TREMA!_censura
p — 1
EDIÇÃO DA censura
ANO 3
#11
MARÇO 2018
E agora somos nós quem perguntamos...
pergunta
TREMA! 1/7 Via Twitter – @JotaInfo – 20 de fevereiro de 2018
“TJSP CONSIDERA QUE É CENSURA PROIBIR PEÇA COM JESUS TRANS. PARA DESEMBARGADOR, PROIBIÇÃO DO ESPETÁCULO REPRESENTA ‘AGRESSÃO À CULTURA’” HTTPS://GOO.GL/PQZDDM
O QUE É AGRESSÃO À CULTURA?
o evangelho segundo jesus, rainha do céu — foto: ligia jardim
p — 2
RECIFE, MARÇO DE 2018
EDITORIAL CENSURA NUNCA MAIS? “A censura sempre está ligada ao exercício da dominação, à legitimação da ignorância, ao impedimento de qualquer avanço, ao silenciamento de vozes discordantes. A lógica censora continua como um legado nacional, incorporada nas pessoas ‘de bem’, mesmo em pleno neoliberalismo.” Eis uma parte da resposta do artista Maikon K, quando questionado sobre a diferença entre as censuras que vêm ocorrendo no Brasil do século 21 e as relacionadas aos períodos de ditadura no século passado. “Em termos ideológicos, vejo pouca diferença”, diz ele em entrevista à TREMA! que você poderá ler a seguir. Assim como Maikon K, acreditamos que a censura sempre está à espreita neste país e acaba arrumando um jeito de inventar um papel; a censura está sempre atrás de pauta para estrear em cena. Vampirão, Gilmar Mendes, Santander, MBL, Marco Feliciano, Facebook, Direita, Esquerda, Isentão, Do Bem. O fato é que o Brasil nunca conseguiu se livrar da sina opressora e, agora, vemos as cortinas se abrirem novamente para um teatro que achávamos estar no baú da história... Mas parece que ele está voltando a entrar em cartaz. No fim das contas, a censura é o pivô nos jogos de poder, seja qual for a sua máscara. Por isso estamos aqui para falar sobre isso. Propondo um olhar em retrospecto – de perto e de longe –, abordamos o tema também a partir da jornalista Débora Nascimento, que faz um apanhado, em seu artigo, sobre a história da censura ao teatro no país, desde a colonização portuguesa até os dias recentes. E sobre os dias recentes, nos fala ainda Natália Mallo, diretora da peça O evangelho segundo Jesus: rainha do céu, censurada no ano passado, em Jundiaí/SP, por trazer a história de Cristo a partir de uma atriz travesti, Renata Carvalho. A diretora fala sobre o percurso da peça na seção Nota de Procedimento. Não passem batido nos “detalhes”, sobretudo na intervenção artística de Júnior Aguiar, do Coletivo Grão Comum (PE), e na contribuição visual de Ana Lira, com seu poema inspirado no cerceamento aos maracatus rurais pela polícia de Pernambuco. Sim! E ainda tem ensaio sobre a internet no meio dessas “novas” faces de censura à arte, pelo escritor e pesquisador João Dias Turchi. “A censura é medo. Mudam os governos, adota-se a democracia, abrandam-se os discursos, mas a mentalidade política brasileira ainda carrega em seu DNA uma nostalgia do pau de arara, que encontra eco numa população que acha que precisa ser tutelada, seja por um deus salvador ou por políticos e líderes moralizadores”, nos ensina e nos ajuda a ver o artista de performance cerceado em pleno século 21. Infelizmente, a arte sofreu e ainda deve sofrer represálias, no Brasil, como às dirigidas contra Maikon K, Wagner Schwartz e Renata Carvalho em 2017. Sim, em 2017. Ofertamos a vocês um conteúdo que consideramos necessário. Viva a arte! E todas as formas de ruptura à ordem vigente. Boa leitura!
TREMA!_censura
p — 3
colaboradores desta edição ANA LIRA
COLETIVO GRÃO COMUM
Fotógrafa e artista visual. Nasceu em
Comemora 10 anos em 2018, como um
Caruaru (PE, Brasil), em 1977, e vive no
dos grupos cênicos do Recife. Formado
Recife. As experiências em que procura
inicialmente pelos atores Asaías Lira,
estar presente discutem viver como
Arthur Canavarro, Daniel Barros e Júnior
um político e as ações coletivas como
Aguiar, nele foram produzidos quatro
processos de mediação. Relações de
espetáculos-solos como resultado da
NATÁLIA MALLO
poder e implicações nas dinâmicas
pesquisa de cada ator. Posteriormente,
Multiartista e empreendedora cultural nascida na Argentina e residente no Brasil desde
de comunicação estão entre seus
em parceria com a produtora Gota
1995. Tem 20 anos de experiência no desenvolvimento de projetos de música, artes cênicas,
interesses e projetos, que articulam
Serena, idealizou e produziu a Trilogia
dança e práticas interdisciplinares. É compositora, dramaturga, performer, professora, diretora,
narrativas visuais, material de imprensa,
Vermelha, formando o núcleo de atores
curadora e produtora. Por suas criações, recebeu os prêmios APCA, Bravo!, Coca-Cola FEMSA,
mídias impressas, publicações
dos três espetáculos que abordam a
Prêmio Governador do Estado de São Paulo e outros. Suas inquietações artísticas encontram-
independentes. É especialista em Teoria
vida e obra de Glauber Rocha, Paulo
se na intersecção de linguagens e modelos de criação, produção e gestão em projetos que
e Crítica de Cultura.
Freire e Dom Helder
tratam das políticas da diversidade. Dirigiu os espetáculos Tempo roubado (Sesc/ SP), MayBe/ Uchronia (co-produção Brasil-Reino Unido), Filminho (Prêmio São Paulo de Teatro Infantil e Jovem) e O evangelho segundo Jesus, rainha do céu.
MAIKON K Maikon K atua nas fronteiras entre performance, dança e teatro. O centro de seu trabalho é o corpo e sua capacidade de alterar
DÉBORA NASCIMENTO
JOÃO DIAS TURCHI
percepções. Influenciado pela visão
Jornalista, repórter especial da revista
Escritor, mestre em Teatro pela
de mundo xamânica, constrói
Continente, onde também assina uma
USP, desenvolve pesquisa ligada a
realidades por meio de canção,
coluna mensal na Continente Online
Dramaturgia e Literatura. Realiza
som não verbal, signos visuais
sobre assuntos contemporâneos.
trabalhos artísticos. Atua também como
e atividades ritualizadas. Entre
Trabalhou no Jornal do Commercio e
consultor de projetos do Museu de Arte
suas criações estão Corpo
Diario de Pernambuco.
Moderna (MAM-SP).
ancestral, Terrário e O ânus solar.
CARTÕES | CONVITES PAPELARIA | SACOLAS REVISTAS | TAGS LIVROS | FOLDERS ENCARTES | RÓTULOS PANFLETOS | TABLÓIDES
IMPRIMIR O QUE VOCÊ TEM DE MELHOR, É O NOSSO COMPROMISSO. Av. Norte Miguel Arraes de Alencar, 3311 Rosarinho | Recife | PE | 52041-080 Fone: (81) 3366.9000 |www.brascolor.com
p — 4
TREMA!_censura
p — 5
dna de dan, dança instalação de maikon k — foto: lauro borges/divulgação
ENTREVISTA
maikon
p — 6
K
TREMA!_censura
p — 7
ENTREVISTA
OLÍVIA MINDÊLO omindelo@gmail.com
E
m julho de 2017, o artista de performance Maikon K foi retira-
ta do que é ser humano.” Na obra DNA de DAN, cuja estreia foi em
do de cena pela Polícia Militar do Distrito Federal, em Brasília,
2013, Maikon K alude à troca de pele das serpentes e ao simbolis-
antes de completar a apresentação do trabalho DNA de DAN,
mo desse ato, por meio de seu corpo coberto por uma substância
contratado pelo festival Palco Giratório. “Atentado ao pudor”, eis a
que vai se despelando no decorrer da apresentação, enquanto o
acusação contra o artista, que performava sua obra nu em frente
público e ele estão dentro de uma bolha.
ao Museu Nacional da República.
A performance foi uma das oito escolhidas pela artista Marina
A interpretação literal e extremamente agressiva da PM, que
Abramovic para fazer parte da megaexposição Terra comunal, em
rasgou a bolha na qual se apresentava Maikon e o levou preso, diz
2015, no Sesc Pompeia (SP). Como sabemos, o corpo nu é instru-
muito sobre quem somos (e temos sido) neste lugar que chamam
mento inesgotável da arte e, infelizmente, é o primeiro a ser ataca-
de país democrático, o Brasil. O que nos amedronta? Quem e o que
do ou cooptado quando algo está sob ameaça...
a PM queria “proteger”? “A moralidade e o medo instrumentalizam
“Mesmo com suas múltiplas possibilidades de ser, só é permeti-
cada pessoa a ser um perseguidor, um juiz, um executor, traba-
do ao corpo servir ao mercado, ao retrocesso e à estagnação. No fun-
lhando a favor da manutenção da ignorância”, afirma o artista em
do, é cansativo discorrer sobre o que está acontecendo”, diz o artista.
uma das respostas à entrevista abaixo, feita por e-mail (o artista mora em Curitiba/PR). “É fácil atacar o campo da arte, porque nossa esfera de atuação é o combate. E combatemos o quê? Justamente a visão estrei-
p — 8
Leia abaixo a conversa na íntegra, na qual ele faz uma análise crítica, e transgressora, sobre política, moralidade, corpo, arte, ódio, julgamento, redes sociais, medo e censura como algo que está em nosso DNA.
performance dna de dan de maikon k, na exposição terra comunal — foto: romullo baratto
TREMA!_censura
p — 9
ENTREVISTA Um performer é impedido pela Polícia Militar em Brasília
de sua mãe? Não me façam rir. Essa limitação na capacidade de
enquanto atua. Um performer é acusado de pedofilia ao ser toca-
interpretar uma ação artística foi estimulada por setores orga-
do por uma criança em meio ao seu trabalho em São Paulo. Em co-
nizados (políticos e religiosos), pois é um modo de controle: o
mum, ambos os artistas têm o fato de trabalharem o corpo em cena
retorno de um populismo neomedieval. E isso ganha mais força
a partir da nudez. Como olhar para estes fatos recentes no Brasil?
com a descrença no sistema político e em tudo mais que possa
Eles aconteceram mesmo em 2017?
forjar uma coletividade: aspirações conjuntas, o ideal de nação, o bem-estar comum. Na falta de esperança, só o ódio pode unir
MAIKON K Antolhos é um acessório que se coloca na cabeça do
e cunhar um “povo”. O ódio, essa grande punheta coletiva. Sem
animal de carga para limitar sua visão e forçá-lo a olhar apenas
ele, sucumbe-se ao desespero, à depressão, ao marasmo. É pre-
para a frente, e não para os lados, evitando que se distraia, ou se
ciso, então, eleger inimigos, gozar na cara deles em público e
espante, e saia do rumo. É a utilidade desse instrumento arcaico
em rodinha.
que eu evoco aqui, nos dias de hoje. No Brasil de 2017, o cabres-
No meio disso tudo, surgem os alvos perfeitos: dois artis-
to foi o vibrador da vez, excitando os desiludidos e temerosos.
tas nus, imóveis, colocando-se à mercê dos que estão à sua vol-
Um corpo nu no espaço público, imóvel, torna-se um crime a
ta. A moralidade e o medo instrumentalizam cada pessoa a ser
ser condenado, a origem de toda desgraça que se abateu sobre
um perseguidor, um juiz, um executor, trabalhando a favor da
o país. É uma ameaça terrorista, é a encarnação de todas as per-
manutenção da ignorância. A maioria das pessoas desconhece
“ESTOU NU E IMÓVEL, QUE PERIGO HÁ NISSO? O QUE VOCÊ PENSA NÃO É SOBRE MIM, É SOBRE VOCÊ”
a arte contemporânea, mesmo assim, ou talvez por isso, sentem-se livres para odiá-la e aptas a isso. O próprio sistema de arte contribui para isso? Não cabe aqui essa discussão. É fácil atacar o campo da arte, porque nossa esfera de atuação é o combate. E combatemos o quê? Justamente a visão estreita do que é ser humano, do que é ser homem e mulher, do que é permitido aos corpos. Combatemos a nós mesmos em nossas limitações. Combatemos a cristalização dos termos, a apatia dos músculos, a lobotomia das sensibilidades, a miséria simbólica. E não somos heróis por isso, somos errantes. O fato é que os pregadores da moral, que são os guardiões de um cadáver podre, não querem que nada avance, eles precisam maquiar o cadáver. Eles são devotos do cadáver, seu poder depende disso. A moral tem a função de perfumar o cadáver. O que está em conflito são visões de mundo diferentes: o corpo
versões, é o espelho mais abjeto.
nu desafia esse território morto, pois é potência desmascarada
Mesmo com suas múltiplas possibilidades de ser, só é per-
e exposta, é um devir em estado bruto, é de uma sinceridade
metido ao corpo servir ao mercado, ao retrocesso e à estagna-
que machuca. E falo de uma nudez que não se insere nos mol-
ção. No fundo, é cansativo discorrer sobre o que está aconte-
des mercadológicos do desejo, uma nudez distante das selfies e
cendo. Porque já não sei se é útil falar, didaticamente, sobre o
nudes, distante do sexo para consumo, uma nudez que afronta
cenário que se ergueu. Começo a acreditar que as pessoas veem
porque não sinaliza a que veio, confunde, desarma, não pretende
sempre aquilo que querem ou conseguem ver, mesmo quando
satisfazer, é a ameaça de uma incógnita, é uma lacuna aberta e,
a paisagem lhes é desconhecida. Elas precisam reconhecer seu
por isso, pode ser preenchida pelo obscurantismo alheio.
reflexo em tudo. Mesmo com o avanço da internet, a mente hu-
A interpretação que nos foi imputada, a de um crime mo-
mana pouco progrediu. A quantidade de informação disponível
ral, mostra a loucura social, o deserto mental, uma recusa por
não resultou numa melhora do raciocínio humano. E a rede que
outras formas de entender a vida. Mostra o que essas pessoas
ia garantir nossa autonomia nos revela cada vez mais atrasados;
pensam e no que elas acreditam. Se o único meio de dialogar
fomos, enfim, capturados. Manada organizada não pelo chicote,
com elas é compartilhar esse campo da miséria humana, eu
mas pelos likes e comentários indignados.
digo não, porque como artista não posso compactuar com isso.
Um performer comparado a um pedófilo por estar nu em
Nós, humanos, podemos mais do que essa histeria coletiva vul-
um museu onde, por acaso, havia uma criança acompanhada
gar, do que essa paralisia cerebral, do que servirmos de lenha
p — 10
pra uma fogueira tóxica. E sim, isso aconteceu em 2017 e vai
que temos, é clichê, é a nossa finitude, é nada. A nudez é uma
perdurar em 2018, pois haverá eleições. E nenhuma oportuni-
tomada de consciência e é isso que choca.
dade de propaganda política gratuita e viralizável da extrema direita será desperdiçada. Eu dou aqui uma salva de palmas àqueles que mordem as iscas e, com suas vidas, alimentam os
Em setembro do ano passado, o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) publicou o Projeto de Lei 8.615/2017, com
donos do banquete.
o objetivo de mudar o artigo 74 da Lei 8.069, obrigando, além da classificação indicativa adequada a crianças e adolescentes de obras Por que a nudez ainda é alvo de censura em nosso país? O que está por trás desse incômodo?
de TV, cinema e teatro, a proibição da "profanação de símbolos sagrados". O projeto acabou sendo indeferido. Falemos aqui de censura ou interesse político?
MAIKON K A pele é a única roupa, o resto é ficção. Um corpo é feito de milhões de anos. Sua existência extravasa os conceitos,
MAIKON K A censura sempre foi motivada por interesses polí-
a igreja, a família, a escola, a polícia, a política, a ciência, a eti-
ticos, eles se confundem e se apoiam um no outro. E interesse
queta. Um corpo não precisa de autorizações. Ele vive indepen-
político, como o termo já aponta, só interessa aos políticos. É
dente desses sistemas, só está ligado à terra. Um corpo é como
tão louvável que esse político-pastor se preocupe com a in-
a pedra, a árvore, o ar. Nele, só há nudez. Ele é o alvo de todas as armas, ele ameaça todos os poderes. Porque o corpo é o verdadeiro e único poder. Todas as instâncias querem se apossar dele, utilizá-lo, sugá-lo, dopá-lo, distraí-lo, hipnotizá-lo, sobrecarregá-lo, subtraí-lo. Eles querem corpos ventríloquos. A arte busca restituir o poder ao corpo, devolvendo a ele todas as possibilidades. A arte existe para que esse corpo se expresse de outras maneiras. Ao contrário da igreja, da família, da polícia, da política, na arte um corpo rebelde é a premissa de um mundo são. O corpo virou esse território onde todos querem legislar, onde a culpa religiosa quer se infiltrar, a neurose social se enraíza, a tirania política se manifesta, a opressão se internaliza, o prazer vira mercadoria, o medo paralisa. Eu, como artista, digo: saiam do meu corpo todos esses tentáculos, que os falsos poderes
“A MENTALIDADE POLÍTICA BRASILEIRA AINDA CARREGA EM SEU DNA UMA NOSTALGIA DO PAU DE ARARA”
assistam à minha dança em cima das suas carcaças, nas suas praças.
tegridade das crianças brasileiras, já que suas famílias não são
O corpo é produto e agente desse mundo. E nós, artis-
capazes disso, de decidirem por conta própria quais conteú-
tas, sempre queremos outros mundos. Queremos outros cor-
dos são adequados ou não. Obrigado por nos proteger de nós
pos. Um corpo está nu para nascer de novo. Pra se livrar de toda
mesmos. Quanto à classificação indicativa, o nome já diz, é
semiótica, de toda regra, dos logotipos, dos chips, pra respirar
uma indicação, não deve ser uma proibição. Trata-se de um
com todos os poros, pra se render, para lutar. Estou nu e imó-
alerta, um aviso.
vel, que perigo há nisso? O que você pensa não é sobre mim, é
Quanto à proibição da profanação de símbolos, isso pode
sobre você. Um espelho pode ser a coisa mais violenta desse
facilmente servir de arma censória. A quem interessa a manu-
mundo. O que é um corpo nu quando não está a serviço da in-
tenção de uma verdade única, delimitar um domínio do sagra-
dústria sexual? É uma possibilidade de reinvenção, é a negação
do que exclui diferentes pontos de vista? Não estou defenden-
dos códigos sociais, é feiúra e beleza, é uma revelação do óbvio,
do aqui discursos de ódio às crenças alheias. Mas o conceito
é nossa condição primeira, é a lembrança da morte, é uma con-
de profanação pode ser muito abstrato e amplo. Desde quando
dição de igualdade, é uma recusa ao utilitarismo e ao consumo,
questionar e pôr em dúvida é profanar? O que é profanar? Meu
é sinceridade tosca, é erotismo sem filtros, é falta de culpa, é
corpo é profano ou sagrado? Existe essa separação? Um símbo-
Dioniso, é sagrado, é ridículo, é lugar-comum, é liberdade, é re-
lo milenar pertence a um grupo ou é domínio público de toda
volta, é poesia, é um saco de vísceras que respira, é a única coisa
a humanidade? De que símbolos esse deputado está falando?
TREMA!_censura
p — 11
ENTREVISTA
“COMO A CENSURA PODE VENCER A ARTE? E A RESPOSTA É: NÃO PODE. PORQUE A CENSURA QUER PÔR LIMITES, E A ARTE SEMPRE VAI ROMPÊ-LOS. E QUEM PODE DETER A RESSACA DO MAR?” Uma atriz travesti interpretando Jesus é uma profanação ou
As pessoas elegeram esses políticos. Pra muitos deles, tudo aqui-
é uma abertura desse símbolo-mito a outros significados? O
lo que diverge da lógica patriarcal e coronelista deve ser elimina-
que é sagrado pra mim pode não ser pra ele, e vice-versa. Eu
do. Política e religião continuam interligados. Fala-se em deus e
gostaria de saber se ele se pronunciou a favor dos terreiros de
em família, e são nessas sagradas instituições que a pedofilia cria
candomblé atacados em 2017 e se exigiu uma apuração nesses
raízes, por exemplo, e não na arte. No passado e no presente, a
casos. Ou se ele está apenas utilizando-se do território neo-
arte deve figurar como uma corruptora da humanidade, um gér-
pentecostal do qual ele faz parte e que tem em andamento um
men nocivo a ser detido e cerceado. Você quer censura maior do
projeto de poder para o Brasil. Pra mim, é mais um caso de po-
que o desmonte do Ministério da Cultura e o descaso total com
liticagem através da moral e dos bons costumes, conceitos tão
os artistas em todo o Brasil? A cultura recebe migalhas de inves-
reais como um unicórnio.
timento enquanto as igrejas não pagam impostos. Talvez a diferença seja a de que hoje todos podem atuar como censores, expressando seu ódio e viralizando ele nas re-
Qual a diferença entre essas censuras ocorridas no Brasil do século 21 e as censuras relacionadas aos períodos de ditadura no
des sociais, assim sentem que estão cumprindo seu dever, colaborando para uma humanidade valorosa e decente.
século passado?
MAIKON K Em termos ideológicos, vejo pouca diferença. A cen-
O que sente um artista ao ser censurado?
sura sempre está ligada ao exercício da dominação, à legitimação da ignorância, ao impedimento de qualquer avanço, ao silencia-
MAIKON K
mento de vozes discordantes. A lógica censora continua como um
mais sentido ainda ser artista.
Vontade de continuar. Vontade de criar mais. Faz
legado nacional, incorporada nas pessoas “de bem”, mesmo em pleno neoliberalismo. A censura reaparece quando o caos se faz perceptível, quando o poder corre riscos de ruir. A censura é medo.
Como a arte pode vencer a censura?
Mudam os governos, adota-se a democracia, abrandam-se os discursos, mas a mentalidade política brasileira ainda carrega em seu
MAIKON K
DNA uma nostalgia do pau de arara, que encontra eco numa popu-
vencer a arte? E a resposta é: não pode. Porque a censura quer
lação que acha que precisa ser tutelada, seja por um deus salvador
pôr limites, e a arte sempre vai rompê-los. E quem pode deter a
ou por políticos e líderes moralizadores.
ressaca do mar?
p — 12
A pergunta devia ser outra: como a censura pode
dna de dan no 8º festival internacional de teatro de rua de porto alegre — foto: maia rubim
TREMA!_censura
p — 13
ENSAIO
p — 14
SOCIEDADE DO
ALGORITIMO JOÃO DIAS TURCHI jdturchi@gmail.com
N
unca entendi como funcionam os algoritmos. Era só nisso que eu pensava enquanto ia pra delegacia. A comunicação mediada pela internet me parece revolucionária e irreversível; isso que a gente escreve pra ser
lido por todo mundo ou ninguém, livros inteiros pelo WhatsApp só pra uma pessoa. Ficam numa nuvem infinita em que cabem diários banais, notícias de falecimento, fotos de recém-nascido, de sorrisos e corpos nus, conhecidos ou não. Também essa nossa expectativa de que o que dizemos e o que somos possa chegar a qualquer lugar da web, que significa, na verdade, chegar a qualquer lugar do mundo. E por que a gente acredita cada vez mais em mapas construídos por satélites quando nunca estivemos tão alheios aos espaços pelos quais percorremos?
TREMA!_censura
p — 15
ENSAIO A internet parece maior do que nossas fronteiras, do que os mu-
em que pouco importa a dimensão tangível das palavras. Elas, as
ros dos prédios, do que a ação da PM na Cracolândia, maior do
palavras, são desde já os fatos, por isso se uma multidão virtual
que a cidade em que a gente nasceu ou do que os requisitos mí-
promete colocar fogo em tudo, o incêndio já aconteceu, ainda
nimos para se tornar uma celebridade. Maior do que nossa inca-
que ninguém apareça com gasolina no dia seguinte.
pacidade de sair na capa de uma revista, de conhecer a Coreia do
Indo à cidade dos meus pais visitá-los no Natal, me sur-
Norte, de trepar com todos os vizinhos, de organizar uma festa,
preendi com o número de pessoas no aeroporto que segura-
uma manifestação e esperar a cada ano o fim do mundo. A inter-
vam o celular na frente do rosto e faziam um monólogo pra si
net é fascinante. Mas continuo sem entender como funcionam
mesmos e pra anônimos do outro lado da tela. Em geral, as falas
seus algoritmos.
começavam com saudações genéricas e partiam para opiniões
No banco de trás do carro do policial, ao lado da funcionária
pessoais sobre qualquer assunto: a loja de tapioca que só tem
agredida, tentava entender como uma imagem podia se conver-
queijo sem lactose, reclamações sobre atraso de voos, sobre a
ter em milhões de cliques, infinitas ameaças, muitas exclama-
bagagem que agora é cobrada, a voz irritante da funcionária da
ções, mas, ao vivo, em apenas uma dezena de pessoas raivosas.
Gol ou o fato de estar sentado na cadeira do meio. Fiquei me
Pela janela do carro, via a avenida sem trânsito do sábado. Vazia,
perguntando se seriam, todos eles, celebridades virtuais ou se as
essa avenida, sempre lotada de carros, me pareceu um diálogo
gravações fazem parte de um modus operandi de como deve ser
possível com essa ausência de pessoas na porta do museu .
a comunicação por vídeos.
1
A catástrofe à distância destrói muito mais. A primeira li-
Na porta do museu, quase todas as pouco mais de dez pes-
gação que atendi na manhã seguinte à noite em que o vídeo da
soas seguravam o celular na frente do rosto. Convocavam seus
performance se espalhou por diversas páginas de direita, come-
seguidores a também estarem ali e descreviam aquele como
çava com a frase: “Você não tem vergonha de ser pedófilo? A gen-
um ato bonito em defesa das nossas crianças. Mostravam a fa-
te vai dar um tiro em você”.
chada e o endereço do museu, repetiam seu próprio nome e a
Imagino que pegaram meu telefone no site do museu, um
página que administravam e liam, em voz alta, os comentários
funcionário, dentro de uma lista de vários outros. A voz parecia a
que recebiam em tempo real. Um deles tinha um equipamento
de um senhor fumante de classe média, provavelmente sexagená-
de luz para melhorar essas gravações. Às vezes, quando algum
rio, imagino que me ligou a caminho do banco, ou do supermer-
funcionário passava ao lado deles, narravam a cena como se a
cado, havia um ruído no fundo que dava a impressão de que ele
estivessem vivendo em terceira pessoa, ou fossem os âncoras
estava na rua. Tentei manter a conversa, ele me respondia frases
de um programa de entrevistas gravado num estúdio algumas
quase sempre iguais, sobre a vergonha de ser brasileiro, a vergonha
horas depois.
de serem esses os nossos museus e, de novo, o desejo de morte,
Foi durante uma dessas entrevistas informais que a agres-
como um aviso quase amigável, de cuidado, vocês podem levar
são aconteceu. Uma manifestante trazia um cartaz com fotos
um tiro qualquer dia desses. E aí também não adianta reclamar.
da performance. Uma das imagens, no entanto, não era da ação
Tive que explicar a performance muitas vezes pros delega-
ocorrida no museu. Ao tentar explicar isso, a funcionária come-
dos que foram averiguar a enxurrada de denúncias de pedofilia,
çou a ser gravada. Ela repetiu o gesto e mirou também seu celu-
pro Ministério Público, pra outros funcionários do museu mais
lar nos manifestantes, como uma defesa e também, me pareceu,
distantes do mundo das artes, pros meus amigos que se preocu-
apontando o ridículo desse diálogo mediado por uma câmera.
param comigo e pra parentes que, no fundo, temiam que as acu-
Mas a comunicação por celulares não aceita ser desacreditada e,
sações fossem verdade. Um homem nu manipula uma réplica do
ofendida, a manifestante começa a caminhar na direção da fun-
bicho de Lygia Clark no chão. Em seguida, convida o público que
cionária, obrigando-a a parar de filmar sua filha, uma criança de
o assiste a fazer o mesmo com suas articulações, como se fosse,
dez anos que tinha ficado escondida atrás dela até então. Dá um
ele próprio, o objeto. A nudez não tem qualquer teor sexual, pa-
tapa na mão mirando no celular, segura o punho como se ele fos-
rece tão óbvio. Ainda assim, essa é a frase que eu provavelmente
se eletrônico e não de carne e osso, e tenta arrancá-lo do braço,
mais repeti ao falar sobre a ação.
a mão uma mera continuidade do aparelho.
Mas a catástrofe agora é uma imagem. Uma criança tocando
A funcionária se refugia dentro do museu e agora, mais do
o pé do artista, incentivada por sua mãe, é uma representação
que antes, os dois lados se filmam, separados pela guarda muni-
intolerável, mais do que qualquer outra que já tenha circulado
cipal, produzem uma infinidade de memes a serem compartilha-
na internet, ao menos naquele dia. Sobre os algoritmos, descobri
dos pelas páginas na mesma noite. Em um deles, uma senhora,
finalmente o que é estar dentro de uma calamidade que atinge
a mesma que aparece no vídeo em que a filósofa Judith Butler
trending topics. A sensação é a de que não há outro assunto cir-
é perseguida no aeroporto de Congonhas, quando veio realizar
culando nas ondas da internet, de que todos os áudios escuta-
uma palestra no Sesc Pompeia, convoca todos a se levantarem
dos dentro do ônibus falam sobre isso, a rádio do motorista do
contra a ideologia de gênero no país.
táxi, as conversas de elevador; de que a revolução iria começar
Na delegacia, me senti como algoritmos saídos de um com-
com a invasão do museu. Esse é o problema dos algoritmos, eles
putador criando tendências de debate. De um lado, os mani-
chegam até você mesmo contra sua vontade e criam cenários
festantes de direita, que se apresentaram como membros dos grupos de Facebook São Paulo Conservador e Ativistas Indepen-
1 Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP, onde ocorreu a performance La bête, de Wagner Schwartz, em setembro de 2017.
p — 16
dentes; do outro, eu, a funcionária agredida e artistas que foram dar apoio. Estávamos diante uns dos outros, poderíamos conver-
wagner schwartz em la bête — foto: lenise pinheiro/folhapress
sar, chegamos mesmo a trocar algumas frases, ora amigáveis ora
web com maiúsculas, com avaliações negativas, com avalanches
acusativas (fascistas, pedófilos), mas, na maior parte do tempo,
de figuras vomitando. Essa estética do protesto virtual, aliás, vem
ficamos em silêncio mandando mensagens para pessoas que
sendo cada vez mais apropriada pela esquerda.
não estavam ali. Eles fizeram vídeos para os seguidores das suas
Entendi, finalmente, que os algoritmos são números, mas
páginas, acalmando-os. Nós mandamos mensagens de áudios
que neles comporta também uma estética. Me lembrei, na ver-
para nossos pares, tentamos emplacar pautas positivas na im-
dade, que a comunicação é sempre estética. Um primo que aca-
prensa, especialmente em páginas solidárias à questão da cen-
bou de entrar em Ciências da Computação me explicou que es-
sura nas artes.
ses códigos binários do computador que a gente não entende
O grito por escrito dentro do computador move um levante com o qual não estávamos acostumados. Existe uma apropria-
são, na verdade, frases e que o curso dele ensina, basicamente, a aprender sua tradução.
ção de certa estética da esquerda, basta reparar no nome dos
Como toda língua, essa também não é apenas objeto, mas
grupos (“ativistas independentes”) e no desejo de convocar a
sujeito das nossas relações, altera radicalmente o modo como
presença física de cidadãos para expressarem uma insatisfação
nos comunicamos. Língua não é cenário, é a cena em si. Os al-
conjunta. Na delegacia, a mulher que agrediu a funcionária pediu
goritmos são, então, uma língua, traduzidos de modo que pos-
respeito ao seu lugar de fala de mãe. Na frente do museu, músi-
samos entendê-los, mas que, invisíveis, afetam diretamente o
cas usualmente presentes em protestos de esquerda eram en-
modo como nos comunicamos. O jeito de sentir ódio. A estética
toadas, como “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo” e “Quem
do convencimento. As nossas tentativas de sermos escutados.
não pula é pedófilo”.
Mesmo ao vivo, em voz alta, os algoritmos mediam nossa comu-
Pouco importa, no entanto, que os manifestantes, de fato,
nicação, cada vez mais.
estejam fisicamente presentes no ato. Com exceção do fatídico
A ida à delegacia gerou um boletim de ocorrência, textos
domingo pró-impeachment, que de fato lotou a Avenida Paulis-
no Facebook, reportagens positivas para o museu e foi suficien-
ta, os demais protestos de grupos conservadores são marcados
te para afugentar a dezena de manifestantes que prometia estar
por muita gritaria, mas poucas pessoas. São sempre mais vazios
na entrada da instituição todos os dias pela manhã. Continuamos,
do que os de esquerda, por vários motivos, como não terem uma
no entanto, dentro dos nossos próprios códigos de programação,
base de apoio em movimentos sociais. Mas também porque
procurando, sem sucesso, traduzir essa experiência numa lingua-
para a estética dessa comunicação mediada, pouco importa a
gem mediada por códigos binários, lidos apenas por nossos pares,
presença física. Pouco importa, inclusive, se são mesmo pessoas
com curtidas aumentando exponencialmente de ambos os lados.
que interagem nas páginas com mensagens de repúdio ou robôs,
A internet é mesmo fascinante, mas acho que ainda não
programados para repetir a mesma frase. O importante é lotar a TREMA!_censura
consigo escutar os algoritmos. p — 17
pergunta
TREMA! 2/7
Via Twitter – @nadanovonofront retweetou Estadão – 19 de fevereiro de 2018
“GILMAR MENDES DEFENDENDO CENSURA PRÉVIA. HOJE TIRARAM O DIA PRA CHUTAR A CABEÇA DA DEMOCRACIA ENQUANTO ELA AGONIZA NO CHÃO”
DEMOCRACIA? ALGUÉM VIU
POR AÍ? p — 18
pergunta
TREMA! 3/7
Via Twitter – @mariadorosario – 18 de fevereiro de 2018
“CENSURA ONTEM E HOJE! EM 1980, A DITADURA MILITAR PROIBIU ELIS REGINA DE USAR CAMISETA COM A BANDEIRA, NO SHOW “SAUDADE DO BRASIL”. EM 2018, UM GOVERNO GOLPISTA, FAZ INTERVENÇÃO MILITAR NO RJ. SEU 1º ATO É PROIBIR A FAIXA PRESIDENCIAL Q RETRATA O VAMPIRO NO PODER. INACEITÁVEL!”
QUAL A DIFERENÇA ENTRE A
CENSURA
NO BRASIL DE ONTEM E HOJE? TREMA!_censura
p — 19
renata carvalho em o evangelho segundo jesus, rainha do céu — foto: leonardo pastor
NOTA DE PROCEDIMENTO
p — 20
O PERCURSO DE
O EVANGELHO SEGUNDO JESUS,
Rainha do céu NATÁLIA MALLO natmallo@gmail.com
O INÍCIO O texto foi escrito por Jo Clifford, dramaturga, escritora e
Ali nasceu um amor, uma parceria artística e uma com-
atriz britânica. Assisti à montagem original na Escócia, em
panhia internacional: Queen Jesus – Rainha Jesus – Reina
2014. Cheguei sozinha numa capela pequena, um pouco
Jesus.
fora de mão e distante do agito do festival. Fui recebida pelo pastor, eu ainda estava tonta pelo fuso horário e não sabia direito o que ia acontecer comigo. Entrei, sentei no
POR QUE JESUS?
banco da igreja e aguardei. Uma voz falou atrás de mim,
Jesus é um mito tão importante, tão introjetado no Oci-
reclamando dos bancos, resmungando. Vi uma senhora ali
dente. Um personagem que deu a mão a leprosos, pros-
e meu primeiro pensamento foi de que era uma moradora
titutas e agiotas. Alguém que pregou o amor, a tolerância
de rua, alguém inconveniente “atrapalhando” o espetá-
e a aceitação. Criticou a hipocrisia, os fazedores de leis
culo. Então, ela levanta e se aproxima falando o texto. Era
(eles mesmos sem moral) e os rituais vazios. E acabou
a atriz, era a Jo Clifford. Ali, ela já me mostrou meu pre-
crucificado por um crime político – perdoando, do alto
conceito, minha pouca disponibilidade para a empatia.
da cruz, aqueles que o crucificaram. Jesus nos oferece
Foi um choque. A peça me levou às lagrimas, me deu um
um arquétipo no qual a figura da travesti se encaixa por
soco no estômago e me acolheu, tudo ao mesmo tempo.
uma analogia bem clara. São elas que morrem diaria-
Não sou mais a mesma, pensei no final. É isso. A pessoa
mente nas ruas para nos lembrar que a sociedade ainda
não pode mais ser a mesma. Abracei a Jo e disse que que-
é extremamente violenta e intolerante, e que vivemos
ria trazer isso ao Brasil. Ela tirou o texto da bolsa e me
sob uma cultura de medo e repressão. Qualquer seme-
entregou. “Leva, é seu.”
lhança com o Brasil não é coincidência.
TREMA!_censura
p — 21
NOTA DE PROCEDIMENTO
PARÁBOLAS BÍBLICAS, HOJE
JESUS TRAVESTI
No espetáculo, parábolas bíblicas conhecidas são con-
Criar esse trabalho foi um grande desafio, um aprendiza-
textualizadas na atualidade. Os samaritanos, por exem-
do, uma construção. O processo foi longo, não porque o
plo (pensando na parábola do Bom Samaritano), eram
trabalho tivesse grandes demandas, mas porque era pre-
parte de um povo execrado. Podemos dizer que o mes-
ciso tempo para que eu entendesse do que estávamos
mo estigma pesa sobre as travestis. Esta parábola nos
falando, para que a confiança entre nós se consolidasse e
ensina que aquela que é excluída e negada pode ser jus-
para que pudéssemos viabilizar uma estreia. Foi graças a
tamente a que um dia vai te dar a mão. Mas não há um
uma produtora de São Paulo, a Núcleo Corpo Rastreado,
maniqueísmo nesse sentido, a travesti não ajuda o ho-
que essa peça viu a luz. Havia algumas barreiras, e a pri-
mem caído no chão (ignorado por um policial e por um
meira delas foi a transfobia.
religioso) porque é “boa”; ela ajuda porque sua humani-
O trabalho estreou no Filo – Festival Internacional
dade não lhe permite agir de outra maneira. É um res-
de Londrina e seguiu para uma temporada de dois meses
gate de um princípio de humanidade, compaixão, de ser
num Sesc de São Paulo, com ingressos esgotados. Desde
uma com o outro. É sobre alteridade. E esses são temas
então, o trabalho não para. Mas há muitos desafios. Exis-
universais, atemporais. A mulher adúltera, se a gente pa-
tem setores da sociedade que não enxergam a dimensão
rar e pensar, somos todas nós, constantemente violen-
poética e metafórica do trabalho. Acham que estamos
tadas pela sociedade e julgadas publicamente quando
afirmando que Jesus era travesti, não entendem o que
ousamos ser livres – haja vista termos neste país algo
é uma obra artística – e a liberdade que isso implica em
tão horrível como a cultura do estupro. A peça nos faz
imaginar mundos e possibilidades. Existe muita intole-
pensar nestes relatos, nestas parábolas, poeticamente.
rância, transfobia e preconceito. As pessoas acham uma
Mas são metáforas para lembrar de uma vivência muito
ofensa ter uma atriz travesti interpretando Jesus. E eu
concreta, infelizmente ainda muito real.
pergunto: por que é uma ofensa? Qual o demérito em ser travesti? Na minha opinião, nenhum. Consome muita energia administrar o ódio alheio e
RENATA CARVALHO
permanecer na escuta e na disponibilidade para o diálo-
Encontrei Renata através de uma postagem no Facebook,
go, com tantas vozes dissonantes. A partir de uma apre-
que felizmente foi compartilhada muitas vezes. Eu sabia
sentação cancelada por ordem judicial em Jundiaí (SP,
que havia atrizes trans, mas tinha receio de não me en-
em setembro de 2017), isso se tornou parte do trabalho
contrar com elas – não tinha pessoas trans ou travestis na
de um jeito muito forte. Tivemos que responder judi-
minha vida, hoje existem várias no meu círculo mais ínti-
cialmente, junto aos nossos contratantes, à imprensa.
mo. Então, fiz a convocatória misteriosa “Procura-se atriz
Lidamos com ameaças, mensagens de ódio e todo tipo
trans” e várias interessadas me escreveram. Pedi para
de boicote. Tudo isso, contudo, nunca nos fez pensar em
mandarem vídeos com uma leitura da peça e, ao ver a
desistir. Na verdade, confirmou a importância deste es-
Renata, não tive dúvidas. Para completar, era alguém que,
petáculo no Brasil de hoje. Ele é consistente e relevante,
coincidentemente, vinha sendo recomendada e indicada
e a grande resposta do público, que construiu uma ver-
por várias pessoas do meio.
dadeira rede de apoio, é prova disso.
Aproveito para falar da importância de realizado-
E acontece que fazer essa peça é também viver por
res das artes irem atrás de artistas trans para represen-
essa mensagem, de perdão e aceitação. É aceitar o apoio,
tar esses papéis. Muitas vezes são pessoas cisgêneras as
continuar buscando ampliar e diversificar nosso público,
convidadas para os trabalhos, e isso acaba minando a re-
e criar espaços de discussão saudáveis. Há uma satisfa-
presentatividade e a visibilidade de que essa população
ção imensa nesse trabalho, porque a gente vê a mudança
tanto precisa. Existem inúmeras pessoas trans, e também
acontecendo, gradual, como um trabalho de formiga. A
não binárias, aptas e preparadas para trabalhar nas artes.
peça ilumina uma questão complexa e traz novos enten-
Existe, inclusive, um manifesto nesse sentido (“Repre-
dimentos. Toca e sensibiliza. Transforma. O que mais pos-
sentatividade Trans Já”) que busca sensibilizar os artistas
so querer como artista?
sobre a importância da questão. Vale a pena ler. Renata é líder deste movimento e porta-voz da questão da representatividade trans. Ela é uma atriz completa, muito sen-
URGENTE
sível, de muita honestidade em cena. É muito tocante vê-
A questão da transfobia é urgente porque o Brasil é o cam-
-la atuar e felizmente, com este trabalho, o Brasil inteiro a
peão mundial em assassinatos de travestis e transexuais. É
conhece. Torço para que sua carreira continue crescendo
um problema social seríssimo e para o qual falta discussão,
e levantando essa questão nas artes cênicas.
visibilidade e políticas públicas. Deveria ser inadmissível
p — 22
uma população ser assassinada cruelmente, diariamente. Um grupo social viver na exclusão, na marginalidade e no abandono. Deveria haver uma reação imediata do Estado e da sociedade a cada caso em que isso acontece. E garanto que são muitos, e muito chocantes. É um quadro complicadíssimo. A gente atua no campo da arte e, a partir dele, o que podemos fazer é dar visibilidade a essa questão, colocar em pauta. Acho importantíssimo uma atriz excelente como a Renata Carvalho ter a chance de mostrar sua arte em espaços importantes e validados, isso cria uma mudança de percepção sobre a travesti. Precisamos dessa mudança, não só em relação a elas, mas a tantos outros grupos minorizados. A arte é uma ferramenta poderosíssima enquanto propositora de qualidades de representação.
MENSAGEM Muito se fala em mensagem. Ela é de amor, perdão e tolerância, e a peça resgata isso de interpretações que acabam justificando o preconceito e orientando práticas violentas. O Brasil exclui e mata em nome de Jesus. Essa é a tese deste texto: Jesus nunca disse que deveríamos excluir ou julgar qualquer pessoa. A gente trabalha para ver a sociedade amadurecer e superar ideias retrógradas e violentas, para quem sabe construir algo de melhor para o futuro.
O QUE ESPERAR – PARA QUEM NÃO VIU O público pode esperar histórias conhecidas, só que reinventadas. to grande, em um corpo político, atravessado por opressões, mas também cheio de vida, alegria, força. Provocação, mas também acolhimento. Pancadão, jazz e música sacra. Chanel e paetê. Lágrimas e sangue. Risos e verdades profundas. Mas verdades muito, muito simples. A Rainha Jesus abençoa todos e todas por igual.
TREMA!_censura
renata carvalho em o evangelho segundo jesus, rainha do céu — foto: leonardo pastor
Poesia. Uma força feminina mui-
#CE NS UR A L E ITURA V I SUAL Ana Lira
GALERIA
p — 24
TREMA!_censura
p — 25
ARTIGO
e o teatro da
censura arqueiro da etnia gavião — foto: marcelo camargo/ebc
p — 26
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram...
DÉBORA NASCIMENTO deboranascimento@gmail.com
N
esse pequeno trecho da longa carta que narra o encontro
a arte como instrumento a serviço do governo – conveniente-
do homem branco com os indígenas, Pero Vaz de Cami-
mente confundido com a ideia de nação. Para conquistar os ar-
nha expõe e oficializa em documento o primeiro dilema
tistas, cuja adesão lhes concedem prestígio, utilizam formas de
moral implantado neste país pós-descobrimento (pós-inva-
cooptação e chantagens sutis. Na negativa, usam da intimida-
são). Diga-se, dilema moral desse mesmo homem branco civi-
ção, do autoritarismo, da violência, da tentativa de apagamento.
lizado. Não do indígena. A chegada da Coroa Portuguesa a esta
Dentre todas as artes, o teatro é a maior vítima dessas opressões,
terra é o marco inaugural da opressão, da supremacia de uma
possivelmente por sua longeva e estreita ligação com o público,
etnia sobre outra, de um grupo social sobre outro, de uma arma
o coletivo, o povo.
de defesa sobre a outra, da pólvora sobre o arco e a flecha. Do
O teatro no Brasil começou através de uma parceria entre
autoritarismo contra a liberdade. Sob a mão do Império, indíge-
a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica. Com fins de catequese.
nas e, em seguida, negros foram, além da escravidão e dizima-
Mantenedora de uma companhia dramática e de um local de
ção, também as vítimas iniciais da germinação daquilo que, na
apresentação, a Coroa comandava toda a produção. Com a saída
República, seria conhecido como ditadura e um dos seus ins-
da Igreja dessa função, foi estabelecido um conselho ligado ao
trumentos insidiosos e ultrajantes: a censura.
Reinado, que fazia a avaliação das peças, formatando a censu-
A censura é a vigilância, a negação, a imposição, a punição, a
ra no país. Elas eram vetadas ou cortadas por motivos diversos.
tentativa de manipulação ideológica de um grupo opressor sobre
O pedestre, de Martins Pena, por exemplo, foi proibida porque o
outro, o oprimido. E a história brasileira é totalmente alinhavada
protagonista era um negro que ria de um policial branco. O dra-
por ela: a censura à vida indígena e africana, aos nomes africanos,
ma Dona Leonor Teles de Meneses (1845) recebeu veto por abordar
às religiões africanas, aos ritos africanos. Um dos exemplos foram
crimes da Família Real. Embora o conselho tenha sido extinto em
as rodas de samba realizadas nos terreiros de candomblé, no final
1897, após o fim da monarquia, ainda havia resquícios do tipo de
do século 19 e início do século 20. Eram tratadas como caso de
censura praticada pela organização durante a década de 1920. Os
polícia. Poucos anos depois, na década de 1940, com o carisma da
censores eram ligados ao teatro e tinham agora uma preocupa-
portuguesa abrasileirada Carmen Miranda e o sucesso do samba-
ção com a qualidade do texto.
-exaltação (exaltação ao país), o mesmo gênero musical, que foi
O teatro brasileiro, que era entendido como arte para agradar
maltratado, passava a ser utilizado como símbolo e orgulho nacio-
os governantes e a elite, desgarrou-se no meio do caminho, devi-
nal, produto de exportação, que podia circular nos altos salões da
do à sua própria natureza rebelde. Durante o Estado Novo (1930-
elite branca, dos que ocupava cargos de poder na sociedade.
1945), Getúlio Vargas, com ideais populistas, montou um aparato
Os governantes, principalmente os que preenchiam essas
para banir opositores e críticos. Fundou o Departamento de Im-
vagas executivas por vias não democráticas, demonstravam sen-
prensa e Propaganda (DIP), órgão diretamente ligado à presidência
tir-se mais representantes da nação do que o próprio povo ou
e responsável pela censura teatral, radiofônica e editorial – livros
mesmo seus artistas – que continuavam a ser vistos e tratados
passaram a ser, então, alvo de vigilância. A peça O rei da vela, de Os-
como palhaços da corte. Essas autoridades costumam entender
wald de Andrade, escrita 1937, só subiu aos palcos 30 anos depois.
TREMA!_censura
p — 27
ARTIGO Entre 1946, fim do Estado Novo, e 1964, início da ditadura militar, acontece uma brecha que coincide com os tempos otimistas da Era JK, na qual ocorre, além do crescimento econômico e a grande urbanização das capitais, uma efervescência cultural, tendo como principal expressão a Bossa Nova. Nessa época, foi criada uma nova forma de censura, a faixa etária. Os pais, que levavam tranquilamente seus filhos ao teatro, agora tinham um empecilho, que contribuiu para reduzir o público.
NELSON RODRIGUES Embora houvesse um abrandamento da censura, um dos autores mais censurados do período foi Nelson Rodrigues. Em 1947, a peça Anjo negro sofreu vários cortes e a proibição de ser encenada com um ator negro (Abdias Nascimento), pois continha cenas sensuais com uma atriz branca. Em seu lugar, foi usada a famigerada maquiagem black face. Em 1948, Álbum de família (1946) e Senhora dos Afogados (1947) foram interditadas. Em 1959, Boca de ouro saiu forçadamente de cartaz, mas voltou aos palcos ainda no mesmo ano. Nos anos 1960, os seus textos teatrais foram liberados, pois o foco da censura saiu do âmbito moral e voltou-se para o político. Nelson Rodrigues era um personagem contraditório no rol das vítimas da censura. Revolucionário do teatro brasileiro, inaugurou uma nova linguagem, pôs a fala das ruas nos palcos, criou relações interraciais, escandalizou plateias com histórias que implodiam a imagem da sagrada família tradicional brasileira. Saldo: sete peças censuradas. No entanto, ganhou a simpatia dos militares, pois era um crítico ferrenho da esquerda. “Não há autor, em toda a história dramática brasileira, que tenha sido tão censurado quanto eu. E, durante todo esse tempo, esperei ver do meu lado a classe teatral. Mas a classe, que faz comício até por um cano furado, ou por um ralo entupido, nunca levantou um dedo em meu favor.” Nelson, ao mesmo tempo, reclamava dos atores que se posicionavam politicamente. Nem Fernanda Montenegro escapou de sua crítica. O dramaturgo ganhou a eterna antipatia da esquerda ao duvidar que havia tortura no país durante o regime militar. Sua defesa veio abaixo quando seu próprio filho, o cineasta Nelson Rodrigues Filho, foi uma das vítimas. A pecha de persona non grata o perseguiu mesmo após sua morte em 1980, coincidindo com o período da anistia, do processo de redemocratização. Foi o jornalista Ruy Castro quem pôs de volta os holofotes no nome Nelson Rodrigues. p — 28
revista veja, publicação de 18 de setembro de 1968
laura cardoso com luis mello em vereda da salvação, dirigida por antunes filho - foto: emídio luisi/estadão
Munido da reputação conquistada com o livro Chega de sauda-
na TV fizeram tanto sucesso, que a antiga expressão “É batata!”
de, Castro convenceu a Companhia das Letras a lançar a biografia
voltou ao cotidiano do país.
O anjo pornográfico e reeditar os livros do escritor. A editora não
Nelson frequentava alegremente programas de televisão
queria relançar o trabalho de um autor que foi contra os estu-
numa época em que a TV se tornava um veículo bastante popu-
dantes, a esquerda. Além de tudo, considerava o seu trabalho
lar e, por isso, vigiado pelo governo. Tudo deveria se submeter
mediano. Para provar o contrário, o biógrafo escreveu a publica-
ao crivo dos departamentos de censura. As novelas tinham seus
ção no estilo do biografado. A força da obra rodriguiana venceu.
textos cortados, modificados. As opressoras notificações da cen-
Ele também foi definitivamente reconhecido como o maior es-
sura federal do Ministério da Justiça, que apareciam antes da exi-
critor do teatro brasileiro. Os títulos que ganharam adaptações
bição das produções televisivas, eram tão recorrentes que passa-
TREMA!_censura
p — 29
zé celso e renato borghi juntos na remontagem do espetáculo rei da vela 50 anos depois de sua estreia em 1967 - foto: jennifer glass
ram a ser vistas pela maioria da população como algo intrínseco
a usar jeans, a se vestir, se portar e até falar como “americano”.
à TV. Ao ver o documento oficial na tela, com a assinatura dos
Com o golpe militar na América Latina arquitetado justamente
responsáveis pela análise do conteúdo que seria exibido, o gran-
por aquele país, como uma forma de barrar o possível avanço do co-
de público enxergava naquilo uma espécie de zelo, de cuidado
munismo no continente, na época da Guerra Fria, o Brasil deixava de
do governo com a população, uma missão moralizadora em prol
lado suas ambições de se tornar um país soberano e desenvolvido,
dos bons costumes. Havia, também, os que cobravam do poder
e passava a ser capacho dos EUA. No dia 31 de março de 1964, tro-
executivo mais rigor na censura.
pas saídas de Minas Gerais e São Paulo avançaram sobre o Rio. Jango refugiou-se no Uruguai. Uma frota de navios norte-americanos veio contribuir com a implantação da ditadura. Mas, assim como os
TV, GOLPE
portugueses em 1500, ficaram surpresos ao constatar a não reação dos brasileiros. No dia 1º de abril, o Congresso Nacional declarou a
A atenção à TV era prioridade do governo, devido ao seu maior al-
vacância da presidência e os militares assumiram.
cance. A novela Selva de pedra (1972), por exemplo, teve sua história
A explicação da facilidade da instauração desse golpe talvez
modificada. A primeira versão de Roque Santeiro foi proibida e tam-
resida no espírito pacífico (ou passivo?) dos brasileiros, ou ainda no
bém a exibição de O lago dos cisnes – porque seria interpretado pelo
clima instalado bem antes, a partir do começo da gestão de João
balé russo Bolshoi. Assim como o rádio na Era Vargas, a TV foi o canal
Goulart, em agosto de 1961. O Instituto de Pesquisas e Estudos So-
ideológico do golpe militar. Recebeu investimentos para ser o veí-
ciais (Ipes) passou a exibir nos cinemas, antes das projeções, infor-
culo de manipulação das massas. Não é à toa que a TV Globo inau-
mativos. Esses breves noticiários, bem ao estilo norte-americano,
gurou suas transmissões praticamente um ano depois do golpe, e a
abordavam a crise econômica, a inflação e a recessão, através de
Excelsior, então líder de audiência, faliu. Seu proprietário, o empre-
textos alarmistas sobre uma instabilidade social e política no país.
sário Mário Wallace Simonsen, que era contra o golpe militar, passou
Por trás desses textos bem-escritos, estava um nome que se torna-
a sofrer sanções financeiras. Tentou resistir, mas acabou decretando
ria célebre na literatura nacional: Rubem Fonseca. Esses filmezinhos
falência em 1970.
conspiradores contribuíram para lançar a ideia de que o Brasil pre-
A TV Globo recebia investimentos do governo brasileiro e es-
cisava ser salvo. E não era por Che Guevara, que, em 1961, havia sido
trangeiro, e se tornou o principal canal de divulgação dos enlatados
condecorado em Brasília pelo então presidente Jânio Quadros. Uma
norte-americanos. As novelas passaram a ter, além da trilha sonora
semana depois, este renunciaria, alegando as famosas “forças terrí-
nacional, a internacional, que contava com 95% de música norte-a-
veis”. Seu vice, Jango, assumiria e, três anos depois, sofreria o golpe.
mericana, o que ajudou a popularizar a língua inglesa no país, quan-
No início da ditadura de 1964, houve uma tentativa de apro-
do o ensino mais popular nas escolas ainda era o do francês. Tudo foi
ximação e de cooptação dos artistas. O general Castelo Branco era
moldado à cultura dos Estados Unidos. De repente, todos passaram
visto nas casas de espetáculos, recebia a classe artística para reu-
p — 30
niões, acatava pedidos. Com menos de dois meses empossado,
A partir de 1965, começam a surgir os primeiros ataques da dita-
indicou a crítica e pesquisadora teatral Barbara Heliodora para a
dura contra o teatro. Em março, houve, no Rio, a primeira proibição
direção do Serviço Nacional de Teatro. Possivelmente, o então cli-
total de um texto, O vigário, de Rolf Hochhuth, que denuncia a omis-
ma ameno nas artes tenha motivado essa expectativa do governo
são do Vaticano sobre o nazismo. Em maio, a atriz Isolda Cresta foi
sobre um possível apoio da classe artística. Afinal de contas, ainda
presa por ter lido um manifesto contra a intervenção na República
na década anterior, havia uma boa relação entre artistas e o poder
Dominicana. Em julho, O berço do herói, de Dias Gomes, foi proibido
executivo. A Bossa Nova, por exemplo, servira de trilha sonora para
de estrear. Vários textos foram vetados e os que se apresentaram
o ambiente desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek e
sofreram cortes, como Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e
tivera sua carreira internacional impulsionada com o concerto no
Flávio Rangel. No Rio, houve invasão de um teatro para impedir a
Carnegie Hall, em 1962, com apoio do governo João Goulart. Os mi-
realização de um debate sobre Brecht. Em Maceió, o elenco carioca
litares conjecturaram que teriam esse mesmo esteio de prestígio.
que apresentava Joana em flor, de Reinaldo Jardim, foi detido.
Até meados da década de 1960, a pauta teatral era ocupada
Em agosto, os artistas entregaram a Castelo Branco uma carta
com montagens inofensivas, como a comédia romântica Descalços
com 1.500 assinaturas protestando contra as censuras. Em outubro,
no parque, de Neil Simon. A exceção radical era Nelson Rodrigues.
ainda confiantes nas instituições, enviaram um telegrama à Comis-
Mas suas peças não tinham teor político. Coincidentemente, a par-
são de Direitos Humanos da ONU. As iniciativas foram inócuas e a
tir da metade do ano de 1964, o teatro brasileiro passou por uma
classe teatral descobriu que estava à própria sorte.
transformação. O TBC, Teatro Brasileiro de Comédia, encenou, em
Em 1967, o Oficina apresentou O rei da vela como seu “espetá-
julho de 1964, Vereda da salvação, de Jorge Amado, dirigido por An-
culo-manifesto”. A temporada em São Paulo foi a mais conturbada,
tunes Filho. Fracasso de bilheteria, provocou o fim da companhia.
pela reação do público. Naquele ano, outras peças tiveram menos
Em São Paulo, o Teatro Oficina, depois de Pequenos burgueses, mon-
sorte, sofreram mutilações no texto, como Dois perdidos numa noite
tou Andorra, de Max Frisch, evidenciando o posicionamento diante
suja, Navalha na carne (ambas de Plínio Marcos) e Volta ao lar (Harold
da situação política. Em maio de 1964, a imprensa discutia se a en-
Pinter), ou foram proibidas, como as peças engajadas O homem e o
cenação de Antígona era uma crítica às ditaduras. Em Leopoldina
cavalo, de Oswald de Andrade, e Os sinceros, de César Vieira (pseudô-
(MG), a montagem de A invasão, de Dias Gomes, foi interditada por
nimo de Idibal Almeida Pivetta, advogado de presos políticos).
um pedido da alta sociedade local. Em dezembro, se tornou um fe-
Em julho de 1968, a milícia paramilitar Comando de Caça aos
nômeno o politizado show Opinião, no Arena, dirigido por Augusto
Comunistas invadiu, em São Paulo, o teatro onde era apresentada
Boal e com canções sobre os problemas sociais interpretadas por
Roda viva, de Chico Buarque, espancando vários membros do elenco,
Nara Leão (depois por Maria Bethânia, em sua estreia como canto-
destruindo o cenário e os equipamentos, despindo as atrizes, como
ra), João do Vale e Zé Kéti, com texto de Armando Costa, Oduvaldo
Marília Pêra, e obrigando-as a irem para a rua. Em seguida, fugiram
Vianna Filho e Paulo Pontes.
numa perua. No entanto, três dos criminosos foram detidos pe-
TREMA!_censura
p — 31
ARTIGO
pedofilia, obra de alessandra cunha apreendido sob o crivo de apologia à pedofilia
los atores e entregues à polícia, que os liberou. Em setembro, no
No foco da resistência, artistas de teatro e cinema, como Tônia Car-
Rio Grande do Sul, foi repetida a mesma agressão e o espetáculo,
rero, Paulo Autran, Norma Benguel, Oduvaldo Vianna Filho, Osval-
proibido. A violência seguiu com atentados à bomba no Teatro Gil
do Loureiro, Flávio Rangel, Norma Blum e Cecil Thiré, protestaram,
Vicente (RS) e Opinião (RJ). A atriz Cacilda Becker, por pressão do
na sede da Associação Brasileira de Imprensa, contra a invasão e
governo, foi demitida da TV Bandeirantes.
depredação do Teatro Ruth Escobar e as agressões no Roda viva.
p — 32
criança viada, obra de bia leite inspirada no tumblr criado pelo jornalista e ativista lgbt iran giusti
Em 13 de dezembro de 1968, a situação agravou-se. No ano em
transição democrática. E em 3 de agosto de 1988, a censura estava
que se intensificaram os protestos contra a ditadura, com a Pas-
oficialmente extinta no Brasil.
seata dos Cem Mil, o Governo Militar, sob o comando de Médici, decretou o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), o “golpe dentro do golpe”. Cassou mandatos, suspendeu a imunidade parlamentar,
NOVA VELHAS CENSURAS
a estabilidade dos funcionários públicos, a vitaliciedade dos magistrados e outros direitos constitucionais. A partir dessa data, a
No entanto, é preciso estar atento e forte. Em 2017, o Brasil se viu dian-
censura foi oficializada, sendo a imprensa a mais atingida. Qual-
te do fantasma da censura a partir de alguns episódios lamentáveis,
quer obra artística passaria por censores. Foram cortados e veta-
como a interrupção da exposição Queermuseu no Santander Cultural,
dos livros, filmes, novelas, músicas e peças de teatro – arte mais
em Porto Alegre; a proibição, em Jundiaí (SP), da peça O evangelho se-
alvejada pela censura.
gundo Jesus, rainha do céu, porque o protagonista seria interpretado
Antes de 1968, os vetos eram realizados pelos estados, depois
por uma atriz trans; em Campo Grande (MS), o quadro Pedofilia, em
passaram a ser centralizados em Brasília, dificultando o trabalho dos
exposição no Marco (Museu de Arte Contemporânea), foi apreendido
produtores e diretores teatrais. Os teatros do Rio e de São Paulo de-
pela polícia, sob a inaceitável acusação de “crime de apologia à pedo-
clararam greve, com a adesão de Cacilda Becker, Glauce Rocha, Tônia
filia”; em Cuiabá (MT), um quadro do artista plástico Gervane de Paula
Carrero, Ruth Escobar e Walmor Chagas. Para se defender da possi-
foi retirado sob acusação apologia ao uso do crack. Nos dois casos, as
bilidade de um ataque do Comando de Caça aos Comunistas (CCC),
obras tentavam expressar o contrário.
o Oficina, que propunha uma proximidade maior na relação palco-
Nestes tempos em que o Facebook censura e pune com blo-
-plateia, pôs uma grade de madeira que descia no fim da peça Prisão
queio os perfis de usuários que postarem obras de arte com corpos
de Galileu, de Brecht. O cenário era uma espécie de metáfora para a
nus, mesmo que sejam clássicos da história da arte, o coreógrafo
realidade. José Celso Martinez Corrêa e Augusto Boal precisaram se
Wagner Schwartz sofreu ataques virtuais e ameaças de morte por-
exilar. O clima de tensão e a campanha difamatória contra os artistas
que fez uma performance nu, no Museu de Arte Moderna (SP), e uma
ia contribuindo para o esvaziamento dos teatros.
amiga sua se aproximou com a filha.
Mas as tentativas de cooptar e calar o teatro não surtiram efei-
O novo macarthismo moral destrói rapidamente reputações
to. Houve resistência. Das companhias que conseguiram sobreviver,
com posts, likes, compartilhamentos e exposição de pessoas, até me-
destacam-se o Grupo Tapa, o Teatro Oficina de Zé Celso e o grupo
nores de idade. Tudo isso por um corpo “sem coisa alguma que lhe
do diretor Antunes Filho. Nos anos 1970, surgiram grupos teatrais
cobrisse suas vergonhas”, algo que ainda abisma, tal qual abismou
como o Dzi Croquettes, Ornitorrinco e Asdrubal Trouxe o Trombone,
Pero Vaz de Caminha mais de 500 anos atrás.
cujo humor era o prenúncio de um novo tempo. Em 1985, houve a TREMA!_censura
Mirem a verdadeira vergonha do país. Não pousem os arcos.
pergunta
TREMA! 4/7 Via Twitter – @JornalOGlobo – 19 de fevereiro de 2018
“PRESIDENTE DO TUIUTI NEGA CENSURA SOBRE AUSÊNCIA DA FAIXA DO VAMPIRO.” HTTPS://GLO.BO/2EGLDXJ
pergunta
TREMA! 5/7 Via Twitter – @FernandoHoliday – 20 de fevereiro de 2018
“NUNCA HOUVE CENSURA CONTRA A ESCOLA DE SAMBA: O ‘VAMPIRÃO’ SÓ NÃO USOU A FAIXA PRESIDENCIAL POR TER PERDIDO O ADEREÇO” HTTP://WWW.OREACIONARIO.BLOG.BR
(Deixe sua(s) Pergunta(s) Trema! aqui) p — 34
pergunta
TREMA! 6/7
Via Facebook – Alessandro Tantra – outubro de 2017
O FACEBOOK ADORA ME CENSURAR!!! ESTOU IMPOSSIBILITADO DE PUBLICAR E PARTICIPAR DE GRUPOS ATÉ O DIA 04 DE NOVEMBRO. ISSO JÁ TEM ACONTECIDO TAMBÉM COM O PERFIL DO ALEXANDRE M. PITTA. ISSO SÓ MOSTRA QUE ESTOU NO CAMINHO CERTO, POIS EU INCOMODO! QUE BOM. AGRADEÇO A TODOS OS ANJOS, ARCANJOS, MESTRES ASCENSOS, SERES GALÁCTICOS E A FONTE PRIMORDIAL, DEUS PAI/ MÃE. GRATIDÃO POR TODO O APOIO, PROTEÇÃO, FORÇA, PACIÊNCIA, RESISTÊNCIA, PERSISTÊNCIA… PRECISO DISSO TUDO!
E SE FOSSE IMAGEM DE VIOLÊNCIA? TREMA!_censura
p — 35
CENSU GERM INTERVENÇÃO
JÚNIOR AGUIAR
aguiarecife@hotmail.com
N
ós sempre partimos do ponto imprescindível de defender
gendo o fértil poder de redefinir campos culturais e sociais, in-
a liberdade, a libertação das ideias e do próprio ser huma-
fluenciando novas visões de mundo e novos comportamentos
no, de valorizar que a arte possui esse campo de trans-
estabelecidos entre todas as nossas relações.
cendência que pode ir além dos padrões convencionais, muitas
A arte não existe em nenhum campo neutro. Deve pro-
vezes reacionários, e atingir novas representações para o nosso
vocar, impressionar, incomodar, encantar, fazer ver e pensar a
tempo, sendo até mesmo, uma arte realmente contemporânea
realidade por ângulos diversos, divergentes, ressonantes, agre-
ou até mesmo visionária, estando a frente do seu tempo, abran-
gadores, convergentes. Arte é abertura, pluralidade, mediação.
p — 36
URAR MINAR Portanto, vamos pensar melhor no papel do curador e das cura-
frentar críticas que não reconhecem esses pontos de van-
dorias, interligando todos os agentes de formação dos campos
guarda? Como responder a uma sociedade conservadora que
educacionais, a própria imprensa com seu papel histórico de
busca restringir o pensamento? Qual o nosso verdadeiro po-
cobertura e legitimação, para gerarmos nossa defesa, nosso
sicionamento?
contra-ataque, nossa reação diante dos últimos fatos estarrecedores de censura contra nossa arte brasileira. Existe limite? Devem existir regras? Normas? Como enTREMA!_censura
Vamos continuar reivindicando e resistindo ao nosso direito à liberdade, afinal, “arte sem liberdade é arremedo, tentativa. É, no máximo, entretenimento.” p — 37
OU
INTERVENÇÃO
foto símbolo da trilogia vermelha. atores daniel barros, márcio fecher e júnior aguiar deitados dentro do brasil. foto – diego de niglio
p — 38
“ENQUANTO REINAR A TIRANIA, NÃO HAVERÁ FELICIDADE” glauber rocha
TREMA!_censura
p — 39
“MAS APESAR DE A VIDA EM SI IMPLICAR A LIBERDADE, ISTO NÃO SIGNIFICA, DE MODO ALGUM, QUE A TENHAMOS GRATUITAMENTE. OS INIMIGOS DA VIDA AMEAÇAM CONSTANTEMENTE. PRECISAMOS, POR ISSO, LUTAR ORA PARA MANTÊ-LA, ORA PARA RECONQUISTÁ-LA E ORA PARA AMPLIÁ-LA” paulo freire
p — 40
“QUANDO JOVENS DESCOBREM OS GRANDES, OS VERDADEIROS PROBLEMAS HUMANOS, ELES SE TORNAM ESPECIALISTAS EM AJUDAR A DESPERTAR A CONSCIÊNCIA DAS PESSOAS DE BOA VONTADE QUE NO MUNDO INTEIRO SÃO MUITO MAIS NUMEROSAS DO QUE A GENTE PENSA. BASTA! BASTA DE ABSURDO! ATÉ QUANDO NÓS VAMOS FICAR NESSE IMPASSE?! ATÉ QUANDO?!” dom helder câmara
TREMA!_censura
p — 41
INTERVENÇÃO
pinte e pense:
QUAL É O SEU POSICIONAMENTO EM RELAÇÃO A CENSURA ATUAL? p — 42
(imagem dos presidentes brasileiros na ĂŠpoca da ditadura civil-militar) TREMA!_censura
p — 43
CADERNO ENTREVISTA
PRATIQUE UM ATO DE CENSURA
p — 44
plateia censurada, pa(ideia) — foto: rogério alves
TREMA!_censura
p — 45
pergunta
TREMA! 7/7
imagens de artistas anônimos, ao estilo agit-prop, que são apresentadas no instagram com #coleraalegria
Via Twitter – @bravonline – 20 de fevereiro de 2018
+ “EM UM PERÍODO MARCADO POR CENSURA E INTOLERÂNCIA, AS INSTITUIÇÕES DE ARTE TÊM POUCO DO QUE SE ORGULHAR. VEJA O NOVO EPISÓDIO DA NOSSA TEMPORADA PANORAMA, QUE FAZ UM BALANÇO DAS ARTES VISUAIS EM 2017 PARA PENSAR ONDE ESTAMOS E PARA ONDE VAMOS.” HTTP://BRAVO.VC/SEASONS/S04E02
PARA ONDE VAMOS? SE DEIXAREM? p — 46
EXPEDIENTE TREMA! revista de teatro EDIÇÃO DA censura ANO 3
#11
MARÇO 2018
COORDENAÇÃO TREMA! PLATAFORMA DE TEATRO Mariana Rusu e Pedro Vilela
CONSELHO EDITORIAL Mariana Rusu, Olívia Mindêlo, Pedro Vilela e Thiago Liberdade
EDIÇÃO Olívia Mindêlo
PROJETO GRÁFICO Thiago Liberdade
PROPONENTE DO PROJETO Mariana Rusu
COLABORADORES DA EDIÇÃO* Olívia Mindêlo, Maikon K, João Dias Turchi, Natália Mallo, Ana Lira, Débora Nascimento, Júnior Aguiar e Rogério Alves *As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
PLATAFORMA TREMA! tremarevista@gmail.com tremaplataforma@gmail.com facebook.com/tremaplataforma www.tremaplataforma.com +55 (81) 9 9203 0369 | (81) 9 9223 5988
Tiragem: 500 exemplares (por edição) Impresso pela Brascolor ISSN: 2446-886X
Edição da CENSURA | Nº #11 | Ano #3 | Recife, Março de 2018
Realização:
Incentivo:
A TREMA! Revista de Teatro de Grupo é uma publicação com incentivo do FUNCULTURA – Fundo de Incentivo a Cultura de Pernambuco.
TREMA!_censura
p — 47
ISSN: 2446-886X
sf 1 Ação ou efeito de censurar. 2 Exame de trabalhos artísticos ou de material de caráter informativo, a fim de filtrar e proibir o que é inconveniente, do ponto de vista ideológico ou moral. 3 Grupo de pessoas responsáveis por esse exame. 4 Departamento onde trabalha esse grupo de censores. 5 Autoridade ou função de censor. 6 Exame crítico de trabalhos artísticos ou informativos: 7 Reprovação ou crítica desfavorável; desaprovação. 8 Advertência enérgica; repreensão ou reprimenda severa 9 REL Mecanismo psíquico em que os desejos e impulsos condenáveis são controlados e reprimidos no consciente; censor. 10 Pena leve aplicada por algumas instituições, conforme o regimento disciplinar ou o código de conduta. 11 REL Pena disciplinar aplicada ao pecador, com o intuito de reparar a culpa. 12 REL Condenação de obras artísticas por parte da Igreja.
p — 48