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CONCEPÇÕES EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE DANÇA

estudantes/ano, começou a aproximar o ensino de Dança à perspectivas voltadas para a concepção de Educação Integral. Cada vez mais se refletia sobre como a Dança poderia atuar na formação dos/as estudantes, para além das relações de criação e apresentação de trabalhos coreográficos.

Apartir de 2010, em termos de recursos financeiros, o ensino de dança nas escolas públicas ganhou um pequeno reforço com a criação do Projeto Mais Educação, do Governo Federal, que, embora tenha sido concebido em 2007 (Portaria Interministerial nº 17/2007), só foi regulamentado no inicio da década passada (Decreto 7.083/10). Neste caso, mesmo o valor destinado à remuneração dos/as instrutores/as que ministravam as aulas de dança ser questionável (na perspectiva de uma expressão digna para o trabalho desenvolvido), muitas escolas conseguiram, por algum tempo, se beneficiar deste instrumento e manterem algum tipo de ensino de Dança.

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Neste meio tempo, em 2005, na Escola Municipal João Porfírio de Lima Cordão, foi criado o Cordão Grupo de Dança, marco na história deste ensino em escolas públicas por conseguir aliar os fazeres artísticos a objetivos educativos e ainda desenvolver um trabalho de inclusão, educacional e social. Nas palavras de Marcos Aurélio de Araújo Alves, Secretário Executivo da SEMEC (2010-2011):

Falar do Grupo Cordão é ter oportunidade de comentar o seu trabalho na perspectiva 3D: como pessoa, vejo o grupo como resultado da ousadia e determinação do profissional e amigo Roberto Freitas, que inquieto com as clássicas "formas" de dar aula de Educação Física, resolveu trazer conceitos, como identidade, gênero, acessibilidade, para as suas aulas de Educação Física, num nicho geográfico e escolar que era de espantar. Como Secretário Executivo da SEMEC, quando estive, vi o grupo, agora amadurecido e sólido, e por força do ofício, eu devia oportunizá-lo. Assim fiz. Oportunizamos que esta brilhante experiência fosse mostrada, conhecida e reconhecida no nordeste e sudeste, e mandamos o grupo para eventos específicos da dança regional, nacional e internacional, e para nossa certeza e tranquilidade, na bagagem de volta do Grupo vinham vitórias e certificações de qualidade que davam visibilidade invejável a esta forma de fazer educação, invejável, por aqui. Como diretor acadêmico de uma IES, oportunizei o Cordão a mostrar-se num Seminário Internacional, e nesta feita, foi vangloriado pela crítica nova iorquina, que estava presente, e que relatou que nunca dantes tinha visto um trabalho de grande valia como o do grupo, que mesclava conceitos nobres e de tamanha relevância na discussão do hoje.

Assim, vejo que o Grupo, com seus membros, merecem o nosso respeito educacional e pessoal, uma vez que hoje e sempre fez o diferencial na Educação de Teresina, levando, através da interdisciplinaridade, a mescla de conteúdos e conceitos clássicos e modernos para as piruetas, para os gestos, para os passos contemporâneos onde a dança educa, cidadaniza pessoas e promove felicidade e igualdade dos que dançam e dos que assistem [...] (FREITAS; BREBIS, 2018, p. 186).

O trabalho desenvolvido pelo Cordão Grupo de Dança chamou a atenção para inúmeras possibilidades de se desenvolver a Dança nas escolas de Ensino Fundamental, e, a partir de 2018, a Dança passa a ser vivenciada nas Escolas de Tempo Integral (ETIs), da rede pública municipal de ensino de Teresina, como um componente curricular, ou seja, nestas escolas, a Dança se constitui em uma área de estudo, para além de ser conteúdo obrigatório do componente curricular Arte (BNCC) e integrar também o campo de atuação da Educação Física.

Aárea de conhecimento da Dança, nesta rede de ensino, compõe um chamado Núcleo Diversificado que é formado por diferentes linguagens artísticas e outras matérias de ensino, a saber: Desenho, Iniciação Musical, Teatro, Projeto de Vida e Protagonismo Juvenil, e ainda, Xadrez. Seis disciplinas que, embora não sejam obrigatórias, vem cada vez mais comprovando o seu enorme potencial enquanto produtoras de conhecimentos, e que, a partir desta e de outras premissas, acabam por se tornar importantes caminhos para as práticas educativas, enquanto meio de formação humana afluindo para uma Educação Integral, concepção sobre a qual falaremos na próxima sessão.

Quando saio de casa para trabalhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de que, inacabados e conscientes do inacabamento, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa

capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos.

Paulo Freire

Valendo-se do pensamento de Paulo Freire, quero iniciar esta sessão com a ideia de que em educação todos/as devemos ser sujeitos/as do conhecimento e que este é produzido nas e a partir das relações que se processam entre todos/as os/as agentes educacionais envolvidos/as, principal-

mente professores/as e estudantes, desde que não se coloquem, nem sejam tratados/as, como “puros objetos”. Na contemporaneidade, não cabe mais pensar o ensino como transmissão de conhecimentos, como se as pessoas fossem depósitos de uma “educação bancária” (FREIRE, 1987). Prefero pensar em uma educação que não só considere os conhecimentos das corpessoas, mas entenda a produção de conhecimento com elas, e, por esta perspectiva, mergulhar em caminhos que promovam autonomia e emancipação, no intuito de formar cidadão/as reflexivos/as, críticos/as e atuantes.

Aideia de inacabamento e de se fazer sujeito/a das práxis educativas, aqui acompanham a ideia de produção de conhecimentos como resultado das relações entre corpessoa e mundo, que são contextuais, ou seja, sob a perspectiva de que aquela produção depende do que, do comoe do ondese processam tais relações, observando também se estas convergem para a efetivação das aprendizagens, que é uma condição primeira para se considerar realizados os processos de ensino (FREIRE, 2001).

Trabalharei então por meio de uma perspectiva rizomática, onde, diferentes pressupostos epistemológicos conectam-se em uma rede de saberes e fazeres que, como no conceito de rizoma (DELEUZE;

GUATTARI, 2014)12 , não tem um centro, uma hierarquia para definir um sistema único de pensamento, que seja superior a outros, mas, opera em um plano de pensamentos onde o conhecimento é produzido e se estrutura sob diferentes pontos de observação e conceitualização, cujos brotos podem ramificar-se em qualquer ponto. Aperspectiva rizomática constitui a base desta proposta.

Observando que diversas são as dimensões do crescimento e desenvolvimento humano (do cognitivo~motor ao socioemocional~afetivo, dentre outras) e conectando a estas, diferentes teorias educacionais, constituirei esta perspectiva rizomática com pressupostos epistemológicos que, em minha percepção, servem para pensar uma educação que se comunique com a “[...] construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2018, p. 7), que torne os “saberes da escola contemporâneos das inovações científicas, tecnológicas e culturais” (TERESINA, 2018, p. 16), ou seja, uma rede de concepções que reflitam e promovam o desenvolvimento pleno de uma corpessoa, aqui incluindo: o combate a modos de colonização, controle social ou dominação de qualquer ordem; o respeito à diversidade, em todas as suas perspectivas; o combate a pensamentos e atitudes machistas e heteronormativas; a formação de cidadãos/ãs – corpessoascríticas, reflexivas, autônomas e emancipadas; entendimentos da miscigenação na formação do povo brasileiro e combate ao racismo e toda forma de discriminação; dentre inúmeras outras necessidades que possam surgir, pois, numa perspectiva rizomática, um fluxo pode ter um corte, enquanto um broto nasce em outro ponto, e, assim, como na própria vida, segue seu curso, re/estabelecendo suas próprias prioridades, bem como suas intensidades, a partir de diversos e diferentes contextos, que surgem dos/as próprios/as estudantes, das corpessoas.

Em movimento de reflexão contínua sobre o que trata a perspectiva rizomática, faz-se necessário elencar as principais concepções e seus/suas autores/as, que se conectam a esta rede de potencialização da educação como vida, da Dança em seu aspecto formativo; pensar como esta rede pode embalar a Educação Integral de uma corpessoa.

12 Conceito de Gilles Deleuze e Felix Guattari (2014) que baseia-se na estrutura de algumas plantas para fazer pensar em um sistema epistemológico onde não há uma raiz única e dominante: o conhecimento se desenvolve sob diferentes pontos de observação e conceitualização, cujos brotos podem ramificar-se em qualquer ponto, sem hierarquização entre os saberes, sem um centro específico. Conforme será abordado mais adiante, esse conceito orienta a presente proposta curricular, que se compreende como um grande rizoma, tal qual a imagem da capa deste livro, elaborada pelo artista visual e designer gráfico piauiense Tupy Neto.

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