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20 ANOS DEPOIS, UM NOVO E 'GRANDE ENCONTRO' ENTRE ALCEU, ELBA E GERALDO

SEM ZÉ RAMALHO, ENVOLVIDO NAS COMEMORAÇÕES DAS SUAS QUATRO DÉCADAS DE CARREIRA, OS TRÊS EXPOENTES DA MÚSICA NACIONAL RECRIAM EM SÉRIE DE SHOWS O CLIMA MÁGICO DA TURNÊ DE 1996

Por Christina Fuscaldo, do Rio

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A notável produção de Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho ficou espremida, nos anos 1980, entre dois movimentos que tiveram suas expressões amplificadas, o Tropicalismo (iniciado na década de 1960 e ainda com reflexos muito tempo depois) e o BRock 80. Os redentores anos 1990 assistiram à revalorização desses quatro expoentes nordestinos da música nacional, principalmente após a reunião deles no projeto O Grande Encontro, em 1996. Sucesso retumbante de bilheteria por onde o show passava e de venda de discos em todo o Brasil, o grupo partiu para a segunda e a terceira edição, em 1997 e em 2000, mas sem Alceu, que mudou de gravadora e não pôde participar, então.

Neste 2016, vinte anos após eles mostrarem a todos os frutos de uma parceria surgida há mais de quatro décadas, renasce a ideia de celebrar com uma nova reunião. Agora, quem não está presente é Zé Ramalho, que não topou participar por estar ocupado com os eventos de comemoração de seus 40 anos de carreira. Foi, portanto, o trio Alceu, Elba e Geraldo que estreou em setembro, no mítico Metropolitan, no Rio de Janeiro, um espetáculo nada repetitivo (com mais de quatro mil ingressos vendidos em menos de 10 dias), além de gravar em São Paulo um novo CD/DVD e já sair em turnê por outras cidades brasileiras.

'ALGO NOVO, DIFERENTE'

"Nós estamos fazendo algo novo, cantando coisas diferentes. Tem composições novas, é uma outra sonoridade. O show está musicalmente fantástico, porque somos três artistas de muita produção e de muita história. A única coisa antiga que tem na minha apresentação individual é 'Chão de Giz', que vai ser minha homenagem a Zé Ramalho e é um clássico que está na história d'O Grande Encontro, na dele, na minha e na de nós dois. Lamento muito que Zé não esteja com a gente. Nesse show, dois é bom, três é maravilhoso e quatro seria perfeito", resume Elba.

Como em 1996, o novo encontro surgiu de uma parceria de dois. Naquela época, Zé e Geraldo estavam apresentando o show “Dueto” e já tinham plano de gravar CD e DVD quando Alceu e Elba entraram para a trupe. Desta vez, Elba e Geraldo é que vinham percorrendo o Brasil com o espetáculo “Um Encontro Inesquecível” e já estavam quase gravando CD e DVD quando surgiu uma proposta, vinda de uma empresa instalada há 20 anos no país, de montar novamente O Grande Encontro para uma celebração dupla de aniversário. Sem Zé, a parceria não se consolidou e, consequentemente, o patrocínio não veio. Mas a vontade de subir ao palco juntos já estava grande demais para o trio desistir.

"Chegou a surgir a ideia de chamar outra pessoa para substituir Zé, mas a empresa acabou não aceitando e achei melhor assim, só nós três. Eu nunca concordei com isso. Não seria O Grande Encontro. E o que temos que comemorar é o sucesso que tivemos por causa da originalidade do projeto. Não vemos problema em repetir certas canções porque o público que acompanha nossa trajetória sempre quer nos rever. E há novas gerações que estão assimilando todo o nosso trabalho mais recentemente. Sigo achando que um dia os quatro ainda vão se juntar de novo, porque existe uma relação muito forte de interação em nossas carreiras", diz Geraldo.

NO PRINCÍPIO ERAM OS RAMALHO

Zé e Elba se conheceram quando ela tinha 14 anos e tocava bateria em uma banda de rock da Paraíba. Ele, com 16, era guitarrista de um conjunto de baile local. Ela é hoje a intérprete que mais gravou composições do compositor paraibano. Geraldo conheceu Alceu em Pernambuco e estreou em disco junto com ele, em 1972: os dois dividiram o repertório de "Quadrafônico", um dos primeiros LPs a serem gravados usando o sistema quadrafônico, ou 4.0, que, com o uso de quatro canais de áudio estéreo, era uma novidade para a época. Zé e Alceu se conheceram na casa de duas irmãs que eles namoravam, e logo um passou a fazer parte dos projetos do outro. Com Zé, Geraldo compôs uma série de canções. Enfim, é história que não acaba mais.

"Zé é parceiro de Alceu e é meu parceiro. Elba gravou muitas músicas de Zé e minhas também. Então, esse elo que existe entre a gente é infinito, interminável", celebra Geraldo.

DOS VIOLÕES PARA UMA BANDA TODA

Diferentemente da primeira edição, em que o show foi todo à base dos violões de Alceu, Geraldo e Zé, o novo O Grande Encontro tem uma banda de peso, formada pelos profissionais que acompanham Elba com adesão de alguns dos músicos de Alceu e Geraldo. Estão no palco com o trio Paulo Rafael e Marcos Arcanjo (violão e guitarra), Cássio Cunha (bateria), Nei Conceição (baixo), César Michiles (flauta), Anjo Caldas (percussão) e Meninão (sanfona). O repertório celebra o show de 1996 principalmente quando os três estão juntos no palco: de lá, eles resgatam "Sabiá", "Banho de Cheiro", "Pelas Ruas Que Andei" e "Frevo Mulher". Do encontro de 2000, vieram "Caravana" e "Táxi Lunar". Em seus momentos solo, eles também relembram sucessos antigos, mas músicas novas ou algumas até hoje desconhecidas do grande público dão o ar de novidade ao espetáculo.

"Incluí no roteiro uma música minha inédita chamada 'Ciranda da Traição' e resgatei 'Papagaio do Futuro', que defendi no Festival Internacional da Canção de 1972 junto a Jackson do Pandeiro. Tem também uma música chamada 'Me dá um Beijo' de minha autoria que Geraldo me lembrou que nós gravamos no 'Quadrafônico'. Mas também canto as mais conhecidas, como 'Coração Bobo' e 'Tropicana'", conta Alceu.

"Ciranda da Traição" não está em disco algum de Alceu, mas é velha conhecida de quem frequenta seus shows de carnaval. O pernambucano leva também ao palco "Cabelo no Pente", "La Belle de Jour" e, com Elba Ramalho, "Ciranda Rosa Vermelha" e "Flor de Tangerina", sucessos nas trilhas sonoras das novelas "A Indomada"(1997) e "Velho Chico" (2016), respectivamente. Com Geraldinho, seu conterrâneo, além de "Papagaio do Futuro", ele canta "Moça Bonita".

'OBEDECEMOS A HISTÓRIA DA MÚSICA'

"Faço oito tipos de shows diferentes, um com orquestra, o acústico, o de carnaval, o de São João, um mais metropolitano e até um de rock que não é rock, como definiu um jornalista americano que me viu tocar em Nova York certa vez... Em O Grande Encontro, cada um pode escolher a sonoridade que quer para sua apresentação individual. Quando tocamos juntos, obedecemos a história da música", explica Alceu.

Com a saída do amigo do palco, Geraldinho ataca sozinho de "Sétimo Céu", "Parceiros das Delícias", "Dia Branco" e a parceria inédita com Abel Silva "Só Depois de Muito Amor". Com Elba, ele canta e toca "Bicho de 7 Cabeças II" e "Canta Coração", composição dele e de Carlos Fernando que inaugurou o repertório do primeiro LP da cantora paraibana, "Ave de Prata", lançado em 1979. A composição é dos tempos em que a dupla dividia apartamento no Rio em um "casamento sem sexo", como declarou Elba no palco carioca.

"Eu sempre achei que Elba tinha que cantar. Naquela época, ela fazia uma peça, mas eu já achava que ela devia cantar", relembra ele.

Sozinha, além da já citada "Chão de Giz", Elba arrebenta interpretando "Sangrando" - que trouxe do show do Prêmio da Música Brasileira que homenageia Gonzaguinha - e faz um medley celebrando a obra de Dominguinhos com "Abri a Porta" e "Eu Só Quero Um Xodó". Sempre contando histórias no palco, ela entoa "Candeeiro Encantando" lembrando que foi a primeira cantora a gravar uma música de autoria de Lenine. O que o público perdeu desta vez foi a estreia da cantora como compositora de música não religiosa.

"Eu ganhei uma força como intérprete com 'Sangrando' nos shows do prêmio, por isso quis continuar cantando. Não foi fácil escolher o repertório porque tenho mais de 800 músicas gravadas de outras pessoas. E, apesar de querer agradar ao público com sucessos, gosto de desafio, de novidade. Eu queria incluir uma composição que fiz com Geraldinho e Tony Garrido, mas não ficou pronta em tempo. As melodias vivem aqui, saindo, mas eu sou preguiçosa. Em disco meu, só tem música religiosa que eu fiz", conta Elba.

O Grande Encontro está sob o comando do produtor e diretor cultural pernambucano André Brasileiro, que dirigiu o show do premiado CD/DVD "Cordas, Gonzagas e Afins", de Elba Ramalho. Um show à parte, o cenário elaborado por Gringo Cardia a partir de obras do artista plástico baiano J. Cunha muda a cada número, colorindo o visual nos mesmos tons das músicas.

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