TREMA! Revista - Edição da Violência [02]

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TREMA! revista de teatro de grupo

EDIÇÃO DA violência

ANO 1

#2

AGOSTO 2015


onde está a

violência?

pergunta

TREMA!1/5

"No coração das pessoas" KADNA CORDEIRO PROFESSORA DE MÚSICA


EDITORIAL Onde está a violência? Eis a pergunta que nos persegue ao longo das próximas páginas. Trazemos a questão, mas não a resposta, como parte do tema que propomos debater nesta segunda edição da revista TREMA!. Trazemos, assim, abordagens possíveis. Para tanto, contamos com o olhar de diferentes colaboradores, pois acreditamos na relativização de "verdades" como maneira de reduzir ou ao menos fomentar a perspectiva crítica em torno dos danos causados pelas violências; institucionalizadas, naturalizadas ou escancaradas entre nós. No Recife, o tema ecoa das palavras do professor, pesquisador e especialista em artes cênicas Rodrigo Dourado, que discute a relação entre a cidade e o trabalho desenvolvido pelo Coletivo Angu de Teatro. E então inicia o nosso debate: "O Recife é uma metrópole violenta. Nisso, não há nenhuma novidade: dão provas as estatísticas que mantiveram, por anos, a capital pernambucana no topo do ranking das cidades mais violentas do Brasil. Mas a violência de que falo não diz respeito somente à criminalidade, está espraiada por todos os aspectos das vidas dessas quase 4 milhões de pessoas que habitam o seu entorno selvagem". O ator e diretor Francis Wilker, fundador do Teatro do Concreto (DF), faz uma abordagem de fôlego sobre a questão da violência, indo de dentro para fora dos palcos, e vice-versa. Trabalha as violências praticadas no meio artístico e como os grupos podem explorar o tema em cena. E então parece ir ao cerne da questão: "Numa aproximação mais metafórica do sentido de dano, esse mal que se faz a alguém ou que nos fazem, parece gerar uma espécie de dor. Lembro-me agora de um poema da Cecília Meireles que começa assim: 'Onde é que dói na minha vida, para que eu me sinta tão mal?'. O diretor Diogo Liberano (RJ) engrossa o caldo quando fala sobre o processo de criação de sua peça "Concreto armado" e Daniele Avila Small estabele o diálogo com ele, ao escrever sua crítica sobre o espetáculo carioca. Já Maria Fernanda Vomero, jornalista, artista e mestranda em pedagogia do teatro, aponta uma luz sobre a emancipação criativa em zonas de conflito e tece seus argumentos questionando por que as artes cênicas e performativas podem ser meios de resistência ética e estética em contextos de opressão e violência. Seu foco de observação, neste caso, é o território palestino e como o Freedom Theatre atua no local, promovendo os direitos humanos a partir do teatro. Pedro Vilela trata de questão semelhante, mas aponta exemplos sul-americanos em contextos de ditaduras estatais apoiadas pelos Estados Unidos. No campo visual, o artista e designer Mozart Fernandes (SP) e o Galpão do Dirceu (PI) dão suas contribuições ao tema, também comentado em entrevista com Rodrigo Mercadante (Cia Tijolo, SP). Por fim, seja qual for a abordagem, todos queremos fomentar a reflexão e a rede entre os que ensejam diferentes perspectivas sobre a realidade. Ou sobre a ficção.

RECIFE, AGOSTO DE 2015

TREMA!_violência

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colaboradores desta edição DANIELE AVILA SMALL Doutoranda em artes cênicas pela Unirio, idealizadora e editora da revista "Questão de crítica". Integra o coletivo Complexo Duplo e a DocumentaCena

FRANCIS WILKER

DIOGO LIBERANO

Professor, pesquisador, performer

Artista-pesquisador graduado em

e encenador. Diretor artístico

artes cênicas – direção teatral pela

do grupo brasiliense Teatro do

Universidade Federal do Rio de

Concreto. Atua como Curador do

Janeiro (UFRJ) e pós-graduando pelo

Cena Contemporânea – Festival

Programa de Pós-Graduação em Artes

MOZART FERNADES

Internacional de Teatro de Brasília. É

da Cena (PPGAC) da mesma instituição.

Artista plástico que utiliza variadas

mestre em Artes Cênicas pela ECA-USP

É professor da Faculdade CAL de

linguagens em seu trabalho

e colabora com o site Teatrojornal e

Artes Cênicas e diretor artístico da

e tem carreira reconhecida

outras publicações na área de teatro.

companhia carioca Teatro Inominável.

– Plataforma de Crítica.

RODRIGO DOURADO

internacionalmente. Tinta, spray,

Professor do Departamento de Teoria

papel, ferro, tela, vídeo, cola. Suas

da Arte e Expressão Artística da

personagens, que há dez anos habitam

Universidade Federal de Pernambuco

muros, portas, caixas e outros suportes

(UFPE). Doutor em artes cênicas

nas ruas de cidades como São Paulo,

pela Universidade Federal da Bahia

Recife, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,

GALPÃO DO DIRCEU

(UFBA), mestre em comunicação

Berlim, Amsterdam, Bruxelas, Londres,

Desde 2013, se propõe como espaço

pela UFPE. Desenvolve pesquisa na

Lisboa, Paris, NY, Detroit, Singapura,

GALPÃO DO DIRCEU

não-oficial localizado na periferia

área de performatividade e teatro

Barcelona, Cidade do México, fazem

da cidade, região do Grande Dirceu.

MARIA FERNANDA VOMERO

contemporâneo; sexualidades

parte de três séries nas quais o artista

É pensando como um ambiente,

Jornalista, artista e mestranda em

e teatro. É também tradutor,

expõe sua visão sobre seu universo e

uma plataforma comum que abriga

pedagogia do teatro no Programa

dramaturgista e fundador/diretor

a forma que enxerga as relações. São

artistas, projetos independentes,

de Artes Cênicas da Universidade de

do grupo Teatro de Fronteira, com

elas: "Foda-me com amor","Isso não é

co-produções, oficinas e ações que

São Paulo (USP).

atuação no Recife.

poesia" e "Tanto faz são estas".

dividem um espaço e uma política.

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IMPRIMIR O QUE VOCÊ TEM DE MELHOR, É O NOSSO COMPROMISSO. Av. Norte Miguel Arraes de Alencar, 3311 Rosarinho | Recife | PE | 52041-080 Fone: (81) 3366.9000 |www.brascolor.com



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TREMA!_facção

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#VIOLÊNCIA LEITURA VISUAL

Mozart Fernandes

MUITAS FACES DA VIOLÊNCIA: DOS CONTEXTOS DE PRODUÇÃO À EXPERIÊNCIA DA CENA

FRANCIS WILKER franciswilker@gmail.com

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N

as linhas que se seguem, procuro apontar algumas reflexões sobre o tema da violência considerando duas dimensões da prática dos coletivos teatrais: a primeira diz respeito às

dinâmicas do contexto de produção (micro e macropolítica); a segunda se dedica aos traços estilísticos evidenciados pelas resultantes cênicas, ou seja, como o tema atravessa a cena e seus processos de criação. 13 “CENAS” DA VIDA REAL OU A NÃO FICÇÃO: Cena 1 - Um diretor diz a uma atriz: "Você está fazendo sempre a mesma coisa, nada me surpreende mais, tudo é conhecido, repetitivo". Cena 2 - O resultado de um edital, talvez, diga ao proponente: "O seu projeto é fraco, não está claro, pode ser que não tenha mérito ou relevância artística, o seu currículo é frágil".

"Quando um corpo 'encontra' outro corpo, uma ideia, outra ideia, tanto acontece que as duas relações se compõem para formar um todo mais potente, quanto que um decompõe o outro e destrói a coesão das suas partes".

Deleuze

Cena 3 - Um amigo diz a um ator: "Você está com uma peça nova, né? Pode descolar um convite pra mim? Depois a gente sai e toma uma cerveja!". Cena 4 - A patrocinadora diz ao artista: "Preciso que a minha logomarca fique maior no cartaz. Será que daria para o logo do grupo ficar de fora do material?". Cena 5 - Um ator diz ao outro: "Desculpa o atraso, não acordei na hora e você sabe que demora passar ônibus lá no meu bairro". Cena 6 - Uma atriz diz a um diretor: "Não estou tendo tempo de decorar o texto". Cena 7 - Um espectador diz ao amigo do lado na saída: "Você me fez sair de casa pra ver isso? E ainda tive que pagar?".

Cena 8 - O governante diz à sociedade: "Esse fundo deveria ser utilizado para outras medidas prioritárias do governo, não pode ficar exclusivo para os projetos dos artistas. Os artistas estão se tornando praticamente funcionários públicos e não é papel da Secretaria de cultura sustentar artista". Cena 9 - Um ator aborda uma espectadora e, repentinamente, lhe dá um beijo na boca. Cena 10 - Uma assistente de direção diz a uma atriz: "Por que você merece receber mais que eu sendo que estou aqui em todos os ensaios, nas reuniões extras, na montagem e na desmontagem do espetáculo e você apenas no ensaio e na hora da apresentação?". Cena 11 - Um ator diz ao grupo: "Vocês precisam respeitar o meu ritmo, o meu tempo". Cena 12 - Um jornalista diz ao artista: "Precisei diminuir a reportagem, porque entrou um anúncio na página, as fotos estavam lindas, mas não tinha espaço". Cena 13 - O representante da grande estatal diz ao diretor: "Embora não tenhamos feito o contrato e o repasse do patrocínio por algum problema interno, sugiro que não entrem na justiça porque é regra da empresa não patrocinar quem a processa". TREMA!_violência

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viabilizada pela Lei Rounaet seja concentrado na região Sudeste pode

questões: você enxerga violência em alguma das situações apresen-

ser uma violência. O “custo amazônico”, que torna mais difícil a produ-

tadas? O que é violência? Quem define se um ato é violento ou não?

ção e a circulação de grupos pela região Norte, é um dispositivo vio-

A palavra violência, tão cotidiana em nossos dias, parece ganhar

lento. A comprovada ausência de equipamentos culturais na grande

contornos diferentes a depender do contexto e do ponto de vista de

maioria dos municípios brasileiros é uma realidade violenta. Exemplos

quem diz de uma ação ou fato como violento. Intimamente associada

de situações que geram perda, dano, dor e toda ordem de prejuízos.

a noções como o uso da força física, intimidação moral, ameaça, bruta-

Se na tradição do teatro ocidental a palavra conflito é tão ele-

lidade, intensidade, o termo pode aparecer em distintos contextos de

mentar, na vida de muitos coletivos a teia de conflitos relacionais é

uso: na narrativa sobre um desastre natural, um acidente automobilís-

uma paisagem cotidiana que se equilibra entre momentos de maior ou

tico, um crime passional, a força com que um filme pode afetar a nossa

menor tensão. Nessa dimensão do que poderíamos chamar de micro-

sensibilidade, o esforço empregado por uma mulher para se livrar do

política, a violência revela suas muitas faces nas relações interpessoais,

algoz, as palavras do pastor ou do candidato a presidente da República

sobretudo. É comum que muitas das crises, rupturas e mesmo extin-

ao falar sobre homossexuais... A violência está por toda parte. Pode ad-

ção de grupos de teatro possam ser associadas, no plano micro, aos

quirir atributos negativos ou positivos, dependendo da situação.

desafios do convívio, do conflito de interesses e mesmo das vaidades.

"A análise do sentido etimológico coloca em relevo que é a per-

Às vezes, o ritmo ou a prioridade que um processo criativo requer não

cepção do limite que vai caracterizar um ato como violento e essa

é a mesma que um ou mais integrantes do grupo podem ou desejam

percepção varia histórica e culturalmente. Portanto, o termo não

incorporar. Nesses casos, o coletivo deve alterar a sua marcha e as suas

pode ser definido independentemente de critérios e de pontos de

prioridades? O indivíduo, rever o seu projeto de vida? O que fazer? É

vista, os quais podem ser institucionais, jurídicos, sociais e até pes-

desse emaranhado que surgem termos como “repactuar o nosso pro-

soais." Muitas são as faces da violência e a subjetividade parece ser

jeto”, “lavar a roupa suja”, entre outros. Se esses desafios não se revelam

um elemento definidor para cada um de nós, ao categorizarmos si-

nos primeiros anos de um coletivo, com o passar dos anos, a familiari-

tuações em que nos sentimos violentados ou que violentamos. Nas

dade gerada pelo intenso convívio pode resultar, muitas vezes, numa

construções culturais de um povo, algumas práticas são consenso

zona de condescendência que minimiza a exigência com o melhor que

de uma ação violenta e essas mesmas práticas vistas por outra cul-

o outro tem a oferecer como norteador de um processo de criação ar-

tura podem ter uma leitura completamente diferente. Além disso,

tística. Como entrar numa sala de trabalho sem poder querer o empe-

o contexto social e histórico também dita os parâmetros do nosso

nho do outro? O que fazer quando ninguém mais no grupo se sente

termômetro sobre o que é violento. Mostra-se intimamente ligada

no direito de exigir do outro porque um pacto silencioso se instau-

ao tema da violência a noção ampla de dano, que pode ser gerada de

rou e ninguém cobra ninguém porque todos se atrasam ou não têm

uma ação individual ou de um grupo. "(...) um ou vários atores agem

mais como priorizar o grupo? A violência aqui se instala nas relações e

de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a

se expressam no tom de voz, nas atitudes, no silêncio, no desprezo a

uma ou a mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade

determinados pontos de vista, na impaciência com determinados dis-

física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas par-

cursos e o seu ápice parece ser o esvaziamento do discurso, quando o

ticipações simbólicas e culturais." 2

próprio grupo já não crê nas suas palavras, nos seus combinados, nas

1

Numa aproximação mais metafórica do sentido de dano, esse

suas promessas. De outro ponto de vista, quando os artistas se afogam

mal que se faz a alguém ou que nos fazem, parece gerar uma espécie

nas águas das mágoas, dos desafetos, da falta de tempo com o grupo,

de dor. Lembro-me agora de um poema da Cecília Meireles que co-

mais do que uma violência mútua entre os criadores, talvez seja uma

meça assim: "Onde é que dói na minha vida, para que eu me sinta tão

violência com o próprio ato criador ou o processo de criação.

mal?”. De algum modo, minha percepção de violência está relaciona-

Seria ingênuo não pensar sobre as interfaces entre os planos

da a dor, não necessariamente física, mas a alguma dimensão que dói

da macro e da micropolítica, como se ambas não estivessem inti-

em mim: naquilo que sou, que acredito, na minha singularidade, ou,

mamente ligadas. Difícil também não relacionar esses desafios rela-

também, à dor que atravessa a imagem que tenho de coletividade,

cionais às tensões geradas por um ambiente de produção e conví-

nosso corpo de direitos sociais, seja ele o grupo, a família, a pátria.

vio que está sempre na corda bamba, exatamente pela falta de uma

Como podemos ver, esferas privadas e públicas poderiam ser con-

política pública específica. Seguimos com a recorrente sensação de

sideradas para identificarmos onde a violência provoca dor em nós.

recomeço, não importa se seu grupo tenha cinco, dez ou 20 anos de

É nessa perspectiva plural que entrecruza dimensões pessoais,

comprovada atuação. A cada ano, nos vemos em roda, nos olhando

sociais, jurídicas, culturais e simbólicas que podemos examinar a ques-

e tentando lidar com a pergunta: como sobreviveremos? Por mais

tão da violência no contexto das dinâmicas de produção do teatro de

bonitos que possam ser termos como empreendedorismo, planeja-

grupo. Para muitos de nós, a falta de uma política pública que assegure

mento estratégico, profissionalização, essas ferramentas do mundo

o trabalho continuado dos coletivos teatrais e, principalmente, efetive

administrativo e da gestão não fazem milagres num solo de pouca

o direito aos bens culturais conforme assegurado pela Constituição

água e ínfimo investimento. Como é o clima de trabalho de um grupo

Federal, é um ato de violência. Para um país de dimensões continen-

nessas condições? Como priorizar o fazer artístico se dele não se tira o

tais, permitir que o montante de recursos advindos da isenção fiscal

sustento? Como não deixar os desafios de administração e gestão se sobrepor ao mito original do grupo que é a criação? Essas são só algu-

1 BONAMIGO, 2008, p. 205. Em: BONAMIGO, Irme Salete. "Violência e contemporaneidade". In: Rev. katálysis vol.11 no.2 Florianópolis Jul/Dez. 2008

mas das reflexões que se encontram no cruzamento desses planos.

2 MICHAUD, 1989, p. 10-11. Em: MICHAUD, Y. "A violência". Tradução L. Garcia. São Paulo: Editora Ática, 1989.

com os processos composicionais para a cena.

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A seguir, alguns apontamentos sobre violência e sua relação

"autópsia" - foto: dito sartoryi

Diante das cenas descritas acima, gostaria de compartilhar algumas


CENAS DE INTENSIDADE OU A VIOLÊNCIA PERFORMADA Se procurarmos a dimensão da violência nas resultantes cênicas e nos outras perspectivas. Para Michaud (1989), a própria noção de violência possuiria um aspecto performático por sua pronúncia implicar uma ação, na medida em que lhe atribuir valor corresponde a começar a agir. Desse modo, dizer de alguém ou de um fato como violento implica lhe agregar um valor que gera uma atuação. Assim, para entrever como podem atuar de modo violento alguns elementos ou noções do campo teatral, tomarei a noção de violência – mais fortemente associada à ideia de intensidade – para apontar algumas categorias, a

"bom retiro 958m" - foto: avener prado

seus processos de composição, poderíamos nos acercar do tema por

VIOLÊNCIA DA IMAGEM

título de ilustração, de possíveis traços estilísticos presentes na cena de muitos grupos brasileiros e que, talvez, revelem modos de perfor-

VIOLÊNCIA DO PROCESSO

"diário do maldito" - foto: thiago sabino

yara cunto em "sopro"- foto: fiego bresani

mar a violência ou golpear com intensidade as percepções.

VIOLÊNCIA DA IMAGEM

VIOLÊNCIA DA IMAGEM

>> Violência do processo: >> refere-se ao trabalho de grupos que

>> Violência da imagem: encenações que propõem imagens visce-

se interessam por processos de criação que levam às últimas

rais operando como um corte seco em nossas percepções, noções ou

consequências a noção de duração e nos quais os artistas

em nossos conceitos estabilizados. As atrizes (o humano) dentro da

se submetem a processos que podem perdurar mais de dois

caçamba de lixo em cena final de "Bom Retiro 958m" (2012), do Tea-

anos, através de exaustivas rotinas de ensaios. Poderíamos

tro da Vertigem. A mãe que mata o filho epilético asfixiado no próprio

falar ainda de percursos criativos em que os artistas se lan-

peito ao amamentá-lo, na peça "Diário do maldito" (2006). A atriz

çam em experiências de convívio,,, em áreas de alta violência

Yara de Cunto, aos 76 anos lutando contra a força de um ventilador gi-

e vulnerabilidade social, de modo que a noção de risco físico

gante enquanto tenta estender uma toalha sobre uma mesa e servir a

é experimentada desde os primeiros encontros. Poderia citar

si própria um chá, na performance que integra o projeto Ato Sem Pa-

ainda treinamentos para determinadas montagens que exi-

lavras 1 (2014), dos irmãos Adriano e Fernando Guimarães a partir da

gem dos atores alto grau de disponibilidade, exposição e em-

obra de Beckett. Poderia citar ainda a parede de vidros que jorra água,

bate físico, como o processo que gerou o trabalho "Autópsia"

completamente banhada e iluminada de vermelho, como uma casa

(2011), criado a partir da obra do dramaturgo Plínio Marcos,

que sangra, no espetáculo "Medeia zona morta" (2006), criação do

pelas mãos do grupo brasiliense Sutil Ato.

mineiro Teatro Invertido, encenada num antigo laboratório sanitário.

TREMA!_violência

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"abnegação 2, o começo do fim" - foto: thaís hércules

VIOLÊNCIA DO TEXTO

>> Violência do texto: proposições dramatúrgicas que, no campo da palavra, operam como verdadeiros socos e pontapés, ainda minhas lembranças a personagem puta no já citado "Diário do maldito" dizer, em alto e bom som, “Minha boceta também é humana”; ou, ainda, em um dos trechos finais de "BR3" (2006), dos paulistanos do Teatro da Vertigem, um dos personagens dizer “Tudo que o homem toca morre”. Atualmente, o Tablado de Arruar leva à cena "Abnegação 2, o começo do fim" (2014), um enredo profundamente político, em texto e cenas bastante violentos que têm como ponto de partida a morte

"br3", baía de guanabara no rio de janeiro - foto: nelson kao

que emitidas por uma doce voz. Ecoa em

VIOLÊNCIA DO ESPAÇO

do prefeito Celso Daniel (2002) na cidade de Santo André (SP). Eles se desenvolvem

>> Violência do espaço: grupos que se em-

luídos e fétidos do País, o Rio Tietê (SP).

quase como uma exumação das entra-

brenham no tecido urbano e nos seus

Poderia citar ainda a montagem do goia-

nhas dos conflitos éticos e ideológicos de

espaços alternativos para construir no-

no Teatro que Roda, que levou a muitas

um partido político na busca pela ascen-

vas camadas de sentido para a obra e a

ruas e prédios do país o seu “Das sabo-

são ao poder. Seja pelo tema escolhido, as

própria experiência do espectador. Pare-

rosas aventuras de Dom Quixote de La

palavras combinadas, a carga semântica, o

ce-me que figura como ponto alto des-

Mancha e seu escudeiro Sancho Pança –

desenvolvimento da narrativa ou as metá-

sas empreitadas o espetáculo "BR3", do

um capítulo que poderia ter sido” (2006),

foras empregadas, a palavra carrega con-

Teatro da Vertigem, ao colocar atores e

em que escalavam prédio, utilizavam

sigo múltiplas possibilidades de violentar,

espectadores para vivenciarem uma tra-

ruas e praças, além de uma retroescava-

que vão muito além do uso do palavrão.

jetória ficcional em um dos rios mais po-

deira repleta de noivas.

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"estamira - beira do mundo" - foto: luis alberto gonçalves

"luis antônio-gabriela" - foto: laura aidar

VIOLÊNCIA DA EXPOSIÇÃO PESSOAL OU BIOGRÁFICA

>> Violência da exposição pessoal ou biográfica: criações que, apesar de possíveis camadas de ficção, fazem da exploração de elementos biográficos a tônica vertical do projeto. Poderia citar, a título de exemplo, o espetáculo carioca "Estamira - beira do mundo" (2011), em que a história de Estamira, moradora de um lixão e personagem central do documentário homônimo de Marcos Prado, é amalgamada à experiência da atriz Dani Barros com sua própria mãe –talvez suas duas “Estamiras” se equilibrando entre realidade e esquizofrenia. Ou ainda a festejada montagem de Luis Antonio-Gabriela (2011), da paulista Cia Mungunzá de Teatro, em que pessoal do encenador e cria com o grupo uma obra em que a história do irmão Luis, da infância até a morte, revela os conflitos e as tensões gerados no núcleo familiar pelas transformações da sexualidade do irmão, que se torna travesti, brutal experiência para o espectador a partir da violência poética de uma vida.

"sertões", terra - foto: divulgação

o diretor Nelson Baskerville radicaliza o que poderíamos chamar de depoimento

VIOLÊNCIA DO TEMPO >> Violência do tempo: obras que operam na contramão da agilidade e rapidez da vida contemporânea, na qual não é recomendável que uma peça de teatro dure mais do que uma hora. Certamente as montagens do Teatro Oficina são ícones do que poderíamos

"enasio.hamlet" - foto: luiz paulo nenem

chamar de peças de tempo estendido: diversas de suas monta-

VIOLÊNCIA DO JOGO

gens dificilmente têm duração menor do que cinco horas. Para além dessas categorias tão imbricadas e que optamos por separar didaticamente, poderíamos pensar na violência da presença, da relação com o espectador, e estabelecer outras tantas conexões entre o teatro e o tema da violência que guiou nossas reflexões até aqui. Todavia, talvez, o mais importante seja pensarmos que para afetar a percepção e a sensibilidade em tempos como os nossos, a imagem benjaminiana da arte

>> Violência do jogo: encenações que, muito mais do que conservar o status quo

como um projétil que explode em nós seja a mais adequada.

da cena, a sua possível sacralidade, parecem operar exatamente no atrito com

A violência da arte como meio brutal de nos acordar do sono

essas noções de foco, personagem, narrativa e fazem do jogo vivo entre os intér-

profundo do consumo, da apatia, da espetacularização do real,

pretes um rito de profanação dessas noções. O ator que critica o colega no ato

do vazio de um século estilhaçado e do sem sentido que en-

da cena, o texto que é subvertido explicitamente, a imagem ironizada, entre tan-

tope de ritalina, fluoxetina e rivotril os armários do presente.

tos outros procedimentos bastante reconhecíveis em montagens como "Viúva,

Como diria Adorno, “para substituir no meio dos aspectos mais

porém honesta" (2012), do grupo pernambucano Magiluth, ou "Ensaio.hamlet"

extremos e sombrios da realidade, as obras de arte (...) deviam

(2004), da carioca Cia dos Atores.

tornar-se semelhantes a eles". T

TREMA!_violência

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PERFIL

"rasif"- foto: tuca siqueira


“Tô enfiado na

LAMA

:

o “Rasif” do Coletivo Angu de Teatro

R O D R I G O C A R VA L H O M A R Q U E S D O U R A D O rodrigodourado78@gmail.com

O

Recife é uma metrópole violenta. Nisso, não há nenhuma

e do bairrismo doentio, mas suspeito fortemente que é o fato de ser,

novidade: dão provas as estatísticas que mantiveram, por

toda ela, uma grande periferia o que nos diferencia. Aqui o periféri-

anos, a capital pernambucana no topo do ranking das cida-

co é inescapável, é denso, é. Como capital simbólica e material do

des mais violentas do Brasil. Mas a violência de que falo não diz

Nordeste, não poderia ser diferente, somos a concretização de um

respeito somente à criminalidade, está espraiada por todos os as-

não-projeto de cidade, o reflexo insuportável de um Brasil em que

pectos das vidas dessas quase 4 milhões de pessoas que habitam

as desigualdades são indisfarçáveis, em que a miséria nos constitui.

o seu entorno selvagem. Morador desta cidade desde sempre e,

O Coletivo Angu de Teatro, grupo pernambucano surgido em

há dez anos, de seu centro comercial e administrativo, testemu-

2004, é, sem dúvida, na história teatral recente da nossa cidade, o

nho diariamente as múltiplas facetas dessa violência. Enfiados em

agrupamento que melhor transformou o Recife em motivo de sua

meio aos dejetos produzidos por nós mesmos e espalhados nas

obra, tanto temático quanto formal. Em especial, nos espetácu-

ruas; espremidos de forma desumana no transporte público; joga-

los "Angu de sangue" (2004) e "Rasif: mar que arrebenta" (2008),

dos para fora dos passeios pelo comércio ambulante e em disputa

ambos inspirados em contos do autor, também pernambucano,

com os carros por alguma mobilidade; nauseados pelo esgoto que

Marcelino Freire, e extraídos das coletâneas homônimas, mas ain-

ruma para o rio-mangue; espectadores que somos da degenera-

da de "Balé ralé" e "Contos negreiros". Nesses trabalhos, é a violên-

ção do nosso casario histórico, seguimos tentando chamar esta

ciadesta cidade, nas suas variadas matizes, a grande protagonista.

cidade de casa, entendê-la, amá-la.

Mas a violência aqui não assume os contornos de uma ra-

É certo que não há nessa descrição toda nada que nos dife-

dicalidade formal, como aquela de Sarah Kane, por exemplo, em

rencie de outras metrópoles da periferia global, tampouco das

que a estrutura dramática explode em reflexo à selvageria do

maiores cidades brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo. Sim, o Recife

mundo ou da mente (como em "Ruínas" ou "ânsia"). Não. A ma-

é uma "cidade-genérica", fazendo aqui um uso um tanto aligeira-

neira que o Coletivo Angu encontra para "falar" dessa violência é

do do conceito do arquiteto Rem Koolhaas, mas sua forma de ser

contraditoriamente poética ou explicitamente irônica e debo-

periférica é também única. Uma amiga cubana me disse: "Aqui pa-

chada, muitas vezes beirando o nonsense; e é precisamente por

rece Havana". Outro amigo foi enfático: "É beeeem São Paulo". Um

essa capacidade de expor os absurdos para o quais nos tornamos

terceiro afirmou: "Não tem diferença de Salvador". E sigo tentando

cegos no cotidiano que o grupo nos coloca diante de um retrato

adivinhar qual a face desta cidade, para além dos slogans turísticos

incômodo de nós mesmos.

TREMA!_violência

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PERFIL

"rasif" - foto: tuca siqueira

RASIF

do árabe, dos conflitos étnicos, religiosos e políticos do mundo pós-11 de Setembro.

Lembro, quando da estreia de "Rasif", em 2008, uma comunica-

Em 12 quadros, o teatro é tomado de assalto por esse "ou-

ção com Marcondes Lima, diretor do grupo, via e-mail. Eu pre-

tro" periférico, que não pode mais ser silenciado e cuja presença

tendia escrever uma crítica à peça e estava tentando encontrar

indisfarçável violenta tanto os olhos, os ouvidos, os espaços e as

uma conexão direta entre conteúdo e forma. Marcondes foi pre-

sensibilidades das elites que tentam, em vão, fechar-se em seus

ciso em seu contrargumento:

pequenos mundos. A peça inicia exatamente com esse "assalto", quando um ator do "teatrão", cansado das rotinas da cena, vê o

Rodrigo: Eu fiquei pensando muito depois que saí do teatro

palco ser invadido por um grupo de índios canibais que ameaça

que o espetáculo não é "formalmente" violento como a temá-

a plateia com facas, em busca de um acerto de contas com os-

tica que aborda. É como se a violência estivesse ali para ser

brancos que os dizimaram.

contemplada e não sentida. Não sei se tu entendes o que estou querendo dizer, mas ainda é um esboço de argumento...

Entre as passagens que se seguem,"We speak English" faz uma paródia corrosiva dos programas televisivos matinais, em que uma apresentadora falsamente loira, junto ao seu urubu de

Marcondes: Entendo, sim, o que você disse. No projeto que

estimação, lamenta a invasão árabe da língua e da cultura ingle-

enviamos ao Myriam Muniz, nós apresentamos uma propos-

sas, enquanto no piso do teatro projetam-se palavras da língua

ta mais violenta. O teatro deveria ser literalmente tomado

portuguesa também de origem árabe. Já em "Sinal fechado", dois

de assalto e, no final, seria invadido pela polícia. Mas depois

jovens montados em carrinhos de rolimã dialogam sobre a culpa

fomos tomados pela "poesia" de Marcelino. Fomos brincando

do carro (automóvel) no contexto da violência urbana, utilizan-

de fazer poesia visual. Criei até uma barreira cenográfica de

do-o como metáfora da guerra pelo petróleo que movimenta a

pedras... Realmente, o público fica só vendo o bater das ondas

economia global e o mapa dos conflitos armados.

e os respingos não chegam a molhar ninguém de forma mais dramática. Escolhas...

"Da Paz" expõe o rancor de uma costureira que afirma odiar a paz: "A paz é muito branca, muito pálida, precisa de sangue”, para só depois sabermos ser ela mãe de um jovem assassinado. Por sua

Na referida montagem, a partir da provocação do autor no título

vez, em “Maracabul” e “Meu último Natal”, acompanhamos as nar-

e nos contos, o coletivo cruza o Recife ("onde o mar arrebenta",

rativas de dois meninos da periferia cujas infâncias estão irreme-

em tupi-guarani), essa barreira de corais que dá nome à cidade,

diavelmente marcadas pela violência: o primeiro sonha ganhar de

com a palavra árabe Rasif, de sonoridade similar, e cujo significa-

Natal uma arma para acertar o peito ou a espinha dos outros me-

do também remete ao paredão de pedra que nos define: "terre-

ninos e deixá-los tetraplégicos; o segundo tenta matar Papai Noel,

no pavimentado com lajes, estrada pavimentada com rochedos".

revoltado que está com as injustiças do "bom velhinho".

Mais do que um jogo meramente linguístico, esse cruzamento

As cenas oscilam entre o humor desbragado, a ironia su-

produz cenicamente muitas camadas de significação entre a vio-

bliminar, a secura desconcertante e o argumento inapelável. E

lência urbana do Recife (e a das grandes metrópoles) e a do mun-

nos vemos ali, atônitos com aqueles meninos, os mesmos que

p­ — 16


"angu de sangue" - foto: alex ribeiro

nos abordam diariamente nos sinais e nas ruas; e nos vemos ali,

num meio de vida; eram tantos os "vexames de personagem", como

solidários com a dor de "Da Paz" e tomados por aquele senti-

costuma chamar Marcondes Lima, que ninguém saía ileso do teatro.

mento de ódio e vingança que a paralisa-move; e nos vemos ali,

Em "Angu de sangue", "vexame" dizia respeito à postura enun-

confrontados com a subserviência colonial que nos faz tomar a

ciadora das personagens, solitárias em cena jogando para a plateia

cultura norte-americana por nossa.

suas verdades despudoradas. Havia, porém, uma cena ao final do

Os quadros transcorrem numa zona retangular contida por

espetáculo, reconstituindo, em vídeo, o episódio de morte de Perna-

pedras que lembram os arrecifes que fecham a cidade. Ao final,

longa, performer pernambucano ligado ao Grupo de Teatro Vivencial

os atores professam possíveis definições de amor, todas na con-

e ao movimento de contracultura local dos anos 1970/1980/1990,

tramão do melodramático e ancoradas nos afetos selvagens que

que gostaria de destacar. Perna, como era conhecido na intimida-

trocamos no dia a dia da cidade; eles tomam as pedras do cená-

de, havia tornado público seu status de soropositivo, numa postura

rio e ameaçam atirá-las nos espectadores, ponto em que se dá o

decididamente militante para o Recife dos anos 1990, mas foram o

blecaute final. Arrisco dizer que aquela violência formal que eu

preconceito e a ignorância seus algozes. Vítima de assalto ao chegar

buscava na experiência de espectador, no caso de “Rasif”, assu-

em casa na madrugada, o artista foi esfaqueado pelos bandidos e

me o desenho não de um respingo, como disse Marcondes Lima,

agonizou sem socorro, pois os vizinhos evitaram socorrê-lo temen-

mas de uma onda violenta que atinge a rocha e nos encharca por

do contrair o vírus em contato com seu sangue. Ao reencenar este

dentro. E por isso mesmo é que, depois da peça, o Recife nunca

episódio, o Coletivo Angu reforça sua disposição não somente em

deixou de ser "Rasif" para mim.

revolver a violência do "Rasif", mas em reprocessar nossa herança teatral maldita, desafiando nossa historiografia cênica oficial, trazendo para o centro de suas questões éticas e estéticas este Recife

C I D A D E - PA L C O

enlameado, das travestis do Diversiones, do riso "viado" da Trupe do Barulho, enfim, desta cidade pós-MangueBeat.

Em debate realizado pelo projeto de pesquisa que desenvolvo, in-

Também em depoimento à pesquisa "10 anos de Angu e

titulado "10 anos de Angu e além", a atriz Ceronha Pontes ratificou

além...", o ator André Brasileiro revelou que a escrita de Marcelino

essa disposição do grupo em provocar as elites, algo que já aparecia

Freire, originalmente em formato de contos, tornou-se um caminho

em "Angu de sangue", apresentado em espaço à italiana e com a pre-

incontornável para o grupo, porque revelava um Recife que o pró-

sença, no elenco, de Hermila Guedes, atriz com considerável proje-

prio coletivo ainda não via e sobre o qual urgia falar. Nesse sentido,

ção midiática. O espectador que corria ao teatro em busca de uma

acredito que se houve, no movimento artístico da cidade, um Man-

experiência mainstream, via-se irremediavelmente assaltado por

gueBeat teatral, ele se deu como algo tardio pelas mãos do Coletivo

imagens desagradáveis deste Recife: da moradora do lixão da Muri-

Angu e pela língua de Marcelino Freire. Com "os pés enfiados na lama

beca que resiste em ser retirada do local, exaltando a “boa vida” que

onde os urubus têm casas", o grupo emoldurou teatralmente uma

leva junto aos urubus; passando pelo episódio do sequestro, abuso

cidade que muitos não viam, articulando uma urbanidade desde o

e morte da pequena Socorrinho; ao desabafo de "DarLuz", moradora

Nordeste que, em muito nos ultrapassa, é verdade, mas que é vio-

de rua que transforma seu útero numa máquina de fazer crianças e

lentamente nossa. T

TREMA!_violência

p­ — 17


pergunta

TREMA!2/5


“‘Todo mundo que você encontra está travando uma batalha sobre a qual você não sabe absolutamente nada. por isso, seja gentil.’ Não sei quem é o autor da frase, mas entendo que ela diz muito sobre onde está a violência: ela está na inaptidão das pessoas em se relacionar com o próximo. Atritos sempre existirão: onde há energia, onde há movimento, há atrito. Mas para dirimi-los, destaco duas habilidades fundamentais: a de empatizar e a de se comunicar. São essas habilidades que lubrificam os relacionamentos, que diminuem o atrito. Sem que um consiga se colocar no lugar do outro; sem que um consiga expressar o que sente, de maneira clara e objetiva, a violência será iminente. Entendo, então, que a violência está em todos os inaptos a empatizar e a se comunicar.” GUSTAVO CARVALHO PA I , M A R I D O E C O O R D E N A D O R D O P R O J E T O C O L A B . R E E M C A M P I N A S - S P


TEATRO E REPRESSÃO ESTATAL PEDRO VILELA vilelaproducao@gmail.com

N

as décadas de 1960 e 1970, com o

política, a tortura e a censura às liber-

lizada e sistemática do Estado brasileiro”.

sucesso do processo revolucioná-

dades individuais foram integralmente

Artistas de diferentes áreas, conjun-

rio cubano, diversos movimentos

incorporadas a esses governos autori-

tamente com estudantes, foram um dos

de transformação política foram inspira-

tários que se estabeleceram pelo uso

alvos principais de perseguição pelos

dos em diferentes partes da América La-

da força. Dessa forma, os clamores por

regimes

tina. Em contrapartida, as elites nacionais

justiça social que ganhavam espaço no

presos e torturados, alguns exilados e

procuravam combater esta "onda" de

continente foram brutalmente abafa-

outros precisaram construir diferentes

mudanças sociais, apoiadas diretamente

dos pela nova conjuntura.

mecanismos de enfrentamento para

ditatoriais.

Diversos

foram

pelos Estados Unidos – nação que toma-

No Brasil, em dezembro de 2014, a

continuar a desenvolver seus trabalhos

va a dianteira do bloco capitalista – para

Comissão Nacional da Verdade (CNV) pu-

neste período. Torna-se também neces-

a manutenção da hegemonia política,

blicou seu relatório final, com 4.328 pági-

sário compreendermos um pouco dos

econômica e ideológica. Com isso, a inge-

nas em três volumes. Produzido durante

acontecimentos nos países vizinhos,

rência política dos EUA se tornou agente

dois anos e sete meses, o documento

ainda que em pequenos apontamentos,

fundamental nesse terrível capítulo da

afirma, em suas conclusões, que “as gra-

contactando experiências de posicio-

história do nosso continente.

ves violações de direitos humanos per-

namento de diferentes artistas teatrais

Como resultados desta fricção, nas

petradas durante o período investigado

diante da gravidade de tais repressões.

décadas apontadas, surgiram, então, di-

pela CNV, especialmente nos 21 anos do

Com respeito às atividades teatrais

ferentes regimes ditatoriais nos países

regime ditatorial instaurado em 1964,

no período ditatorial chileno, surgiram

da América do Sul, onde a perseguição

foram o resultado de uma ação genera-

testemunhos valiosos sobre as que tive-

p­ — 20


ram lugar nos campos de concentração, com destaque para a

cionou com seu selo anticomunista durante décadas. Chefe Su-

publicação recente ¨Teatro en Chacabuco (campo de concen-

premo do Exército, era também o cabeça do Partido Colorado

tración): relatos y notas¨, de Mario Molina (2008). O livro de

(partido tradicional e de direita), que passou a se converter em

Molina recorre à experiência de mais de mil presos políticos

único partido, reprimindo qualquer oposição.

que foram levados a este antigo campo no meio do Atacama,

Tal como no Brasil, as representações teatrais, durante o

onde eram vigiados todas as horas do dia por oito torres de

Stronato, estiveram presas à necessidade de obter o visto da

observação, cercados por grades de três metros de altura, far-

censura e em casos de não representação no Teatro Municipal,

padas e eletrificadas no topo. Como se não bastasse, os arra-

lugar que tinha acesso geralmente os favorecidos do governo,

baldes do campo foram cravejados de minas terrestres. Neste

só podiam ser realizadas por meio da presença física da polí-

lugar, nas mais precárias condições, se usou o teatro como meio

cia. Com relativa frequência, o Comitê de Moralidade (como se

de escape e fator de esperança para os presos. A maioria das

chamava a censura oficial) encerrava a trajetória de espetácu-

obras discutia a percepção de uma sociedade que passou a se

los após sua estreia, por não concordar com temas e formas, ou

definir em términos maniqueístas, desde o ponto de vista po-

intervia na produção, dando ênfase ao que chamava de "efi-

lítico hegemônico com a resultante punição dos que estão do

caz entretenimento". Assim, as criações artísticas paraguaias

lado contrário. Segundo o poeta Jorge Montealegre 1:

se demarcaram por experiências no âmbito do teatro popular, explorando a ¨paraguaidade¨.

Para um prisioneiro de guerra, a evasão é um direito e o teatro foi

Entre os grupos mais conhecidos que surgiram durante a

mais efetivo que um túnel. Demostrou que se podia escapar do este-

época e conseguiram se manter, está o Aty Ne'e, fundado em

reótipo com que a ditadura quis estigmatizar os presos ("marxistas,

1975, por Raquel Rojas, trabalhando com as comunidades in-

desalmados e assassinos"). A vitória dos chacabucanos consistiu em

dígenas e campesinas, realizando um teatro identitário e pes-

demonstrar que tinham uma identidade distinta da designada, que

quisando também a linguagem infantil. Também sobreviveu o

eram "outra coisa". Foi uma vitória cultural.

Teatro Arlequín, fundado em 1982, pelo dramaturgo e diretor José Luis Ardissone. Outro grupo que já não existe mais, mas

​Com a publicação intitulada "Trincheiras de papel: ditadura y

que marcou este período foi o Tiempoovillo, fundado no início

literatura carcelaria en Uruguay", editado por Alfredo Alzugarat

da década de 1970. Entre os teatristas que foram detidos e tor-

(2007), podemos perceber como o teatro se deparou com a ex-

turados, se encontram Júlio Saldaña, membro do Tiempoovillo;

periência carcerária de artistas neste outro país. Destacam-se,

Raúl Torga (1938-2002), do Grupo Teatro Popular de Vanguarda;

nesse relato, as reflexões em torno do dramaturgo Mauricio Ro-

e Emilio Barreto, ator e diretor que passou 13 anos na prisão (de

sencof, detido em 1972 e torturado brutalmente, tendo obtido

1965 a 1978), depois de sofrer tortura durante dois anos.

sua liberdade somente em 1985, com a troca do poder e a lei da anistia geral.

Cabe dizer que a retomada da "ditadura" enquanto temática de criação, neste período de restituição da democracia,

​Este dramaturgo escreveu sete peças teatrais enquanto

ainda é lento em todos os países. No Paraguai, mesmo que al-

esteve no cativeiro, tendo como obra mais representativa deste

guns apontem a autocensura como fator primordial, pouco se

período "Y nuestros caballos serán blancos", que reconta a saga

fala sobre o que se sucedeu durante o Stronato. Enquanto que

do líder libertário José Gervasio Artigas (1764-1850). É possível

no Uruguai, alguns apontam como fator a Lei da Anistia da Pre-

também ler sua experiência no cárcere em "Memorias del cala-

tensão Punitiva do Estado. Para Carlos Liscano, este tem sido

bozo: (1988-1989)", escrita com um de seus companheiros de

"o maior acordo político consagrado a legalizar uma ilegalidade

prisão Eleuterio Fernández Huidobro, e uma de suas novelas,

na história recente do Uruguai. (...) O voto silencioso de mais

"Las cartas que no llegaron", que foi levada a cena em 2003, por

da metade da população aprovando as violações dos direitos

El Gapón, importante grupo teatral uruguaio.

humanos demonstrou que o terror segue sendo eficiente muito

O caso paraguaio apresenta uma eventualidade única no

mais adiante do tempo em que suas causas deixam de atuar."

panorama político da região, pois é um povo que até o final do

Em menor escala, mas não menos preocupante, ainda hoje

século 20, praticamente não havia experimentado um governo

em nosso país se encontra parte da população, sem constrangi-

plenamente democrático. Neste sentido, a memória coletiva

mento, a clamar pelo retorno de governos ditatoriais ao poder,

do povo, como apontam alguns escritores e dramaturgos, os-

como quem diz preferir entre o candidato de situação ou oposi-

cila entre o tema da guerra e a destruição que esta reverbera,

ção. Em tempos de crise do pensar, a arte e a história se colocam

e a relativa "tranquilidade" sobre a tutelagem paternalista da

como elementos cruciais, propondo reflexões para não repetir-

sucessiva cadeia de ditadores que sofreram. Poderia-se dizer

mos os erros do passado. Como fazer do relatório um elemen-

que é um povo que foi "moldado" psicologicamente, através do

to público que ajude as novas gerações a entender a dimensão

tempo, para aceitar a ditadura a longo prazo. Em 1954, Alfredo

da quebra institucional e as violações aos direitos humanos que

Stroessner iniciou seu período ditatorial que duraria até 1989,

o Brasil viveu a partir de 1964? Como nos depararmos com os

mais uma vez amparado pelos Estados Unidos, que o subven-

relatos apontados acima e extinguirmos de vez a possibilidade de retorno destes regimes? É necessário ainda mais. Refletirmos

1 A citação de Montealegre se encontra no portal http://lavquen1.tripod.com/ libros1.htm

TREMA!_violência

constantemente as consequências que ainda vivemos na nossa democracia e exigir as mudanças necessárias para reverter legados autoritários que ainda permeiam as instituições. T p­ — 21


ENTREVISTA

RODRIGO MERCADANTE N ão po de mo s ter vergonha de dizer de que lado est am os

p­ — 22


E

quisa que surge posteriormente? m julho de 2015, a Cia do Tijolo (SP) esteve novamente no Recife com o aclamado espetáculo "Concerto de Ispinho e

RODRIGO

Somos um grupo formado basicamente por músicos.

Fulô". O diretor Pedro Vilela aproveitou o ensejo para entre-

É uma característica que vem do próprio Vento Forte, por onde a

vistar Rodrigo Mercadante, um dos fundadores da companhia,

maioria passou. Tanto que o primeiro trabalho do grupo é um show

tocando em questões diversas, como a trajetória do grupo, a de-

("Cante lá que eu canto cá"). Queremos agregar as diversas funções

finição de temas para os espetáculos, a violência, a política e o

que a música pode ter dentro de uma dramaturgia, utilizando-a

momento atual do País.

como elemento de narrativa, como adorno, tudo que a música pode trazer. É anterior, mas que se tornou primeiro plano.

Como surgiu a Cia do Tijolo?

A violência, ainda que não seja o foco principal do trabalho de vocês, está presente em todas as obras. Vocês lidam com a histó-

RODRIGO MERCADANTE

A Cia do Tijolo tem quase sete anos. O Dinho

ria do sítio Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no primeiro trabalho,

Lima Flor foi até Assaré conhecer a obra do Patativa e me telefonou

e a Guerra Civil Espanhola entrelaça-se aos anos do regime militar no

de lá, falando que queria fazer uma peça sobre o poeta. Nós inicial-

Brasil, no segundo. Como vocês refletem este tema internamente?

mente organizamos um show sobre a obra do Patativa, chamado

Como ele serve em termos de mola propulsora para a poesia?

"Cante lá que eu canto cá". Mas vimos que a obra do Patativa dava pano para um espetáculo mesmo. Não sabíamos que recorte fazer.

RODRIGO Pelos próprios temas que buscamos e pelas referências que

Era muita coisa. Eram muitos poemas, muito assunto. Não quería-

pegamos, poderia dizer que a poesia vem. Escolhemos figuras para

mos fazer uma biografia dele, já existiam muitas. Então, chegamos

trabalhar que possuem uma crença. Quando falamos de Patativa do

a Paulo Freire, basicamente naquela frase que todo mundo conhe-

Assaré, Paulo Freire, Frederico Garcia Lorca, Eduardo Galeano, Dom

ce "Você precisa ler o mundo para depois ler as palavras". E vimos

Helder Camara, Frei Betto, esse tipo de gente, falamos de pessoas que

que esta frase que o Paulo Freire coloca como prerrogativa para um

têm uma coisa em comum: a crença de que através da linguagem,

processo de pedagogia é justamente o caminho que o Patativa fez.

você consegue criar sujeitos autônomos; você consegue fazer um

Ele estudou apenas seis meses, mas se tornou um "ledor" voraz. O

mundo melhor, falando grosseiramente. Todas essas figuras fazem

grupo surge desse desejo. Já trabalhávamos juntos em outras com-

parte deste momento histórico que possui esta crença. Costuma-

panhias, a maioria foi do Vento Forte, que é um grupo bastante im-

mos falar que tem uma ala grande de pensamento que desacredita

portante na historia do teatro brasileiro, outra parte foi da Casa La-

disto... Ah, estes são os modernos! Nós acreditamos. Neste sentido,

boratório e outra, da Cia São Jorge de Variedades. Esse ajuntamento

acreditamos que estas figuras apresentam uma alternativa à violên-

de pessoas virou um grupo posteriormente.

cia. Enfrentamos a violência neste espaço, sem vergonha de dizer de que lado estamos. Que acreditamos nisto. Pode achar que é ingênuo,

A musicalidade é muito presente no trabalho de vocês. Isso

que esta crença "moderna" da emancipação deu em nada, mas pre-

foi uma prerrogativa na composição do grupo ou uma linha de pes-

ferimos apostar nisto.

rodrigo mercadante em "concerto de ispinho e fulô" - foto: alécio cesar

dinho lima flor em "concerto de ispinho e fulô" - foto: alécio cesar

TREMA!_violência

p­ — 23


ENTREVISTA As obras trazem qua-

dizer com isso que a violência

se um caráter pedagógico, o

seja prerrogativa da direita,

que parece ser uma preocu-

pois também existe um pen-

pação recorrente do grupo.

samento de esquerda que

Como isso se dá na estru-

quer encontrar esta violência.

turação formal do trabalho

E isto também tem a ver com

e como diferentes públicos

a dificuldade. Falar contra a

lidam com as questões que

ditadura é ser de esquerda...

vocês colocam em cena?

Não sei se é. Você não precisa para ser um neoliberal apoiar a

RODRIGO

Nossa preocupação

ditadura, pelo contrário. Existe

com o lado pedagógico está

uma esquizofrenia conceitual

em muito mais do que ensinar o que foi determinado momento

muito difícil. A dificuldade de falar sobre isso talvez seja a dificuldade

histórico, mostrar o espanto em relação a isto. Queremos mostrar

de se posicionar politicamente no mundo. O fato de falarmos contra

como é espantoso você não conhecer até onde chega a violência no

a ditadura não significa que acreditamos, sem concessões, que a re-

nosso país. O fato de ninguém conhecer. Continuamos não conhe-

volução vai acontecer. Em primeiro lugar, estamos dizendo que este

cendo. Queremos fazer com que as pessoas sintam o espanto que

tipo de coisa não pode voltar. Eu não posso conceber, por exemplo,

nós sentimos quando descobrimos estas questões. Já recebemos

que um pensador e sociólogo como Fernando Henrique fale as bo-

retorno de que somos panfletários. Estamos cada vez mais panfle-

bagens que falou, porque estava perdendo uma eleição. Mas também

tários. Nós lidamos com a história, estamos lidando com a atuali-

não tem como conceber que o Lula tenha apertado a mão do Maluf.

dade da história. E isto não é fácil, porque a história te puxa o tapeQue encontro vocês desejam estabelecer com Dom Helder

te o tempo todo. Nunca temos a perspectiva da totalidade. Então, se você quer fazer teatro político, você interfere sem saber. E foi o

Camara para o próximo trabalho?

que o Patativa, o Paulo Freire e o Lorca fizeram a vida inteira. Temos também um público que de alguma maneira já sabe de que lado

RODRIGO Ele tá na família do Lorca, do Patativa, do Paulo Freire. Posso

estamos. Não podemos ter vergonha de dizer de que lado estamos.

falar por mim. Eu não sou religioso, mas não sei se é possível funda-

É panfletário? Que seja, mas não é só.

mentar hoje um pensamento de esquerda sem você ter alguma base de crença; não nesse Deus católico, mas na crença de que existe

Nesta edição, também apontamos como o teatro se re-

alguma coisa que seja a justiça em si. É uma pergunta que ando me

lacionou com a ditadura. Ainda temos dificuldade de lidar com o

fazendo. Uma crença cafona... Os filósofos que lerem isto vão cair

tema neste período pós-ditadura.

de pau.... Mas não vejo jeito de fundamentar um pensamento, pois chegamos num lugar que parece que corroemos todas as possibili-

RODRIGO

Sim.... só a esquerda pagou.

dades de fincar um conceito. Vivemos num tempo cínico. O cinismo é estrutural, somos capazes de sermos santos e canalhas sem esta-

Você acredita que os grupos brasileiros possuem dificuldade com o tema?

belecermos contradição destas duas figuras dentro de nós. Fico me perguntando: o que faz tomarmos determinado lado? E acho que tem algo além da racionalidade envolvido nisto, que para Dom

RODRIGO

Acho que em São Pau-

Helder era Deus e o Evangelho. E

lo já existiram muitos espetácu-

ao mesmo tempo, a genialidade dele. Não é algo de Santo, mas de

do Serviço Nacional de Informa-

“Falar contra a ditadura é ser de esquerda... Não sei se é. Existe uma esquizofrenia conceitual muito difícil. A dificuldade de falar sobre isso talvez seja a dificuldade de se posicionar politicamente no mundo.”

ções, é presente numa tortura

Rodrigo Mercadante

na ressureição de Cristo, mas uma

los. O resto da ditadura no Brasil ainda é muito presente. É presente na militarização da polícia, é presente na ainda existência

um gênio poeta que escreveu um balé para Maurice Béjart, o cara que defendia o Pasolini. Frei Betto dizia: "Você pode acreditar ou não

que se institucionalizou para os

coisa não se pode negar, ele é um

presos, em uma série de coisas.

desaparecido político".

A dificuldade hoje vai por alguns lados: a tradição de um teatro da década de 1990, a partir dessa explosão do neoliberalismo, com to-

Onde está a violência?

dos os diretores que despolitizaram completamente o teatro... Estou falando de São Paulo, que foi a experiência que vivi. Ficou cafona falar

RODRIGO Acho que no sistema em que vivemos. O sistema capitalista

de política. Eu ouvi isto: a ditadura está fora de moda... Já sabemos

é violento. Os pressupostos são violentos. Ele fala que é natural, algo

disto. Não sabem. Vivemos um momento político muito difícil. Temos

que é uma questão social, a história do homem como lobo do pró-

uma esquerda que tomou o poder, cumpriu um ciclo. Houve avanços

prio homem. A modernidade acreditou que se as pessoas tivessem

grandes, mas fez concessões muito grandes, agora tá pagando o pre-

o uso da razão, conseguiria construir um mundo mais tranquilo, mas

ço por isso. Tem o ressurgimento da violência. Não estou querendo

é difícil enquanto a loucura deste sistema violento permanecer. T

p­ — 24


POEMA DE MÁRIO BENEDETTI

PORQUE CANTAMOS TREMA!_violência

Se cada hora vem com sua morte se o tempo é um covil de ladrões os ares já não são tão bons ares e a vida é nada mais que um alvo móvel você perguntará por que cantamos se nossos bravos ficam sem abraço a pátria está morrendo de tristeza e o coração do homem se fez cacos antes mesmo de explodir a vergonha você perguntará por que cantamos se estamos longe como um horizonte se lá ficaram as árvores e céu se cada noite é sempre alguma ausência e cada despertar um desencontro você perguntará por que cantamos cantamos porque o rio esta soando e quando soa o rio / soa o rio cantamos porque o cruel não tem nome embora tenha nome seu destino cantamos pela infância e porque tudo e porque algum futuro e porque o povo cantamos porque os sobreviventes e nossos mortos querem que cantemos cantamos porque o grito só não basta e já não basta o pranto nem a raiva cantamos porque cremos nessa gente e porque venceremos a derrota cantamos porque o sol nos reconhece e porque o campo cheira a primavera e porque nesse talo e lá no fruto cada pergunta tem a sua resposta cantamos porque chove sobre o sulco e somos militantes desta vida e porque não podemos nem queremos deixar que a canção se torne cinzas. p­ — 25


freedom theatre, arte: thiago liberdade

ARTIGO

p­ — 26


EMANCIPAÇÃO CRIATIVA EM ZONAS DE CONFLITO Por que as artes cênicas e performativas podem ser meios de resistência ética e estética em contextos de opressão e violência? MARIA FERNANDA VOMERO mafevomero@gmail.com

C

omo parte de um projeto pessoal de pesquisa sobre países em

investigar a relação entre as artes da cena e os direitos humanos, es-

situação de conflito, voltei à Palestina em 2008, onde já havia es-

pecialmente em zonas de conflito ou em comunidades sob opres-

tado no ano anterior. Na verdade, para ser mais precisa, retornei

são continuada.

à Cisjordânia, parte do território palestino ocupado por Israel desde

Observo que o teatro e a performance – meus focos de estu-

a fatídica guerra de 1967 e mantido sob restrições políticas, adminis-

do no momento – propiciam a emancipação subjetiva e a autono-

trativas, sociais e econômicas desde então. Minha intenção, além da

mia crítica de sujeitos que, de outro modo, permaneceriam presos ao

tentativa de compreender a vida cotidiana sob a ocupação, era co-

ciclo de vitimização e/ou condicionados a dispositivos de controle

nhecer iniciativas locais de promoção aos direitos humanos. Descobri

socioculturais. Além disso, a cena promove gradualmente tanto uma

propostas bastante interessantes – e, entre elas, as atividades ligadas

apropriação dos corpos – não mais "temos um corpo", mas "somos

às artes cênicas me chamaram a atenção. Com destaque ao Freedom

um corpo" (Greiner, 2005) 1 , quanto uma leitura disruptiva deles, des-

Theatre, misto de coletivo artístico e centro cultural localizado no

locando-os da esfera da indiferença, da banalização (em razão da vio-

campo de refugiados de Jenin, cidade ao norte do território palestino.

lência) e da submissão a regimes disciplinares (impostos pela religião,

O Freedom Theatre tem suas raízes no projeto Care and Lear-

pela tradição ou pela política).

ning (Cuidado e Aprendizado, em tradução livre), criado pela is-

Ressalto que meu estudo está vinculado a contextos marcados

raelense Arna Mer-Khamis (1929-1995), professora judia, militante

explicitamente pela vigência de um "necropoder" (Mbembe, 2011;

de esquerda pró-Palestina e ativista pelos direitos humanos. A partir

Diéguez, 2013) 2 , poder este que se define pelo domínio soberano so-

de 1989 e ao longo dos anos seguintes, Arna usou as artes, especial-

bre a morte e os modos de sofrer, fazendo uso de armas, máquinas de

mente o teatro, como um meio de ajudar as crianças e os jovens

guerra e práticas de terror. Por conta disso, certas especificidades da

de Jenin a expressarem sentimentos como raiva, frustração, medo

ação teatral e performática provavelmente acabam sendo mais evi-

e tristeza, decorrentes da violenta realidade a que eram submeti-

denciadas do que outras. Em contextos assim, parece inevitável que as

dos por conta da ocupação de Israel. O resultado foi a criação de

artes cênicas assumam um caráter de resistência não só física e emo-

um grupo de teatro infantojuvenil naquele campo de refugiados.

cional, mas sobretudo ética, diante da precariedade da vida.

O carinho e o empenho de Arna lhe valeram um prêmio, o Right Li-

Embora haja sempre o risco do cinismo (Safatle, 2008) 3 –

velihood Award, oferecido pelo parlamento sueco em 1993. Com o

uma tentativa apenas aparente de minar a norma, enquanto ela é

dinheiro recebido, ergueu o Stone Theatre (Teatro de Pedra), espaço

mantida ou valorizada no interior do discurso –, existe igualmente

posteriormente destruído pelas forças israelenses na Batalha de Je-

uma potência desvelada pelo dissenso, para usar um termo caro

nin (2002). Arna morreu de câncer em fevereiro de 1995.

a Ranciére (2009; 2012) 4, uma reconfiguração da experiência co-

Inspirado pelo exemplo materno, o ator e cineasta Juliano

mum do sensível, do dizível, do visível e do invisível, "manifestan-

Mer-Khamis (1958-2011), filho de Arna e do líder comunista árabe-israelense Saliba Khamis, decidiu retomar as atividades teatrais em Jenin. Ao lado de Zakaria Zubeidi – que havia sido aluno de Arna quando adolescente e mais tarde se tornou líder das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa em Jenin, durante a Segunda Intifada (20002005) – e do ativista sueco Jonatan Stanzack, Juliano fundou, em 2006, o Freedom Theatre, nome tanto do coletivo, quanto do centro cultural e educativo. A experiência na Palestina, em 2007 e 2008, me marcou profundamente e, desde então, tenho me dedicado a TREMA!_violência

1 GREINER, Christine. "O corpo: pista para estudos indisciplinares". São Paulo: Annablume, 2005. 2 DIÉGUEZ, Ileana. "Cuerpos sin duelo – Iconografías y teatralidades del dolor". Córdoba: DocumentA/Escénica Ediciones, 2013. MBEMBE, Achille. "Necropolítica". Barcelona: Melusina, 2011. 3 SAFATLE, Vladimir. "Cinismo e falência da crítica". São Paulo: Boitempo, 2008. 4 RANCIÈRE, Jacques. "A partilha do sensível: estética e política". 2ª edição. São Paulo: EXO Experimental / Editora 34, 2009. ______. "O espectador emancipado". São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

p­ — 27


ARTIGO

"arquivo" de arkadi zaides - foto: gadi dagon

do as capacidades de falar e representar que pertencem àqueles e àquelas que dada sociedade relega às suas margens 'passivas'" (2012, p. 76) 5. Potência esta que reverte, como bem aponta o estadunidense John Malpede, diretor de um grupo de teatro de moradores de rua num bairro em Los Angeles, "o ciclo de degradação que surge por causa da vitimização" 6.

S U B J E T I V I D A D E S E M A N C I PA D A S No primeiro semestre deste ano, tive a oportunidade de assistir a dois espetáculos do Oriente Médio, construídos sobre uma dramaturgia baseada no corpo – um corpo consciente, produto e produtor de subjetividades, vale enfatizar –, que trouxeram reflexões bastante pertinentes à minha pesquisa. O primeiro foi "Arquivo", do artista israelense Arkadi Zaides, em ocasião da 2ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. A coreografia criada por Zaides apóia-se num conjunto de registros em vídeo dos arquivos da ONG israelense B'Tselem, que reporta abusos cometidos nos territórios palestinos ocupados. As duras imagens mostram colonos judeus em situações de intimidação ou agressão deliberada. Zaides explora tais movimentos partindo da mimeses. O resultado é perturbador: o artista dança o corpo do opressor (Boal, 2013) 7, tirando-o do contexto "apaziguador" da "realpolitik" e das justificativasclichê sobre o conflito. Zaides, judeu israelense, incorpora gestos e movimentos de outros judeus israelenses, trazendo para o interior de sua dança a alteridade que falta ao convívio na região: o outro, na verdade, é um si-mesmo. O segundo espetáculo, que integrou o Festival Internacional Sesc de Circo, foi o palestino "B-Orders", criado pela dupla da Palestinian Circus School, Ashtar Muallem e Fadi Zmorrod, ambos nascidos em Jerusalém Oriental (portanto, detentores também de passaporte israelense, o que lhes permite transitar tanto pelos territórios ocupados quanto por Israel). Fazendo uso de técnicas circenses e elementos de dança contemporânea, os artistas compõem um retrato agudo da sociedade palestina – seus tabus, modelos de comportamento e aspectos disciplinadores – sob a ocupação. Ou seja, transitam entre o dentro e o fora, desafiando imposições ("orders") e restrições ("borders").

5 Idem, 2012. 6 Ver: http://www.inmotionmagazine.com/jm1.html (último acesso em 19/07/2015). 7 BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas públicas. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

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"b-orders" do palestinian circus school - foto: véronique vercheval

Em entrevista durante o festival, Ashtar e Fadi contaram que o fato de uma moça e um rapaz dividirem a cena causou estranhamento no meio palestino conservador; certos movimentos de Ashtar foram considerados inapropriados. Isso não os intimidou; para ambos, o circo é um modo de expressão, que permite "outros usos" do corpo. Segundo Fadi, que também é professor na Circus School, algumas questões bastante reveladoras aparecem no contato inicial das crianças e dos adolescentes com a prática circense: excesso de agressividade nos gestos, desconforto com a presença de meninos e meninas no mesmo exercício, falta de concentração e de coordenação etc. Porém, aos poucos, o circo se torna uma ferramenta de expressão simbólica, gera autoconfiança e favorece o trabalho em grupo. Minhas primeiras constatações sobre a repercussão do trabalho do Freedom Theatre com a comunidade do campo de refugiados de Jenin apontam para resultados semelhantes. A experiência estética oferecida pelas artes da cena, em zonas de conflito, pode ser transformadora por favorecer um "dar-se conta" sobre a própria condição (identitária, social), abrir novas visões de mundo e revelar caminhos (abstratos, concretos) antes inimagináveis. E isso vale tanto para os artistas envolvidos, quanto para os espectadores. Discursos simbólicos são materializados por meio da presença viva de atores, TREMA!_violência

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PERFIL dançarinos ou performers e por dispositivos cênicos – precários, posto que efêmeros – de configuração e percepção do universo sensível (Lepecki, 2012) 8. Cria-se, portanto, um espaço possível para a expressão de ideias e temas interditos ou forçadamente silenciados.

N A R R AT I VA S A U T Ô N O M A S Talvez o maior ganho seja o gradual processo de autonomia e independência na elaboração e na apresentação das narrativas próprias; narrativas que deem conta dos percursos, das referências e da memória coletiva daquele grupo ou comunidade, rompendo, assim, com as representações deslegitimadoras, impostas ou determinadas por poderes alheios, que perpetuam estereótipos e justificativas para a opressão, além de adestrarem subjetividades. A autoridade sobre as próprias narrativas é uma busca da Companhia de Teatro Heliópolis, cujo trabalho acompanho. Foi fundada há 15 anos pelo piauiense Miguel Rocha, morador da comunidade homônima, localizada nas beiradas da cidade de São Paulo. Ao longo de uma década e meia de existência, a companhia montou sete espetáculos – todos eles elaborados em estreito diálogo com a realidade de Heliópolis – e prepara outros dois para o segundo semestre de 2015. Os processos das peças sempre resultam de criação coletiva, com base em histórias de moradores da comunidade e nas experiências e improvisações dos atores, que também vivem ali. A companhia teatral retrata o universal partindo do particular: fala de Heliópolis, desde Heliópolis, fazendo uso das vozes que compõem aquele local, num exercício crítico de desvincular-se dos clichês depreciativos normalmente associados às favelas: pobreza, narcoviolência, marginalidade, superficialidade cultural e vitimização. Miguel e os demais exercem, assim, "a possibilidade testemunhal da prática artística, esse falar desde o lugar em que se vive, se trabalha e se expõe o corpo" (Diéguez, 2013, p. 62) 9 . A palavra poética revela-se testemunho e instrumento não-violento de resistência. Nessa minha trajetória de pesquisa, passando por zonas de conflito armado, mas também de confrontação sociopolítica, encontro iniciativas que resistem, ética e esteticamente, por meio da (re)afirmação de seus corpos e suas narrativas. Não perco a esperança em outro mundo possível, um mundo no qual os direitos humanos sejam indubitavelmente respeitados.

T

companhia de teatro heliópolis - foto: divulgação

8 LEPECKI, André. Coreopolítica e Coreopolícia. Em: Ilha, v. 15, n. 1, p. 41-60, jan-jun. Florianópolis, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2012. 9 DIÉGUEZ, Ileana. "Cuerpos sin duelo – Iconografías y teatralidades del dolor". Córdoba: DocumentA/Escénica Ediciones, 2013.

p­ — 30


pergunta

TREMA!3/5

"A violência está no silêncio quando o grito é necessário!" KARLA MARTINS P R O D U T O R A C U LT U R A L


GALPテグ DO DIRCEU ?

"sacolテ「ndia" - foto: emerson mourテ」o


"sacolândia" - foto: cipó alvarega

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S A C O traz ao espaço compartilhado da rua a experiência de entrarmos em contato com nosso desconforto em público. TREMA!_violência

p­ — 33


PARECE QUE A GENTE FAZ "sacolândia" - foto: valério araújo

COLETA SELETIVA DE CORPO, DE PESSOA, DE GÊNERO, COLETA SELETIVA DE COR, DE PELE, DE NACIONALIDADE

"sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: valério araújo "sacolândia" - foto: emerson mourão

"sacolândia" - foto: valério araújo

RITUALIZAR

O OUTRO "sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: valério araújo "sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: valério araújo

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"sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: valério araújo

O EMBRUTECIMENTO DE UM MUNDO "sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: valério araújo

ACIONAR O BOTÃO DO SENTIR

"sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: emerson mourão

"sacolândia" - foto: valério araújo

"sacolândia" - foto: emerson mourão

TREMA!_violência

p­ — 35


E M O U T R A S PA L AV R A S . . . S A C O é uma série de ações performáticas na paisagem urbana de Teresina, Piauí, a partir da metáfora de um corpo jogado fora, um corpo sem valor: Como

é

estar

no

mundo

vivo

e

sem

direitos?

Novas (e possíveis) maneiras de perceber o cenário urbano criando outras relações afetivas com a cidade furando a objetividade e o sufocamento funcional que emplastifica o dia-a-dia.

"sacolândia" - foto: alexandre santos

S A C O é um projeto de Soraya Portela, em colaboração com Alexandre Santos, Cesar Costa e Cipó Alvarenga, artistas que ocupam o Galpão do Dirceu em Teresina, Piauí. ficha técnica: alexandre santos, cesar costa, cipó alvarenga, emerson mourão, layane holanda, soraya portela, valério raújo. realização: galpão do dirceu

p­ — 36

S A C O tem se entendido partir de desdobramentos, isto é, o projeto vai ganhando materialidades distintas no encontro com colaboradores. Com o fotógrafo Valério Araújo e o videomaker Emerson Mourão passou a acontecer como: exposição audiovisual P O N T O D E V I S T A. S A C O L Â N D IA é a ação na ruas e praças com convidados. T


pergunta

TREMA!4/5 “O conceito de violência está em eterna disputa, mas é, quase sempre, determinado pelas classes dominantes interessadas na manutenção do controle social. Acredito que este fato representa a verdadeira face violência: a hierarquia. Utilizada sempre para fundamentar opressões, desigualdades, dominação e sequestro do poder popular, a violência está presente todos os dias simbólica ou fisicamente na realidade dos povos oprimidos e dominados. Existe algo mais violento do que retirar destes povos sua autonomia de reação e decisão e delegando-o a um poder “representativo” centralizado e institucional? Ou pior, estigmatizar suas reações criminalizando e taxando-as de radicais ou violentas demais?” ARTUR MAIA AT O R E M I L I TA N T E


QUANDO FOI QUE EU ABRI MEUS OLHOS NESSA

OU: CONCRET

ENVERGADURA QUE EU NÃO CONSIGO MAIS

ARMADO

FECHAR?

DIOGO LIBERANO diogoliberano@gmail.com

F

alemos sobre a impossibilidade de não ver. Num dia você acorda e seus olhos, ainda que tranquilos, conseguem ver além do visível. Estranhamente, você percebe que eles também conseguem escutar ruídos. Não se assuste. Quando os olhos passam a ouvir é porque eles ul-

trapassaram a coisificação de todas as coisas e agora tocam o íntimo delas. Seus olhos atravessam a superfície da imagem e enxergam o processo pelo qual cada coisa se torna aquilo que se tornou. Seria como a habilidade de um super-herói nascido sob a queda do Muro de Berlim. E como toda forma de poder, seria também uma maldição porque o mundo que vês agora te solicita costura, reparo, restauração. A partir de agora você não tolera ver o ser humano apartado, separado e, muito menos, simplificado em categorias e nomes. Você vê a realidade social com outros olhos porque suspeita que para todas as coisas neste mundo deva existir um responsável. Para algumas coisas, deve sim existir um punhado de homens culpados e que precisam ser identificados e denunciados. Nem mesmo a maçã que você come é toda orgânica, então por que achar que a vida em sociedade é algo natural, inquestionável, feita por um Deus que não mostra sequer a cara? Você não acredita mais em Deus porque a roupa que você veste é sim feita por crianças escravizadas (e você sabe disso. O que você talvez não saiba é sobre como lidar com a consciência que você tem desta e de tantas outras perversões). Então teste a sua nova habilidade para ter certeza do que ela é capaz. Mire um objeto específico: o Estádio Mário Filho (Maracanã). Mire-o e se pergunte: o que eu vejo para além do famoso estádio de futebol? Talvez você perceba que o Maracanã é feito de concreto armado, um tipo de concreto que é mais resistente por misturar ingredientes distintos e que, por isso, se torna capaz de sustentar arquibancadas. Para além do concreto e de sua cor acinzentada, para além do neon na arquitetura espetacularmente exibicionada, perceba: o que o Maracanã esconde sob esta imagem tão amplamente divulgada é o fato de que homens mataram outros homens para dar ao estádio nova casca. Ainda estamos falando sobre a impossibilidade de não ver. Estamos falando de dinheiro e poder. Estamos falando de direitos humanos sendo copiosamente vencidos, pisoteados, vendidos e amordaçados. Eu estou falando sobre como podemos achar natural que seres humanos tenham matado seres humanos apenas por conta de partidas de futebol. Disseram que haveria Copa do Mundo no País do Futebol (e seguiram pisoteando cabeças de pretos e pobres que atrapalhavam a construção de rodovias inventadas para que nelas desfilassem turistas endolarizados). E por tanto ver essas e outras corrupções cotidianas, talvez você

tenha medo e queira cegar os próprios olhos. (É mais fácil ser ignorante. As perguntas diminuem).

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TO Não é à toa que a falta de investimento em cultura e educação venha tanto a calhar em nosso Brasil. Sem esse investimento, produz-se uma nação domesticada e sem condições de tomar parte nas questões que a todos tocam. Talvez você queira voltar a ser ignorante. E mesmo com tanto spray de pimenta, ainda assim, seus olhos continuam abertos porque agora eles sabem. E você se pergunta: quando foi que eu abri meus olhos nessa envergadura que eu não consigo mais fechar? Ou apenas: CONCRETO ARMADO. Eis uma pergunta trágica. A pergunta, propriamente, e também nossa peça. Uma peça-pergunta que denota, ao mesmo tempo, a consciência de quem enxerga o mundo e o pesar por vê-lo tão profundamente. Quando foi que a cidade do Rio virou um campo de batalha no qual civis foram violentados e assassinados apenas por reivindicarem seu direito de pertencimento a sua própria cidade? Quisemos então criar uma peça de teatro que pudesse externar e propagar nossos incômodos. Uma peça sobre a abertura do olhar da consciência, que apresentasse o processo que, de um instante ao outro, fomos obrigamos a aceitar: a violência que eu julgo morar do lado de fora é minha responsabilidade também. Eu sou mundo mais do que apenas eu. Eu faço mundo e a minha vida política existe, ainda que eu escolha a ignorar. Em cena, estudantes da pós-graduação em arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, juntos a uma professora, pesquisam a restauração do Maracanã no antes durante e depois da Copa do Mundo de 2014. E o que eles descobrem é que o concreto armado usado na apressada reforma do estádio está em vias de ruir. E assim se dá: em nossa dramaturgia, o jogo final da Copa termina com o alagamento do Maracanã e seu consequente desmoronamento. Tudo morre. Por isso, nossa história é uma história que narra o já ocorrido, história inventada para contabilizar os mortos, reunir seus restos e listar cicatrizes. A ficção como maneira de tornar visível a tortuosidade de algumas torturas da realidade. A ficção como mudança de posição. Nós, criadores, dando o nosso corpo a personagens cujos discursos não são como os nossos: personagens que ainda estavam entendendo aquilo que nós, criadores, já havíamos compreendido. Oferecemos a eles nosso mutante corpo para que batessem suas (nossas) cabeças na calçada até compreender que "só por meio da mudanca de nosso mundo institucional podemos ao mesmo tempo modificar a nós mesmos, do mesmo modo como apenas por meio do desejo de mudar a nós mesmos pode a mudanca institucional ocorrer" 1.

1 HARVEY, 2004, p. 245. Em: HARVEY, David. "Espaços de esperança". Edições Loyola: São Paulo, 2004.

TREMA!_violência

p­ — 39


NOTAS DE PROCEDIMENTO

Numa de nossas primeiras reuniões de criação, um de nós sugeriu: e se fizéssemos um programa de performances na cidade do Rio de Janeiro? E se esfregássemos o nosso corpo na cidade para criarmos experiência e apurarmos o nosso olhar? E ali nasceu "CONCRETO ARMADO", antes mesmo de virar um espetáculo teatral: um programa com nove performances 2 executadas de maio de 2013 a janeiro de 2014. Estreamos em março de 2014 no Festival de Curitiba e depois fizemos uma única temporada de um mês no Espaço Sesc (RJ). Em seguida, decidimos não mais apresentar nossa criação, só que em outubro de 2014, depois de tudo já terminado, realizamos a performance "Esqueleto", proposta pela cenógrafa Elsa Romero, na qual destruímos em praça pública todo o nosso cenário (com a ajuda de inúmeros transeuntes). Para além da violência que nosso projeto almejava trazer à cena – aquela que corria solta pelas ruas da cidade, do país e do mundo –, foi a violência do processo a que mais nos machucou enquanto artistas e parceiros de criação. Foram socos e tiros por vias inúmeras: questões de produção, relação entre criadores, crítica teatral, contador, dívidas, empréstimos bancários, imprensa, recusa de apoios culturais por conta do teor da peça, mas, sobretudo, nosso processo nos perfurou por nos confrontar com aquilo que fazíamos sem consciência: performance em teatro e teatro em performance, ou seja, vida e criação num rolo complicado apesar de imenso tesão. Em outras palavras: como representar o real que acontecia sobre e ao redor de todos nós? Ou: como performar nas ruas da cidade e, em seguida, se trancar numa sala de ensaio? Como trazer à composição cênico-dramatúrgica o cheiro da rua, o seu corrimento, suas engrenagens e consistências únicas? O Programa de Performances nos traiu porque depois dele não foi mais possível fechar o olhar para a nossa cidade e nossa condição humana. Depois dele foi impossível fechar uma obra. E agora, depois de tudo já terminado, voltamos às indagações que nos corromperam para, em setembro deste ano de 2015, tentarmos CONCRETO livre dos hábitos e códigos teatrais. Não é possível brincar de CONCRETO se não fizermos do nosso corpo a própria arena da encenação. Este processo nos deu modos para criação de posicionamento e pertencimento, apagando as exigências formais e nos chamando sempre de novo ao embate com o instante no qual vivemos. Então os olhos perguntam: o que seria a violência senão um gesto que, mesmo depois de terminado, ainda assim continua? "CONCRETO ARMADO" é uma violência que, tal como um gesto de amor, deixa marcas sobre nossos corpos. É violência, tal como é amor, por ter sobrevivido mesmo após tudo já terminado. Com este processo de criação descobrimos mais do que uma peça de teatro e uma cidade escondida sob cartões postais, descobrimos também um modo de. Modo de olhar para o mundo, os seres humanos e suas coisas. Modo de se posicionar, de assumir posição, de ser franco e honestamente radical. Nossa peça foi pesquisada e criada durante mais de dois anos, tendo sido financiada por parcerias com o Espaço Sesc e o Festival de Curitiba. Não conseguimos financiamento público (nem por editais federais, estaduais quiçá municipais – e estes foram tentados durante dois anos). Entendemos assim o que tínhamos medo de reconhecer: ninguém patrocinaria uma peça que desejava atravessar a imagem da Copa do Mundo para revelar sua perversa engenharia. E, no entanto, fizemos a peça com dinheiro privado porque a questão não é ter dinheiro ou não, mas sim ter olhos que saibam olhar com cuidado e atenção. O que pode um processo de criação, não? "CONCRETO ARMADO" nos exige reconhecer sua consistência processual para que possamos seguir olhando para a vida sempre dispostos a colocá-la num tribunal; a criação artística como processadora da realidade e não como seu mero apaziguamento.

T

2 Leia sobre o Programa de Performances no blog do espectáculo: http://armadoconcreto.blogspot.com.br/p/ agenda-das-performances.html "concreto armado" - foto: paula kossatz

p­ — 40


TREMA!_violência

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CRÍTICA

O CONCRETO E O SONHO, A VIOLÊNCIA E O MAL Sobre "Concreto armado" à luz de "Sinfonia sonho" D A N I E L E AV I L A S M A L L avila.daniele@gmail.com

"concreto armado" - foto: paula kossatz

p­ — 42


A

proposta desta breve e inconclusiva

sonho", a que tive oportunidade de assistir

a possibilidade de descrever e destrinchar

reflexão sobre "Concreto armado",

mais de uma vez e em diferentes espaços.

a encenação foge ao meu alcance, mesmo

do Teatro Inominável, é enfrentar a

Penso que há questões interessantes nesse

tendo acesso ao registro em vídeo e ao

ideia da violência como tema no teatro e as

enfrentamento, que se colocam para além

texto. Uma observação: na estreia da peça

implicações do problema na materialidade

da montagem em si e que podem ser pen-

no Rio, o grupo tinha acabado de se apre-

da cena. Para tanto, recorro a uma relação

sadas como questões para o teatro, de um

sentar no Festival de Curitiba e optado por

com outro trabalho do grupo carioca, que

modo geral. Tendo visto "Concreto arma-

cortar as performances que aconteciam

também trata da violência, a peça "Sinfonia

do" apenas uma vez, e há mais de um ano,

dentro do espetáculo.

TREMA!_violência

p­ — 43


CRÍTICA

deve ser tomado como uma burocracia do programa, mas como uma contribuição determinante para a criação. Outro ponto que considero relevante para a consistência da dramaturgia são os pilares de referência da peça. Tendo como um dos pontos de partida o massacre ocorrido na escola Tasso da Silveira, em Realengo, tragédia urbana em moldes norte-americanos que matou e traumatizou diversas crianças, me parece que o embasamento literário e teórico da construção da cena driblou o problema da lida com os fatos reais. "Sinfonia sonho" era o enfrentamento de um problema, mas com "concreto armado" - foto: paula kossatz

firme elaboração poética . Assim me parece que não é à toa que o amAssisti à peça na arena do Espaço Sesc, em abril de

biente universitário também seja problematizado

2014, ano tenso no Rio de Janeiro, assim como em

em "Contrato armado". Não se trata apenas de uma

muitas cidades do Brasil, por conta da violência que

localização da narrativa. A peça trata de questões

se impôs sobre as cidades invadidas pela Fifa sob o

éticas da relação entre alunos e orientadores, bol-

pretexto do espetáculo do futebol. Tragédia anun-

sas de pesquisa e o cerceamento de professores e

ciada, a Copa do Mundo nos levou de volta ao século

conteúdos. No entanto, neste que poderia ser um

XIX com projetos de higienização e outros abusos.

terreno fértil para a dramatização de questões mais

No Rio de Janeiro, a coisa foi um pouco pior, porque

discursivas, acontece um descompasso. Os perso-

se misturou com as remoções feitas em nome das

nagens são bem jovens e seus anseios um tanto

Olimpíadas. A ansiedade de falar sobre o que se pas-

ingênuos para o contexto de uma pós-graduação,

sava nas ruas era geral. Do embate com as questões

como propõe o texto de Keli Freitas e Diogo Libera-

da cidade, veio a peça do Teatro Inominável.

no. Algo não se encaixa.

O grupo, por sua vez, tem suas origens em um

Em "Sinfonia sonho", a ficção serve perfeita-

contexto específico de mistura do desejo pela arte

mente à discussão sobre a violência e sobre a infân-

e da lida com estruturas rígidas do poder público: a

cia. Em "Concreto armado", é justamente a narrati-

universidade. O trabalho do grupo e do diretor, Dio-

va ficcional que parece um problema. A criação de

go Liberano, que logo ganhou atenção de críticos e

personagens e situações cotidianas não alcança a

curadores, se deve muito aos méritos de "Sinfonia

complexidade do tema, pelo menos não nesse caso.

sonho", cartão de visitas cheio de personalidade

É sempre mais difícil dar conta de uma situação no

para a passagem do ambiente universitário aos tea-

calor da hora. Ainda mais difícil fazer uma denúncia

tros da cidade - e ao círculo vicioso dos editais pú-

do horror. O duplo horror: por um lado, o indizível

blicos. Cabe chamar a atenção para o fato de que a

da maldade institucionalizada e legalizada e, por

graduação em direção teatral da UFRJ, na qual "Sin-

outro, a impotência massacrante do cidadão que vê

fonia sonho" foi criado como trabalho de conclusão

a violência de estado crescendo na sua direção.

de curso, tem apresentado resultados animadores na formação de diretores de teatro. O trabalho foi orientado pela performer e teórica da performance Eleonora Fabião, fato que não

"sinfonia sonho" - foto: anaís della croce

p­ — 44


"concreto armado" - foto: paula kossatz

Como apontei antes, as referências literárias na criação da dramaturgia pesam na balança. A criação de uma história original talvez tenha fissurado um pouco o concreto do desejo de clareza e profundidade do projeto. A narrativa ficou pequena perto

Mais uma vez, o núcleo duro da diferença entre as

das situações reais que moviam o grupo naquele

duas peças está na lida com o cerne dos temas: o

momento da pesquisa.

mal que causa a violência dos homens, dos gover-

Mas há algo na linguagem que separa as duas

nos, das instituições, ou seja, dos negócios dos ho-

peças: uma relação diferente na lida com a violên-

mens. Aqui se impõe uma questão filosófica, com-

cia. "Sinfonia sonho" propunha uma formalização

plexa demais para essa breve reflexão, mas que vale

abertamente artificial no trabalho dos atores que

apontar como algo a se pensar sobre a violência

de tão trabalhada, parecia contraditoriamente "na-

como tema no teatro. A violência em "Sinfonia so-

tural", ou seja, parecia que a peça não poderia ser

nho" é injustificável, incompreensível. A imagem

feita de outra maneira. Em "Concreto armado", a

da criança explicita a condição inexplicável do mal.

formalização é só pincelada e quando há uma ten-

A violência em "Concreto armado" tem sujeitos,

tativa de naturalidade, a cena se denuncia artificial.

com nomes próprios. E dar nome aos bois pode

Talvez seja possível dizer que havia um ímpeto qua-

ser uma cilada. A violência de estado é tão inexpli-

se violento contra as formas mais imediatas do mo-

cável quanto o impulso assassino de uma criança.

vimento e do corpo em "Sinfonia sonho", enquanto

Justificar explicitamente, apontar motivos, culpas,

em "Concreto armado", a relação com os corpos

responsabilidades, tudo isso parece pouco eficaz,

acabou ficando para trás. E a violência, o impacto da

do ponto de vista poético, diante do que realmente

violência, é um acontecimento do corpo. Penso que

motiva a violência, o mal como condição humana -

"Concreto armado" desliza no discurso justamente

e exclusivamente humana.

T

por ser discursivo. "Sinfonia sonho", em alguns momentos, apresenta uma tendência para o trágico. Não me refiro ao trágico cotidiano (violência urbana envolvendo crianças, por exemplo), nem ao gênero trágico, mas a um atravessamento do trágico na linguagem, algo como uma alta voltagem nos acontecimentos, nos ímpetos e no desenrolar vertiginoso da fábula. Os corpos se precipitam na narrativa, como se fossem movidos por um descontrole, como se estivessem em constante disponibilidade para a falha. Em "Concreto armado", os corpos estão mais a cargo do cérebro e da fala. Os atores estão enraizados nos discursos dos seus personagens. A voltagem permanece cotidiana demais para o relato espetacular do desfecho. O desejo pela concretude do tema abordado e a convicção inabalável que norteia a criação talvez tenham travado o corpo da peça.

"sinfonia sonho" - foto: daniel protzner

TREMA!_violência

p­ — 45


EXPEDIENTE

TREMA! revista de teatro de grupo EDIÇÃO DA violência ANO 1

#2

AGOSTO 2015

Uma edição bimestral da Trema! Plataforma de Teatro

COORDENAÇÃO TREMA! PLATAFORMA DE TEATRO Mariana Rusu e Pedro Vilela

CONSELHO EDITORIAL Mariana Rusu, Olívia Mindêlo, Pedro Vilela e Thiago Liberdade

EDIÇÃO Olívia Mindêlo

CAPA E PROJETO GRÁFICO Thiago Liberdade

PROPONENTE DO PROJETO Thiago Liberdade

COLABORADORES DA EDIÇÃO* Mozart Fernandes, Francis Wilker, Maria Fernanda Vomero, Rodrigo Dourado, Diogo Liberano, Daniele Avila Small, Galpão do Dirceu, Rodrigo Mercadante, Tavares Neto, Gustavo Carvalho, Arthur Maia, Kadna Cordeiro e Karla Martins. *As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

PLATAFORMA TREMA! tremarevista@gmail.com tremaplataforma@gmail.com facebook.com/tremaplataforma www.tremaplataforma.com.br +55 (81) 9 9203 0369 | (81) 9 9223 5988

Tiragem: 500 exemplares (por edição) Impresso pela Brascolor ISSN: 2446-886X

Edição da VIOLÊNCIA | Nº #2 | Ano #1 | Recife, Agosto de 2015

Realização:

Incentivo:

A TREMA! Revista de Teatro de Grupo é uma publicação com incentivo do FUNCULTURA – Fundo de Incentivo a Cultura de Pernambuco.


pergunta

TREMA!5/5 "A violência está no encontro! Todo encontro é violento, até os amorosos." TAVARES NETO AT O R D O O U T R O G R U P O D E T E AT R O


ISSN: 2446-886X

1 hostilidade, selvajaria, ferocidade, agressividade, brutalidade, crueldade, dureza, aspereza, selvageria, bestialidade, agressão, rigor. 2 imposição, ameaça, coibição, cerceamento, coação, coerção, opressão, intimidação, constrangimento, tirania. 3 impetuosidade, fúria, inflamação, veemência, força, ímpeto, calor, ardor, intensidade. 4 irritabilidade, iracúndia, irascibilidade, ira, exasperação, cólera.


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