quais sejam:

diferenças sociais.

as roupas, os cortes de cabelo, as cores das peles, os gestos “na-

Não será, por certo, no brega que a conciliação de classes

turais” registrados nas fotos em que as pessoas não se perce-

será possível, mas há que se ressaltar uma confluência. Com o

bem fotografadas. Revelam-se também nas marcas da cerveja,

salão lotado e o brega nas alturas, existe um elemento de catarse

no uso do celular, tão abundantes na festa central quanto são os

muito similar. O romantismo parece esfaquear os corações e o

bonés nas festas periféricas. (Não se apresentam nas fotos, mas

tecno-brega, eletrizar dos pés às pélvis.

TREMA!_dissidentes

p­ — 41


CRÍTICA

p­ — 42


TREMA!_dissidentes

p­ — 43


p­ — 44


TREMA!_dissidentes

p­ — 45


p­ — 46


EXPETREMA! revista de teatro EDIÇÃO DOS dissidentes ANO 4

#15

MAIO 2019

COORDENAÇÃO TREMA! PLATAFORMA DE TEATRO Mariana Rusu e Pedro Vilela

CONSELHO EDITORIAL Mariana Rusu, Olívia Mindêlo, Pedro Vilela e Thiago Liberdade

EDIÇÃO Olívia Mindêlo e Mariana Oliveira

PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E ILUSTRAÇÃO Thiago Liberdade

PROPONENTE DO PROJETO Mariana Rusu

COLABORADORES DA EDIÇÃO* Chico Ludermir, Mateus Araújo, Clóvis Domingos dos Santos, Vulcanica Pokaropa, Cleyton Cabral e José Reis *As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

PLATAFORMA TREMA! tremarevista@gmail.com tremaplataforma@gmail.com facebook.com/tremaplataforma www.tremaplataforma.com.br +55 (81) 9 9203 0369 | (81) 9 9223 5988

Tiragem: 500 exemplares (por edição) Impresso pela Brascolor | ISSN: 2446-886X

Edição dos DISSIDENTES | Nº #15 | Ano #4 | Recife, maio de 2019

Realização:

Incentivo:

A TREMA! Revista de Teatro é uma publicação com incentivo do FUNCULTURA – Fundo de Incentivo à Cultura de Pernambuco.

TREMA!_dissidentes

p­ — 47


ISSN: 2446-886X

DISSIDENTES adjetivo de todes gêneros

1. Que dissente, discorda ou diverge de algo. adjectivo de todes gêneros e substantivo de todes gêneros

2. Que ou quem se separa de um grupo por divergência de opiniões, princípios, comportamentos, doutrinas, etc.

p­ — 48


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.