Gramado incentiva agricultura familiar pensando em jovens Nem só de turismo, hotelaria, gastronomia, venda de chocolate, ruelas floridas com hortênsias e Natal Luz vive esta cidade serrana de 34 mil habitantes. Página 6
Babélia Unisinos :: Nov/2017 :: Edição 28 :: São Leopoldo/RS
alessandra nahra
Bairro com cinco vielas preserva espaço urbano Na Rua Rui Moita, em Porto Alegre, inicia a Vila Boa Esperança, uma pequena comunidade de 98 famílias assentadas, dispostas a batalhar em coletivo pelo seu lugar. Página 14
Uma agremiação criativa só para mulheres Em 1943, escritoras gaúchas fundaram a Academia Literária Feminina, um avanço sem precedentes no meio cultural de uma sociedade dominada pelo sistema patriarcal. Página 19
Terraço abriga horta coletiva Rúcula, alface, alface, tempero verde, tomate, cereja, manjericão, manjerona, arruda, sálvia, salsa e alecrim florescem em 60 metros quadrados de terraço de prédio no centro de Porto Alegre. É a horta hidropônica do Assentamento Urbano Utopia e Luta, que comercializa o excedente para restaurantes da capital. Página 11
2 EDITORIAL
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
A curiosa geografia humana
M
esmo no breve espaço de um jornal laboratório é interessante observar, na riqueza das matérias, movimentos tão diversos de jovens que deixam o Brasil em busca de lugares mais seguros, e de municípios que procuram fixar jovens no campo. Esse mesmo Brasil que, pelos índices de violência registrados em todos os cantos, espanta sua juventude recebe, ao mesmo tempo, haitianos, senegaleses, nigerianos, somalis, sírios, que deixam seus lares fugindo de guerras, fome e miséria. Dados do Fórum de Mobilidade Humana indicam que só o Rio Grande do Sul abriga cerca de 50 mil imigrantes. A Agência da ONU para Refugiados (Acnur) registrou a emigração, em 2016, de 65,6 milhões de pessoas na
nave comum Terra. Neste mesmo ano, o Brasil contava, segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), com 9,5 mil pessoas procedentes de 82 nacionalidades. Propagandeado mundo afora como um país positivamente amalgamado, a experiência de refugiados que escolheram o Brasil para encontrar novas oportunidades desmente em parte essa generosa hospitalidade. Foi o que nossos repórteres constataram junto a refugiados negros, que se sentem excluídos, numa discriminação, como disse um deles, que não se reflete na fala, mas nos olhares. E ainda assim, gostam do Brasil. Em direção oposta, o Itamaraty estimava, em 2014, a existência de 3 milhões de brasileiros e brasileiras vivendo no exterior. Os países mais procurados são os Estados
IMAGEM
Unidos, com 1,3 milhão de conterrâneos, seguidos pelo – surpresa - Paraguai, Japão, Portugal e Espanha. Vão em busca, como revelou um desses emigrantes, de tranquilidade e vida digna. Morando em país europeu, em pouco tempo ele descobriu por lá uma peculiaridade: a desigualdade social é baixa e os salários são justos. Para manter a população jovem no campo, a cidade mais turística do Rio Grande do Sul incentiva a agricultura familiar, o que nem sempre parece ser uma prioridade nacional. Em Gramado é, motiva e deixa agricultores orgulhosos da profissão que desempenham. Nas 24 páginas desta edição do Babélia levamos o leitor a essa curiosa geografia das condições humanas. Uma boa leitura!
Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo e Porto Alegre/RS Linha Direta: E-mail: Reitor: Vice-reitor: Pró-reitor Acadêmico: Diretor de Graduação: Gerente dos Cursos de Graduação: Coord. Curso de Jornalismo:
Babélia
(51) 3591 1122 unisinos@unisinos.br Marcelo Aquino José Ivo Folmann Pedro Gilberto Gomes Gustavo Borba Paula Campagnolo Edelberto Behs
Jornal produzido semestralmente pelos alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos - São Leopoldo/RS
Textos: alunos das disciplinas de Jornalismo Impresso I e II, Jornalismo Impresso e Notícia, Redação Jornalística I e II, Jornalismo Impresso e Reportagem, e Redação para Relações Públicas II. Orientação: professores Anelise Zanoni, Edelberto Behs, Daniel Bittencourt e Micael Vier Behs. Projeto gráfico: alunos Filipe Vieira, Isaias Rheinheimer e Thiago Borba, da Turma 2017/1 da disciplina de Planejamento Gráfico. Orientação: professor Everton Cardoso. Diagramação: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Diagramação: Marcelo Garcia.
:: Foto de Caroline Bernardes Müller
A drag queen Biscuitt Belle em performance na frente do DCE, durante o evento Liberte-se. A atividade, organizada por alunos de Ambientação e Representação em Eventos, do Curso de Relações Públicas, tinha o propósito de trabalhar as relações de gênero e sexualidade dentro da universidade
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POLÍTICA 3
De jeans, tênis e bloco nas mãos
A história do prefeito que abriu o seu gabinete para acolher demandas da população DIVULGAÇÃO / PREFEITURA DE ESTEIO
Laura Hahner Nienow
“N
ão sei se existe Gabinete Aberto em outros municípios da região”, conta o prefeito de Esteio, Leonardo Pascoal, sentado em um dos sofás da sua sala em mais uma tarde de atendimentos. Às 12h30 do dia 4 de setembro, a Prefeitura de Esteio abre as portas, e os cidadãos que desejam conversar com o político começam a chegar. É preciso vir uma hora e meia antes da audiência se iniciar. Já no segundo andar, uma pequena fila se forma para deixar dados como nome, data de nascimento, endereço, telefone e o assunto que deseja falar com o prefeito. Ao passar por essa triagem, me é solicitado que aguarde no Salão Nobre, no mesmo piso. Passa das 13h, mais de 20 pessoas esperam, em sua maioria idosos e mulheres com crianças pequenas. No fundo do salão, avisto uma senhora inquieta. Viúva, mãe de um único filho e avó de um único neto, Santa Zeli de Ávila Ventura, de 72 anos, estava ali pela primeira vez. Moradora do bairro Santo Inácio, ela queria resolver o problema de barulhos e algazarras que entravam a madrugada na rua onde mora. Santa puxa assunto com uma moradora do Primavera, que trazia uma demanda sobre saúde. Rosângela Ourique Alves, 50 anos, está há meses esperando uma ressonância magnética e até o momento não tinha resposta. Não sabe se é excesso de fila ou falta de equipamento. Rosângela é positiva. Conhece pessoas que trouxeram demandas ao prefeito e que foram atendidas. Com fé, espera receber o mesmo tratamento e que seu pedido seja realizado logo. Ao me despedir das duas mulheres, dois homens chegam e acomodam-se do outro lado do salão. Vorni Alves e Valdeci Martins Magalhães são sócios de uma borracharia na Vila Osório. O estabelecimento foi fechado há cinco meses pela Secretaria do Meio Ambiente, e os proprietários não sabem o motivo. “Temos todos os nossos documentos aqui. Tá tudo em dia!”, exclama Valdeci. Às 14h11, a secretária entra no Salão e chama os primeiros nomes. “Tá atrasado. Deveria abrir mais cedo. Venho direto do serviço lá em Porto Alegre”, ouço uma senhora desabafar. Moradora do
O prefeito de Esteio, Leonardo Pascoal, recebe moradores em mais uma edição do Gabinete Aberto
Novo Esteio, há 15 anos não tem ber representantes de conselhos de esgoto. Usava o da vizinha até três bairros e sindicatos é uma opormeses atrás e agora precisa da boa tunidade para o gestor avaliar o vontade de familiares para tomar trabalho e a atuação dos próprios serviços públicos. banho e lavar roupa. Conto ao sociólogo sobre o Trinta minutos depois, meu nome é chamado e sou encami- projeto exercido pela Prefeitura nhada a outra sala. Lá, espero mais de Esteio. Ele recebe a informaum tempo, e logo prefeito chega. ção surpreso. “O gestor que abre Leonardo veste calça jeans, ca- seu gabinete dessa forma, mostra u m a pré - d i s misa branca e posição ao ditênis. Antes de álogo político”, começarmos a avalia. “Toda e conversar, sou qualquer forma surpreendide participação da por flashes que possa amdisparados por pliar as formas s e us ass e ss o instituídas são res. A página de extrema d a Pre fe itu r a i mp or t ân c i a”, no Facebook é José Luis Bica de Melo acrescenta. abastecida diaDe acordo riamente com Sociólogo com Leonardo fotos, vídeos e Pascoal, essa é notícias da cidade. Ele conta que antes, como a primeira vez que o município vereador do município, já atendia proporciona esse projeto. “Tomei a população duas vezes ao mês. posse no dia primeiro de janei“Pensei que, agora como prefeito, ro. Dia dois, a prefeitura abriu as não poderia ser diferente”, aponta. portas e, no dia nove de janeiro, Semanas depois, o sociólogo e abri o gabinete pela primeira vez”, pesquisador em sociedade e po- relata com orgulho do trabalho líticas públicas da Universidade que vem fazendo. Seu escritório do Vale do Rio dos Sinos (UNI- recebe a população todas às seSINOS), José Luis Bica de Melo, gundas-feiras, a partir das 14h. me relata que a fato de o Poder O atendimento é feito por ordem Executivo ouvir demandas e rece- de chegada e, normalmente, se
“O gestor que abre seu gabinete dessa forma, mostra uma pré disposição ao diálogo político”
estende até às 18h. O Gabinete Aberto é uma ação que integra sociedade e gestão municipal para que, juntos, planejem e organizem o município. Até o fechamento desta reportagem, desde a primeira edição, em janeiro, a ação já havia recebido 1.930 pessoas. Pergunto a José Luis Bica se há algum ponto negativo em abrir o gabinete e atender a população de forma individual e frequente. “O risco é pulverizar ações a partir de demandas muito individualizadas. Isso pode desgastar a boa intenção e o espírito público de diálogo”, reflete, enquanto enfatiza o quanto isso é pequeno perto das grandes ações e melhorias governamentais que pode-se fazer durante a gestão. “Não há elementos negativos, é sempre positivo escutar e dialogar”, conclui. Em contato com as prefeituras das cidades do Vale do Rio dos Sinos, somente a de Estância Velha atende a população toda semana. O programa é parecido com o de Esteio, o que difere é que são distribuídas apenas 15 fichas. Toda quinta-feira, a partir das 13h, a prefeita Ivete Grade recebe cidadãos em sua sala. As demais cidades não têm programas para receber a população individualmente, tampouco todas as semanas.
4 TURISMO
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
Jornal centenário atrai visitantes O Taquaryense ainda é diagramado no sistema tipográfico inaugurado por Gutemberg CRÉDITO DA FOTO
Andrine de Souza Pereira
A
lbertino Saraiva, em 1887, fundou o jornal O Taquaryense. Hoje, com 130 anos de história, o periódico sediado na pequena cidade de Taquari é o segundo jornal mais antigo do Estado. Somente a Gazeta de Alegrete, fundada em 1882, supera O Taquaryense em tempo de circulação. O semanário, ainda produzido em tipografia, letra a letra, possui quatro páginas preto e branco e é o único na América Latina a continuar utilizando o primitivo sistema tipográfico. Para o redator-chefe, Pedro Harry Dias Flores, 22 anos, o fato de ainda se manter fiel ao formato inicial o torna único. “Poucos são os jornais que atingem uma idade tão avançada quanto a de O Taquaryense, sobretudo no interior, onde as dificuldades se fazem sentir com mais força”, conta ele. Trineto do fundador do semanário, Pedro é estudante de jornalismo e atribui a sua vocação ao trabalho da família à frente do jornal. “Foi escrevendo em O Taquaryense que decidi o que queria para minha vida profissional”. O jornal sempre foi mantido pela família Saraiva, pas-
Tipógrafo João confecciona o jornal na impressora rotativa Marinoni
sando de pai para filho. Atualmente, O Taquaryense recebe em sua sede jornalistas, pesquisadores e visitantes do Brasil e do mundo que vão a Taquari para conhecer a oficina e manusear um acervo com mais de 6 mil publicações. Na avaliação de Pedro, o potencial turístico de Taquari é pouco explorado. “O poder público pode e deve dar uma atenção maior a esse setor, uma vez que sobram atrativos no município”. Mesmo com a falta
de incentivo, há empresas privadas que movimentam o turismo local trazendo para a cidade pessoas interessadas em conhecer a história do jornal. “Anualmente, centenas de pessoas visitam O Taquaryense e ficam admiradas com a existência de um jornal que, em pleno século 21, funciona no sistema tipográfico”, comemora. Ao longo de sua história, o semanário registrou acontecimentos que marcaram a história do Brasil e do
mundo, como a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República, as duas grandes guerras, o golpe de 64 e a redemocratização do Brasil. Segundo o redator-chefe, “tudo isso o torna singular e dá a dimensão do que ele representa histórica e jornalisticamente”. Os moradores da cidade reconhecem a importância do jornal para a região. “Nós, como taquarienses, nos sentimos orgulhosos em ter na cidade um espaço tão importante histórica e culturalmente”, destaca o designer Willian dos Santos Gomes, 27 anos. O Taquaryense tem hoje apenas um funcionário remunerado, o gráfico impressor João da Rosa Rodrigues. Os demais são colaboradores voluntários. O jornal circula às quartas-feiras e conta com 370 assinantes, dos quais 70 são de outros municípios. Ele é mantido também através de anúncios e, não raro, de investimentos da própria diretora, Flávia Saraiva Dias. A sede do jornal O Taquaryense permanece aberta para visitação gratuita de segunda a sábado, das 10h às 12h e das 14h às 19h. Para mais informações e agendamentos é possível entrar em contato com a redação através do e-mail otaquaryense@ gmail.com.
Parque de aventuras recebe turistas em Nova Roma do Sul
Chuva prejudica expositores da 17º Volksfest, de Portão
Ainda que com estrutura enxuta, São Leopoldo realiza a 32ª Feira do Livro
O Eco Parque Cia Aventura localiza-se no interior de Nova Roma do Sul e tem como objetivo divertir os frequentadores através de aventuras radicais em meio à natureza. As principais atividades são o rafting no Rio das Antas, o bungee jump, as tirolesas, e o quadriciclo. A entrada do parque custa 8 reais e os valores das atividades variam entre 35 e 90 reais. A idade mínima para a prática de qualquer atração é de seis anos, exceto para o rafting, permitido para maiores de oito anos. Daniel Zacca, 32 anos, pulou de bungee jump. “Fiquei com medo na hora do salto, mas depois que pulei senti uma sensação incrível de liberdade”, afirmou. A estrutura do parque oferece acesso a restaurantes, vestiários, bar e pousada. Entre as atrações estão os animais exóticos legalizados pelo IBAMA, como o tucano, a jiboia e a phyton albina. As atividades ocorrem aos sábados, domingos e feriados. O horário de funcionamento é das 8h às 18h30. Em dias de semana o parque funciona mediante reserva. Para mais informações acesse o site www.ciaaventura.com.br.
Depois de cinco dias de festa, a 17ª Volksfest chegou ao fim no domingo, 15 de outubro, totalizando uma arrecadação superior a 39 mil reais. O evento foi realizado na Praça do Chafariz, em Portão, onde mais de 50 artistas se apresentaram, contando também com a Feira de Artesanato, Indústria, Comércio e Serviços, parque de diversões e praça de alimentação com culinária típica. A abertura oficial aconteceu na quarta-feira, dia 12, às 20h, e a até o sábado a chuva foi intensa. Apesar de o início ter sido no dia 12, seguindo as normas do contrato com a Prefeitura Municipal, os mais de 150 expositores já estavam com seu espaço montado à espera do público na terça-feira. O expositor Wilian Romer, 46 anos, apresentou seus produtos no evento pela quinta edição consecutiva. O preço pago pelo espaço durante os cinco dias, segundo ele, foi de 700 reais, mas na sua avaliação o investimento não compensou considerando a falta de cobertura em frente ao estande. Conforme a comissão organizadora do evento, antes da assinatura do contrato com os expositores foi esclarecido que os espaços mais baratos não teriam cobertura e que, nos pavilhões cobertos, os preços seriam maiores. (Patrícia Pedrozo)
Não é só Porto Alegre que festeja a literatura neste início de novembro. Com o tema “Leitura: o que não tem censura nem nunca terá”, a 32ª Feira do Livro Ramiro Frota Barcelos tem sua programação no Centro Cultural José Pedro Boéssio, em São Leopoldo. Embora ocorra junto com o tradicional evento da capital, a feira leopoldense dispõe de uma estrutura mais enxuta em comparação com edições anteriores. Contudo, para a Patrona da Feira, a escritora Mardilê Fabre, a parceria com o SESC para a realização da 3ª Semana Literária, que ocorre em paralelo, é um ponto positivo da feira deste ano. “A Semana Literária, com atividades bastante variadas, é uma forma de fazer com que os livros alcancem o público”, declara. Para o livreiro Johann Gabriel, a importância da feira não está na comercialização, mas no incentivo ao hábito da leitura, principalmente entre as crianças. Na sua visão, a literatura é capaz de transformar a realidade: “Bons livros formam boas pessoas”, acredita. A cada dia da semana, a programação oferece encontros de contação de histórias, lançamentos de livros com sessão de autógrafos e palestras sobre temas ligados à educação e cultura, sempre gratuitos e abertos ao público.
(Fernanda Camargo)
(Grégori Soranso)
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TURISMO 5
Mudar para ter melhores condições Cresce o número de brasileiros que procuram outra pátria como segunda casa
É
ARQUIVO PESSOAL
Karen Reis
cada vez maior o número de brasileiros que resolvem deixar o país só com a passagem de ida em busca de melhores condições de vida. Isso ocorre em grande parte por causa da crise econômica que atinge o Brasil nos últimos anos. A jornalista Cláudia Flores, 33 anos, e o designer Pablo Benites, 33 anos, deram uma reviravolta na vida para viver uma nova experiência em Dublin, na Irlanda - “O principal motivo para termos mudado de país foi o Pablo ter recebido uma proposta de emprego fixo aqui na Irlanda. Como tínhamos emprego e casa própria no Brasil, não foi uma decisão fácil. Mas, além da oportunidade, nos atraiu a possibilidade de viver uma experiência fora, algo que não tínhamos, e de viver em um país com índices de criminalidade muito menores do que no Brasil”, conta Cláudia, que vive há um ano e dois meses na Irlanda e diz não ter intenções de voltar ao Brasil a curto prazo. Segundo a estimativa de estudo mais recente do Itamaraty, relativo a 2014, vivem no exterior cerca de 3 milhões de brasileiros. Esse número é obtido com base nos Relatórios Consulares enviados anualmente por consulados e embaixadas, e nas matrículas consulares. Levando em consideração que, em determinados países, uma parcela expressiva dos brasileiros encontra-se em situação migratória irregular e evita participar de sondagens e censos, fica mais difícil estimar o número com maior grau de precisão. De acordo com dados da Receita Federal, entre 2014 e 2016, foram entregues 55.402 declarações de saída definitiva do país, um crescimento de 81,61% na comparação com o triênio anterior. De 2011 a 2013, p er ío do que antecede a crise econômica, 30.506 pessoas entregaram o mesmo documento. No entanto, especialistas estimam que esse número seja ainda maior, uma vez que nem
O casal Cláudia e Pablo passeia pelo no Saint Stephens Green Shopping, em Dublin, na Irlanda
todos os brasileiros prestam essa informação quando vão embora. O DJ Caius Araújo, 23 anos, foi out ro qu e resolveu fazer as malas e partir para uma nova jornada em Kornwestheim, na Aleman ha. “Mudei de país pela questão das crescentes oportunidades na minha área de atuação, além da possibilidade de um maior reconhecimento profissional, pontua Caius, que já mora há dois meses na Alemanha. O perfil das pessoas que deci-
Segundo a estimativa de estudo recente do Itamaraty, relativo a 2014, vivem no exterior cerca de 3 milhões de brasileiros
dem deixar o Brasil é variado, há desde profissionais com alto nível acadêmico até pessoas de regiões economicamente carentes. As razões podem ser a procura de empregos especializados e melhores remunerados ou buscar juntar dinheiro para voltar ao país com uma maior estabilidade financeira. De acordo com estimativas deste mesmo estudo de 2014, os Estados Unidos são o país mais procurado pelos brasileiros para obterem uma nova vida, com um número expressivo de cerca de 1,3milhão de emigrantes, seguido pelo Paraguai com 349.842 e Japão, com 179.649 emigrantes.
Vantagens e desafios
Morar em um país desenvolvido e com um bom índice de desenvol-
vimento humano pode ser o sonho de qualquer brasileiro. Porém, estar fora também tem seu preço e alguns desafios, desde barreiras linguísticas até localização geográfica. O ideal seria, antes de se transferir, procurar um psicólogo especializado em viagens e listar todas as delícias e os possíveis (e prováveis!) perrengues que se seguirão em solo estrangeiro. “Acostumar-se com diferenças culturais leva um tempo. Por exemplo, aqui ninguém almoça. Não existe almoço. Quando falo que no Brasil nós paramos uma hora, uma hora e meia, todos os dias para comer, eles ficam chocados! Ficar longe da família e de amigos são os maiores desafios. E ficar sem churrasco! As vantagens são qualidade de vida, qualidade de vida, e qualidade de vida”, conta Pablo sobre suas primeiras impressões da Irlanda. Caius alerta para quem quiser colocar o pé na estrada ficar atento às questões burocráticas, a fim de evitar futuras dores de cabeça “Creio que os maiores desafios são as questões de visto. Os departamentos de imigrantes estão sempre cheios, e as pessoas podem acabar se confundindo em algum processo. A vantagem é justamente estar em um local onde há uma oportunidade real de ter vida digna. A tranquilidade aqui é incomparável. Me sinto seguro em andar com meu celular na mão na rua sem ter o pânico de pensar que posso ser assaltado. Aqui a desigualdade social é muito baixa, todas as pessoas, do faxineiro ao CEO de uma empresa ganham salários justos. É o primeiro mundo.”
TOP 10 Os países mais procurados pelos brasileiros
País
Imigrantes
EUA .................................1.315.000 Paraguai ........................... 349.842 Japão ................................. 179.649 Portugal ........................... 166.775 Espanha ........................... 128.638 Reino Unido .................... 120.000 Alemanha ........................ 113.716 Suíça .....................................81.000 França ..................................70.000 Itália ......................................69.000 Fonte: Tabela brasileiros pelo mundo 2014 – Itamaraty
6 ECONOMIA
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
Alternativa a Gramado tradicional Jovens agricultores encontram formas de empreender no meio rural
G
Martina Belotto
ramado possui pouco mais de 34 mil habitantes. O glamour dos hotéis e restaurantes tornou a cidade conhecida nacionalmente. Entretanto, ao andar menos de dez minutos de carro é possível conhecer um território ainda pouco explorado: a área rural do município. É onde vive uma jovem produtora de morangos, cujo negócio abastece o comércio da Serra Gaúcha há mais de 30 anos. Às 6h, Cássia Augsten se desloca às plantações e inicia sua rotina. É em meio às 38 mil mudas em longas estufas que comenta sobre sua relação com a agricultura familiar. “Apesar do cansaço e do preconceito, tenho muito orgulho de dizer que sou agricultora. Quero mostrar para a sociedade a importância que temos. Às vezes, as pessoas não têm noção de que dependem da gente para comer”, contou, enquanto separava os frutos atentamente. Aos 26 anos, Cássia administra os Morangos Augsten ao lado dos pais e Família Augsten aposta na produção de morangos na Serra Gaúcha da irmã. A família é uma das pioneiras na produção dos frutos na região. dústria para regularizar a fabricação. dar continuidade à história da família Após três décadas, o empreendimento “Pretendemos impulsionar o negócio e expandir nossas vendas para outros passou por mudanças. Inicialmente, com a venda de geléias, até porque, Estados do país.” os morangos eram plantados apenas em períodos de pouca colheita, o no solo. Hoje, também são cultivados rendimento financeiro fica apertado. Incentivos auxiliam em estufas. “Se chovia, tinha que pas- A agroindústria vem com o objetivo agricultores sar o dia inteiro colhendo na chuva, de desafogar”, afirmou. Apesar das grandes jornadas de Para o doutor em Desenvolvimen- trabalho, os agricultores possuem não tinha pra onde fugir. Além de que o morango plantado na terra precisa to Regional Deivis Philireno, uma incentivos governamentais e instiser colhido agachado, o que é descon- das principais funções da agricultura tucionais. A Emater Gramado, por familiar é man- exemplo, disponibiliza consultoria fortável.” ter os jovens no de agrônomos. Um projeto de gestão Trabalhar cercampo. “A agri- familiar ajuda a controlar os gastos, ca de 12 horas por cultura auxilia oferecendo auxílio para aproximadadia, de domingo o município a mente 500 famílias. A instituição exea domingo, é um manter os laços cuta ainda políticas estaduais, como dos desafios dos culturais. Con- o Programa de Gestão Sustentável produtores. Com forme dados do da Agricultura Familiar, e políticas apenas quatro IBGE 2010, a po- nacionais, como o Programa Nacional pessoas, a família pulação de jovens de Alimentação Escolar. se empenha para que saiu do camrealizar as tarePara o engenheiro agrônomo da po foi de 800 mil, Emater Gramado, Hector Eder, a fas da colheita ou seja, no ano agricultura familiar tem grande ime a entrega das 2000 tínhamos portância local e precisa de estímulos frutas. Em so8,7 milhões de que auxiliem seu desenvolvimento. mente 3 mil mejovens no cam- “Os incentivos impactam diretamente tros quadrados, a po. Dez anos de- na vida das famílias. A agricultura produção chega a Cássia Augsten pois, a população familiar é vital para o abastecimento 70 mil quilos por Produtora rural constatada foi 7,9 do mercado interno municipal, além ano. milhões, o que é de ser uma alternativa bastante viável Cássia é estudante de Administração de Empresas preocupante”, explica. para a permanência dos jovens no A agricultora comenta que um meio rural”, enfatizou. e, de acordo com ela, trabalhar no campo proporciona muitos espaços dos principais motivos que a fez perEm nível municipal, Gramado propara inovar. Além da comercialização manecer é saber que há muito para porciona o transporte de insumos e do morango in natura, a família busca investir. “Crescer com o negócio que mudas de frutíferas de forma gratuita. a inserção no mercado das geléias. Por meus pais criaram é um motivo que Além disso, há incentivos do Governo isso, estão construindo uma agroin- me mantém aqui. Minha intenção é Federal, como o crédito rural do Pro-
“Acredito que, por meio do turismo, conseguiremos impulsionar a nossa vivência e mostrar a importância da agricultura familiar”
carol augsten
grama Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Ideia para impulsionar o empreendimento
O principal propósito de expansão da família é unir a produção com o turismo. “Gramado é uma cidade muito conhecida, mas não tem mais para onde crescer na parte central. Acredito que a agricultura familiar venha como um diferencial, tanto nos produtos como no agroturismo”, frisou Cássia. De acordo com Deivis, tanto os agricultores quanto os turistas se beneficiam com a inserção da agricultura familiar em cidades turísticas. “Os agricultores passam a produzir mais, consequentemente vendem mais, demandam mais mão de obra, o que gera empregos. Os turistas se beneficiam ao consumir alimentos frescos e por verem que o município preserva sua identidade cultural com a permanência dos jovens no campo”, concluiu. Após a manhã de colheitas, Cássia encerrou com o pensamento de que a união da agricultura familiar com o turismo é uma possibilidade de reconhecimento ao trabalho dos produtores. “Acredito que, por meio do turismo, conseguiremos impulsionar a nossa vivência e mostrar a importância da agricultura familiar”, finalizou.
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ECONOMIA 7
O terceirizado na fila do desemprego Reforma Trabalhista pode afetar negativamente a vida do trabalhador
Natan Cauduro
“T
eve até uma vez que a gente ficou sem trabalhar quase 15 dias porque eles não depositaram nosso salário”, relata Paula Noschang. Ex-funcionária de uma empresa de facilities, a assistente administrativa, junto de outras 31 pessoas, foram demitidas, em junho de 2017, do Escritório de Licenciamento e Regularização Fundiária (EdificaPOA), localizado em Porto Alegre. Mãe solteira de Erik e Nicole Blando, a moradora de Gravataí relata seu drama “A gente foi demitido em junho sem receber nossa rescisão. Só recebeu a chave para retirada do fundo e o encaminhamento do seguro desemprego.” Paula também revela problemas na forma como a demissão aconteceu. “Nossas rescisões estavam todas prontas. Eles colocaram como se o mês passado, que seria maio, a gente tivesse pagando o aviso prévio, sendo que a gente não assinou documentação nenhuma, entendeu?” De acordo com a pesquisadora da Fundação de Economia e Estatística, Iracema Castelo Branco, a nova Lei da Terceirização, assim como a Reforma Trabalhista, pode complicar as questões salariais e a interação entre empregado e empresas. Na lei 13.429/2017, a responsabilidade solidária não foi acrescentada. Significa que o terceirizado não pode cobrar seus direitos da empresa tomadora de serviço enquanto não esgotarem os bens da que terceiriza. Segundo Iracema, essa quebra no processo prejudica o trabalhador. “Primeiro, eles vão ter que enfrentar todo um processo judicial trabalhista que demora alguns anos para se concluir. Depois de concluído, tem que acionar a outra empresa, então isso, por si só, já é uma dificuldade para o trabalhador.” Brenda Malvina Korchener Silveira, 22, também foi um dos 32 funcionários demitidos. Assim como Paula, era assistente administrativa. Ela conta que o salário de R$ 1047, em janeiro de 2017, sofreu reajuste, passando para R$1300. O valor não foi repassado corretamente. “Eles (a empresa) fizeram o reajuste salarial, que seria o dissídio, errado e com valor a menos, pois éramos assistentes administrativas e eles pagavam salário de recepcionista. Ao invés de aumentar para R$ 1300, aumentaram para R$ 1124”. Moradora de Porto Alegre, Bren-
da também relata que os funcio- Socioeconômicos (Dieese). Dentre os 32 empregados está nários buscaram auxílio, após a demissão. “Fomos no sindicato e Andressa Maria Batista da Silveira, até foi aberto um processo que teve 30. Conhecida como Dessa, foi audiência início do mês, mas não supervisora na EdificaPOA. “Eles se livraram da obrigação de pagar deu em nada.” Iracema também ressalta que, seus funcionários e passaram a quando falamos em terceirização, responsabilidade para a prefeituhá uma empresa querendo diminuir ra, alegando que não iriam pagar custos e outra tentando arrecadar. porque a prefeitura não tinha pago eles”. Andressa Nesse esquema, também como salário do trap ar t i l h a u m a balhador terceisitu aç ão p esrizado terá uma soal. “No últiredução quando mo ano, depois comparado com que engravidei, o do ser vidor até me obrigap ú b l i c o, p o r ram a ir para exemplo. o INSS porque Com as mopeguei 14 dias dificações prode atestado. Eu postas pela tive uma ameReforma Traaça de aborto, balhista, em aí me encamique o salário nharam para o será constituímédico do trado apenas por Paula Noschang balho deles.” comissões e Assistente administrativa A empregratificações sa contratante legais, o empregado tende a sofrer um golpe ainda também é obrigada a garantir ao maior, principalmente nas áreas funcionário terceirizado um ammais atingidas pela terceirização, biente de salubridade. Com as leis como atividades de apoio, manu- anteriores, gestantes e lactantes tenção e reparação, segundo estudo não exercem qualquer atividade publicado pelo Departamento In- em ambiente insalubre. Com a tersindical de Estatística e Estudos Reforma Trabalhista, um grau de
“Tinha atraso de salário, pagamentos errados, passagem que pagavam quando queriam. Foi complicado esse um ano e sete meses”
insalubridade precisa ser calculado e atingir certo nível para que a mãe se ausente. “Este é um dos pontos de flagrante inconstitucionalidade da Reforma Trabalhista, que é a possibilidade de a gestante ou lactante trabalhar em local insalubre”, aponta o advogado e professor universitário Guilherme Wünsch. “Se for impossível o exercício do trabalho no local da empresa, a gestação será considerada como de risco e a empregada será afastada do trabalho, passando a receber salário-maternidade. Ou seja, o empregador tira este ônus de si e joga para a Previdência Social.” Para Guilherme, a lei da terceirização é inconstitucional. Ele ressalta que a questão vai além de uma discussão sobre a terceirização da atividade-meio ou da atividade-fim, mas sim de considerar que o maior número de acidentes de trabalho na prestação de serviços terceirizados acontece pela precarização das relações e negligência das empregadoras dos terceirizados. “Como esta precarização fere o núcleo central de proteção da dignidade do trabalhador, previsto pela Constituição no artigo 1º, inciso III e no artigo 7º, compreendo que a terceirização irrestrita fere a segurança jurídica que o Direito do Trabalho quer dar ao empregado, tornando-o vulnerável”. Natan Cauduro
Ramo profissional da limpeza e conservação abriga grande número de terceirizadas
8 SAÚDE
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
Duas mil pessoas aguardam órgãos Mais da metade das negativas de doação ocorrem por recusa familiar
pesar de o número de transplantes realizados no Rio Grande do Sul ter aumentado cerca de 1,8% no primeiro semestre de 2017, informações da Central de Transplantes revelam que cerca de 2 mil pessoas seguem na lista de espera por um órgão no Estado. Levantamento da Secretaria Estadual da Saúde (SES) indica que 55% das causas de não-efetivação da doação ocorrem devido a recusas da família. Para o Coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Grupo Hospitalar Conceição (CIHDOTT-GHC), José Luis Toribio Cuadra, é preciso aprimorar os processos de contato junto às famílias. Segundo o médico, quem autoriza a doação sempre se encontra em situação emocional delicada e um pequeno descuido pode gerar a não concretização da doação. “É muito importante a sensibilização, já que os resultados não dependem apenas do altruísmo familiar, mas também da organização e da capacitação do trabalho da equipe hospitalar”,
123RF.com
A
Patrícia Nunes
Falta de informação é o maior empecilho na hora da efetivação da doação
esclarece Cuadra. Amélia Schmitz, 64 anos, optou por doar os órgãos da filha diagnosticada com morte encefálica no início deste ano. Ela relata que essa é uma decisão difícil, mas lembra que a filha sempre deixou clara a vontade de ser doadora. “É um momento muito triste na vida de uma mãe, mas fico feliz em saber que a vida da minha filha pode salvar outras vidas”, afirma. Ao longo do processo de doação,
Hospital Centenário enfrenta a maior crise financeira da sua história “Para a população, a saúde é prioridade!”. Assim trazia o cartaz em meio à caminhada em defesa do Hospital Centenário em evento ocorrido no sábado, 21, com o apoio da comunidade leopoldense. A cidade enfrenta uma crise no sistema de saúde. Hoje, o hospital atende 18 municípios dos vales dos Sinos, Caí, Paranhana e Região Metropolitana. A instituição contabiliza um custo mensal de 9 milhões, mas recebe somente 235 mil do Estado e 2,3 milhões da União. Resta ao município, portanto, arcar mensalmente com o déficit de mais de 6 milhões. Enquanto isso, afirma o Secretário da Saúde, Fábio Bernardo, outros hospitais da região com menor número de leitos que o Centenário não recebem menos de 3 milhões de reais do Estado por mês. Em agosto, os serviços prestados pelo Centenário foram transformados em 100% SUS, acabando com atendimentos particulares que usavam a estrutura do hospital, “mas davam pouco retorno”, salienta o prefeito Ary Vanazzi. Também foram encerradas as alas de Neurologia e Neurocirurgia, em que o hospital era referência, mas não recebia os repasses do Estado e da União. A diretora do Hospital, Quelen da Silva, explica que não se trata de um debate político, mas de uma situação de saúde pública na qual toda a população está envolvida.
(Thais Souza)
Amélia recebeu toda a assistência da equipe médica do Hospital Regina, em Novo Hamburgo, onde a filha permaneceu internada por mais de dois meses. “Explicaramme tudo sobre a situação da minha filha e sobre as opções que a minha família tinha a partir dali”, recorda. O processo de doação e espera por um órgão acaba sendo comovente tanto para quem espera, quanto para quem toma a decisão de autorizar a doação. Cláudia da
Liga Feminina de Combate ao Câncer de Dois Irmãos realiza Mutirão pela Vida Na tentativa de conscientizar sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama e de próstata, a Liga Feminina de Combate ao Câncer de Dois Irmãos realizou o Mutirão pela Vida. A ação, que chega à sua quarta edição, faz alusão aos movimentos Outubro Rosa e Novembro Azul. Durante o evento foram oferecidos exames preventivos, testes rápidos de HIV, sífilis e hepatite, além de verificação de pressão arterial e avaliação nutricional. O público também pôde realizar teste de visão e participar de aulas de yoga, zumba, capoeira e dança aérea, entre outras atividades. Segundo a Secretaria de Saúde, durante o mutirão foram oferecidos 89 atendimentos, sendo 20 testes rápidos de HIV, sífilis e hepatites, quatro PSAS, três raios X de tórax, além de 20 avaliações de pele, 15 mamografias e 27 coletas de pré-câncer. A presidente da Liga Feminina de Combate ao Câncer, Cláudia Goetz, explicou que o principal objetivo do mutirão foi o de alertar as pessoas sobre os benefícios da prevenção. “O câncer, quando descoberto na fase inicial, tem em torno de 90% de chances de cura, o que justifica a importância do diagnóstico precoce”, relatou. Segundo ela, a cada semana são registrados dois novos casos de câncer na cidade. (Carlos Bueno)
Silva Diniz, 42 anos, ressalta que a irmã, Camila, esperou por um transplante de rim durante 9 anos. Ela sofria de insuficiência renal, doença que atinge grande parte das pessoas na lista de espera por um rim no Rio Grande do Sul. “Foram momentos muito difíceis, pois durante a espera a doença foi se agravando e ela foi ficando cada vez pior”, relembra Cláudia. Camila realizou o transplante em junho de 2015, mas não se adaptou ao órgão. Devido à gravidade do caso, veio a falecer no final do mesmo ano. Para Cláudia, se a irmã não tivesse esperado por tantos anos estaria em melhores condições ao receber o rim e teria sobrevivido. Pessoas como Sheila Gabbardo, 49 anos, entretanto, ainda estão na espera por um transplante. Ela foi diagnosticada com Insuficiência Renal Aguda em 2015. Desde então, passa por sessões semanais de hemodiálise. Segundo ela, o tratamento é desgastante e causa desconforto e náuseas. Apesar das adversidades, contudo, Sheila acredita que o importante é não perder a esperança. Ela sonha todos os dias com o transplante, seguido de uma boa recuperação.
Projeto Vida Saudável oferece aulas de yoga para a comunidade A prefeitura de São Leopoldo oferece, três vezes por semana, aulas de yoga gratuitas à comunidade. Nos dias de sol, os encontros acontecem na Praça da Biblioteca, no centro da cidade, e em dias chuvosos no segundo andar do prédio da Prefeitura. O incentivo à yoga faz parte do projeto Vida Saudável, criado pela Secretaria de Saúde há três anos. O projeta também contempla aulas de biodança, dança circular e meditação, ministradas por professores voluntários. A idealizadora e coordenadora do Vida Saudável, Arete Cecília Roman, 59 anos, destaca que a motivação do projeto é unir corpo, mente e espírito em exercícios. “Psicólogos e psiquiatras estão enviando pacientes para esse projeto e alguns deles já apresentaram melhoras surpreendentes na qualidade de vida”, relata. Desde o início as aulas foram muito procuradas. Todas as semanas chegam pessoas de bairros distantes e de cidades vizinhas para participar.
(Patrícia Wisnieski)
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
ECONOMIA 9
Porto Alegre sofre com desemprego Jovens são os mais prejudicados com a falta de postos de trabalho Andressa Puliesi
Andressa Puliesi
A
crise financeira ainda prejudica empresas e trabalhadores da Região Metropolitana de Porto Alegre. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a taxa de desemprego está em 12,6% e atingiu 13,1 milhões de brasileiros em agosto deste ano. A Fundação de Economia e Estatística (FEE), que disponibiliza dados sobre Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de Porto Alegre, calculou que 10,3% da população está desempregada. Apesar do número estar reduzido comparado ao trimestre anterior, a preocupação em relação à busca de emprego permanece. Para os jovens, a situação é ainda pior. Eles são mais da metade dos desempregados na Região Metropolitana, aponta a FEE. Aqueles com idade entre os 15 a 29 anos são os que mais enfrentam dificuldade. A jovem Karine Mello dos Santos faz parte da estatística das pessoas afetadas com o desemprego. Aos 27 anos, ela está à procura de trabalho há cinco meses. Antigamente, Karine trabalhava em uma empresa como analista de suporte técnico. Ela conta que foi demitida por causa da crise financeira. “Comecei como estagiária e depois fui efetivada. Fui demitida por causa da crise financeira. Como a empresa vendia produtos de informática, sistemas para outras empresas maiores e éramos uma consultoria, então alguns clientes ficaram sem dinheiro para pagar e acabaram cancelando o contrato ou reduzindo. A empresa ficou sem dinheiro para arcar com os custos e tiveram que demitir alguns funcionários.” Karine relata que a dificuldade para chamarem para entrevista de emprego é um dos problemas que têm enfrentado. Segundo ela, dos 29 currículos enviados, apenas sete receberam retorno e chamaram para a entrevista. “Apesar de ter enviado muitos currículos, eu não sei por que só alguns chamaram”. Esperava que fizesse mais entrevistas, pois as vagas que busquei foram as que eu tenho experiência. Por exemplo, caixa, recepcionista, atendimento ao público, na parte de banco de dados, suporte ao cliente e mesmo sem experiência em vendas.
to. Mas pretendo fazer um curso técnico de Administração para as oportunidades melhorarem.”
Solução é a economia
Apesar da dificuldade, Karine continua apresentando currículos a empresas em busca de emprego
Tentei uma vaga de vendedora por achar que poderia ser efetivada. Mas está muito difícil o retorno”, diz Karine. Ela, que disse ter trabalhado durante três anos na antiga empresa, conta que a crise trouxe concorrência grande para as poucas vagas disponíveis. Atualmente o número de concorrentes para uma vaga praticamente dobrou. “O número de candidatos realmente dobrou para cada cargo que tu vai realizar entrevista. Eu
participei de uma entrevista coletiva com cerca de dez pessoas”, afirma a jovem. Karine acredita que, se tive ss e a l g u m a for ma ç ã o su perior, a chance de conseguir um emprego aumentaria. Ela é formada no Ensino Médio e diz que não cursou faculdade por causa da dificuldade financeira. “Acredito que se eu tivesse alguma formação, eu teria mais chances de conseguir trabalhar e na área que eu gos-
O PIB da economia brasileira reduziu 7,2% no último biênio e a perspectiva é que cresça menos de 1% em 2017
A economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Cecília Hoff afirma que a taxa dos jovens desempregados é mais elevada por causa da falta de experiência. Além disso, a entrada e a saída de jovens na força de trabalho é mais volátil e, em períodos de elevação da renda, uma parcela maior passa a se dedicar apenas aos estudos, enquanto na crise um número maior de jovens ingressa na força de trabalho com o intuito de complementar a renda familiar, o que contribui para ampliar a taxa de desemprego nesta faixa etária. Outro ponto relatado pela economista é que todas as áreas são afetadas e enfrentam dificuldades. Além da indústria e da construção civil, ela destaca o comércio e os serviços em geral. “No passado essas áreas vinham apresentando um processo benigno, de aumento da formalização. Porém, há sinais, hoje, de reversão desse processo. ” Cecília ainda destaca que o desemprego não ocorre exatamente da crise financeira, mas da crise econômica de modo geral. O PIB da economia brasileira reduziu 7,2% no biênio 2015-16 e a perspectiva é que cresça menos do que 1% em 2017. Ou seja, a recuperação ainda é muito pequena. O desempenho da economia gaúcha é similar ao nacional. “Acredito que o desemprego é resultado da recessão econômica que estamos vivendo, e é agravado pelo fato de que atingiu em cheio alguns setores que empregam bastante, como a construção civil e a indústria de transformação”, afirma Cecília. A economista relata que a crise financeira poderá ser aliviada quando a economia gaúcha voltar a crescer e com ela as receitas do governo. “Os gastos já foram cortados no limite, se cortar mais há o risco de comprometer a prestação dos serviços públicos. A retomada do crescimento depende da continuidade da redução da taxa de juros e de que essa redução possa chegar ao tomador final; da retomada dos investimentos, sobretudo em infraestrutura; e de uma negociação do governo federal que permita aos estados se equilibrarem no período de crise.”
10 MEIO AMBIENTE
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
Plantio solidário arboriza cidade São Leopoldo depende de moradores para repor árvores em zonas urbanas
O
Veronica Schultz
Veronica Schultz
Departamento de Arborização Urbana (DAU) de São Leopoldo apresentou no dia 28 de setembro, o plano de arborização urbana para 2018. Hoje a cidade conta apenas com a doação de mudas pelo viveiro municipal e quem precisa plantar as árvores são os próprios moradores. Na segunda quinzena de novembro, será realizada última conferência com a participação da população no Parque Natural Imperatriz Leopoldina, quando definirão quais áreas vão ser incluídas no plano de revitalização arbórea para o próximo ano. De janeiro até outubro, mais de 800 mudas foram doadas. Segundo o engenheiro agrônomo do DAU, Luis Marcelo Tisian, os planos de arborização são de longo prazo e terão reflexo daqui a dez ou 20 anos, pois, a prefeitura ainda não tem equipe disponível para plantar novas árvores. Ele pretende, nos próximos passos do plano, conseguir verbas ambientais “num valor que dê pra comprar um mini caminhão, para poder sair do viveiro com diversas mudas, ir até as ruas ou bairros que precisam ser arborizados e realizar os plantios”. Em 2017, de acordo com dados do DAU, 67% das solicitações de manutenção na arborização das ruas foram para supressão de árvores, e apenas 33% para podas. Luis Marcelo afirmou que isso é reflexo do plantio sem planejamento no início dos anos 90. Mesmo com o corte autorizado das árvores, fica a cargo do munícipe fazer o replantio.
Mudas são doadas pelo viveiro municipal para contribuir com os habitantes na arborização
Quando há interesse, o município doa a muda e faz orientação de plantio e manutenção. A moradora do bairro Feitoria, Lani Ribeiro, procurou o viveiro para conseguir as árvores mais indicadas para suas três residências. Ela buscou orientação de quais tipos de espécies plantar, pois não quer se preocupar com problemas futuros, como copas das árvores junto aos fios ou multas por corte e podas indevidas. Pesquisas sobre as espécies mais indicadas para o plantio foram realizadas
observando porte, tamanho das raízes e aspectos para redução de danos ao município, como o acesso indevido à rede de esgoto, gás, fiação ou energia. O viveiro fica localizado no Parque Imperatriz e disponibiliza até três mudas por residência, de 38 espécies arbóreas que são indicadas a pátios ou calçadas. Ele também dá instruções e autorização de cinco anos para podar as mudas que medem de 1,80m até 2,50m de altura. As doações acontecem quartas-feiras pela manhã. Os pedidos de podas e cortes são
feitos pelos munícipes, através da ouvidoria da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semmam). Este ano, apenas em julho o município iniciou os trabalhos de manutenção da arborização urbana, como as podas e cortes das árvores. Até então, as vistorias eram realizadas pelo DAU, mas não havia equipe na execução das atividades. A TRV Transportes ganhou licitação de um ano para fazer a conservação das vias. O investimento da TRV, calculado pela Prefeitura, é cerca de R$ 55 mil por mês.
Grupo orgânico do Vale do Caí tem ajudado na alimentação saudável de centenas de famílias da região metropolitana. Os Companheiros da Natureza são um grupo formado por agricultores que cultivam e distribuem alimentos orgânicos, em feiras da Secretaria da Indústria e Comércio (SMIC), de Porto Alegre, e na cidade de Canoas. Sua história iniciou há 19 anos, quando passaram a se reunir para trocar experiências e conhecimentos em relação ao cultivo de orgânicos. O grupo conta atualmente com uma sede própria de 300m2 construída com recursos doados pelo governo federal. O agricultor Wiliam Rocha, um dos fundadores do grupo, relatou como é realizado
o cultivo: “As nossas propriedades utilizam técnicas de produção orgânica não agressiva ao meio ambiente, como adubação verde, biofertilizantes, pós-de-rochas e compostos orgânicos”. Ivan Haas, outro fundador do grupo, se diz realizado com seu trabalho. “Aqui se pratica uma visão de agricultura que busca a preservação do meio ambiente, agregação de renda ao agricultor e a produção de alimentos saudáveis”, relatou. As feiras ocorrem nas terças, quartas e sábados das 7 h às 12h, em Porto Alegre e Canoas. A comercialização não é realizada nas cidades dos produtores, pois não teria demanda suficiente para atender as feiras de Porto Alegre e Canoas. (Jaciele Müller)
Jaciele Müller
Cultivo orgânico no Vale do Caí garante sustentabilidade a agricultores da região
Agricultor Ivan Haas em sua estufa de morangos orgânicos
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MEIO AMBIENTE 11
Agricultura longe da terra
Entre a poluição atmosférica e sonora, uma horta enche um terraço da Capital
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Caroline Tidra
alessandra nahra
o Centro Histórico de Porto Alegre, onde a cor predominante é cinza e as ruas são tomadas por arranha-céus, ao topo de um prédio tem a cor da esperança. Uma horta, situada no terraço do Assentamento Urbano Utopia e Luta, estimula a agricultura urbana comunitária e fomenta a alimentação saudável. Em 2005, quando o edifício desativado foi ocupado, Eduardo Solari, fundador do Movimento Utopia e Luta, compartilhou a ideia de construir a horta no terraço. Em tempos de sustentabilidade, recursos da natureza são necessários para o ser humano interagir com tudo disponível à volta. “É um lugar que está além de ser só para plantar, é para nós pensarmos na nossa relação com o mundo e em como nos relacionamos uns com os outros”, afirma Robson Reinoso, coordenador do núcleo de agricultura do assentamento. Com 60 metros quadrados de horta, o cultivo é hidropônico, no qual as raízes ficam em contato com a água e nutrientes Invisível aos olhos de quem passa pela Borges de Medeiros, a horta hidropônica inspira o uso de espaços alternativos dentro das cidades são adicionados em lugar do solo. Além do sistema hidropônico, há ba- ter uma horta tanto para melhorar urbanas influencia diretamente nos lucrativos, a fim de diminuir o déficit nheiras antigas onde é feito o cultivo. nosso ar como a nossa alimentação”, hábitos alimentares dos moradores habitacional”, explica Nanci. E assim, Desde a criação, a horta contou opina Nanci Araújo, cofundadora e do entorno, mas para Robson a im- a comunidade fundou a Cooperativa portância da horta é mostrar que é Solidária Utopia e Luta (Coopsul), que com vários responsáveis e, por isso, coordenadora da ocupação. Engenheiro agrônomo e mestre possível outras maneiras de produ- tem diferentes núcleos de atividades teve diversos tipos de hortaliças. Atualmente, três pessoas colaboram na em Engenharia Ambiental, Luís Bohn ção coletiva em espaços alternativos. como padaria, confecção de roupas, hora de plantar. Robson sobe ao ter- contrapõe a ideia de facilidade com a “Conseguimos ter uma produção sig- artesanato e a horta no terraço. raço três vezes por dia para verificar hidroponia e explica que o produtor nificativa em pouco espaço, imagiO prédio comporta cerca de 120 se está tudo funcionando. “Planta- deve estar ciente das ameaças que na o quanto poderia se produzir em pessoas, número que varia dependeno sistema traz milhões de metros quadrados em do de movimentos. Após oito anos mos rúcula, alpara o plantio. terraços do centro. Nosso objetivo é da legalização da moradia, muitos face, tempero “Os principais mostrar a possibilidade real através dos moradores não são os beneficiverde, tomate riscos são a falta da autogestão e autonomia de pro- ários originais. “A maioria deles não cereja, manjeride energia elé- dução. ” As hortaliças são vendidas contribui dentro do processo coletivo, cão, manjerona, trica ou falha do para dois restaurantes de Porto Alegre lá fora se dizem do Utopia e Luta, arruda, sálvia, sistema de bom- e toda renda retorna para a compra mas aqui dentro não acrescentam em salsa e alecrim”. b e am e nt o d e de insumos para que a horta continue nada”. Não há lei que impeça a saída Mas o principal água”. O sistema operando. “Em breve, pretendo iniciar dos beneficiários. Nanci esclarece que plantio é de rúhidropônico tem uma oficina para compartilhar nossas caso seja averiguado venda ou aluguel cula, que pode muitas diferenças práticas e saberes com pessoas que se do imóvel, é feita uma denúncia ao chegar a 600 do convencio- interessam em entrar para o núcleo Ministério Público, pois isso não é pés por ciclo de nal, porém am- da hidroponia”, finaliza. 25 dias durante permitido pela coordenação da luta. bos demandam a primavera e o O que acontece é cedimento dos aparRobson Reinoso conhecimentos Coletivo, mas individual tamentos para terceiros. verão. Sobre as coordenador no núcleo de técnicos. Bohn dificuldades que Com o objetivo inicial de formar O edifício onde está a pequena agricultura do assentamento dest acou que plantação era propriedade do Insti- uma comunidade autogestora e criar existem em uma a hidroponia é tuto Nacional de Seguridade Social um espaço onde todos contribuem para horta no terraço, ele diz que o vento e a poluição são muito comparada com a orgânica e, (INSS) e estava desocupado há 17 o bem do coletivo, a realidade enconmesmo sendo um processo que não anos em processo de deterioração. trada não é assim. Isso não afeta só o os mais prejudiciais. A hidroponia é vantajosa para lu- utiliza químicos e agrotóxicos, não é Quatro anos depois da ocupação, convívio dos velhos e novos moradores, gares menores, pois pode ser feito em agroecológico. “A agroecologia é uma em 2009, o assentamento urbano mas também a união nos trabalhos na bancadas, em suportes nas paredes, ação em conjunto com o ecossistema. obteve regularização fundiária pelo horta e nos outros núcleos. “Hoje não e o ciclo de crescimento das folhosas Quanto mais natural melhor. Contu- Programa Crédito Solidário do Go- conseguimos ter grande participação dos é mais rápido do que quando pro- do, é louvável a questão da produção verno Federal. “A proposta consis- moradores no trabalho necessário para duzidas em terra. “Todos os espaços do próprio alimento e do consumo tia no repasse de prédios públicos a horta existir, inclusive alguns deles já ociosos do centro em terraços, ter- saudável”, conclui o engenheiro. desativados a movimentos sociais, colocaram em algumas assembleias o A iniciativa de cultivar hortas cooperativas e entidades sem fins desejo de desativá-la”, lamenta Robson. renos baldios e quintais poderiam
“É um lugar que está além de ser só para plantar, é para pensarmos na nossa relação com o mundo”
12 GERAL
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
Vida nova em solo gaúc
Segundo o relatório da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), em 2017, uma em cada 113 pessoas do mundo, é solicitante de refúgio. No Brasil, em dez anos, o número de imigrantes subiu 160%. Entre os povos que mais procuram auxílio político e econômico no país, estão os haitianos, que em 2016, lideraram o ranking nacional. Mais em baixo na lista, ficam os senegaleses, com imigração mais recente no país. Em Garibaldi, interior gaúcho, a religião é uma base forte de sustentação da comunidade haitiana. Com 95% da população do país caribenho cristã, os imigrantes que vivem em Garibaldi seguem as estatísticas e as idas ao culto são indispensáveis e a cada domingo. No Vale do Sinos, os senegaleses criaram a Associação dos Senegaleses de São Leopoldo e Novo Hamburgo, onde encontram auxílio e apoio para buscar melhorias na qualidade de vida.
“Tem pessoas muito boas que nos ajudam e tem pessoas muito ruins, que fazem mal para o povo haitiano” Aniel 44 anos
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Kellen Dalbosco
assava alguns minutos das 16h30 quando um ônibus azul estacionou em frente a 1ª Igreja Batista de Garibaldi. Dele, saíram cerca de 40 imigrantes haitianos, entre adultos, crianças e idosos, todos vestidos elegantemente para a ida ao culto, que ocorre todos os domingos no mesmo local. Sem muitas oportunidades de socialização e emprego, a religião passou a ser um pilar importante de suporte à comunidade haitiana local. A língua portuguesa é a maior dificuldade da população haitiana no Brasil. Geralmente, os imigrantes que chegam a Garibaldi, na Serra Gaúcha, falam francês ou crioulo, um dialeto local. Algumas pessoas ainda se arriscam no inglês e espanhol, mas são minoria. O culto é realizado na língua falada por cerca de 9,5 milhões de habitantes do país caribenho, o ‘créole’, que é mais uma forma de aproximar os imigrantes de sua terra natal. “Olá, sou eu, o Joanel, conversamos ontem na Biblioteca”, diz o jovem vestido com um terno marrom, camisa estampada e gravata combinando. Estava
que aquele momento é de silêncio e reflexão. Em cima do palco, vários instrumentos musicais anunciam o ritmo do encontro. Wildony Lucien era músico no Haiti e veio para o Brasil em 2013, para viver com a mãe. Aos 25 anos, ganha a vida dando aulas de bateria. No final deste ano, termina o Ensino Médio. Ele tem planos grandiosos para o futuro na Serra Gaúcha, já que não pretende voltar para o país de origem. “Eu ainda não tenho cidadania (brasileira), mas quero ter para poder abrir minha empresa de música”. Falando o idioma local com facilidade, diz que tem muito a aprender e que está estudando para ingressar FOTOS Kellen Dalbosco na universidade. Segundo dados apresentados pelo Fórum de Mobilidade Humana, o Rio Grande do Sul tem cerca de 50 mil imigrantes, dos quais 8,5 mil são haitianos. Em Garibaldi, não existe registro quanto ao número de caribenhos que vivem na cidade. A situação dos novos moradores
irreconhecível. No dia anterior, durante a sua aula de português, ministrada por voluntários na biblioteca pública da cidade, vestia-se com uma jaqueta estofada e usava boné, roupa que não estaria à altura de um encontro com Deus. Sentase sozinho em uma cadeira e, de cabeça baixa, inicia suas preces. O culto tem horário de início definido para às 17h, mas assim que as pessoas se acomodam, um homem com cerca de 40 anos, vestindo um terno preto bem alinhado, abre um caderno de onde retira as frases que pronuncia para os presentes. Até mesmo as crianças, que somam quase metade dos fiéis, sabem
As idas ao culto nos domingos têm se tornado um momento importante de socialização para a comunidade haitiana em Garibaldi
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
cho não é muito diferente daquela em que se encontravam os imigrantes italianos quando chegaram na região, 140 anos atrás. Sem perspectivas de crescimento em seus países de origem, os haitianos vêm ao Estado para trabalhar.
Ajuda em português
No final de 2015, um grupo de professores e voluntários com maior conhecimento em língua portuguesa resolveram unir forças e ajudar os imigrantes que cresciam de número a cada ano. Os sábados de manhã são repletos de conversas e soluções de dúvidas na Biblioteca Pública de Garibaldi. As aulas, que estão previstas para às 10h, iniciam antes, quando Valery Aniel, 44 anos, e Joanel Placius, 32 anos, chegam com seus cadernos em mãos. Morando há três anos na Serra, Aniel fala que deixou uma família no Haiti e constituiu outra em Garibaldi, onde trabalha em uma empresa de plásticos. “Aqui eu ganho pouco, não consigo mandar dinheiro para o Haiti. Tenho um filhinho aqui e vivo de aluguel. Com o salário, só consigo manter a casa”, desabafou. Seu primeiro emprego foi em um frigorífico, do qual, depois de um corte de funcionários, foi demitido e não recebeu nada além do salário do último mês. No Haiti, Aniel era enfermeiro e trabalhou em hospitais e em uma funerária. No Brasil, não conseguiu atuar na área e reclama da falta de oportunidades no país. “Tem pessoas muito boas, que nos ajudam, e tem pessoas muito ruins, que fazem mal para o povo haitiano”, disse com tristeza. Entre uma conversa e outra, Aniel olhava para a professora sentada em sua frente e tirava dúvidas. “Como se chama o lugar que colocam as pessoas que morrem? ”, perguntou. “É no túmulo”, respondeu a professora. Com a ponta do lápis afiada, tomava nota de todas as palavras estranhas e disse pensar que, se falasse português fluentemente, as pessoas iriam entendê-lo melhor e, assim, conseguiria oportunidades na cidade. Ao seu lado, Joanel também fazia perguntas à professora e contou que no Haiti trabalhava como pedreiro. Na cidade serrana, o único emprego encontrado pelo jovem foi em um frigorífico. Para dezenas de haitianos, Garibaldi é a chance de uma vida completamente nova. O envio de dinheiro para o país de origem não é o único objetivo dos imigrantes. Viajar, conhecer uma nova cultura e chamar o país do carnaval de seu lar é o sonho deles, que deixam a terra natal para buscar uma vida melhor.
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Senegaleses criam associação no VS William Martins
William Martins
Embaixo da Estação Novo Hamburgo, da Trensurb, em frente a um shopping da cidade, estavam diversos vendedores ambulantes. Entre eles, Lamine Saar, 32 anos, senegalês que veio para o Brasil há um ano e sete meses. Ele faz parte da Associação dos Senegaleses de São Leopoldo e Novo Hamburgo (ASSLNH), que também atende as cidades de Canoas, Esteio e Sapucaia. Tímido e explicando que não sabe falar muito bem português, Lamine conta que veio ao Brasil em busca de melhores oportunidades de trabalho e salário. Ele relata que sofre muito com a saudade da família. “Eu venho aqui para trabalhar, porque eu quero ajudar minha família. Meu pai morreu, eu tenho mãe, três irmãs e um irmão que não trabalha. Eu sofro muito, porque eu tenho saudade deles”, diz Lamine. Ele é um imigrante refugiado e afirma sofrer preconceito por ser negro e estrangeiro. Diz que, por não ter ‘corpo branco’, a discriminação muitas vezes não se reflete na fala, mas nos olhares. Porém, para Lamine, todas as pessoas são iguais. “Eu tenho muita coisa do meu coração para falar, mas não falo porque não sei muito bem o português. Eu gosto é daqui, eu gosto é do Brasil. ” A ASSLNH foi criada este ano para auxiliar e orientar os senegaleses. A ideia surgiu após episódios de repressão que os imigrantes sofreram por parte dos fiscais das Prefeituras de São Leopoldo e Novo Hamburgo, que recolheram os produtos dos ambulantes estrangeiros. Sentada no chão, ao lado das mercadorias, estava Cláudia Aguiar, brasileira e estudante de Serviço Social. Ela é uma das fundadoras da Associação dos Senegaleses e conta que os imigrantes sofrem muito preconceito. “As pessoas são xenófobas. Eles sofrem por serem negros e estrangeiros”, lamenta. Ela ajuda os senegaleses desde 2014. “Eu digo que eles são minha família… Então eu preciso deles mais do que eles precisam de mim… A gente está sempre junto”, conta Cláudia. A Associação dos Senegaleses promove ações como brechós solidários, rifas, jantares e palestras com o intuito de divulgar a cultura senegalesa e arrecadar verbas. Massamba Mbemgue, presidente da
Massamba e Lamine estão no Rio Grande do Sul em busca de uma nova realidade
associação, trabalha em um restaurante em Novo Hamburgo como garçom. Ele está há quase quatro anos no país. “Vim para o Brasil pra ter uma vida melhor, para ajudar minha família.” O objetivo de todos é o mesmo, o de trabalhar e enviar parte do salário para seus familiares, que estão no Senegal . “A parte maior é da família. Na verdade, nós trabalhamos para ajudar a família, sustentá-la”, ressalta Massamba. O presidente da Associação conta que já sofreu muito por ser imigrante africano, mas diz que a discriminação racial não lhe atinge, pois tem orgulho da sua pele. Para Massamba, se alguém falar algo pejorativo sobre sua cor, é inveja, pois ele se sente original tendo a cor que tem.
preconceito em NH
No início do ano, os guardas municipais de Novo Hamburgo recolheram mercadorias de um grupo de senegaleses. Massamba conta que eles foram até a prefeitura esclarecer que os produtos vendidos eram todos legais, pois tinham nota fiscal. Como nem todos compreendiam a língua portuguesa, o grupo que foi até lá iniciou uma conversa em seu dialeto, o wolof. Segundo Massamba, uma das funcionárias do local os proibiu de falar no idioma. “Isso aconteceu na primeira vez que a gente foi lá. Uma senhora pediu para não falarmos mais o nosso dialeto lá, pois tínhamos que falar português. Mas a maioria de nós não entende português. Foi humilha-
ção ou preconceito mesmo”, esclarece Massamba. Segundo a Associação dos Senegaleses de São Leopoldo e Novo Hamburgo, existem no Rio Grande do Sul 8 mil senegaleses. A onda migratória é uma questão que afeta o mundo como um todo. Em 2016, conforme a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), 65,6 milhões de pessoas tiveram de deixar os locais onde residiam. Nigerianos, somalis, sírios, senegaleses e entre tantos outros povos saem de seus países de origem fugindo das guerras, da fome e da miséria. Eles migram e pedem refúgio em busca de oportunidades. O Brasil não está fora dessa realidade. Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), em 2016 o país reconheceu como refugiadas 9.552 pessoas de 82 nacionalidades. Para o professor e pesquisador da Unisinos Alberto Efendy, as migrações não são um fenômeno contemporâneo. Historicamente é possível observar grandes migrações de populações dentro dos próprios continentes e entre continentes. O professor relata que a principal causa deste fato é por motivo econômico, de subsistência. “As migrações contemporâneas são calçadas, principalmente, pelo capitalismo selvagem. Ou seja, as condições de vida dos povos da África até a década de 70 eram muito melhores que as condições atuais. A maioria das migrações contemporâneas é por causas econômicas, de existência infra-humana, de miséria, de muita pobreza”, afirma o professor.
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Entre a luta e o esquecimento
Associações de moradores se reinventam para entrar e mudar a vida das pessoas Marcelo Janssen
“N
Natasha Rossoni
em sei se tem associação.” A dúvida de Michelle Moreira, dona de casa e uma das organizadoras de um projeto social com crianças em seu bairro, é a mesma de muita gente. A atividade das associações de moradores, presente na vida das pessoas há décadas, está mais parada. Porém, nas regiões periféricas de Porto Alegre, grupos estão buscando revigorar suas comunidades com iniciativas que visam tirar essas áreas da marginalidade. Esperança e felicidade se encontram na Avenida Bento Gonçalves, bairro Agronomia, próximo ao campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Uma pintura em um poste de luz apresenta o número “7233”. A rua, de nome Rui Moita, é o início de uma pequena comunidade com apenas cinco vielas, onde vivem 98 famílias, com 350 habitantes estimados. A Associação de Moradores da Vila Boa Esperança foi criada Atividades promovidas pelas entidades - como a trilha no Morro Santana - promovem trocas de experiência entre a sociedade em 2009 com intuito de lutar por Na avenida Protásio Alves, os Periférica, começaram a pôr em água, energia e saneamento básico. viver lá. “Moro aqui há 10 anos e acho altos da rua Reverendo Daniel Betts prática mais projetos. “Depois que “Nós pensamos o seguinte: se no futuro nós precisarmos lutar muito tranquilo de morar. A con- é uma incógnita. Para alguns, o nos juntamos com o coletivo, que contra uma reintegração, a gente vivência com os vizinhos é muito bairro é Morro Santana - porém é da comunidade da Laranjeiras, luta via associação. Aqui ninguém boa. A gente se ajuda bastante”, cartas mencionam a região como começamos a realizar trilhas pelo luta por si. Aqui todos lutam por confessa, com orgulho, a auxiliar de Protásio Alves ou ainda Alto Pe- morro, o que é uma coisa que semcozinha e mora- trópolis. A área de um dos picos pre queríamos.” to dos”, af ir ma Ainda conforme a presidente, dora da Vila Boa mais elevados da cidade exibe uma a presidente da Esperança, Karim grande quantidade de um verde a conservação do Morro Santana associação, a cuinatural. Os 311 metros de altura também é um dos focos. “Uma das da Silva Lima. dadora de idosos É na Boa Es- mantém, em sua base, pequenas nossas lutas é preservar o morro, Erondina Sarturi. perança que vive comunidades divididas territorial- proteger da especulação imobiliPara o doutor Michelle, há 30 mente, porém, unidas sobre uma ária que só avança. Então, a ideia em Ciências Soda trilha é conscientizar que esse anos na comuni- causa. ciais e professor Em um prédio verde, sob um morro tem que ser protegido.” dade, e não sabe da Universidade Para o presidente da União das d a e x i s t ê n c i a pequeno toldo azul, uma porta do Vale do Rio da entidade. Ao separa o exterior de uma sala cheia Associações de Moradores de Porto dos Sinos (Unilado da família, de livros, todos doados, com um Alegre, Getúlio Vargas Filho, toda sinos), Aloísio ela organiza um quadro negro ao fundo e poucas iniciativa comunitária é fundamenR u s c h e i n s k y, proj e to lú d i c o cadeiras. É ali o espaço de cultura tal, ainda mais quando o Estado quando o cidaLuciana Soares de brincadeiras, e também de esperança para estu- não garante os serviços essenciais. dão procura forPresidente da Associação de estudos bíblicos dantes que desejam ingressar na Luciana reconhece que os maiores mas coletivas de Moradores Vila Tijuca e a lmo ço p ara faculdade. A sala abriga um curso problemas da comunidade em que defender seus incrianças. To do Pré-Enem e vestibular gratuito para mora são a falta de iluminação e teresses, surgem diversas formas de coletivos. A sábado é assim. Já as atividades os moradores. Esse é apenas um dos as ruas. Já para Erondina, água de área da comunidade é um espaço culturais promovidas por entida- vários projetos da associação, que qualidade, energia e saneamento federal, ocupado desde a década de des comunitárias, como esporte existe desde a década de 1970, mas básico são as prioridades. As duas também afirmam que os descasos 1960, quando pertencia à União. e dança, são inviáveis para a as- há apenas 15 anos realiza ações. As comunidades do Morro San- da gestão municipal não são só Em 1984, o território foi repassado sociação de Erondina, devido à à UFRGS e, em janeiro deste ano, falta de uma sede física. Mas esse tana já recebem eventos culturais com os bairros mais pobres, mas a associação recebeu uma intima- fato não dificulta a convivência e realizados pela rádio comunitária A sim com todos os demais. Nestas ção para uma audiência de con- realizações de festas. A presidente Voz do Morro, um veículo alterna- comunidades, que são de classe ciliação de território, em março. conta que, para as festas ocorrerem, tivo de grande importância para os econômica baixa, os projetos das Atualmente, o processo permanece toda a comunidade se engaja. “Uma moradores, há mais tempo. Ainda associações tornam a vida dos mosuspenso, porém, mesmo com um pessoa dá um bolo, outra compra sim, a presidente da associação, a radores a melhor possível. “É uma comunidade saudável”, risco de reintegração de posse, não azeite, outra a pipoca e assim é professora Luciana Soares, diz que junto da rádio e do coletivo Visão diz Karim. tira a felicidade dos moradores em feito. Totalmente comunitária.”
“Uma das nossas lutas é preservar o morro, proteger da especulação imobiliária que só avança”
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GERAL 15
As histórias da Rodovia da Morte Desatenção de motoristas e pedestres marcam estrada que corta a região metropolitana
A
Bruna Bertoldi
via une a região do Vale do dos Sinos ao Litoral Norte. Denominada de Rodovia Nestor Herculano de Paula, é uma importante ligação entre Portão e a localidade de Barra do Ouro, em Maquiné, com 123 quilômetros de extensão. A ERS-239 é a terceira rodovia estadual em número de acidentes só neste ano. Ficou atrás da ERS122 e ERS-040, conforme dados do Comando Rodoviário do Rio Grande do Sul. Por esse alto índice de acidentes, principalmente fatais, hoje ela é denominada pelos policiais como “Rodovia da Morte”. Alcina tinha por hábito vir de Sapucaia do Sul para Sapiranga de ônibus. Contudo, sempre vinha junto com um de seus nove filhos e a nora. Mas, em uma sexta-feira, decidiu fazer o trajeto sozinha. Aos 72 anos, Alcina Simon morreu atropelada na ERS-239, em 12 de abril de 2002. Ela foi mais uma das centenas de vítimas que a rodovia fez nos últimos anos. O acidente aconteceu quando tentava atravessar a rodovia após descer do ônibus. O filho, o industriário Adrion Simon, conta que o motorista fugiu sem prestar socorro. E com a força do impacto, sua mãe foi arremessada contra outro carro, que acabou perdendo o controle e caindo no canteiro central da estrada. Alex Leandro Barth, 51 anos, 33 deles como motorista profissional, conta que já presenciou muitos acidentes. O que mais o marcou, entretanto, ocorreu no limite de Estância Velha e Novo Hamburgo. Uma senhora desceu de um ônibus e foi atropelada por um veículo ao tentar atravessar a via. A colisão foi em meados dos anos 1990. Na época, a rodovia não era duplicada em toda a sua extensão. Alex salienta que ajudou a socorrer a vítima, que foi levada ao Hospital Geral de Novo Hamburgo já sem vida. Um dos fatores agravantes dos acidentes na rodovia, no trecho de Sapiranga, é o fato de a estrada dividir a cidade ao meio. A estudante Patrícia da Costa Leite Luz comenta que tem o hábito de atravessar a via diariamente desde os seus cinco anos. Muitas vezes sentiu apreensão ao atravessá-la ou acreditou que poderia ser atropelada.
Para ela, o mais difícil é calcular a distância e a velocidade do veículo em relação ao local onde se faz a travesia. Em toda a sua extensão, existe somente uma passarela na ERS-239, localizada em Parobé. No final de agosto, a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que é a responsável pela via e administra o pedágio localizado em Campo Bom, anunciou investimentos para a construção de duas passarelas em Sapiranga. Para Alex, os acidentes têm aumentado nos últimos anos, e acredita que o fato se dá pela imprudência de motoristas e pedestres. “Muito motoristas estão dirigindo e usando o celular. Em compensação, muitos pedestres e ciclistas costumam atravessar na frente dos carros mesmo em curta distância”, destacou. Outro fator é o aumento no número de retornos que acabam causando mais acidentes, principalmente com danos materiais. Conforme Fernando Mujica dos Santos, 3º sargento que responde pelo Comando Rodoviário Estadu-
al em Sapiranga, são necessárias três atitudes para a diminuição dos acidentes: uma rodovia em boas condições para o tráfego com sinalização, controladores de velocidade e passarelas -; atenção ao trânsito - tanto de pedestres, ciclistas e motoristas -; e cumprimento da legislação de trânsito. O Comando Rodoviário de Sapiranga é responsável por 35 quilômetros da estrada, trecho que abrange desde o viaduto sobre a BR116, em Estância Velha, até a ponte sobre o rio Paranhana, e m Ta q u a r a . De janeiro até 19 de setembro deste ano, dos 166 acidentes registrados pelo Comando de Rodoviário, 149 foram somente no trecho de Sapiranga. O policial frisou que os acidentes costumam ocorrer, principalmente, no início da manhã e da noite, horários em que normalmente as pessoas estão preocupadas com os afazeres do dia ou atividades que ainda têm que ser feitas. Mujica elenca, ainda, o uso do celular ao volante como um grande causador de acidentes.
Dos 166 acidentes registrados pelo Comando de Rodoviário, 149 foram somente no trecho de Sapiranga
Tanto Patrícia quando Alex comentam que, pelo fato da via ter pistas duplas e laterais, muitas pessoas se confundem no momento de atravessar. Acabam olhando para o lado errado, como muitas vezes já presenciaram. “Talvez até mesmo por um momento de distração”, salienta Alex. O primo de Patrícia foi atropelado por uma motocicleta no momento que atravessava a via, em 2015. Ele trabalhava em um posto de combustíveis que fica a beira da rodovia, e foi atingido quando se dirigia a uma das filiais do outro lado da estrada. Como consequência, teve que amputar uma das pernas. Segundo o diretor-presidente da EGR, Nelson Lidio Nunes, a previsão é que no início de 2018 comece a construção das passarelas. “Estamos contratando os projetos. Está na fase de elaboração do termo de referência para a contratação do projeto de engenharia e para a construção das passarelas”, destacou. Nelson avaliou a importância dos pedestres utilizarem as passarelas após o seu término. Para ele, a sua construção, aliadas à consciência dos pedestres em utilizá-las e de motoristas em respeitarem os limites de velocidade, podem resolver o grande número de acidentes. Bruna Bertoldi
Pedestres e ciclistas têm o hábito de atravessar a via mesmo ao notar que veículos se aproximam em alta velocidade
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Escolas sofrem com avanço das drogas Atividades do Denarc e Cipave ajudam a coibir e prevenir o uso de drogas nas escolas
O
Tatiana Dege
tráfico de drogas nos arredores das escolas e o uso de substâncias ilícitas por jovens e crianças é um tema bastante comentando no Rio Grande do Sul. Os jovens enfrentam no dia a dia escolar um grande risco à saúde e segurança ao se depararem com pontos de tráfico. E, tanto as escolas públicas como as particulares enfrentam essa realidade. No Brasil, uma proporção de 0,5% de alunos revelou ter consumido crack nos 30 dias anteriores à uma pesquisa feita pelo IBGE. No total de alunos do 9º ano, seriam 13 mil usuários da droga, mesmo que eventuais. Além disso, 9% dos alunos, ou 236,7 mil estudantes, experimentaram alguma droga ilícita em 2015, proporção maior que os 7,3% de 2012. Estados da Região Sul estão entre os que registraram maior índice de consumo de álcool e drogas nos 30 dias anteriores à pesquisa. O Rio Grande do Sul ficou com 34% dos jovens que consomem substancias ilícitas já na adolescência. Um dos aliados para combater esse mau que rodeia as escolas é a Operação Anjos da Lei, uma ação permanente do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) e que existe desde 2011. O objetivo é coibir o tráfico de drogas nos arredores de escolas e tem como regra a repressão e a prevenção ao tráfico e consumo de entorpecentes. De 2011 a 2015, as operações se concentravam somente na Capital e Região Metropolitana. Em 2016, o trabalho passou a valer para todo o Estado. De acordo com dados da polícia, 70 municípios tiveram ações diretas e indiretas. E, desde 2011, 833 pessoas foram presas, vendendo drogas dentro ou na área escolar no RS. “Essa operação é considerada uma das mais importantes para a polícia civil. Porque ela age para proteger o futuro da sociedade, que são nossos jovens e nossas crianças”. Afirma o delegado da Denarc, Mario de Souza. De acordo com o delegado, se a polícia civil tivesse que escolher aonde concentrar a energia contra as drogas, concentraria as atuações na área escolar. Porque é lá que está o jovem e a criança, e, por uma questão econômica, é o nosso futuro e o futuro dos traficantes. O traficante
As escolas, em parceria com quer formar o novo usuário, ou até mesmo um novo traficante. E, para projetos do governo, trabalham que isso não aconteça, a polícia civil para manter as crianças e os jovens tem que blindar as escolas e cortar afastados das drogas e minimizar esse problema. Um desses projetos o mal pela raiz. Para o Delegado da Polícia Ci- é feito pelas Comissões Internas de vil de Igrejinha e Três Coroas, Iva- Prevenção de Acidentes e Violência da Escola (Cipanir Caliari, são ve), que faz um ações que a polítrabalho em parcia tem priorizaceria com escodo na região. Em las do estado e uma operação, com a Operação foram apreenAnjos da Lei do didos 20 quilos Denarc. de maconha em D e a c o rd o Três Coroas por com a coordetraficantes que nadora estadual tinham como da Cipave, Lumeta vender ciane Manfro, o para estudantes trabalho se conde uma escola centra em evitar local. Ao todo, que os jovens três pessoas foexperimentem ram presas em Ivanir Caliari drogas. Assim ações da OpeDelegado como o Proerd, ração Anjos da esse projeto tem Lei no município, além disso, a região se preocu- o objetivo de mostrar ao jovem que pa intensamente com os menores ele tem escolha. Além disso, estudos envolvidos. Na maioria das vezes, mostram que, de cada seis adolesos jovens são apreendidos por posse centes que experimentam algum de entorpecentes. Porém, no ano tipo de droga, pelo menos um vira passado em Igrejinha, a polícia re- dependente químico. E o principal alizou uma grande operação, tendo objetivo da Cipave é fazer com que o dois menores evolvidos com uma jovem não chegue a provar a droga. “A Cipave recomenda que as esgrande quantidade de crack, cocaína colas façam ações o ano inteiro. O e maconha.
“Os traficantes têm se aproveitado da impossibilidade de prender o menor de idade, e assim, os usam para trabalhar no tráfico”
trabalho preventivo não pode ser feito só com palestras para alertar o jovem sobre os perigos e consequências, mas com trabalhos contínuos. É preciso insistir muito, para que eles tenham consciência sobre o mau que isso pode causa na vida deles. Além disso, a maioria dos casos de evasão escolar é pelo uso continuo de drogas”, afirmou Luciane.
Cuidar é dever de todos
O tráfico na área escolar é um problema muito complexo, porque abrange tanto a questão da segurança pública, como a educação e as famílias. Os pais também têm a obrigação de cuidar e observar os seus filhos para mantê-los afastados das drogas. A principal orientação da Cipave, é para que, quando existe a suspeita, de que seus filhos estão envolvidos com as drogas, ou mostrem qualquer curiosidade em experimentar, é preciso que exista sempre um diálogo aberto na família e não a punição desses jovens. Se as crianças e os adolescentes forem bem orientadas desde o princípio, terão menos chances de ir para o caminho das drogas. E, é muito importante que esse assunto seja discutido, seja enfrentado. Não é assunto só de segurança. É da educação, das famílias, da sociedade, comunidade escolar e todos têm que se unir para combater esse mau. Divulgação / Polícia Civil
Homens são presos na Operação Anjos da Lei, que tem como meta eliminar pontos de tráfico próximo as escolas do RS
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Preconceito que ninguém nota Considerado alarmante, poucos percebem o crescimento do HIV no Brasil
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Vitorya Paulo
Vitorya Paulo
e acordo com o ditado popular, o que não se vê, não se sente. Seguindo a máxima à risca, ninguém parece enxergar as quase 37 milhões de pessoas que convivem com o HIV no Brasil. Os dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), disponível a um clique em qualquer canto do país, assustam: gráficos que mostram a detecção da AIDS só apontam para cima. O silêncio que paira sobre o assunto está na parte da personalidade que insiste em existir em qualquer pessoa: o preconceito. A janela do ônibus está sempre aberta contra o possível vírus da tuberculose que circula pelo ar. O álcool gel está fixado nas paredes da maioria dos espaços para a esterilização rápida das mãos contra a gripe. As campanhas contra rubéola, meningite e hepatite têm propagandas em diversas plataformas. O problema do HIV é que ele não parece ser responsabilidade de ninguém, conforme aponta o psicólogo e mestrando em Psicologia Social e Institucional, Ramiro Catelan. “É sempre considerado uma doença do outro. Não é uma questão do ‘nós’”. Catelan acredita que o primeiro passo é começar a tratar o HIV como problema social, além de debater a fundo sobre a discriminação contra pessoas soropositivas. “O preconceito é considerado um dos principais, se não o principal, agravo de saúde relacionado ao HIV, que faz com que as pessoas deixem de acessar o serviço de saúde e sejam destratadas quando o acessam”. O tabu em que o HIV está inserido ajuda a deixar a pauta ainda mais marginalizada. “Não existe preconceito contra pessoas que vivem com câncer. Quando falamos de HIV e AIDS, estamos lidando com dois temas proibidos para a sociedade: sexualidade e uso de drogas”. Para o psicólogo, pequenas ações podem fazer diferença nesse cenário. “Todos podem treinar a empatia. Não é uma característica inata do ser humano”, alerta.
Nova vida depois do HIV
Quando a maioria da população ocidental se preparava para a comemoração do nascimento do menino de Jerusalém, no último Natal de 2016, Diego Dutra Silveira renascia. A cor diferente na bandeja de testes anunciava a nova vida que o rapaz, na época com 19 anos, teria ao se descobrir portador do vírus HIV. Apaixonado por Biologia, Diego é o
Estudante de Biologia, Diego trata a soropositividade com naturalidade e fala abertamente com família e amigos sobre o HIV
retrato do que a sociedade não vê: um descoberta e não apresentou reações jovem soropositivo saudável. Fran- desagradáveis, apenas tonturas duzino e com sorriso largo, morador rante a madrugada. Assim como os de Nova Santa Rita (RS), descobriu seus amigos, a família de Diego sabe o HIV quando foi “tomar” vacinas, da sua soropositividade. O estudante incentivado por um professor da procura tratar o assunto com natufaculdade. As enfermeiras do posto ralidade. “Quando acontece contigo de saúde encorajaram-no a realizar o e se tem consciência da situação, teste rápido (que testa sífilis, hepatite você começa a ter uma perspectiva e HIV). Após a reação da substância, mais humana das coisas. A vida é maior que isso. A Diego notou a minha estratégia surpresa estamcontra o preconpada no sorriso ceito é a mesma amarelado de para tudo: falar”. quem já deveria estar acostumado com a situaMedicina ção. “A enfermeique guia ra saiu da sala e Diversas pestrouxe uma méquisas apontam dica para falar que soropositicomigo, porque vos com carga ela não iria conviral indetectáseguir. Acho que vel (com menos ela pensou que de 40 cópias de eu iria desmovírus no sangue) ronar”. não têm capaciDiego Dutra Silveira Diego não dade de transmiEstudante desmoronou. tir o HIV. O estuAliás, só cresceu. do mais recente “Eu cheguei em casa e fui pesquisar. foi realizado pela Universidade de Desvendei tudo para saber como New South Wales, em Sidney, na ia ser a situação. A partir daquele Austrália, que testou cerca de 300 momento, eu tive uma perspectiva casais e avaliou que a probabilidado que realmente era o HIV nos dias de de contrair HIV com relações de hoje”. O tratamento com Tenofo- sexuais com soropositivos nessas vir começou na semana posterior à condições está entre zero e 1,56%.
“Você começa a ter uma perspectiva mais humana das coisas. (...) A minha estratégia contra o preconceito é a mesma para tudo: falar”
Essa condição não é novidade para a comunidade médica, de acordo com o coordenador do ambulatório de HIV e AIDS do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Eduardo Sprinz. “Existem pesquisas que estudaram seis mil, 12 mil casais que atestaram a mesma conclusão. O que temos é cada vez mais certezas sobre isso”. De acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, o Rio Grande do Sul apresenta a segunda maior taxa de detecção de AIDS no país, com quase o dobro da média nacional. A situação socioeconômica é um dos principais fatores que agravam o cenário, segundo Sprinz. “O Estado precisa ir onde as pessoas vulneráveis estão. A população não vai procurar, pois nem sabe onde há ajuda”. Além da falta de recursos, o especialista também atenta à lentidão das pesquisas sobre medicamentos no país. “Ao mesmo tempo que se precisa aumentar o número de tratamentos, é necessário se atualizar com as melhores medicações”. A aposta para reverter a situação do HIV ainda é o estímulo pela proteção com preservativos durante as relações, em conjunto com incentivos a projetos sobre a prevenção e tratamento do vírus, de forma a tratar o assunto como problema coletivo. “O HIV sempre é um desafio”.
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A memória viva da cultura jesuíta O resgate da história missionária gaúcha é perpassado através de valores
A
Bibiana Faleiro
Bibiana Faleiro
Bíblia ficava dentro da mala, envolta por objetos religiosos da Europa, para catequizar índios nas reduções jesuíticas do Rio Grande do Sul. Depois do café na hospedaria, virando, normalmente à direita no final do corredor, os padres entravam na Igreja para oferecer seus serviços a Cristo. Os sinos badalavam em sintonia com as horas. Dispostos em filas com as portas voltadas em direção à grande praça, as moradias dos índios erguidas por barro e madeira compunham a estrutura de chão batido do local. Uma horta ao fundo, um colégio, e as oficinas onde foram criadas a maioria das obras encontradas pelo arqueólogo Pedro Ignácio Schmitz. “A função de um museu é dar vida outra vez para os que vem visitar”, conta. De bengala na mão e sorriso no rosto, ingressa no Museu Capela, no campus da Unisinos, em São Leopoldo. Senta-se em uma das banquetas brancas em frente ao altar, confundindo-se com a história missionária do lugar e começa a contar sobre a importância desse trabalho. No terceiro andar da Biblioteca Unisinos, o professor Luis Fernando Medeiros Rodrigues também sorri ao recordar o passado contemplado no Memorial Jesuíta. Na mesa coberta por livros, folheia digitalmente o manual de obras vindas de famílias missionárias alemãs. As páginas carregam o brasão da Companhia de Jesus. O Sol representa a criação; os Cravos e a Cruz são símbolos do Cristianismo; IHS - Iesus Hominum Salvator - é a forma de retratar Jesus. Livros datados entre os séculos XV e XIX permeiam o núcleo mais importante dessa coleção. Obras raras, das quais chama a atenção “Repertorium docius summer dominé antonini archiepiscopi florentini ordinis predi”, de 1496. Das memórias resgatadas, a Coleção Antônio Vieira, Cristo Rei, periódicos de Santo Inácio de Loyola e arquivos pessoais de jesuítas como Theodor Amstad e Max von Lassberg. Se de um lado a literatura prevalece, do outro são as obras recolhidas das oficinas de arte das reduções que protagonizam o passado. No início do século XX, elas foram entregues para o padre Pedro Ignácio. “Um arqueólogo junta coisas velhas para transformar em antigas”, foi assim que descreveu o ofício. Ele conta que a coleção do Museu Capela possui 12 obras santas em madeira, entre elas, a de São Miguel de Arcanjo.
no número 685 da Rua Brasil, fica a antiga sede do Museu Capela. O Seminário Central formou padres até 1957 a partir de entendimentos jesuítas. O prédio ficou abandonado até surgirem os primeiros cursos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Em 1969, o espaço ficou pequeno e a universidade foi para a Avenida Unisinos, no bairro Cristo Rei. A conservação do patrimônio serve como ponte entre a população e o seu passado cultural, identidade da Companhia de Jesus.
Intelecto jesuíta
Livros do século XV ao XIX compõe o acervo de obras raras do Memorial Jesuíta
“A memória não é só dos museus, ela está viva em pequenas atitudes. Tu já viu um jesuíta?” Luis Fernando Rodrigues Professor
No canto da sala, um homem lia em silêncio “Missões: reflexos e questionamentos”. O livro, nas mãos de Jandir Damo, 58 anos, demonstra o seu apreço pela cultura jesuíta, cujo trabalho espalha-se pelo interior do Museu Capela. É ele quem recebe os visitantes do lugar há 32 anos. Caminha observando as paredes e aponta para um dos quadros dizendo que há registros de 110 anos de história antes da Unisinos. Na saída, o sino de uma Igreja, agora sem movimento, ilustrou a rotina regrada que outrora pertenceu às reduções. A cerca de seis quilômetros dali,
Hoje, existem poucos templos cristãos que permanecem com esse viés. Os jesuítas se inserem na sociedade em meio aos leigos em uma recordação perpassada através de valores. “A memória não é só dos museus, ela está viva em pequenas atitudes. Tu já viu um jesuíta?” Escondendo um sorriso no canto do rosto, apontou para o próprio peito: “tu está olhando para um”, revelou-se. Luis Fernando fez o noviciado no Colégio Anchieta, em Porto Alegre. Sua formação jesuíta o levou a trabalhar com crianças em Florianópolis e a conhecer a Faculdade de Teologia na Europa. Depois de 23 anos de aprendizado, entrou na Unisinos para ser professor e desenvolver estudos sobre a Companhia de Jesus. Administra o Memorial Jesuíta e a Biblioteca do Instituto Anchieta de Pesquisa, mas muito mais do que isso, traduz a história que carrega em si, em suas ações. Nos quadros do Museu Capela está a rota das missões de jesuítas espanhóis em direção ao Paraguai. Em terras brasileiras, chegaram ao Rio de Janeiro e desceram em direção à Porto Alegre. No interior, encontraram alemães e Italianos, um obstáculo à comunicação que obrigou-os a voltar e dar lugar a jesuítas vindos da Alemanha e Itália. Essa fusão de culturas favorece uma memória coletiva, onde as palavras portuguesas e alemãs misturam-se criando expressões características. Além das históricas Missões de São Miguel de Arcanjo, a região sul dispõe de colégios, museus, igrejas e santuários que resgatam a cultura missionária. O Colégio Anchieta, o Centro de Eventos Cristo Rei, a escola de Salvador do Sul e, a seu lado, uma igreja. Sinônimos da memória da Companhia de Jesus e símbolos da cultura gaúcha. As recordações têm forma e escrita, mas o maior valor encontra-se dentro dos ensinamentos empíricos que os missionários procuram perpetuar.
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CULTURA 19
A sutileza feminina nas letras A busca pela igualdade de gênero é uma luta inclusive no meio cultural
A
leonardo kluck / nonada
Michelle Quadros
feminilidade na literatura se destaca pela perspicácia. O detalhe é a união das mulheres às palavras. O destaque no meio cultural foi uma luta histórica, é um espaço social que deu voz ao gênero feminino atraído pela sutileza a interpretação detalhistas das escritoras. O papel da mulher dentro da literatura é mostrar a igualdade por meio do talento com as palavras, poesia e texto. É conquistar brilho nas páginas de livros com poemas e histórias inspiradoras, e é importante conhecer a trajetória dessas guerreiras no estado do Rio Grande do Sul. A mulher por muito tempo foi deixada de lado, sob a tese de que era intelectualmente inferior e, em tudo, dependente do homem. No Rio Grande do Sul isso pode se explicar pelo domínio da economia pastoril e do sistema patriarcal no campo. Apenas na década de 40 nasceram as primeiras faculdades frequentadas por mulheres. Foi nessa época em que foi fundada a Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul (ALFRS), em Porto Alegre.
A academia
O órgão foi fundado por Lydia Moschetti, em 12 de abril de 1943. O objetivo era criar uma instituição literária genuinamente feminina. Ela buscava fomentar os direitos das mulheres e a valorização feminina no meio cultural. Atualmente, Santa Inéze da Rocha é a presidente da entidade, definida como uma associação do caráter cultural, sem fins lucrativos. A presidente conta que, por meio de uma emenda parlamentar, o projeto de organização do Memorial Feminino foi contemplado em 2008 pelo PRONAC, através do Fundo Nacional de Cultura do Ministério da Cultura. A primeira etapa, já concluída, diz respeito à reforma do sobrado e à aquisição do arquivo deslizante. Falta a segunda fase, relacionada ao patrimônio imaterial com a recuperação e preservação da documentação da Academia, acumulada nos mais de 70 anos de história. Há livros raros que estão sendo recuperados, revistas publicadas pela Academia e o legado de cada acadêmica. “ Tínhamos que ter uma biblioteca aberta para que as mulheres pudessem trazer seu livro. Precisamos lutar neste sentido”, afirma a diretora.
VALORIZAÇÃO CULTURAL
A ideia das integrantes é contribuir para a valorização cultural e intelec-
Santa Inéze da Rocha é a atual presidente da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul
tual da mulher, incentivar pesquisas literárias e a criação de obras. Ela é composta por 40 escritoras, sendo que cada uma ocupa uma cadeira e, para se manter, elas pagam uma anuidade de R$ 170. Uma das integrantes é Teniza Spinelli, natural de Osório, que atua nas áreas de jornalismo, museologia e literatura. Em entrevista sobre a ligação feminina com o mundo das letras, ela destaca a importância da literatura em sua vida e do papel das mulheres no meio literário. A escritora comenta que ninguém entra na literatura de imediato, é uma ligação que começa desde muito cedo na vida das escritoras. “ As palavras são algo inerente. É um amor notório desde a infância”, enfatiza. “ As palavras são sentimentos tomando forma. É um fluxo verbal que precisa se encontrar e encontrar uma moldura”, complementa Teniza. Teniza revela que buscou sempre ser humanista em suas poesias, valorizando a natureza como um espelho do estado de espírito humano, assim como a energia e o olhar que, juntos, formam as palavras. Para ela, a mulher na literatura é de uma importância irrefutável. “ A mulher consegue ver uma imagem finita e ter uma ideia infinita e também tem a clara percep-
ção que tudo se vai para trás com o tempo e para frente com o espaço a ser construído pela luta”, ressalta ela. A jornalista ainda afirma que a academia pretende trazer mais escritoras para a ALFRS, principalmente jovens que ainda não fazem parte. Dentro da literatura gaúcha vale ressaltar outras figuras marcantes e de exímia importância na luta feminina de reconhecimento no meio cultural. Uma delas é Delfina Benigna da Cunha, uma figura de destaque nas manifestações fundadoras da literatura gaúcha. Nesse contexto, também se destacam Revocata de Melo
“Tínhamos que ter uma biblioteca aberta para que as mulheres pudessem trazer seu livro. Precisamos lutar neste sentido” Santa Inéze da Rocha Presidente da ALFRS
e Julieta de Melo Monteiro, as irmãs que monitoraram o “Corimbo”- mais duradouro jornal feminino do país. Elas também lutaram pelo voto e pela educação feminina. Outra lutadora é Luciana de Abreu, que foi patrona na Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul, e pioneira na luta pela emancipação da mulher. Camila Petró, uma estudante que iniciou seu trabalho de conclusão ( TCC) em História, na Ufrgs, sobre a ALF , conta que soube da existência da instituição quase por acaso. Camila encontrou uma biografia sua no site do Museu da Medicina, descobrindo que Noemy foi uma das primeiras mulheres a se formar na área no Estado, que ela pertencia a uma tal Academia Literária Feminina. A partir dali, começa a investigação de Camila sobre a instituição: como ela se estruturou e quais foram as características iniciais. Esse foi o primeiro trabalho acadêmico de fôlego sobre a ALFRS. Essas e tantas outras escritoras buscaram construir uma identidade que cede espaço para a diferença, baseada em uma representação feminina atuante. O ideal de todas as mulheres ao longo da história é a integração dos gêneros de forma igual.
20 CULTURA
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Fim do Bento em Dança Evento não será mais realizado devido à falta de incentivo
m dos eventos mais importantes do município, que colocou Bento Gonçalves no mapa das artes da dança, chega ao seu fim. O Festival Bento em Dança de 2017, realizado entre os dias 7 e 14 de outubro, no Parque de Eventos do município, reuniu 6,3 mil bailarinos de diversos estados do Brasil e de outros países da América Latina e da Europa pela 25ª e última vez. Segundo a presidente do evento, Erci Grapiglia, a falta de incentivo por parte do setor privado e da prefeitura foi o principal fator motivador que levou à extinção do Bento em Dança. O Festival contou com a presença de diversos bailarinos brasileiros, argentinos, chilenos, uruguaios, venezuelanos, que participaram do evento através das oficinas e apresentaram ao público mais de 600 espetáculos dos mais variados gêneros musicais. Os destaques do Bento em Dança foram premiados com 22 bolsas de estudos para escolas na Itália, no Uruguai e no Brasil. O principal fato notório do evento, no entanto, não ficou para o final. Na abertura, a
Kévin Sganzerla
U
Kévin Sganzerla
Profissionais da dança que vieram de diversos países lamentaram o fim do festival
presidente do festival anunciou o fim do Bento em Dança, pegando a todos de surpresa. Para Erci, Bento Gonçalves não se deu conta da importância da iniciativa para o município. “É lamentável porque se qualquer bento-gonçalvense atentar para a importância, este evento tem uma semana em que as pessoas vêm para Bento Gonçalves, consomem, usam a hotelaria, usam restaurantes, fa-
Festival de teatro amador Art in Vento movimenta município de Osório O Art in Vento, festival de teatro estudantil e amador de Osório, alegrou a cidade do dia 16 a 22 de outubro. Realizado na Câmara de Vereadores, reuniu artistas de vários lugares do Rio Grande do Sul e contou com 24 espetáculos, nas categorias estudantil e amador - infantil e adulto. De acordo com a assessora de Cultura e Juventude, Adriana Pacheco, ações que fortaleçam a cultura e a arte são essenciais para o desenvolvimento amplo da comunidade. Segundo dados da assessoria de Cultura, a Câmara de Vereadores tem capacidade para 220 lugares, e teve lotação máxima durante os sete dias de evento. A diretora do Grupo Galpão das Artes, Viviane Dutra, destacou que os 12 anos do Art in Vento, sempre contou com plateias de posicionamento crítico, que lotam a Câmara à procura de cultura e lazer. “A arte é a melhor forma de prevenir o envolvimento das crianças com a marginalidade”, salientou. O evento é uma realização da Prefeitura Municipal de Osório, através da Assessoria de Cultura e Juventude, e tem apoio do Instituto Estadual de Artes Cênicas (IEACEN), do Grupo Galpão das Artes e da Câmara de Vereadores.
(Vanessa Puls)
zem compras, mostram produtos de nossa cidade para o mundo. Fizemos com amor, com paixão pela arte, mas acho que Bento Gonçalves não se apercebeu do tamanho e o resultado deste trabalho”, afirmou a presidente do Bento em Dança, que está há 25 anos na presidência da organização promotora. O festival colocou o município de Bento Gonçalves no mapa das artes da dança. “O objetivo prin-
Diversão garantida aos finais de semana em parque canoense Acontece em Canoas, no Parque Municipal Getúlio Vargas, durante todos os finais de semana, os projetos Sábado no Park e Domingo no Park, que trazem atividades de bem-estar e de entretenimento aos canoenses com teatros e shows ao vivo. O Sábado no Park é voltado para exercícios físicos como zumba, tai chi e treinamento funcional. O horário das atividades é das 10h às 12h. O Domingo no Park é de entretenimento em geral. As atrações como teatro, circo e shows inicia às 16h. O evento conta com o Movimento Rock Canoas, que traz shows e food truck de bebidas e comidas. “Aos domingos, aqui no anfiteatro recebemos em média 600 pessoas, que participam das atividades”, disse Amanda Barros, uma das organizadoras. Os projetos que acontecem desde maio deste ano fazem parte de uma junção do ParkShopping e da prefeitura de Canoas. Tudo para dar visibilidade e fidelizar as pessoas ao empreendimento que tem inauguração prevista para novembro. Segundo a Multiplan, o shopping veio para trazer benefícios para a cidade. Além de gerar cinco mil empregos diretos e indiretos, traz também melhorias no entorno, como ruas, avenidas e no parque. (Caroline Tentardini)
cipal foi fazer algo que mostrasse Bento Gonçalves culturalmente. Ela é uma cidade escondida, e o Bento em Dança colocou-a no cenário da cultura”, ressaltou Erci. De acordo com o secretário municipal da Cultura, Evandro Soares, a Lei do Marco Regulatório do Terceiro Setor, que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil em vigor desde janeiro deste ano, não permite mais o simples repasse de verbas através de auxílio financeiro como acontecia nos anos anteriores. Por esse motivo, o repasse de verbas para o Bento em Dança ficou impossibilitado. Apesar disso, Evandro ressaltou que a prefeitura não deixou de apoiar o Bento em Dança de outras formas, como no auxílio ao transporte de bailarinos e na divulgação do evento. “Entendemos que existem dificuldades e desafios que devem ser superados. Estamos vivendo uma realidade na administração municipal em que é preciso eleger prioridades. Entendemos que devemos nos reunir, conversar e buscar soluções. O Bento em Dança não pode parar”, conclamou Evandro Soares.
Imbé prepara festas e baladas para jovens na temporada de 2018 Imbé destacou-se nas últimas temporadas do verão para quem curte festas à noite. As casas noturnas mais frequentadas são o Scooba e o Bar do Yuri. Outra alternativa é o Guia Corrente. No último réveillon houve redução de gastos e não teve grande queima de fogos. Mas nada impediu a festa, que contou com 200 mil pessoas. É muita gente para uma cidade que tem 21 mil habitantes e pouca infraestrutura. Veranistas e moradores reclamam da locomoção. O tempo que leva para deslocar-se de um bairro para o outro quadruplica no verão. O morador Alex Silva disse que falta organização. “É muita gente, muito carro. Falta planejamento para o município, e o que era para ser uma diversão, acaba em estresse.” Luciana Santos mora em São Leopoldo e frequenta Imbé. “Há alguns problemas sim, de preparação para evitar confusão, principalmente no trânsito. Mas isso é detalhe, temos que curtir que o verão é para isso”, afirmou. O ano está no final e há curiosidade para a próxima temporada. Não tem nada confirmado. Os comerciantes querem se organizar, através da Parceria Público-Privado, para atrair o pessoal baladeiro.
(Vinícius Emmanuelli)
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cultura 21
A produção cultural em São Leopoldo Mesmo com a interdição do Teatro Municipal, os grupos de artes não param
Caroline Muller
Guilherme Santos
M
uitos grupos de artes cênicas foram fundados recentemente em São Leopoldo. Eles têm em comum a vontade de fazer a diferença e de alterar a realidade pela arte. É o caso do grupo de teatro musical de São Leopoldo Música e Cena, que está em fase de preparação para fazer um espetáculo em homenagem à vida e carreira de Marilyn Monroe. A peça teatral celebrará os cinco anos de história do Música e Cena. Eles também seguem fazendo apresentações do espetáculo “Mamma Mia”, peça que introduziu o grupo no cenário cultural de São Leopoldo. O Música e Cena é um dos poucos a fazer teatro musical no Rio Grande do Sul, na Região Metropolitana, têm apenas dois grupos: um em Porto Alegre e o outro é o Música e Cena em São Leopoldo. João Marcelo Lucas Schneider, diretor e ator do Música e Cena, ressalta a importância do coletivo dentro de um grupo de artes cênicas. Disse ainda que eles trabalham com teor colaborativo, no qual os que têm mais aptidões para um seguimento de arte ensinam os outros, assim todos têm algo a agregar e ensinar. Esses valores, João aprendeu com o pai, Marcelo Schneider, fundador e diretor geral do TGB (Teatro Geração Bugiganga). O TGB tem 25 anos de história e é um dos pioneiros na luta pela arte em São Leopoldo. Grande parte dos grupos de teatro de São Leopoldo foi fundada por alunos do Marcelo Schneider. Costuma-se dizer que alguns dos outros grupos são braços do Teatro Geração Bugiganga. Talvez por isso no meio artístico da cidade todo mundo se conhece e se ajuda, pois todos de alguma forma compartilham uma ligação na sua fundação. Além disso, em São Leopoldo, há o Fórum das Artes Cênicas, que é um espaço para os artistas confrontarem o governo e lutarem para que políticas públicas para a Cultura sejam executadas.
O Teatro Municipal
Não é segredo para ninguém que o teatro municipal de São Leopoldo está interditado e que isso atrapalhou muito a produção artística da cidade. Grupos como o Música e Cena tiveram que correr atrás de outros espaços para faze-
Grupo Música e Cena em apresentação na praça da Biblioteca, espaço onde também fica o teatro municipal que está interditado
rem apresentações, como é o caso poltronas, técnico de sonorização do Explosão da Dança, que vai e iluminação, varas de iluminafazer a apresentação anual – que ção, palco com boca de cena 9m antes era no teatro municipal de x 2,9m, cabine de som e luz e três São Leopoldo – em um teatro lo- camarins. “A interdição do Teatro calizado na cidade de Campo Bom. Municipal afeta tudo o Música e Mais de um ano interditado, o Cena. O formato que a gente trabalha, no caso Teatro Municio teatro musipal deve passar ca l, ne cessit a por reforma esde equipamentrutural. Apesar to, necessita do de não ter data a m bi e nt e , d a p ara o início iluminação. Ele das obras, a preé muito show, feitura garantiu com brilho, que até metade c ore s , a qu el e do ano que vem estilo Broaestará em pleno dway. Então a funcionamengente necessita to. A reforma da caixa cênica estrutural nedo teatro”, disse cessária foi orJoão Marcelo. E çada no valor João Marcelo para o diretor e de R$268 mil ator e diretor teatral ator do grupo e contará com Música e Cena, troca de telhas, substituição do forro, conserto da parte da culpa é também dos artisrede elétrica e do carpete, além da tas que, segundo ele, não sabiam aproveitar o espaço que era depintura do local. O Teatro Municipal de São Leo- les. “Se todos cuidassem do teatro poldo foi palco do cenário cultural como se fosse a sua casa, ele talvez da cidade desde 2008. Um dos não estivesse interditado”, afirmou. Uma saída para os grupos que motivos que faz com que os grupos sintam tanto a falta do teatro é a produzem arte e cultura em São estrutura que ele proporcionava. O Leopoldo seria usar o auditório Teatro Municipal contava com 280 Padre Werner da Unisinos, porém,
“O teatro musical é muito show, com brilho, cores, aquele estilo Broadway. Então a gente necessita da caixa cênica do teatro”
o valor cobrado pelo aluguel do anfiteatro está fora do orçamento de qualquer grupo de pequeno e médio porte. Para que eles possam se apresentar no anfiteatro é necessário que hajam parcerias entre a Unisinos e os grupos, mas ainda não houve uma aproximação de nenhuma das partes interessadas. Estudos realizados pelo Observatório Itaú Cultural desenvolvidos pelas pesquisadoras Gisele Jordão e Renata Allucci mapearam a produção cultural no Brasil. A pesquisa, que durou 10 anos, mostrou que a produção cultural aumentou muito graças aos cursos de Produção e Gestão Cultural, isto é, misturando educação e cultura – dois pilares importantíssimos para o crescimento de qualquer sociedade. Para que o poder público passe a priorizar também a cultura – assim como faz com a saúde e a educação -, é necessário que haja uma maior valoração e apropriação por parte do público. Segundo pesquisa publicada pelo Fecomércio do Rio de Janeiro, os brasileiros têm poucos hábitos culturais, onde 92,5% dos brasileiros não costumam ir a exposições de arte, 91,2% não vão a espetáculos de dança, 88,6% não frequentam teatro, 80,6% não vão a shows, 73,7% não vão ao cinema e 70,1% não leem livros.
22 GASTRONOMIA
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Por trás do copo
Além de história e conhecimento, a produção artesanal ganhou popularidade e acervas no Estado
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fotos Gabriela da Silva
Gabriela da Silva
ei, sabores e estilos diferentes: esta é a cerveja artesanal. Desde a sua existência, muito antes de Cristo, ela conquistou um público mundial com gosto levemente amargo. Mesmo com a notoriedade, muitas pessoas não sabem diferenciar uma cerveja especial de uma comum. Este conhecimento, muitas vezes, só é notado por especialistas da área, como beersommeliers. Todavia, é possível notar a partir dos três ingredientes básicos da cerveja: água, malte e lúpulo. Estas matérias-primas proporcionam sabores e aromas mais fortes e concentrados, já que a partir das suas proporções e manuseio é possível obter mais de 100 estilos. A explosão de tudo está no homebrew (produção caseira). E, graças a isso, é possível encontrar equipamentos para manusear em casa. Para a produção, é necessário seguir alguns passos e ter materiais específicos: a fermentação, na qual as leveduras produzem álcool e CO2, é preciso ter um resfriador, airlock (borbulhador), um balde de 30 litros e uma torneira plástica para do Vale do Sinos (Cerva Sinos), de São retirar a cerveja fermentada. Após, vem Leopoldo. a maturação, responsável pelo arredondamento dos aromas e sabores da Os primórdios cerveja. O indicado é possuir um fogaQuando o assunto é cerveja, os alereiro a gás de alta pressão, um caldeirão mães levam bem a sério, tanto que até para fervura e filtragem, termômetro, criaram uma lei, a Reinheitsgebot, em moinho para cereais, filtro para mosto, português, a Lei da Pureza. De acordo mangueira para manta de inox, frasco com Alexandre Bazzo, mestre-cervede Iodo e proveta, tudo isso somente jeiro da Cervejaria Bamberg (SP), ela para a primeira parte. Por último, e não surgiu com Guilherme IV, duque da menos importanBaviera (região te, a etapa de enalemã onde está garrafamento, que Munique), no só precisa de gardia 23 de abril do rafas long neck, longínquo ano de 600 ml ou de de 1516, quando 1 litro, tampas e assinou uma lei manômetro para que determinava garrafas. que a bira local só Mesmo com poderia, dali em materias mais diante, ser produmodernos, ainda zida utilizando-se há algumas peapenas água pura, Jefferson Reder quenas dificuldamalte e lúpulo. O des. “O mercado coordenador da Cervejeiros fermento só foi iné bem carente de cluído nesta lei alArtesanais do Vale equipamentos e gum tempo mais do Sinos de lugares onde tarde, já que ainda se possa adquirir não era conheciinsumo. O que poderia favorecer, prin- do. Até então, os cervejeiros da Baviera, cipalmente o meio homebrew, seria a na tentativa de inovar receitas, incluíam criação de uma legislação mais branda ingredientes bizarros na cerveja, como para os cervejeiros caseiros, que pudesse fuligem e cal. incentivá-los a produzirem e comerciaHoje, muitas cervejarias ainda selizarem a bebida, o que por lei ainda guem à risca a Reinheitsgebot, principalnão é permitido”, diz Jefferson Reder, mente as alemãs e belgas, o que explica coordenador da Cervejeiros Artesanais a excelência das maltadas produzidas
Graças à popularização, a bebida ganhou grupos especializados em produção regional
“O mercado é bem carente de equipamentos e de lugares onde se possa adquirir insumo”
nesses países. No Brasil, várias cervejarias artesanais também compartilham do mesmo ideal de Gulherme, como a Eisenbahn (SC) e a Falke (MG), produzindo cervejas de qualidade indiscutível. Embora exista uma lei cervejeira, isto não impediu que outros estilos
nascessem. Cervejas doces, amargas, com insumos regionais e até mesmo com frutas foram criadas. Mesmo com uma grande variedade, as mais populares são as claras, com Witbiere e Wiess, que se assemelham com a boa e velha Pilsen, típica do churrasco de domingo.
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ESPORTE 23
O acidente que forjou um campeão Vencedor dentro e fora das raias e pistas, Willy é exemplo de superação
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Thaís Lauck
Thaís Lauck
ransformar momentos de desespero e perda em superação é desafiador. E há, acredite, exemplos emocionantes de que isso é possível. Willy Acker Schuh, de 24 anos, está aí para comprovar. Vítima de acidente de trânsito em 2010, teve a perna direita amputada após uma infecção. Determinado, conseguiu dar novos significados a essa tragédia, se tornando um grande campeão na vida e no esporte. Sete anos depois, o choro e desespero dão lugar aos sorrisos largos dele e dos pais, Angela Acker Schuh, 49, e Canísio Schuh, 54. Da cama de hospital, agora os olhares se voltam às raias das piscinas e às pistas de corrida. E os resultados não demoraram a aparecer nessa nova etapa. Willy se tornou atleta paralímpico da Sociedade Ginástica, de Novo Hamburgo. Foi campeão nos 100m, 200m e 400m rasos na etapa regional Rio-Sul do Circuito Loterias Caixa de Atletismo e Natação, disputado em maio, no Rio de Janeiro. Repetiu o feito em julho, nos Jogos Paralímpicos Universitários, em São Paulo. Na natação, foi 3º colocado nos 100m peito, 4º nos 100m livres e 5º nos 50m livres. É detentor do segundo melhor tempo brasileiro nos 100m rasos: 14 segundos e 89 centésimos, distante 2 segundos e 25 centésimos do recorde.
Força de vontade surpreendeu os pais
O acidente aconteceu na manhã de 15 de fevereiro de 2010. Na época, era um seminarista de 17 anos e seguia de ônibus até Santa Maria do Herval, sua cidade natal, com colegas e padres do Centro Vocacional Maria Mãe de Deus, de Porto Alegre. O coletivo ficou sem freio e desceu desgovernado o declive da VRS-873. Com o impacto, Willy, que estava no primeiro banco, ao lado do motorista, foi arremessado para fora e ficou preso a uma árvore. Com fratura exposta na perna direita e duas fraturas nos membros superiores, foi socorrido e levado ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre. Lá, uma infecção foi detectada, e constatada a necessidade das amputações: a primeira ainda no HPS, e a segunda, no Hospital Ernesto Dornelles, também na Capital. Depois de 21 dias, voltou para casa, refazendo o trajeto do dia 15 de fevereiro. “Só queria ele vivo”, foi o único
Em três anos, Willy conquistou premiações expressivas na corrida e natação
pedido da mãe, Angela, nas primei- por aí, que ia ficar gordo”, brincou ras horas que sucederam o aciden- o pai. te. “Foi difícil, muito difícil”, disse o pai, relembrando momentos de Futebol deu lugar agonia vividos nos corredores da à corrida e natação casa de saúde. “Não falavam muita Willy sempre gostou de esporcoisa. Buscamos ajuda de pessoas te. Era fissurado por futebol, mas influentes e, a parpraticava outras tir dali, recebemos modalidades. “Até mais notícias sobre de skate, ele ano estado de saúde dava”, comentou dele”, completou a mãe. “Detonou Canísio. uns três, eu acho”, Dias se passacompletou, aos riram e o quadro de sos. Abandonar os Willy estabilizou. gramados, que era Era a primeira vio ponto de encontória, dele e da fatro com os amigos, mília. A próxima o deixou triste, mas seria logo adiante, logo o sentimenquando se mostrou to se transformou determinado. Willy em gás para buscar escolheu viver : outros esportes. aceitou suas limiFoi então que, em Willy Acker Schuh tações e se adaptou 2011, começou a Atleta à nova realidade. nadar, por hobby, “Nosso maior mequando ainda modo era a reação dele ao saber da am- rava na Alemanha. “Não imaginaputação”, disse Angela, assumindo va que iria treinar para competir”, que o filho surpreendeu-os. afirmou Willy. Em 2012, ele voltou “Na hora foi um choque, é claro, ao Brasil e, em 2014, entrou para mas depois parei para pensar no que a Ginástica, após ser aprovado em queria para a minha vida e escolhi avaliações. viver, não sobreviver. Minha família, A identificação com as pistas de meus amigos e todos do seminário corrida foi mais tarde, em fevereiro estavam me apoiando”, disse Willy. de 2016. Foi aí que ele descobriu mais “Achei que ele ia só ficar caminhando um grande potencial. “Realizei testes
“Na hora foi um choque, é claro, mas depois parei para pensar no que queria para a minha vida e escolhi viver, não sobreviver”
e perceberam que o meu desempenho nas pistas de corrida era muito superior ao da natação. A partir dali, a corrida se tornou a minha modalidade de alto rendimento”, contou.
Rotina intensa de treinamentos
Nos últimos anos, Willy conciliou o trabalho, o curso de Direito na Universidade Feevale e os treinos na Ginástica. A rotina é intensa: de segunda a sábado, são três horas nas pistas e nas raias. “Os treinos são alternados: um dia natação e outro corrida. Além disso, faço academia todos os dias, no Centro Esportivo Arena”, contou, admitindo que o esporte é prioridade. “Deixo, muitas vezes, de participar de atividades extras na faculdade para me dedicar aos treinos.” O objetivo é baixar o tempo na corrida para bater o recorde brasileiro. “Depois da formatura, quero morar mais perto da Capital, para poder treinar nas pistas da Sogipa”. A dedicação nos treinos é confirmada pelo treinador de natação, Ezequiel Enrique de Arriba, o Zezê. “Ele começou a treinar de maneira despretensiosa e se destacou aos poucos. Não fazia ideia do potencial que tinha. Foi muito legal ver a evolução dele como atleta”, disse, chamando a atenção para a disciplina de Willy fora da piscina. “Ele se preocupa com o que come, como treina”, completou.
24 ESPORTE
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Bolão 16 rende medalhas a gaúchos Apesar da falta de incentivo, atletas de Estância Velha venceram potências do esporte
ois atletas nascidos em Estância Velha, Matheus Dilkin, 19 anos, e João Kleinkauf, 29 anos, disputaram em junho deste ano o mundial de Bolão 16, em Oberthal, na Alemanha, onde conquistaram uma medalha de prata e duas de bronze em disputas diretas com atletas de países tradicionais no esporte como Alemanha, Luxemburgo e Holanda. Os atletas tentaram ressarcir os custos da viagem, que beiraram os 15 mil reais por competidor, junto à prefeitura de Estância Velha por meio do “bolsa atleta”. Segundo o diretor do clube dos esportistas, João Kleinkauf, não houve interesse do poder público em ajudar, pois o pedido sequer foi analisado pela secretaria municipal. Em 2008, a Sociedade de Canto União (SCU), de Estância Velha, sediou o único campeonato mundial da categoria “bolão 16” disputado fora da Europa, consagrando-se campeã tanto nas disputas femininas quanto masculinas. A SCU se mantém entre os primeiros colocados nas competições nacionais, conquistando acessos consecutivos ao mundial de clubes desde 2004. O diretor de Bolão, João Car-
César weiler
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César Weiler
Equipe da SCU conquista acesso ao mundial de Bolão 16 desde 2004
los Kleinkauf, pai do atleta João Kleinkauf, reconhece a excelência do SCU no esporte, mas se diz decepcionado com a falta de auxílio para manter as tradições. Segundo ele, é inadmissível que um clube campeão mundial ainda tenha atletas que necessitem pagar para conseguir disputar campeonatos. “O poder público
Ciclismo noturno em Esteio prepara atletas e amadores para o esporte Um grupo de ciclistas de Esteio se reúne todas as terças e quintas para realizar passeio noturno pela região metropolitana de Porto Alegre, através de iniciativa idealizada por Airton Goulart, 30 anos. Nos passeios de terça-feira o ritmo é mais leve. Nesse dia, os iniciantes do esporte têm a oportunidade de percorrer o circuito que vai de Esteio a São Leopoldo, totalizando cerca de 12 quilômetros. “Incentivar e atrair mais pessoas para o esporte é o objetivo dos passeios, que contemplam modalidades para iniciantes e experientes”, comenta Airton. Na quinta-feira os atletas mais experientes conduzem a pedalada. O ponto de partida é o mesmo local de terça, mas a chegada é na cidade vizinha de Canoas. O percurso é mais curto, porém, mais intenso. “É um ritmo mais forte que nos prepara para os campeonatos do ano”, afirma Adriel Fillmann, 23 anos, atleta amador que compete no esporte. Os passeios são gratuitos. Aos interessados, basta ter uma bicicleta com os equipamentos básicos de segurança e fazer uso do capacete ao longo de todo o percurso.
(Fabrício Santos )
poderia buscar a verba se quisesse, mas o problema é que o bolão não é rentável e a tendência é que esse esporte se perca ao longo do tempo”, lamenta o dirigente. São duas as principais formas de disputa na modalidade. Os brasileiros que representaram a seleção brasileira são especialistas no “bolão 16”.
Torcedor gremista terá que passar por biometria no setor norte da Arena A Arena do Grêmio está realizando o cadastro biométrico, exigência do Ministério Público que visa evitar as brigas no setor arquibancada norte. O clube destaca que a medida ajudará a identificar e punir, individualmente, torcedores que se envolvem em brigas no estádio. A torcedora Franciele Graff, 25 anos, é favorável à biometria. Segundo ela, o sistema permitirá avanços, coibindo a entrada de torcedores que frequentam os jogos com o intuito de vandalizar a Arena. A torcedora sócia patrimonial da arquibancada norte, Vitória Brum, 20 anos, é contra a biometria, sistema que será capaz de reconhecer apenas a identidade do comprador do ingresso ou sócio, impedindo a cedência da carteira para terceiros. “O clube está querendo elitizar o futebol, tirando do estádio pessoas que não têm condições”, desabafa Vitória, que alugava a sua carteira por um preço simbólico quando não podia ir aos jogos. Apesar de representar uma prática comum, o empréstimo da carteira de sócio é irregular, pois trata-se de um documento pessoal e intransferível. Atualmente, o Grêmio possui o segundo quadro social do país, apenas atrás do Palmeiras. (Jessica Jacinto)
A segunda e mais tradicional forma de disputa, contudo, é o “bolão 23”. O que diferencia cada uma das modalidades é o diâmetro da bola, a quantidade de lançamentos permitidos por atleta e a maneira como a bola é lançada nas vielas. Em linhas gerais, o bolão se assemelha ao boliche, cujo objetivo é derrubar os nove pinos dispostos no final da cancha. O esporte tem raízes pré-históricas, pois o homem já se utilizava de objetos esféricos para derrubar espécies de pinos como forma de trabalho e diversão. Os atletas de Estância Velha veem o bolão como fundamental para a manutenção das tradições germânicas e defendem que a prática do esporte seja incentivada de geração a geração. João Carlos Kleinkauf relata que cidades da região metropolitana e do interior do Estado, como Dois Irmãos, Lindolfo Collor, Nova Petrópolis e Linha Nova têm projetos para incentivar a formação de novos atletas através das chamadas “escolinhas”, porém lamenta que Estância Velha não esteja contemplada na rota. “Temos todas as possibilidades e somos expressivos no esporte da região, mas precisamos do auxílio do poder público para cobrir os custos”, lamenta.
Ivoti oferece aulas gratuitas de skate Crianças e adolescentes de Ivoti têm mais uma opção de atividade no contraturno escolar. Além dos esportes tradicionais como futebol, vôlei e basquete, alunos da rede pública municipal podem optar pela prática do skate. Promovidas pela Prefeitura Municipal de Ivoti, as aulas são gratuitas e ocorrem às quartas-feiras na pista de skate e lazer Geraldo José Fröhlich. O aluno Ricardo Hoffmann, 14 anos, ingressou nas aulas no início do ano com a intenção de aprender um esporte novo. Hoje, porém, percebe que pode se beneficiar de mais formas. “É bom vir aqui porque consigo conhecer o pessoal de outras escolas e, assim, fazer novos amigos”. Outros alunos destacam que o exercício à tarde pode contribuir no rendimento escolar. “Se estou em casa, fico com sono e preguiça o dia todo. Tendo algo legal para fazer, me obrigo a me mexer e fico mais disposto para fazer minhas tarefas”, comenta Gabriel Santos Führ, 15 anos, aluno do 9º ano do ensino fundamental. Para ingressar no projeto basta ser aluno da rede de ensino de Ivoti. Não é necessário realizar qualquer investimento. “A Prefeitura fornece tudo, desde skates a equipamentos de segurança, para que todos possam participar”, explica Régis Lanning, professor da oficina.
(Julia Bürkle Schneider)
BABÉLIA :: NOV/2017 :: SÃO LEOPOLDO / RS
ESPORTE 25
Os donos do Rio Grande do Sul Esporte Clube Novo Hamburgo se prepara para defender o título de campeão gaúcho
fachada do Estádio do Vale, casa do Esporte Clube Novo Hamburgo desde 2006, permanece a mesma de sempre. Porém, um detalhe adicionado recentemente tem um grande simbolismo. O muro azul-anil está pintado com uma nova frase: “Campeão Gaúcho 2017”. A tinta branca usada para escrevê-la representa o quão especial foi a temporada que entrará para a história como a maior de todas do clube do Vale dos Sinos. Dentro das dependências do estádio, o passado contrasta com o presente. De um lado, pôsteres de madeira dos vice-campeonatos gaúchos de 1942 e 1947. Do outro, uma foto gigante com todo o elenco que conquistou o título desse ano. Na fileira da frente aparece o meio campista João Luis da Silva, popularmente conhecido como “Preto”. Ele é o único jogador do elenco campeão que não se transferiu para outro clube. Escolha própria, conta o jogador: “Tive algumas sondagens, mas decidi ficar pelo projeto de trabalhar como auxiliar das categorias de base durante o segundo semestre e jogar o Gauchão de 2018.” Outro fator que influenciou na decisão foi a família já estar estabelecida na cidade. “Já vivi muito fora de casa”, conta o jogador, que já teve passagens pela Polônia e Alemanha. Preto soma cinco passagens pelo clube. Na mais recente, foi contratado no início de 2016. Segundo ele, foi aí que começou a saga para o título. “Na escalação do último jogo da temporada de 2016, havia seis jogadores que estiveram na final. Ou seja, tivemos uma sequência de grupo. Apenas houve a troca dos comandantes”, explica. No campeonato Gaúcho de 2017, o Novo Hamburgo terminou a primeira fase como líder. Com isso, enfrentaria nas quartas de final o São José, que havia se classificado em oitavo. Confronto especial para Jaurí Belmonte, torcedor do clube. Na partida de ida, o São José pressionava o clube do Vale, até que Juninho Brandão marcou aos 35 minutos do segundo tempo. “Nunca tinha visto uma sorte tão grande ao lado do Noia”, disse Jaurí. Aquele jogo acabaria em um a zero para o Novo Hamburgo. Mesmo placar da volta. Com esses resultados o clube anilado enfrentaria o Grêmio na semi-final.
ACIDENTE NA SEMI-FINAL
No jogo da ida, houve empate de um a um. Para o jogo da volta, o técnico do Grêmio, Renato Portaluppi,
FOTOS LUCAS WEBER
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Lucas Weber
Preto é considerado por boa parte dos torcedores como o maior ídolo da história do clube
Torcedores do clube se mobilizaram para doar tinta e ajudar a pintar a fachada do estádio do Vale
“O bom de ser torcedor do Novo Hamburgo é a proximidade com atletas, dirigentes e funcionários. Me sinto parte do meu clube” Jauri Belmonte Torcedor do clube
decidiu poupar jogadores na Libertadores para enfrentar o Novo Hamburgo com força total. Uma decisão surpreendente. A partida da volta acabou em outro 1 a 1. Lucas Barrios para o Grêmio e o zagueiro Júlio Santos para o Novo Hamburgo. O Novo Hamburgo conseguiu se classificar em uma disputa de pênaltis dramática. Porém, após o gol de Júlio Santos, algo mudou para sempre a vida de Jeferson Kayser, torcedor anilado. Durante a comemoração do gol, muitos torcedores subiram no alambrado. Jeferson também subiu, porém, não conseguiu se apoiar direito e caiu de cabeça no chão. A arquibancada social do Estádio do Vale tem uma altura de aproximadamente quatro metros em relação ao campo. Durante a transmissão da partida percebia-se sua ca-
beça completamente ensanguentada. “Após a pancada, fiquei desacordado por 12 dias”, conta o torcedor que apenas saiu da UTI para o quarto no dia da decisão do campeonato, contra o Internacional, em Caxias do Sul. O primeiro jogo, em Porto Alegre, terminou em 2 a 2. O segundo jogo, no Estádio do Vale, que não tinha a capacidade mínima determinada pela Federação, foi realizado no Estádio Centenário. Um empate de 1 a 1 no tempo normal e vitória do Novo Hamburgo nos Pênaltis. O final de uma saga. Novo Hamburgo Campeão Gaúcho. Jeferson acompanhou a final pelo rádio. Porém, por estar sempre medicado, não teve uma grande noção do acontecido. Mais tarde, com os fogos de artifício disparados quando o elenco campeão retornou à cidade, conseguiu ter uma percepção maior do ocorrido e se emocionou bastante. As sequelas do acidente foram ruins, mas poderiam ser piores. Os médicos diziam que ele corria risco de perder todos os movimentos do lado direito do corpo, o que não aconteceu. Porém, após o acidente, Jeferson perdeu a visão do olho esquerdo e o olfato. “Graças a Deus o paladar eu não perdi”, brinca. Jeferson também se emocionou quando os jogadores o visitaram no hospital. Principalmente Preto, amigo de longa data que o reconheceu durante o acidente. “Não é possível. Espero que dê tudo certo”, disse Preto. Junto com as visitas, vieram diversos presentes. Uma camisa com o autógrafo de todos os jogadores, a camisa usada pelo goleiro Matheus Cavichioli e o calção usado por Preto no jogo contra o Grêmio. A torcida do Novo Hamburgo não é das maiores. Porém, há um sentimento de irmandade. “O bom de ser torcedor do Novo Hamburgo é a proximidade com atletas, dirigentes e funcionários. Me sinto parte do meu clube”, conta Jaurí. Ele e Jeferson são companheiros de caravanas. Há algumas incertezas no futuro do Novo Hamburgo. O treinador Beto Campos, campeão pela equipe, retornou. Porém, aceitou uma proposta do Criciúma e treinará a equipe catarinense até dezembro, quando voltará para o Novo Hamburgo. Porém, há duas certezas: Preto fará parte do elenco, e os torcedores Jaurí e Jeferson estarão presentes no Estádio do Vale. Todos com o mesmo objetivo: defender a faixa de campeão.
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Babélia S
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:: EDIÇÃO 28 :: SÃO LEOPOLDO / RS
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O Gabriela Höerlle
Um evento especial
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s fotos que seguem foram realizadas por alunos do curso de Fotografia durante a festa do Prêmio Únicos, ocorrida no dia 16 de outubro, no Anfiteatro Padre Werner, na Unisinos São Leopoldo. O evento, promovido pela Escola da Indústria Criativa, em parceria com a Agexcom, premiou os melhores trabalhos produzidos pelos estudantes de Comunicação Social. André Roman
Tamíris Dietrich
Vitória Macedo
Caroline Müller