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Autores Mobilizados
Leis em discussão na Europa e nos EUA estabelecem as bases de um novo entendimento sobre proteção aos criadores e seus conteúdos e podem influenciar parlamentos como o do Brasil
por_Alessandro Soler ∎ de_ Madri
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Europa e Estados Unidos discutem, ao mesmo tempo, os desafios impostos aos criadores cujos conteúdos são compartilhados em rede. A necessidade de melhorar as remunerações e proteger os direitos autorais está no centro dos debates da nova Diretiva Sobre Direitos Autorais no Mercado Comum Europeu e na Lei de Modernização da Música, que o Parlamento Europeu e o Congresso estadunidense tramitam respectivamente, em substituição às suas legislações pré-era digital.
O projeto europeu, que havia sido aprovado em meados de junho na Comissão de Assuntos Jurídicos do parlamento continental, terminou derrubado na votação em plenário, no último dia 5 de julho. De um lado e de outro do Atlântico, importantes sociedades de gestão coletiva que acompanham a questão de perto creem que isso só se deu por causa da forte pressão exercida pelo chamado GAFA, o grupo dos gigantes da internet formado por Google, Apple, Facebook e Amazon.
Com investimentos de mais de US$ 7 milhões anuais em lobby, esses distribuidores de conteúdos criativos conseguiram convencer a opinião pública de que a Diretiva é uma ameaça à liberdade de expressão por prever coisas como uma ferramenta baseada em algoritmo que varre automaticamente redes sociais e sites de busca à procura de obras sem licença ou obrigar Facebook e Google a pagar aos donos de conteúdos — textos, imagens, sons ou audiovisuais — quando estes são compartilhados por seus usuários.
“Essa votação foi resultado da campanha de desinformação agressiva do GAFA junto aos membros do Parlamento Europeu e aos cidadãos do continente. Eles deslocaram a discussão de uma questão econômica muito legítima, que é a remuneração justa dos autores, para a liberdade de expressão e a ‘necessidade de salvar a internet’. Simplesmente, queriam maximizar seus lucros com anúncios”, diz Jean-Noöel Tronc, diretor-geral da francesa Sacem, a mais antiga sociedade de autores e editores musicais em atividade, fundada em 1851.
Nos Estados Unidos, a Lei de Modernização da Música, aprovada na Comissão Jurídica do Senado em 28 de junho passado, espera votação em plenário e, se aprovada, melhora as remunerações pelo uso de músicas em plataformas de streaming. Esses serviços digitais estariam obrigados, por exemplo, a financiar uma Licença Mecânica Coletiva, um fundo destinado aos editores musicais, facilitando a concessão de licenças.
Duas questões jurídicas previstas na lei agradam à Ascap, uma das maiores sociedades de gestão coletiva do mundo. Sua diretora-executiva, Elizabeth Matthews, explica que, no caso de ações judiciais relacionadas às licença pagas pelas plataformas, o projeto de lei permite que se equiparem as taxas das gravações às da veiculação em streaming. Além disso, “um artigo permite a rotatividade de juízes em audiências sobre taxas de licenciamento que envolvam a Ascap e a BMI (outra das grandes sociedades americanas)”, ela diz. A rotatividade permite que não se perpetuem decisões viciadas, oxigenando o debate no âmbito jurídico.
Matthews aposta na mobilização dos autores, que despertaram para a necessidade de explicar seus pontos de vista e trabalhar pela educação do público: “O negócio digital cresceu num ambiente sem proteção justa. Agora, estamos tentando consertar esse erro.”
Tronc corrobora: “O mundo digital é uma grande oportunidade para os autores, que podem fazer tudo ali. Mas o desafio real está em transformar isso num modo de subsistência. A única regulação europeia sobre isso tem 20 anos e criou um portoseguro, então necessário, para os serviços digitais. Hoje, não encaixa com sites como YouTube, que geram grandes lucros a partir de obras on-line.”
3 perguntas para Elizabeth Matthews
Está satisfeita com a tramitação da Lei de Modernização da Música até agora?
Tivemos um grande avanço, mas esta é uma maratona, e ainda não cruzamos a linha de chegada. Estamos animados pelo fato de esses dois artigos terem passado intactos pela Comissão Jurídica do Senado: o que permite a rotatividade dos juízes que julgam as ações relacionadas às taxas cobradas e o que permite, em ações de licenciamento, a comparação das taxas pagas em gravações àquelas pagas pelos serviços de streaming.
O projeto contempla os principais desafios da era digital?
Ele é um passo importante, ao nivelar um pouco as condições de autores, compositores e editores com as dos licenciadores. Nossos associados são um elemento-chave nesse esforço. São grandes comunicadores, e é por isso que sua música é tão popular e leva cultura a todos os rincões do mundo. Eles precisam se pronunciar. Creio que nossos clientes, os licenciadores de música, começam a entender que os compositores aportam um incrível valor à economia criativa e que seu trabalho não é valorizado como deveria. Não podemos nos equiparar ao poder econômico das grandes companhias tecnológicas, daí a importância de educar os legisladores e o público.
Como avaliam as discussões simultâneas na Europa?
O Parlamento Europeu tem uma oportunidade de liderar o mundo na direção de uma menor brecha remuneratória entre os que criam as músicas e os que as distribuem. Agora mesmo, todos os lucros e o poder da era digital estão com os distribuidores, e os criadores não estão sendo recompensados. Precisamos já de um melhor equilíbrio.
LEIA MAIS! Jean-Michel Jarre, presidente da Cisac, fala sobre o poder dos gigantes digitais na batalha contra os autores. ubc.vc/EntrevistaJarre