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Qual \u00E9 o som da d\u00E9cada?

Os timbres, tons e modos de fazer que marcam os anos 2010, na visão de criadores e pesquisadores

por_ Gilberto Porcidonio ∎ do_ Rio

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Fazer arte é necessariamente buscar uma expressão única, genuína e criativa do espírito humano. Mas na música, a mais globalizada das artes, há sempre um timbre, um tom, um modo de fazer que se disseminam e viram zeitgeist (ou espírito do tempo), uma tradução sonora de um certo período.

Na década de 1950, o volume alto das guitarras e vozes do rock começou a mudar as coisas. Nos anos 1960, ainda mais disseminado, o rock abraçou inovações tecnológicas, como o transistor, que o deixaram mais barulhento, popular e contagiante. A badalada década de 1970 apresentou a exuberância da disco music, o virtuosismo cabeça do rock progressivo e, no extremo oposto, o minimalismo contestador dos três acordes do punk rock. Nos anos 1980, o crescente uso dos teclados eletrônicos ditou as regras do pop mundial. No decênio seguinte, depois de tanto barulho digital, o som orgânico dos riffs de guitarra voltou com força, agora devidamente adaptado à cena grunge. Nos anos 2000, novamente o tempero eletrônico, com acento drum ‘n’ bass e deep house.

E agora, qual o “pretinho básico” dos sons que se produzem nestes anos 2010?

Mesmo com a profusão sonora que faz deste tempo um dos mais difíceis de definir, o músico Pedro Luís não tem dúvida: é o minimalismo.

“As harmonias econômicas nas produções pop definem uma tendência: fazer caber todo um universo diatônico e cromático no menor número possível de acordes. Harmonia caminhando o mínimo possível. O desafio é rever os clássicos e as novidades que neles se inspiram”, ele descreve.

O músico Gabriel Moura também sente que se usam poucos elementos musicais no pop contemporâneo. Além disso, destaca a presença dos sintetizadores analógicos, como o americano Bruno Mars tem feito. Mas com alguns acréscimos. “Nos anos 80, o som de caixa nas músicas era enorme, e, os bumbos, pequenininhos. Hoje, o bumbo é sempre grande, e usam-se poucos instrumentos de verdade nas gravações.”

O tecladista Arthur Braganti, que produziu, junto de Natália Carrera, o álbum “Letrux Em Noite de Climão”, do projeto Letrux, capitaneado por Letícia Novaes, percebe também que há uma obsessão por tornar as produções cada vez mais limpas. Assim, os graves e os agudos crescem em detrimento dos sons médios. “Nos anos 90, tinha algo mais lo-fi. A música brasileira também está bem melódica, harmônica... É uma tendência da música pop em geral, com pequenas frases curtas, melódicas e certeiras. Sinto até falta de algo mais barroco, polifônico, a exuberância do excesso. Hoje, optar por isso é remar contra a maré, como faz a Ava Rocha”, explica.

LINHA DO TEMPO

Pop e avassaladores, os reis de cada década

Anos 1950: O mundo se apaixona pela guitarra elétrica

Anos 1960: Com o transistor, o rock faz mais barulho

Anos 1970: Bateria, caixa de ritmos e sintetizadores: os reis da disco music

Anos 1980: Teclados eletrônicos a serviço do pop-rock

Anos 1990: Guitarra, baixo, voz sujinha à grunge

Anos 2000: Computadores conectados ao som de d&b e deep house

Anos 2010: Minimalismo x eletrônico, guitarrinha x pancadão funk

CONTRA A MARÉ, O PANCADÃO

Professor de Musicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o musicólogo Carlos Palombini foca um gênero que é objeto de seus estudos e que sintetiza bem as transformações temporais que a música vai sofrendo década a década: o funk. O musicólogo se debruça sobre dois hits do pancadão paulista: “Deu Onda”, do MC G15, e “Fazer Falta”, do MC Livinho. As canções são de 2016 e 2017, respectivamente, e, em suas características diametralmente opostas, reiteram a força do funk na criação brasileira contemporânea.

Com a experiência de quem tem visto sua Anitta brilhar na cena internacional, Sergio Affonso, presidente da Warner Music Brasil, não duvida da força que o estilo nascido nas favelas do Rio ganha: “Eu trabalho há 49 anos na indústria fonográfica, trabalhei com diversos artistas na Universal e na Polygram, na Warner e na EMI, e nunca tinha visto o que eu vivo com a Anitta hoje. Não há semana em que não receba dois ou três pedidos de dueto. David Guetta ou Bruno Mars pedem as listas de dez funks mais tocados. Há quem aposte que o funk vai superar internacionalmente o reggaeton. Há um novo interesse pela música brasileira, para além dos sons mais sofisticados da bossa nova e da MPB.”

“Essas produções paulistanas contrastam no uso que fazem dos timbres individuais, das texturas e da ocupação da tessitura. No que diz respeito aos sons isolados dos instrumentos que formam as diferentes linhas de cada uma, há uma orientação geral deliberadamente suja em ‘Deu Onda’ e limpa em ‘Fazer Falta’.”

O pernambucano Siba reforça que, ao abarcar tantos modos de fazer, o funk apresenta, em tradução palatável, timbres peculiares ou elitistas – como a musicalidade grega antiga do “Baile de favela”, de MC João, e a flauta de Johann Sebastian Bach no “Bum Bum Tam Tam”, do MC Fióti. As sonoridades do estilo antes marginalizado vão, ele opina, ser a marca desta década.

E o som contemporâneo é...

por Geraldo Vianna* ∎ de_Belo Horizonte

Em termos de sonoridade, fora da MPB e do pop, o elemento mais distintivo da contemporaneidade é a fusão de timbres acústicos (principalmente percussão) com eletrônicos, o uso de sintetizadores analógicos e o processamento da voz, uma influência americana, criando novas texturas, uníssonos constantes. Outro fator marcante é a idoneidade da voz que, no gênero funk atual, alheio à soul music, desprezou os grooves harmônicos da base e passou a “contracenar” com ostinatos simples em contraposição ao canto, deixando mais espaço. Outro elemento que surgiu junto com esse importante movimento, no Brasil, foi a fusão, não somente de rítmicos e influências de vários países, como também de costumes sociais exemplificados nos clipes que levaram os gêneros, principalmente música e dança, a um casamento audiovisual perfeito.

*Conselheiro fiscal da UBC, Geraldo Vianna é compositor e produtor musical

LEIA MAIS! Alok e o bom momento da música eletrônica brasileira, que atrai olhares internacionais. ubc.vc/eletrobrasil

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