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Algortimo, o novo curador

Como as informações coletadas a partir dos nossos hábitos de consumo por serviços como Spotify e YouTube substituem as recomendações humanas e determinam o que vamos escutar ou ver

por_ Lúcia Mota ∎de_ Nova York ∎ Colaboração_ Alessandro Soler ∎ de_ Madri

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Desde tempos imemoriais, o boca a boca reinou absoluto como o mais eficaz meio de promover uma obra de arte, um artista ou um estilo. Então, surgiu o algoritmo. De modo similar ao que ocorre nas redes sociais — nas quais, nestes tempos polarizados, muitos de nós nos cercamos quase que exclusivamente de pessoas com visões de mundo similares —, os programas que recomendam novas canções e novos vídeos nas principais plataformas de streaming podem estar nos fechando em nós mesmos. Ao nos direcionar a playlists com conteúdos similares ao que acabamos de consumir — ou cruzando nossas últimas audições/visualizações para oferecer uma seleção só um pouco mais ampla —, YouTube, Spotify ou Apple Music se tornam os novos curadores da música mundial e, dizem alguns, ameaçam a feliz, prazerosa descoberta de coisas completamente diferentes.

Os algoritmos estão baseados em big data, os volumes inimagináveis de informações e dados sobre tudo o que fazemos e consumimos em rede, e que são cada vez mais usados pelos serviços digitais. Um like, um clique, uma visita a uma página, um comentário: tudo cai na rede dos sistemas, que rapidamente compilam as informações, transformando-as em padrões sobre nós. Diferentes algoritmos classificam os dados a partir de um valor numérico — similar aos sistemas de uma a cinco estrelas que os sites nos oferecem para avaliarmos um conteúdo qualquer. Num serviço de streaming, quanto mais “estrelas” tem uma obra, a partir dos nossos gostos, maior a possibilidade de ela aparecer como produto recomendado. Ou seja, antes mesmo de nós sabermos se curtiremos a obra em questão, o algoritmo já sabe que a resposta, provavelmente, será sim.

Lyor Cohen é o todo-poderoso chefe mundial de música no YouTube, o gigante do grupo Google que domina o streaming global mas que, apesar de alguns tímidos intentos de melhora, continua a ser reiteradamente acusado de remunerar mal aos criadores das obras publicadas por seus usuários. É ele a mente por trás do plano YouTube Music, um recémanunciado serviço de assinaturas premium (a US$ 9,99 ao mês) que aspira a lutar de igual para igual com o Spotify. Cohen quer consolidar o YouTube como uma plataforma de lançamentos de canções licenciadas e, finalmente, deixar para trás a pecha de maus pagadores.

“Essa é uma demanda da comunidade de criadores, das gravadoras, dos artistas e também nossa. Vamos apostar nesta solução de dois modelos, a assinatura e os anúncios. Entendemos que somos a maior plataforma global onde se consome música, então nossa decisão animou a todos”, afirma.

Rapidez e pontaria

por_ Alex Schiavo* ∎ do_Rio

A importância da curadoria de música, seja a criada por nós, humanos, seja a dos algoritmos, divide-se meio a meio. Porém, parece óbvio que, pelo extenso catálogo de mais de 40 milhões de músicas das plataformas, além das centenas de milhares adicionais às agregadoras diariamente, é impossível, para nós, vencer a rapidez e a pontaria dos algoritmos. Um dos exemplos de como a distribuição digital vem ajudando a romper barreiras é a maior penetração da música latina em espanhol no Brasil. O escasso acesso desses artistas à mídia tradicional tornava difícil o aumento do conhecimento e do consumo. Aqui, a curadoria também é fundamental para solidificar novos ritmos e gêneros. Vivemos um dos momentos mais excitantes da música, sem barreiras e limitações.

*Especialista em música digital, Alex Schiavo é diretor-gerente do agregador Altafonte no Brasil

É Cohen também grande impulsionador do algoritmo como seleção de conteúdos na plataforma que codirige. A função desse robô selecionador é manter o usuário o mais tempo possível no YouTube, assistindo a um vídeo após o outro, entretido e sem muito tempo de clicar em outros sites. Ele admite que mais da metade dos vídeos reproduzidos ali são sugestões feitas pelo algoritmo a partir de algum tipo de conteúdo pesquisado pelo usuário ou aleatoriamente oferecido a partir das reproduções mais populares. As ferramentas que permitem essa ação computadorizada estão se sofisticando.

Teremos em breve um serviço que seguirá sua localização e oferecerá uma playlist poderosa.”

Lyor Cohen, YouTube

Um papel que, nas últimas décadas, foi desempenhado principalmente por radialistas, curadores e jornalistas musicais. Mas que a popularização das plataformas de streaming, hoje responsáveis por nada menos que 38,4% do faturamento global de música (55,1% no Brasil), segundo dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), vem alterando rapidamente.

As gravadoras, sempre pragmáticas, já entenderam isso e, de mãos dadas com os agregadores digitais, apostam no sucesso de playlists em nível local para atingir melhores posições nos rankings globais de execuções das plataformas — entrando, assim, no radar dos algoritmos. Num efeito exponencial, esperam conseguir deslanchar a difusão de uma música ou um artista no qual apostam suas fichas.

“O Brasil tem mais celulares que pessoas. Os serviços digitais crescem em uma velocidade muito grande. Quando um hit de qualquer gravadora tem êxito no Brasil, ele automaticamente salta no top global. As pessoas lá fora se identificaram com a nossa batida do funk depois que passaram a escutar, graças ao digital”, analisa Paulo Lima, presidente da Universal Music Brasil. “Há o chamado efeito urban music, que é global. Se puxar qualquer lista das mais tocadas globalmente, a música urbana lidera. O YouTube tem um papel fundamental. Outra vez, o Brasil cresce muito na exposição de conteúdo porque é muito grande. Somos o terceiro país no YouTube, o segundo nas playlists digitais. Estourou aqui, vai saltar para o mundo.”

No Spotify, a coisa funciona de modo bastante similar. Algumas das playlists mais populares, como “Top Brasil”, “Esquenta Sertanejo” ou “Pop Up”, são administradas por pessoas, que usam, claro, dados de algoritmos para montar uma seleção “matadora”: o que mais bomba nos países-chave tem maiores chances de entrar nas listas. Por isso, gravadoras, agregadores e artistas que mantêm suas próprias playlists se esforçam para divulgar suas publicações, de modo a subir nos rankings brasileiros e globais de audições e acabar detectadas pelos administradores das playlists.

Os algoritmos limitam a descoberta de novos artistas e singles”

Fabiane Pereira, jornalista e apresentadora de rádio

Ou seja, se trata aqui de uma interessante simbiose entre algoritmos e curadores humanos.

Afinal, a preponderância destes sobre aqueles deve valer sempre. É o que defende a jornalista Fabiane Pereira, curadora e apresentadora do programa “Faro”, sucesso por anos na extinta rádio MPB FM, do Rio de Janeiro, ao revelar a nova produção brasileira. Atualmente, a atração ocupa a programação da rádio SulAmérica Paradiso, também na capital fluminense.

“Sozinhos, os algoritmos limitam a descoberta de novos artistas e singles. Dão a falsa sensação de estarmos descobrindo sonoridades organicamente quando, na verdade, estamos apenas sendo impactados por uma imposição mercadológica. Claro que os algoritmos facilitam a vida daquele consumidor que quer apenas ouvir um som no seu gênero musical preferido, mas o papel do curador continua a ser muito importante, ao descobrir ativamente novos sons, ao ir aos shows, ao apostar no boca a boca dos amigos. Como antigamente e como creio que sempre será.”

LEIA MAIS! Duas formas de usar o Spotify ao seu favor (e “manipular” o algoritmo é uma delas). ubc.vc/ALmais

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