TREVL #09 - amostra

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Lisboa-Dili

em viagem

Em Viagem

Em viagem

África • Ásia central • Iraque • Japão • timor-leste

4,50€ (Continente) IVA Inc.

Mr.Mota Eastbound

TREVL#9 | Primavera 2016 — Quadrimestral

Go-Go-Gomes!


Destinos África

África do Sul Angola Argélia Botswana Congo (R. D.) Egipto Etiópia Gâmbia Malawi Marrocos 1 Mauritânia Moçambique Namíbia Quénia Ruanda Sahara Ocidental São Tomé e Príncipe Senegal (Dakar) Sudão Tanzânia Victoria Falls Zâmbia

Ásia

Arménia Azerbeijão Burma (Myanmar) Cambodja Georgia Índia Indonésia Irão Iraque Japão Malásia Mongólia Nepal Paquistão

3 9 4 9 1 3 9 9 9 9 4 6 10 14 2 14 9 4 9 3 4 4 9 9 1 14 9 5 2 9 2 9 9 3 4 4

8 8 9 7 8 3 6 7 9 9 7 8 9 9 9 9 5 7 8 4 9

Conheça aqui quais os destinos de viagem de moto sobre os quais já publicámos, tanto na TREVL, como na REV.

Quirguistão Tailândia Tajiquistão Timor-Leste Turquemenistão Uzbequistão Vietname

Oceânia Austrália

América

Alaska (E.U.A.) Argentina Belize Bolívia Brasil Canadá China Chile Colômbia Costa Rica El Salvador Equador E. Unidos América Guatemala Nicarágua Panamá Paraguai Peru Uruguai Venezuela

Europa Albânia Alpes Balcãs Bielorússia

Nesta edição

7 8 9 9 8 9 9 9 9 9 7

7

5 4 6 13 7 5 4 11 7 4 6 7 8 5 7 4 4 5 7 8 5 8 5 8 4 7 6 5 7 2 5 8 5 8 5 8 6 6 5 4 7 6 4 7 4 8

Bósnia-Herzegovina Bulgária Córsega Croácia Dinamarca 1 Espanha 1 Escócia Eslovénia Gales Grécia Inglaterra Irlanda Islândia Itália Letónia Kosovo Montenegro Noruega Pirinéus Polónia Rússia Sérvia Turquia

Portugal

Açores Alto Alentejo Alta Estremadura Alto Douro Serra Algarvia Serra da Arrábida Tejo dos Castelinhos

Espanha 7 1 2 3 7 9

Os destinos incluídos nesta edição estão destacados com um fundo amarelo.

Deserto de Bardenas Picos de Europa Ruta de la Plata Sierra Norte

7 7 1 7 8 4 5 7 5 6 12 7 2 7 2 6 2 1 3 5 7 9 2 7 7 1 8 1 5 7 9 3 7 8 2 7 2 7 8

12 7 3 2 1 1 7 1

5 1 5 4 7 7

Edições passadas

Cada entrada nas tabelas seguintes tem a indicação de qual o número onde foi publicada (a amarelo na TREVL, a azul na REV).

Preencha o formulário no nosso site (www.trevl.pt) Alternativamente, envie-nos uma mensagem para assinaturas@trevl.pt Pode incluir edições passadas (sujeito a disponibilidade de «stock»)


Editorial

Mapa velho

M

uitos cheiram a papel velho. Aos cantos dobrados ou ausentes falta-lhes a turgidez dos mais novos. Os meus não têm a nobreza nem o sangue azul dos protegidos pelas vitrinas no museu. Não são inéditas as denúncias por maus-tratos e abusos repetidos. Enrolados, dobrados, amarfanhados, de tudo sofrem para caber no interior do blusão, numa bolsa transparente sobre o depósito de combustível. Encarquilham-se com as gotas de chuva descaradas que vão caindo enquanto procuramos com o dedo o melhor caminho, em conversas de línguas que não se entendem. Lá se arranja forma que saia uma linha sobre a carta, na esperança que aquela nos leve onde queremos. E se não levar, o mapa é o suspeito do costume — culpado, sem dúvida — de nos largar às portas da próxima aventura. Há quem tenha crescido a sonhar lendo livros fantásticos. Eu sempre me deixei enfeitiçar pelos mapas. E esta edição, impressa no mais moderno dos tempos, tem o aroma de uma sala escura no alfarrabista. São como portais para outra dimensão. Valem mais pelo que escondem, pela insinuação do que não se mostra,

como o ombro desnudado numa fotografia erótica do início do século xx. As histórias que trazemos passam-se nas Arábias de Xerazade, na Rota da Seda de Marco Polo, nas águas de Afonso de Albuquerque, nas florestas húmidas de Stanley e Livingstone. Há um mapa para todas e para cada uma. Desenhámo-los à mão, com um pincel e lápis, anotando as desventuras dos nossos autores-viajantes portugueses. Pode ser saudosismo, a roçar a teimosia ¬— uma revista impressa, em papel, com mapas rabiscados e traços garatujados. Dá-nos alento imaginar uma TREVL a envelhecer bem numa prateleira, assentando-lhe os anos que dão outra força às aventuras que encerra. As páginas, agora com o aroma dos velhos mapas, cobrem-se do mesmo pó dum bom vinho velho. Tira-se a rolha e deixa-se respirar, admira-se. E até se desculpa a roda deixado pelo copo sobre o mapa. Afinal, dá-lhe vida, encerra mais uma história sentida. Deixa estes mapas levar-te até lá, bem longe, e cede ao encanto — mas não ao engano — de acreditares ser aquele aventureiro, português, de moto pelo mundo José Bragança Pinheiro Director jbpinheiro@trevl.pt | twitter: @trevlmag

Capa: Não se fica indiferente, não pode. A nova Honda Africa Twin chegou e ameaça destronar as demais que se atravessaram ao caminho. O olho encarnado diz muito dessa vontade e ambição. É uma viajante e a TREVL, qual revista cor-de-rosa que mostra a nova rainha a acenar do balcão do palácio, dá-lhe o lugar de honra — a sua capa.

3


Índice Director José Bragança Pinheiro jbpinheiro@trevl.pt

Neste número... página

TREVLers João Pedro Fernandes Rui Correia Colaboradores Carlos Azevedo Isabel Nobre João Gomes Pedro Monteiro Pedro Mota Rita Romão

O TREVLer João Pedro Fernandes termina a viagem de moto nos países da Ásia Central, antes de partir para a China. Turquemenistão, Usbequistão, Tajiquistão, Quirguistão

70

O português Pedro “Mr. Mota Eastbound” percorre o mundo na sua Transalp, deixando-se encantar pelo Japão e Iraque. Japão, Iraque

54

O TREVLer Rui Correia chegou a Dili, em Timor-Leste, atravessando dois continentes. Lisboa — Dili

63

38

Revisão José Bragança Pinheiro

Editor Geral Hugo Ramos

14

Arte Rita Pereira José Bragança Pinheiro Publicidade António Albuquerque

antonio.albuquerque@fast-lane.pt

Telefone: (+351) 939 551 559 Assinaturas: assinaturas@trevl.pt

18

O João “Go-Go-Gomes” partiu de Angola para voltar a Portugal de moto, mas escolheu o caminho mais longo. Luanda — Portugal

O Carlos Azevedo é um dos poucos «overlanders» portugueses, sócio-fundador da empresa MotoXplorers. E, quando está de férias, viaja de moto. Quénia, Uganda, (Congo,) Ruanda, Tanzânia

A Rita Romão partilha as aventuras no leste europeu, enquanto o Miguel procura levar a moto pelo caminho certo. Polónia, Bielorrússia, Estónia

Terminada a missão pela AMI em Guiné-Bissau, o Pedro Monteiro e a Isabel NObre escolhem regressar a Portugal de moto. Guiné-Bissau, Senegal, Gâmbia, Mauritânia, Marrocos

28

Proprietário e editor

FAST LANE - Media e Eventos, Lda.

Administração, Redacção e Publicidade: Av. Infante D. Henrique, Ed. Beira Rio, Fracção T 1950-408 Lisboa Telefone: (+351) 218 650 244

65

BMW R1200GS Adventure LC

@Leste da Europa, por Miguel L. Rocha

Depósito Legal: 357231/13 ISSN: 2182-8911 Impressão e acabamento:

Fernandes e Terceiro, S.A. Rua Nossa Senhora da Conceição, 7 2794-014 Carnaxide

Distribuição:

VASP – Distribuidora de Publicações, Lda. Quinta do Grajal – Venda Seca 2739-511 Agualva-Cacém

Periodicidade Quadrimestral (3x por ano) Todos os direitos reservados de reprodução fotográfica ou escrita para todos os países. Estatuto Editorial TREVL é uma revista lúdica e informativa sobre a temática do motociclismo nas suas vertentes de lazer, mobilidade e transporte, desportiva, cultural e, especialmente, turística. TREVL dará especial relevo ao rigor da escrita e à componente artística do desenho gráfico e da fotografia. TREVL empenhar-se-á num jornalismo apaixonado e comprometido com a temática que é seu objecto. TREVL é independente do poder político, económico e de quaisquer grupos de pressão. TREVL defende e respeita o pluralismo de opinião sem prejuízo de assumir as suas próprias posições. TREVL assumirá uma postura formativa. TREVL respeita os direitos e deveres constitucionais da liberdade de expressão e de informação e cumpre a Lei de Imprensa.

14

BMW F800GS

52

Honda Transalp

45

Honda Africa Twin CRF1000L

11

Honda Africa Twin XLV750

70

Hugo Ramos

@Ásia Central, por João Pedro Fernandes

@Timor-Leste, por Rui Correia

28

Honda XR650L

@África Oriental, por Carlos Azevedo

BMW G650GS

7 25

@África, por João Gomes

@Japão e Iraque, por Pedro Mota

Yamaha R1 Hugo Ramos

Yamaha XT660Z Ténéré @África, por Pedro Monteiro


do acor crita

Índice

es Revista uguês. t em Por ÃO foi Logo, N acordo do o adopta ráfico. o t r o g

Neste número... «Lisboa-Dili»

@Europa e Ásia, por Rui Correia «A noite é passada no interior de celas das prisões das esquadras de polícia, 63 invertendo os papéis para manter os bandidos do lado de fora. As trocas de escolta ocorrem em postos de controlo, entrincheirados no deserto.»

28

«Go-Go-Gomes»

@África, por João Gomes («Up I Go — from Luanda to Portugal»)

«X»

@África Ocidental, por Pedro Monteiro e Isabel Nobre

18 «A mesa de negociações estava muito inclinada para o seu lado, tanto que se pousássemos trinta euros nela, escorregariam para o colo do amigo fardado.»

«Um Gorila na Bruma»

@África Oriental, por Carlos Azevedo «Na pior das hipóteses — caso a Bela Adormecida não acordasse por muitos 38 beijos que este vosso príncipe lhe desse — contentar-me-ia em percorrer estes destinos de autocarro e comboio, concentrando-me nas ilhas índicas de Zanzibar e Pemba»

«A Leste»

@Europa oriental, por Rita Romão

14

«Mr. Mota Eastbound»

@Japão e Iraque, por Pedro Mota

«Descansa a mente cansada, jovem

50 viajante, e descontrai os ombros. Deixa a

beleza e a natureza repousada do Japão tomar conta de ti e guiar-te a mais um novo capítulo desta viagem.»

«Istão avisados»

@Ásia Central, por João Pedro Fernandes «A quem entra são pedidos 12 dólares, mas esta não é a parte com piada. É o destino 70 desse pagamento que — por dentro — nos faz sorrir. Serve para abrir um cadastro personalizado na Polícia, destinado ao registo de todas e quaisquer violações que venha a cometer durante a visita.»

98

Índice de Destinos 5

página


Viajantes

X

coordenada Pedro Monteiro e Isabel Nobre

De regresso a casa, depois de mais uma missão em Guiné-Bissau, Pedro e Isabel escolheram vir de mota.

V

iajar não é apenas «ir». A logística requer paciência, muita aliás, se envolver desalfandegar na Guiné-Bissau uma mota embarcada em Portugal. A perseverança e o bom humor do viajante são postos à prova ainda antes de partir. Os vistos foram a parte fácil, apesar da Mauritânia cobrar valores muito elevados. — Malucos — repetem-nos, com um abanar de cabeça, sempre que falamos em fazer a viagem sozinhos, de mota.

Bissau - Ziguinchor — Senegal (etapa 1)

A primeira fronteira

Deixámos Bissau com o Sol bem desperto, decididos a que a viagem seria algo «para se ir fazendo, e não para fazer». Após alguns quilómetros, sentimos uns pingos. Brincamos com o São Pedro, agradecendo-lhe o facto de nos estar a abençoar. Vasculhamos o interior das malas à procura dos impermeáveis. Estavam tão bem arrumadas que até deu pena. Primeiro imprevisto e aprendizagem — fazer um inventário para saber onde está o que procuramos.

Cabo Bojador Nouadhibou

Oceano atlântico

Dakar Nouakchott

St. Louis

Rosso Ziguinchor Bissau 0 0 0 0 0 km

Farafenni Gâmbia

Sahara ocidental Mauritânia

2 2

A moto desliga-se em andamento. Valeu-nos a ajuda de um virtuoso mecânico senegalês.

1

Guiné-Bissau 1 N

14

Dakhla

Senegal

A linha da fronteira, bem definida no mapa, é contudo invisível no meio do mato. E explicar isto ao guarda gambiano?


Começam os controlos policiais nas estradas de África. Os documentos pedidos são pretexto para as selfies, pousando com a mota e os dois cosmonautas deslavados. Na fronteira de Jegue coleccionamos os muitos carimbos necessários e, em menos de meia hora, entramos no Senegal. Combinamos adoptar o francês como língua doravante, mesmo para as conversas entre nós, apesar de, na Gâmbia, a língua oficial ser o inglês. A primeira fronteira cruzada é uma etapa vencida. Foi claramente um sentimento de missão cumprida. Escolhemos para essa noite o hotel Perroquet, junto ao rio Casamance em Ziguinchor. Ziguinchor - Farafenni (etapa 2)

Sem carimbo? A maior preocupação era agora a fronteira entre o Senegal e a Gâmbia. Encontrá-la seria o primeiro desafio, semeando perguntas pelos locais para que o melhor caminho se revelasse. Estranhamos que os carros mal consigam passar no trilho indicado, feito de terra, mas insistimos em continuar. Talvez por isso não nos surpreendeu por completo a pergunta. No controlo aduaneiro, o militar questiona como entráramos na Gâmbia sem carimbo no passaporte. Era evidente que nos tínhamos enganado no caminho. — Seguimos por onde nos disseram — atirámos, em desespero. Com uma clareza e calma singulares, expõem as nossas opções. Ir a julgamento ou pagar a multa de valor ajustável. Sem grande espanto, escolhemos despedirmo-nos de três

notas de cinco euros, algo vaidosos pelo baixo valor da entrada ilegal. A Gâmbia, uma língua estreita encaixada no território senegalês, é um país pequeno, cabendo nove em Portugal. A proporção de postos de controlo policial é descompensada. Não há agressividade e os contactos são bastante mais afáveis. A viagem prossegue, cruzando no ferry o rio que dá o nome ao país. Farafenni é uma cidade a cinco minutos do limite norte e da fronteira com o Senegal, bem sobre a Trans-Gambia Highway que corta o território a meio. Para dormir, escolhemos o Eddys Hotel, a qual desafia a nossa capacidade de descrever por palavras algo que parece ser de outro mundo. Quem as encontrou, usa expressões como «Horrível», «Evitei tocar no quer que seja» ou «Se a minha mulher descobre que dormi aqui, vai mandar incinerar a minha roupa». Acabamos por jantar num restaurante fast-food acompanhados pelo recém-conhecido Bacari, um simples comerciante e amoroso homem que gentilmente se disponibilizou para nos acompanhar pela pequena cidade bastante agitada de noite e de dia. Farafenni — Dakar (etapa 3)

Para chegar a Dakar, tínhamos 300 km para vencer nesse dia. Mais longa que as anteriores etapas, tornou-se maior ainda. Duas dezenas de quilómetros apenas e uma avaria eléctrica deixa-nos parados na estrada. Simplesmente deixou de trabalhar. E, como tantas vezes acontece em África, do nada surge

alguém. Rasim não aparenta mais de vinte anos. Voluntarioso e empenhado, oferece ajuda. Descobrimos nele o virtuosismo de um mecânico inato. Confiamos na sua dedicação e arte. Convida-nos para irmos até sua casa na cidade mais próxima onde tinha o material para finalizar o trabalho. Retirou a bateria da lambreta que trazia para que a nossa mota pudesse chegar até sua casa. Em menos de um fósforo, resolvia o problema juntando uma oferta sentida de comida e água. Sobre a moto coloca o responsável, um fusível do alternador queimado. Com minúcia de artista, procurou sem sucesso a verdadeira causa do problema. O tempo esfumara-se e as horas de luz com ele. Observando a regra que ditáramos para a nossa viagem de não rodar de noite, a cidade de Kaolack após umas dezenas de quilómetros convenceu-nos a ficar, encontrando nela um hotel acolhedor, que nos fez recordar uma estância para xeques. No dia seguinte chegamos cedo à cidade de Dakar, onde queríamos gastar algum tempo. O imprevisto dá pelo nome de Tabaski. Conhecido assim na África Ocidental, tem outros nomes nas demais comunidades muçulmanas como Eid al-Adha, um dos dois mais importantes feriados religiosos do islamismo, celebrados por todo o mundo. Festejado durante quatro dias em ambiente familiar, levando todos a suas casas, tem por elementos centrais a partilha e o sacrifício animal, provocando enorme agitação no mercado na compra de cabras. A carne é tripartida, ficando

Layounne Cadaval 0 5 0 2 0 km

3 3

Tan-Tan

Um STOP ignorado e um seguro que pode não ser suficiente. Juntando a peça que falta — um agente da autoridade — está o caldo entornado.

Portugal

Amareleja El-Jadida

Oceano atlântico

Tiznit

Espanha

Marraquexe

Tanger

Sevilha

Argélia Marrocos Mar mediterrâneo

15


Em viagem

go-go

-Gomes

Up I Go, from Angola to Portugal João Gomes

João “Go-Go-Gomes” partiu sozinho de Angola para regressar a Portugal, mas escolheu o caminho mais longo.

60 dias

de Luanda, em Angola, a Alexandria, no Egipto.

9 17

países

D

epois de uma inesquecível experiência de dez anos, durante os quais vivi e trabalhei em Angola — apenas com boas memórias e muitas outras histórias para contar — tinha chegado a altura de mudar de projecto e país. Estavam reunidas as condições para concretizar um sonho que acarinhava desde que aterrara a primeira vez em Angola — regressar a Portugal por estrada. Muitas coisas foram mudando ao longo da minha estada em África. O ano de 2010 foi o líder destacado das maiores mudanças, uma das quais foi a compra da minha mota, ensejo partilhado com o meu amigo, Tiago. Em Angola não havia então representante da BMW Motorrad, pelo que descemos até à Cidade do Cabo onde compramos cada um a sua e nelas subimos até Luanda por estrada, explorando a fantástica Namíbia. Não nos esqueceremos tão depressa desses vinte dias e sete mil quilómetros, despertando em mim a vontade de repetir esta forma de viajar, uma estreia pessoal.

28

Aquecimento

Estava determinado a regressar às viagens de mota e, em 2012, aventurei-me na minha segunda expedição por África, desta feita sozinho. Sem grande preparação, lembro-me de fazer as malas, meter gasolina e arrancar. Repito a duração — vinte dias — mas escolho um novo destino, Malawi, movido pelo objectivo de mergulhar no lago homónimo. Atravessei a Zâmbia para lá chegar, escolhendo um percurso de retorno diferente, regressando à Namíbia depois de três anos da viagem inaugural. Esses oito mil quilómetros foram também um ensaio, um pequeno treino para esta viagem que vos conto agora, à qual chamei Up I go, from Angola to Portugal, destinei-lhe o ano de 2015, confiante que estas aventuras estavam ao meu alcance. O memorável mergulho nocturno no lago Malawi disputa o título de melhor recordação da viagem de 2012 com a travessia em canoa durante vinte e seis horas ininterruptas ao longo do rio Mussua, ligando Lumbala, na província do Moxico (Angola), ao Mongu (Zâmbia).

mil km de moto

Pág. Seguinte: Topo: «A» curva nas longas rectas namíbias. (@Sossuvlei, Namíbia) Centro: Nos Royal Cemeteries de Meroe. (@Sudão) Base: Uma girafa nas vizinhanças do Etosha. (@P. N. Etosha, Namíbia)


Angola — Egipto

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Em viagem

bruma Um gorila na

Carlos Azevedo

O que faz um tour leader profissional quando tem tempo livre? Viaja de moto.

D

epois de algumas semanas de viagem é normal que se ganhe um conforto estranho sobre a região onde viajamos. A ansiedade estabiliza, as preocupações desvanecem e cresce uma confiança que, em excesso, pode criar problemas. Foi o que aconteceu na fronteira de Rusumo, entre o Ruanda e uma das regiões mais isoladas da Tanzânia. Normalmente, é sensato preparar a travessia de uma fronteira e cumprir aquelas regras básicas que fomos aprendendo. Chegar com o tanque cheio — ou perto disso — dá bons resultados. Mesmo que no país que acabámos de visitar haja muitos postos de abastecimento, o mesmo pode não acontecer no país onde vamos entrar, portanto mais vale prevenir. Levar sempre divisa local para trocar na fronteira. Confiar que há ATM nas fronteiras é arriscado, principalmente em Africa. Levar o dinheiro contado para durar apenas até à fronteira também não é lá muito sensato. Por vezes somos tentados a fazer cálculos complicados para gerir minuciosamente as divisas todas antes de sair de um determinado país, como que assoberbados por uma avareza inexplicável de não perder uns cêntimos no câmbio da divisa excedente na fronteira. O resultado pode sair bem mais caro, por mais que euros e dólares sejam universais,

38

nem todos os aceitam, e quem os aceita pode pedir a taxa de câmbio que quiser, pois sabe que não vamos ter outra saída. Chegar cedo a uma fronteira é talvez a regra mais importante. Evitar as horas de almoço é sensato e apontar as travessias para as primeiras horas da manhã é uma boa estratégia. As condicionantes que determinam o tempo necessário para fazer o processo na imigração e alfândega são tantas, que nem a mais conceituada cartomante conseguiria prever. África, como muitos outros lugares do mundo, tem o seu ritmo próprio. Há que o respeitar e entender. Afinal, somos apenas visitantes. Prever demoras ajuda a evitar riscos desnecessários. Entrar num país novo, território desconhecido, ao lusco-fusco não é apenas arriscado, é estúpido. Sorrir. Sorrir como se não houvesse amanhã. Responder a todos os que nos dirigem a palavra e iniciar sempre a conversa com um esticar de mão e um animado — How are you sir/mam. Please to meet you, my name is... É meio-caminho andado para recebermos um sorriso de volta e iniciar uma conversa simpática e respeitosa que, para além de nos facilitar a vida, é provável que recebamos algumas dicas e sugestões para o caminho dos dias seguintes. Não levava grandes planos. Ignorava se a moto iria acordar de um sono de três anos, ao sol e chuva de Nairobi, no Quénia.

Um mapa por plano

Coloquei as expectativas lá bem em baixo, bem perto do zero. Estavam bem frescas as recentes tentativas de vadiar em São Tomé, goradas pela TAP que me deixou em terra por duas vezes, em Novembro e Dezembro. Na pior das hipóteses — caso a Bela Adormecida não acordasse por muitos beijos que este vosso príncipe lhe desse — contentar-me-ia em percorrer estes destinos de autocarro e comboio, concentrando-me nas ilhas índicas de Zanzibar e Pemba. Despertada, a moto levou-me nos primeiros dias pelo lago Nakuro e no Great Rift Valley no Quénia. Ainda estava em período de avaliação o comportamento dela, a uma distância prudente da capital, Nairobi, de onde partira. Ela foi ganhando a minha confiança, convertida em maiores distâncias, seguindo para norte na direcção do Uganda e da nascente do Nilo Branco, em Jinja. Depois de um dia retemperador dedicado ao rafting no Nilo, a mota pegou depois de parada 24 horas, mesmo com as manhas características. Acreditava ser possível ir até casa dos gorilas no Bwindi, dando a volta ao lago Victoria. Fui coleccionando os pontos de interesse, evitando as grandes cidades e procurando passar tão próximos dos grandes parques naturais quanto me permitiam, proibida a circulação de moto nos seus interiores. A excepção foi o Parque Nacional da Floresta Impenetrável de Bwindi. Penetrei


Sudão do Sul

Etiópia

Uganda Lago Kioga

Lago Albert

Somália

P. N. Virunga 1 Quénia R. D. Congo

Kampala

P. N. Queen Elizabeth

P. N. Nakuro

P. N. Bwindi

Nteko

Jinja (rio Nilo) Nairobi 0 0 0 0 0 km

Lago Victoria

P. N. Tsavo Ocidental

0 3 1 0 0 km

Kigali Ruanda

Rusumo

P. N. Amboseli

Serengueti

2

5 3

Tarakea Monte Kilimanjaro

Ngorongoro

Burundi Arusha

Reserva de Kigosi

Mombaça

Reserva de Moyowosi Ilha de Pemba Tanzânia 4 Lago Tanganica P. N. Mikuni

P. N. Ruaha

Zanzibar

Oceano Índico

Dar es Salaam

Lago Rukwa

Zâmbia

Malawi Moçambique

1 O rio Nilo Branco nasce aqui, no lago Victoria, onde as águas agitadas me seduzem para mais um «rafting» de águas rápidas.

2 A dureza do noroeste tanzaniano faz-se sentir nos caminhos e estradas esburacados, disputados com os muitos camiões da indústria mineira.

3 Aqui fiz o único safari da viagem, mas de táxi para controlar os custos. Lembra que, nesta zona de África, um «game drive» começa nos 400 dólares americanos, os quais prefiro guardar nos meus pequenos bolsos para gastar em outras coisas.

4

5

Pesadas bem as opções e os custos, decido voar para Zanzibar e aí pôr as pernas ao alto e bebericar nas palhinhas encaracoladas dos cocktails na praia. Fiz escala rápida em Dar Es Salaam antes de regressar ao continente.

A desconhecida fronteira de Tarakea é um segredo bem guardado. A juntar à estrada única que a liga ao Kilimanjaro, é pouco procurada.

Quénia, Uganda, (Congo), Ruanda, Tanzânia

39


Viajante

Mota eastbound Mr.

Sabes quando olhas para trás um ano e dizes “Quem é este?” Esse é o meu maior receio, ainda ser o mesmo.

A N.E.: A viagem do Pedro não se esgota - nem caberia- nestas páginas. Esta é a lista dos países nos quais viajou. Holanda Alemanha Bélgica Luxemburgo França Suiça Itália Eslovénia Croácia Hungria Sérvia Montenegro Albânia Grécia Arménia Nagorno-Karaba* Irão Turquemenistão Usbequistão Tajiquistão Quirguistão Cazaquistão Rússia Mongólia Japão Austrália * País não reconhecido

50

viagem do Pedro Mota é bastante maior que os episódios que publicamos nesta edição, percorrendo quase trinta países, desde a Holanda onde vivia, até à Austrália. O que se segue é a sua resposta quando lhe perguntamos quais os momentos mais marcantes.

— Foi no norte da Albânia, com alguma surpresa que — confessa —, saindo da estrada para uns curtos 40 km, fui surpreendido por um sentimento de pura alegria. Mais tarde apercebi-me das semelhanças com o terreno que encontraria após o Irão, muito parecido com o Tajiquistão. A melhor travessia de fronteira acaba por ser igualmente surpreendente. — Em pleno Curdistão, no norte do Iraque — revela — saí da fronteira com um visto sem termo na mão, depois de partilhar risos e gargalhadas. A viagem a este país, castigado com violência e guerra, trouxe-lhe uma beleza inesperada, hospitalidade genuína, condução tresloucada e pores-do-Sol no deserto. Por tudo isto, a TREVL encorajou-o a desenvolver este episódio, publicado nas páginas seguintes. A viagem é também feita de países que não existem, mas lutam para o ser. É assim que encontra Nagorno-Karaba, em alerta máximo militar há dois decénios, altura em que abandonou a URSS. As ruínas de aldeias dizimadas estão por toda a parte, e a


51


3

Lisboa 0 0 0 0 0 km

Georgia

Istanbul Ankara

Wahga—Amritsar é a única fronteira aberta entre Paquistão e Índia — apesar de partilharem uma das maiores fronteiras terrestres — e a sua utilização está reservada a cidadãos estrangeiros.

Turquia

Turquemenistão

1

Teerão

Síria

Wahga/Amritsar 3

Irão Afeganistão

IRaque

Isfahan Baluquistão 2

Jordânia Kuwait

Egipto

1

Em Ankara passei duas semanas para obter o «Carnet de Passage», emitido em Portugal, necessário para prosseguir viagem.

P

retendia derrotar a ideia de isolamento de Timor — longe de tudo, perdida nos confins do mundo, no meio do Índico, de difícil acesso. Assim, por terra atravessei Ásia e Europa. Quando a água se interpôs ao caminho optei pelo ferry. Foi a primeira ligação terrestre directa entre Portugal e Timor, o mais longínquo território de expressão lusófona. Escolhi a data para festejar os 500 anos da chegada dos Portugueses a Timor e do início da Missionação em Timor-Leste e Afirmação da Nova Identidade Timorense. Em 1515 foi o mar que uniu a ocidental praia lusitana às bucólicas e doces praias de areia fina de Oe-Cusse Ambeno. Carreguei comigo o simbolismo da amizade e solidariedade que une os dois povos irmãos e todo o espaço lusófono. Esperava com a viagem sensibilizar para a melhoria urgente das condições de vida das crianças de rua de Dili, através dos projectos da ONGD SUL — Timor. A viagem não termina aqui. Alimento a esperança de conseguir estender a divulgação desta nova Rota do Sândalo para que se torne percursora de outras viagens.

62

Paquistão

Arábia saudita EAU

Oman

Iémen

2 A constante troca de escoltas era um factor de insegurança ela mesma, apresentando-se os escoltas muitas vezes sem qualquer identificação e trajando à civil

Confidenciei as minhas orações ao Mosteiro dos Jerónimos, qual navegante. No século xxi há ainda espaço para aventura e descoberta. Esperavam-me os conflitos — filhos bastardos da natureza humana — que sangram o Curdistão, a fronteira entre Síria e Iraque, o Baluquistão, os estados Shan e Mon na antiga Birmânia. O mar que nos separa não é obstáculo e, como o juramento lulik (sagrado) de sangue, a amizade entre Portugueses e Timorenses perdura e esta nova Rota do Sândalo encorajará outras viagens.

A banhos turcos

armados de Kalashnikov. Em muitos casos é a própria policia do Baluquistão que efectua os raptos e sequestros de estrangeiros a seu cargo passando-os para os talibãs.

Depois de atravessar o continente europeu, vejo-me parado na capital turca, Ankara, durante duas semanas. A agência contratada garantira-me obter a autorização de passagem da moto pelos países que requerem a apresentação do documento de livre-trânsito denominado Carnet de Passage en Douanne. Fora atraído pelo valor reduzido face ao exigido em Portugal, onde pagamos 414 dólares americanos ao Automóvel Clube de Portugal, acrescidos ao depósito de caução no valor de 27 mil euros, equivalente a

Índia


Em viagem

Dili Lisboa

Rui Correia (TREVLer)

Nepal

Varanasi

“Ali também Timor, que o lenho manda Sândalo, salutífero e cheiroso.”

4 Siquim Butão

Luís Vaz de Camões, Canto X —Os Lusíadas

Bangladeche

5

Índia

myanmar Mandalay Laos 4

Tailândia Banguecoque Camboja Vietname

N

O estado do Siquim aderiu à União Indiana em 1975 após a realização de um referendo que aboliu a monarquia, mantendo-se no entanto no território uma guerrilha activa que não

aceita a integração. Para entrada na região é necessária a autorização especial de circulação e passagem das autoridades policiais e militares do estado.

Sri lanka

Klang

Malásia Kuala Lumpur Malaca

6

Malásia Indonésia

Indonésia

Indonésia

5 A obtenção de vistos para a travessia do Myanmar é condicionada e muito difícil de obter as autorizações necessárias, apenas conseguindo o visto presencialmente na Embaixada em Roma. A circulação está condicionada à contratação de uma equipa de guias e intérpretes, credenciada pelo governo — que junta um elemento destacado por si — para me acompanhar, mesmo que apenas em trânsito da

fronteira com a Índia até à saída na Tailândia. Entre a Índia e o Sudeste Asiático, está projectada uma estrada que constituirá um corredor internacional entre as duas regiões, mas que não saiu ainda do papel. Hoje, esta ligação faz-se por uma estrada tortuosa, longa e péssima, elevando a dificuldade na comunicação entre estes espaços geográficos e económicos de grande potencial.

Jacarta

Timor-leste Dili 2 8 0 2 0 km

Austrália 6

O acesso da mota ao barco no porto de Klang — equacionado para eventuais motos de 50 cc — é desafiante, por escadas e portas diminutas. Levada

em peso até ao interior cabinado da embarcação, onde ficou instalada para a travessia de quatro horas entre a Malásia e o norte da ilha de Sumatra.

Lisboa —Dili

63


Em viagem

Istão

Segue dia-a-dia as aventuras do João na sua página de Facebook do projecto Kangaroo Route.

avisados

João Pedro Fernandes (TREVLer)

Desertos e ditadores, yurts e nómadas, cidades da Rota da Seda, subestimadas e impressionantes cadeias montanhosas, escombros soviéticos, e algumas das melhores estradas do mundo. Sozinho

N.E.: Nas edições de Verão e OutonoInverno de 2015 da TREVL, o TREVLer João Pedro começou a viagem connosco, altura em que nos deixou pendurados no Irão.

— Miguel, já reservaste o teu bilhete? — perguntei. — Não. Mudei de ideias. Afinal já não vou. — O quê? Não vais para a Austrália? Mas estamos a planear esta viagem há meses! — Sim, eu sei — desculpa-se o Miguel —, mas surgiu uma oportunidade e decidi ir para a Alemanha. Durante os próximos dias tentei que o meu amigo reconsiderasse, sempre sem sucesso. O Miguel tinha mudado de ideias e não havia nada ao meu alcance que o demovesse. A nossa viagem para a Austrália — a aventura que planeáramos juntos — tinha acabado de sofrer um revés. E nenhum dos meus amigos parecia querer substituí-lo. Se eu queria viajar, tinha que o fazer sozinho. E assim o fiz. Esta experiência ensinou-me que esperando arrisco não ir a parte alguma. E há lugares onde quero ir, pessoas a conhecer, experiências a ter e apenas algum tempo para o concretizar. Pode ser assustador, viajar sozinho, mais ainda quando nunca o fizemos. Mas, para mim, envelhecer sem experimentar tudo o que quero da vida é ainda mais assustador. Anos mais tarde não hesitei e deixei Portugal com a mota

70

por companhia e nenhum destino particular em mente. Agora, aqui, hoje, decidi viajar sozinho, viver a minha próxima aventura. Não me importava de ter alguém comigo, mas a solo dá-me a liberdade de fazer o que e quando quero, e enquanto me apetecer. A rota e itinerário são meus, sem divergências e gestão de susceptibilidades. Encontro bastante mais pessoas do que acompanhado, mais aptos para tomar a iniciativa de conhecer outros viajantes e locais. A rota é em ocasiões partilhada, com o Martin na Geórgia, o Holger no Irão, o Ricardo no Usbequistão e o Daniel no Quirguistão. A compartilha sabe bem, naqueles dias mais duros — e houve alguns — quando vítima do cansaço, doença ou ressaca recomeço vezes sem conta levantar a moto deitada de lado, ou perder-me horas no mapa tentando revelar o caminho certo. Aí foi bom ter um amigo a meu lado para ajudar, ou apenas compartilhar.

Sem dinheiro

Não era a primeira vez que me vira com a conta bancária quase vazia no estrangeiro, quando no Verão de 2007 acreditei serem suficientes 500 euros para viajar um mês pela


Actualizamos os contadores, desde o início da viagem.

23

Karakul

Issilkul

Almaty

+1

China

países

Nagorno-Karabah ainda luta pelo estatuto de república independente

Song-kul

Bisqueque

Tash-Rabat Kazarmam

233

Cazaquistão

dias

na estrada desde Lisboa

Murgabe

Osh

Quirguistão

Kalai-kul

Fergana

26

Balai-kul

Vale de Wakhan

Paquistão

Tajiquistão

Mil km

Tasquente

desde o início

1213

Khujand

!

Duchambé

Samarcanda

Usbequistão

823

Bucara

km

só em gasolina Turkemenabate

2,6 ton Co2

(13 árvores) Pegada de carbono desta viagem à data

Afeganistão

Montanhas Fann

Isso em abastecimentos dá uma série deles

Euros

Khorog

!

Um pedra na roda, um pé na pedra. Uma roda estragada e um pé arruinado.

Litros

958

Kalai-Kumb

Bayramali Khiva

foi a máxima extensão feita num único dia

17:04 horas de vídeo

Turquemenistão

Nem quero pensar na dor de cabeça que vai dar editar tudo...

Asgabate 1 6 9 0 0 km Cazaquistão

Irão

150

noites “free”

N

Sem pagar. “Couchsurfing rocks!”

Turquemenistão, Usbequistão, Tajiquistão, Quirguistão Mar cáspio

71


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