Babélia 31

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BABÉLIA São Leopoldo (RS) | Junho de 2019 | Edição 31

“Antes que o samba vire ruído, toco alto para ouvir o coração” DIOGO SILVA

Mesmo encarando despesas com sonorização, segurança e limpeza da área, todas as terças-feiras, nos finais de tarde, o grupo Encruzilhada do Samba anima, por prazer à música, uma roda de samba na Praça do Aeromóvel, na Capital. Doações espontâneas asseguram as apresentações. Página 3

Mutirão reforma biblioteca da Escola Itamarati

Viação Feitoria renovará 10% da frota este ano

Cachorra Wisp alegra assistidos em Campo Bom

Feira conhecerá projeto que reduz energia

Pais, alunos e funcionários se unem e reformam instalações que estavam em precárias condições. Só não fizeram mais por falta de dinheiro.

Os novos veículos substituirão modelos sem elevadores para o acesso de deficientes físicos. Empresa já tem 25 carros adaptados.

A border collie integra a equipe do Centro de Referência de Assistência Social, que aplica a terapia assistida por animais uma vez ao mês.

Alunas de Campo Bom vão apresentar em Assunção o “Uma luz no fim do túnel”, que prevê instalação de painéis solares em prédio público.

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EDITORIAL

São Leopoldo (RS) | Junho de 2019 |

IMAGEM

BABÉLIA

CAROLINA ENGELMANN

De letras e de números UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS São Leopoldo e Porto Alegre/RS

Linha Direta: (51) 3591.1122 E-mail: unisinos@unisinos.br Reitor: Marcelo Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor de Graduação: Sérgio Eduardo Mariucci. Gerente dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo. Coordenadores do curso de Jornalismo: Edelberto Behs e Micael Behs.

BABÉLIA Jornal produzido semestralmente pelos alunos do curso de Jornalismo da Unisinos - Campi São Leopoldo e Porto Alegre/RS. TEXTOS E IMAGENS: alunos das disciplinas de Jornalismo Impresso e Notícia, Jornalismo Impresso e Reportagem, e Redação para Relações Públicas II, sob orientação dos professores Edelberto Behs e Daniel Bittencourt. PROJETO GRÁFICO: alunos da disciplina de Planejamento Gráfico (turma 2018/2) Bruna Flach, Débora Eleni Voltz e Pedro Gabriel Viero, sob orientação do professor Everton Cardoso. DIAGRAMAÇÃO: Marcelo Garcia (Agência Experimental de Comunicação - Agexcom).

Um jornal laboratório, como o Babélia se apresenta, também deve estar aberto a experimentos, novas propostas na aplicação de exercícios textuais e na apresentação gráfica. Pois é uma dessas ousadias que esta edição abriga em reportagens publicadas nas páginas 3, 4, 5, 8, 9, 12, 16 e 20. Os títulos das matérias foram extraídos do repertório musical brasileiro. Não só isso, as reportagens também executam uma simbiose entre música e números. Dados da Pesquisa Game Brasil 2018, da Sioux Group, Go Games, Escola Superior de Propaganda e Marketing, e Blend New, mostram que as mulheres compõem 58,9% do total de consumidores de jogos eletrônicos no país. No entanto, elas são minorias quando se trata da produção desses jogos. Dos 2,9 mil desenvolvedores, apenas 565 eram mulheres no ano passado, segundo o Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. E onde entra a música nessa coleção de números? “Batuques diferentes na mesma pulsação”, trecho de música do Rappa, encabeça a matéria com esse título. “Amor revolucionário e salvador que me tirou a arma da mão”, estrofe também do Rappa, conta a história da professora de dança Graciela de Oliveira Souza, 32 anos, que criou o grupo Explosão da Dança, uma escola encravada na Vila Brás, de São Leopoldo, para, através do bailado,

tirar crianças e adolescentes do mundo do crime. Uma triste estatística coloca o Brasil no quinto lugar onde mais se cometem homicídios contra mulheres no mundo. Só no Rio Grande do Sul, os casos de femicídio contra mulheres negras aumentaram 40,9% de 2017 para 2018! “Um minuto antes do fim, eu vi você”, do Marcelo Yuka, intitula a reportagem mostrando que em mais de 70% dos femicídios o agressor é o companheiro! Mas esta edição também traz, no estilo tradicional, notícias do campo da educação, da saúde e da mobilidade urbana. Informa, por exemplo, que pais, alunos e funcionários da Escola Estadual Itamarati, de Porto Alegre, realizaram mutirão para reformar as decadentes instalações da biblioteca, e só não o ampliaram para outras instalações porque esbarraram na falta de recursos pecuniários, responsabilidade do poder público, para a compra de materiais. Informa, também, a criação do coletivo Uma a Uma, integrado por voluntárias, que entregou 100 conjuntos de higiene pessoal a mulheres de rua da Capital gaúcha. O coletivo tem por propósito mostrar que nenhuma mulher está sozinha e que podem contar umas com as outras. Então, só nos resta desejar uma leitura reflexiva das notícias, reportagens, estatísticas, dados, números e letras musicais que o Babélia espelha nesta edição.


CULTURA

BABÉLIA | São Leopoldo (RS) | Junho de 2019

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Antes que o samba vire ruído, toco alto para ouvir o coração Na capital onde o samba tem sido colocado à prova, a paixão garante resistência

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uiz Carlos de Souza dança livremente pela praça. A camiseta listrada tem tantas manchas que confundem o tom original da peça. O olho se fecha, as pernas se movem junto ao ritmo, e por aquele instante nada mais importa. No outro extremo da mesma praça, um grupo de jovens gargalha e dança ao som da música. Tudo parece estar certo. A celebração é regada a copos de cerveja, que sobem em brindes a cada refrão conhecido. O casal Leonice e Victor Turcato aproveita os dias de aposentadoria no bairro em que mora desde que casaram, há 44 anos. Eles vêm ao local toda semana “aproveitar o movimento”. “Isso aqui não é uma maravilha?”, expressa a radiante Dona Leonice, de 66 anos, sentada no canto da praça em uma cadeira de praia de listras azul com vermelho. Na mão uma cuia de chimarrão. O samba é o que une pessoas de características tão distintas todas às terças-feiras na Praça do Aeromóvel, no Centro Histórico de Porto Alegre. O encontro, já tradicionalmente marcado para o final da tarde, é aguardado e bem aproveitado por todos. Na capital onde o samba tem sido colocado à prova, a paixão e cultura falam mais alto e garantem resistência. Idealizador e organizador da iniciativa, o grupo Encruzilhada do Samba nasceu da vontade de fazer música e trazer cultura e diversão popular. Desde 2018 realiza os eventos gratuitos, possuindo como único objetivo garantir espaço para o samba no coração dos porto alegrenses, independente de gênero, idade e classe social. E o objetivo foi alcançado. Entretanto, a satisfação em ver seus desejos concretizados mistura-se com a preocupação sobre a viabilização das próximas edições.

Na encruzilhada

Realmente a cultura do samba em Porto Alegre tem sido colocada à prova. Já são dois anos consecutivos em que a Prefeitura não disponibiliza verba para a realização dos desfiles das escolas de samba na capital. As comunidades que

anualmente se engajam e esperam por este frequenta os encontros semanalmente. momento, no ano passado, 2018, ficaram “Nós, literalmente, passamos o chapéu e sem o apoio municipal e não puderam cada um ajuda como pode”, explica Diedesfilar. Este ano, não satisfeitos em ver a go. As expressões felizes e fidelidade dos história se repetir, organizaram o que foi participantes é o que faz todo o esforço chamado de “ O Carnaval da Resistência”. valer a pena. “Está vendo aquele sujeito Os apaixonados da Série Ouro e Série Prata ali? Nós tocamos aqui nesta praça há pelo uniram-se para angariar os fundos neces- menos um ano. Se eu deixei de ver ele duas sários e juntos, de forma independente, vezes, foi muito”. garantiram que a avenida não ficasse mais O sujeito em questão é Luiz Carlos, o uma vez silenciosa. mesmo que dança pela praça de camiseta É neste cenário que, apesar de adverso, listrada. Ele tem 35 anos e é morador de o carnaval de rua e o samba das terças re- rua. A essa altura já não sabe mais dizer siste. Dom Diogo Silva, fundador e músico como foi parar nesta condição. Tem certeza do grupo Encruzilhada, lista os obstáculos apenas do seu nome e do que precisa fazer para a realização dos eventos. “São custos no dia a dia para garantir a sobrevivênbanheiros químicos, sonorização, segurança, cia. “Vou procurando nos lixos materiais limpeza, entre outros”, que eu possa trocar descreve. Além disso, por algum dinheiro”. a prefeitura cobra taNo samba das terças xas - em torno de 400 encontra diversão e reais - para permitir a acolhimento. “Posso utilização dos espaços dançar, cantar, beber públicos. “Ou seja, já minha cachaça. Sinto não nos pertence mais que ninguém me julga. como cidadão, perceAqui é onde me sinto be? Nós pagamos duas igual a todo mundo”. vezes para utilizar o esNo mesmo espaço, paço”, desabafa Diego. Mariana Pozza, aos 24 O Escritório de anos, estudante de leEventos da Supervisão tras da Universidade de Praças, Parques e Federal do Rio Grande Luiz Carlos de Souza Jardins, que funciona do Sul, comemora o Frequentador do Samba de Terças dentro da Secretaria bom andamento do do Meio Ambiente seu Trabalho de Con(SMAM) de Porto Alegre, alega que “a clusão de Curso. Já são seis anos de estudo cobrança pelo uso de espaços públicos é na faculdade. “Eu venho no samba aqui anterior à gestão atual da Prefeitura, decor- sempre. Quando estou feliz, é para comerente do Decreto Municipal 17.986/2012”. morar. Quando estou triste, é para esquecer”. Ainda declara que “essa medida, além de Mesmo com suas vidas, trajetórias e constituir em uma importante receita para características diferentes, as pessoas do manutenção dos locais, visa trazer mais se- samba de terça unem-se por um prazer gurança, profissionalismo e transparência, em comum: desfrutar o cair da noite evitando transtornos e eventuais complica- durante a roda de chorinho. É neste ções judiciais por conta do uso do espaço”. ambiente que todos encontram alegria, A sobrevivência dos eventos é garanti- diversão e sentimento de igualdade. E da através de doações espontâneas de quem isso é combustível suficiente para seguir lutando. Dom Diego completa: “É como canta a Alcione: não vamos deixar o samba morrer, não vamos deixar o samba acabar”.

Sinto que ninguém me julga. Aqui é onde me sinto igual a todo mundo”

FREEPIK

JULIA SCHNEIDER


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EDUCAÇÃO

São Leopoldo (RS) | Junho de 2019 |

BABÉLIA

Com metodologia inovadora, escola é inaugurada na Capital Em atividade desde março, a proposta é renovar o ensino público MARIANA NECCHI

MARIANA NECCHI

Jornalismo - São Leopoldo

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escola comunitária Aldeia Lumiar, em conjunto com a ONG Aldeia da Fraternidade e a Secretaria Municipal de Educação (Smed), é referência de inovação ao ser a primeira instituição pública do Rio Grande do Sul a aplicar a metodologia de ensino Lumiar. Localizado no bairro Tristeza, em Porto Alegre, o projeto atende 73 crianças em situação de vulnerabilidade social no Ensino Fundamental em turno integral. O método Lumiar, uma iniciativa do empresário paulista Ricardo Frank Semler, é conhecido pela renovação e criatividade em sua forma de ensino. A metodologia é aplicada através de projetos multidisplinares em turmas de diferentes faixas etárias e o conhecimento é estruturado a partir da identificação dos alunos às disciplinas. Além disso, o currículo escolar oferece aulas de música e esportes, agricultura sustentável, oficinas e outras dinâmicas interativas com a comunidade. Na proposta de gestão, o governo municipal se junta com a iniciativa privada para o investimento de 500 mil reais para iniciar o projeto na escola.

A Aldeia Lumiar aplica nova metodologia de ensinos, valorizando a afetividade e a socialização

Para a diretora da Aldeia Lumiar gaúcha, Claudia Nahra, o maior desafio é a adaptação aos novos conceitos. “Para nós, educadores, é um processo de desconstrução aplicar essa nova forma de ensino. E está sendo muito proveitoso, já que podemos perceber que as crianças, vindas de escolas tradicionais, se adapta-

ram rapidamente”, diz. Os pais dos alunos percebem mudanças positivas, principalmente na questão da afetividade e socialização. “Acredito que, estar em uma escola que proporciona um ambiente que isso se amplie, só traz benefício para a família como um todo”, complementa. O conceito de substituir o termo “pro-

Defender a Constituição é defender o Brasil e o povo, destaca presidenta do DCE Para marcar a nova gestão, iniciada este ano, a sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, campus São Leopoldo, ganhou novas cores: um verde forte e desenho de pessoas com distintas características físicas e de raça numa das paredes laterais. A chapa “Novo DCE Unisinos” deixa claro a mensagem que quer enfatizar: “Todos somos diferentes”. A diversidade, pois, não é problema! Negros, indígenas, brancos, homens, mulheres, aparecem no desenho erguendo exemplares da Constituição brasileira. “Defender a Constituição é defender o Brasil e o povo brasileiro. Isso não é de ‘esquerda’ nem de ‘direita’, é a Constituição”, frisou a presidente do DCE, Sabrina Veiga, 19 anos, estudan-

te de Ciências Sociais. Sabrina destacou que, ao trazer o tema da igualdade para debate no meio acadêmico, o

DCE não faz mais do que sua obrigação, apoiando, assim, a igualdade, a liberdade, a pluralidade e a democracia. GABRIEL OST

O DCE proclama: “Todos somos diferentes”, a diversidade é uma riqueza

DANIELA GONZATTO (Jornalismo - São Leopoldo)

fessor” para “tutor” é uma das novidades da instituição. “Ao contrário do professor de uma escola tradicional, o tutor leva em consideração o que os alunos querem aprender e, assim, o nosso papel é conduzir a aprendizagem de forma democrática”, compara o tutor Maikel Nascimento. “Aqui, os alunos são os protagonistas do currículo. A ideia é prepará-los para ter uma maior autonomia na sociedade”, completa. Para a educadora social da Aldeia da Fraternidade, Patrícia Phillips, é importante que os projetos realizados sejam interativos. “As crianças gostam de estar envolvidas e organizamos muitos eventos para a comunidade. Sabendo que elas vêm de diferentes contextos familiares, é uma forma de inclusão social”, afirma. A Aldeia Lumiar e a Aldeia da Fraternidade — ONG que atua há 55 anos em Porto Alegre —, recebem recursos de doadores e voluntários. “Se for pessoa física, a doação é feita na recepção da escola. Se for pessoa jurídica, temos editais públicos”, explica Tomas Silveira, assessor de comunicação e coordenador de voluntários. Além de novas turmas de Ensino Fundamental, a previsão para 2020 é introduzir o Ensino Médio na escola.

Redação do ENEM aponta desigualdade no ensino em Gravataí Alunos de escolas públicas municipais de Gravataí obtiveram notas menores nas redações do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), comparadas às notas de alunos das escolas privadas da cidade. A defasagem é percebida nas provas aplicadas nos anos de 2015, 2016 e 2017, conforme dados divulgados pelo Qedu, um portal virtual que disponibiliza informações sobre a educação brasileira gratuitamente. Uma das escolas privadas de Gravataí é a Dom Feliciano que vem informatizando o ensino. Na edição de 2017 do ENEM, 118 estudantes atingiram uma média de 658 pontos na redação, menor que a média de 671 pontos da edição de 2015, ano em que 104 estudantes realizaram a prova. Um dos desafios da escola para a prova deste ano é aprimorar a redação dos seus alunos. Quanto às escolas municipais, a média das notas ficou abaixo das registradas pelos estudantes da rede privada. Analisando o exemplo da escola Barbosa Rodrigues, a média foi de 513 pontos na edição de 2017, e de 538 na prova de 2015. As notas caíram e menos estudantes realizaram a prova. A nota alcançada no ENEM pode ser usada para ingresso em curso superior. A prova de redação cobra dos enecistas, além de questões vinculadas à gramática, posicionamentos frente a questões sociais e como se expressam numa produção textual. AUDREY ERICHSEN (Jornalismo - São Leopoldo)


EDUCAÇÃO

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“Uma luz no fim do túnel” para escola de Campo Bom Projeto de alunos da cidade vai à Feira Internacional no Paraguai MATEUS REINHARDT

EMERSON DOS SANTOS Jornalismo - São Leopoldo

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rês estudantes vão representar em Assunção, no Paraguai, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Santos Dumont, de Campo Bom, na Feira Internacional CIENCAP, em outubro. Maria Eduarda dos Santos, Pietra Atinkson e Karoline Machado são os nomes por trás do projeto “Uma luz no fim do túnel”, que visa diminuir os custos com energia elétrica da escola através da instalação de placas solares. O projeto conquistou as credenciais internacionais na Mostratec Júnior de 2018, em Novo Hamburgo. “Percebemos que o custo da escola com energia elétrica era muito alto e procuramos soluções sustentáveis para resolver essa situação”, contou Pietra. No início do ano passado, época em que surgiu o projeto, a escola gastava, em média, R$ 3,3 mil por mês com energia elétrica. “Orçamos a instalação dos painéis solares durante o desenvolvimento do projeto e levamos a proposta à Secretaria de Educação”, revelou a estudante. O orçamento de uma empresa de Novo Hamburgo projeta um gasto de

Karoline, Maria Eduarda e Pietra surpreenderam-se com a repercussão da proposta

R$ 15 mil de mão de obra e R$ 49 mil de materiais para a instalação de 45 placas solares no colégio. O valor dos materiais pode ser parcelado em até 36 vezes. Assim, a aplicação do projeto prevê uma economia de R$ 9,3 mil já no primeiro ano e de R$ 842 mil em 25 anos, considerando os gastos com

manutenção, segundo relatório apresentado pela empresa contatada. A instalação de placas solares em estabelecimentos ligados ao governo ou as administrações municipais é incomum, explicou Alexandre Staudt, proprietário da Exatel Energia e Telecomunicações, empresa que instala o sistema. “Não há

incentivo através de políticas governamentais por pressão das grandes corporações de energia estabelecidas no país. Porém, é um projeto que traz economia e vantagens ambientais. Haverá expansão do mercado nos próximos anos”, afirmou o empresário. Para Pietra, a conquista das credenciais internacionais é importante na busca pela aplicação do projeto e comprova a viabilidade da proposta. “O projeto foi criado para a feira cientifica da escola. Não esperávamos toda essa repercussão. Isso mostra que é um projeto importante”, concluiu Pietra. Os professores Cleiton Backes e Janaina Caetano, que supervisionaram o desenvolvimento do projeto, vão acompanhar as meninas ao Paraguai. A luta de Cleiton agora é pela busca por apoio do município para o custeio da viagem. As estudantes concluíram o Ensino Fundamental no ano passado e estão cursando o Ensino Médio em escolas que não possuem vínculo com a prefeitura de Campo Bom, revelou o professor. “Temos encontrado resistência da Secretaria de Educação para o financiamento da viagem. É um investimento para o município. Estamos negociando”, informou Cleiton.

São Leopoldo proporciona contraturno escolar DIVULGAÇÃO / SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

LAURA SANTOS

Jornalismo - São Leopoldo

Redução do abandono escolar, melhoria no desempenho acadêmico e permanência nos espaços de ensino, são alguns objetivos do Programa Mais Educa São Leo, lançado em maio pela Secretaria Municipal de Educação (Smed). O Programa auxilia mais de 1,8 mil crianças, proporcionado, no contraturno escolar, oficinas com temáticas diferenciadas aos alunos de 4º e 5º ano, nas escolas que não possuem anos finais, e do 6º ao 9º nas demais escolas. O Mais Educa São Leo atende escolas que fazem parte do núcleo prioritário desenvolvido pela Secretaria – escolas inseridas em comunidades com maior vulnerabilidade econômica e social. “É muito importante olharmos para os jovens destas comunidades, o

Rugby é uma dos esportes valorizados pelo Mais Educa

risco de abandono escolar e de violência é muito mais alto nessas áreas. A permanência na escola e a construção de uma identidade coletiva faz parte da valorização do ensino”, disse o coordenador do Mais Educa São Leo e

professor da rede municipal, Éderson dos Santos. Dados apresentados pela Smed mostram que a reprovação ou abandono escolar nos anos finais chega a quase 37%. “Neste primeiro momento priorizamos estudan-

tes de 6º a 9º ano, pois vemos como é importante agir nessa faixa etária. Eles apresentam a maior distorção idade/ano. Para 2020, já está nos planos da Secretaria a ampliação do atendimento do Mais Educa São Leo”, afirmou Éderson. São 11 Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs) que recebem as oficinas quatro dias na semana. São elas: Álvaro Luis Nunes, Edgard Coelho, Dr. Jorge Germano Sperb, João Belchior Marques Goulart, Maria Edila da Silva Schmidt, Dr. Osvaldo Aranha, Paulo Beck, Rui Barbosa, Santa Marta, Clodomir Viana Moog e Padre Orestes João Stragliotto Cada escola tem uma turma com 25 alunos na manhã e na tarde, totalizando 7h diárias para as crianças. Os estudantes escolhem livremente duas oficinas das quais querem participar nas

áreas de tecnologia, esporte, artes e cultura - Robótica, Hip-Hop, Educação Ambiental, Rugby, Informática, Fotografia, Jornal, Clube de Inglês, Capoeira, Judô, Cinema, Banda, Clube de jogos de tabuleiro e Violão. Além dessas atividades, a Smed disponibiliza transporte para que os oficineiros levem os estudantes em diversas ações fora dos espaços escolares. Para a diretora da EMEF Padre Orestes, Lucila Pinheiro, é fundamental as políticas públicas na construção do espaço de ensino. “A escola fica numa parte vulnerável da cidade. Muitas vezes os estudantes não têm o que fazer depois da escola. Manter as crianças ocupadas e fazendo algo que elas escolheram é muito importante para o crescimento delas. Os alunos estão participando muito”, reforçou Lucila.


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EDUCAÇÃO

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BABÉLIA

Pais se unem para revitalizar biblioteca de escola estadual Diretora diz que iniciativa ajuda a superar o atraso de verbas públicas MARIA ROSA / ESCOLA ITAMARATI

PAULO ALBANO

Jornalismo - Porto Alegre

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uncionários, pais e alunos da Escola Estadual Itamarati, em Porto Alegre, fizeram um mutirão para proporcionar uma biblioteca de melhor qualidade aos estudantes da instituição. A iniciativa, que começou durante as férias escolares de verão desse ano, teve a participação de pais que fizeram o trabalho de mão de obra e doaram produtos de limpeza. A professora Josélia Gregoletto, que coordenou as atividades, conta que o antigo espaço onde ficava a biblioteca era muito pequeno e não dava conta da demanda da escola. “Os pais colocaram as prateleiras, os professores fizeram uma filtragem de livros antigos e desatualizados que irão para doação, e os alunos carregaram os livros para o espaço novo”, relatou a funcionária. Ela destacou que o local atual é mais espaçoso, mas estava inutilizado pois precisava de melhorias. A diretora do colégio, Maria da Rosa, elogiou a participação dos familiares na rotina escolar dos estudantes: “Eu acho importantíssimo, até porque a

Professoras e mães ajudaram na revitalização do espaço físico

escola tem os seus limites, e se nós não contarmos com a parceria dos responsáveis, com quem a gente vai contar? O governo nos deixa meio abandonados. A compreensão e a parceria dos pais são fundamentais para o desenvolvimento da escola, para que ela vá adiante”. Maria confessou que a escola, que

Alunos do Anchieta ofertam chocolates para 2,7 mil crianças Alunos da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio do Colégio Anchieta, de Porto Alegre, recolheram perto de 3 mil kits contendo chocolates diversos, que foram distribuídos para 2,7 mil crianças através do Serviço de Orientação Religiosa Espiritual e de Pastoral (Sorep) da instituição. Ao todo, 22 instituições são assistidas pela escola, como o Amparo Santa Cruz, Pequena Casa da Criança e Pé de Pilão. Para a comunidade escolar, é tradição ações beneficentes, assim como arrecadação de alimentos, campanhas do agasalho e o Natal Solidário. A coordenadora do SOREP na Educação Infantil, Rosária Anele, destaca a visão inaciana que rege a escola: “Santo Inácio de Loyola aponta, como o centro da Evangelização, Jesus Cristo”. Professora do SOREP do 7º ano, Maria Trevisol ressalta que além de estimular o espírito solidário nos anchietanos “nosso grande desejo é formar uma cultura institucional comprometida, educando para a solidariedade”. Responsável pelo SOREP da 2ª série, Clândio Cerezer lembra que a Companhia de Jesus sempre esteve preocupada com a realidade local e mundial. “Hoje não é diferente. Ela está presente na sala de aula, nas questões pedagógicas aplicadas à realidade com nossos projetos sociais”, aponta. DENILSON FLORES (Jornalismo - Porto Alegre)

atualmente conta com 805 alunos e 50 funcionários, sofre com o atraso das verbas públicas estaduais. “A última que veio foi a de março. Sorte que a gestão anterior ainda guardou uma reserva”, afirmou a diretora. Ela contou que alguns pais se ofereceram para fazer outros serviços de manutenção, mas o

Comunidade da Liberato pede continuidade dos ensinos Médio e Técnico A diretoria da Escola Municipal de Ensino Básico Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha convocou, em maio, a comunidade escolar para a criação de uma frente de defesa do colégio, que, no dia 22, recebeu um abraço simbólico de manifestante. A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) orientou a suspensão de matrículas para o Ensino Médio e Técnico no Liberato. Mesmo os jovens que estão frequentando o primeiro ano não terão continuidade nos estudos nesta escola. Quem está no último ano do Ensino Básico deverá buscar outras escolas, informou o professor de História, Paulo Sérgio. Cerca de 300 alunos serão afetados pelo corte anunciado. Docentes deverão sofrer redução salarial devido à diminuição de carga horária. Até o momento, o poder público municipal mantém a decisão de fechamento dos Ensinos Médio e Técnico do Liberato. A assessoria de Comunicação da Prefeitura e a Smed foram procuradas para atualizar a situação, mas não deram retorno. OTÁVIO HAIDRICH (Jornalismo - Porto Alegre)

colégio esbarrou na falta de dinheiro para comprar o material. A diretora e a professora expuseram que a maior dificuldade que tentam resolver no momento é a falta de alguém para gerir e coordenar a rotina da biblioteca. “Temos um acervo à disposição dos alunos, mas não temos bibliotecário. Isso para mim é o pior de tudo, porque nós temos a parceria da família e o espaço físico, mas o Estado não oferece condições para que as crianças possam usufruir. Infelizmente essa é a nossa realidade”, lamentou Maria da Rosa. “Com o retorno do ano letivo, eu faço o atendimento de pais e alunos na sala de Recursos Humanos, e não tenho mais tempo de ficar na biblioteca”, completou Josélia. Segundo dados do Censo Escolar 2018 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), cerca de 40% das escolas do RS não possuem biblioteca, e apenas 1% contam com a presença de um bibliotecário. A Lei Federal nº 12.244/2010 estabelece que até o ano que vem todas as escolas de ensino básico do país devem ter bibliotecas com bibliotecários.

Sustentabilidade é tema de fórum em colégio da capital O Colégio São Judas Tadeu realizou pelo quinto ano consecutivo o Fórum de Sustentabilidade, um evento aberto ao público que visa debater e trazer informações sobre o tema. A organizadora do evento, Cláudia Padão, contou que o Fórum foi planejado pelo “Núcleo de Sustentabilidade”, grupo criado por ela e pelo professor David Freitas, juntamente com alunos da instituição, e que realiza ações sustentáveis dentro e fora do colégio. Além de pensarem no tema do Fórum, que este ano foi “Sustentabilidade é prioridade?”, eles também trazem sugestões de palestrantes. A aluna do terceiro ano, Mariana Ribeiro, destacou a relevância desse projeto na instituição: “A principal importância é criar uma consciência ambiental nos alunos, e ter esse espaço para debater e pensar em soluções“. Camila Luconi, que palestrou no primeiro dia do evento, 3 de junho, disse que seu objetivo é disseminar o conhecimento sobre sustentabilidade, pois é necessário saber consumir de maneira correta reduzindo o uso de recursos naturais, não adquirir produtos fabricados por mão de obra infantil ou escrava, entre outros. Fazendo isso as pessoas estarão contribuindo para um mundo mais justo, sustentável e sem desigualdade, assinalou. YASMIM BORGES (Jornalismo - Porto Alegre)


LGBTFOBIA

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Como um Santo Graal na mão errada dos homens Centralização do poder acarreta opressão de grupos minorizados LISANDRA STEFFEN

LISANDRA STEFFEN

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Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. Em 2017, a cada 19 horas uma pessoa foi morta ou se suicidou por não se incluir na heteronormatividade. É um problema histórico não aceitar o que é “diferente”. Pregam no Antigo Testamento, em Levítico, que relacionamentos homoafetivos são abominações, desejam a morte dessas pessoas. Utilizam a religião como forma de justificar o ódio por essa parcela da população. Vive-se em um estado laico, o que significa que o país adota uma postura neutra no campo religioso. Mas, mesmo tendo essa condição, crucifixos ficam expostos dentro do Congresso Nacional. A religião está presente em diversos locais, principalmente, dentro das famílias. E a ideologia imposta por determinadas crenças acabam formando pensamentos retrógrados e, muitas vezes, inaceitáveis. Foi o que aconteceu com K.R., que não quis ser identificada. Assumidamente lésbica, ela cresceu em um ambiente familiar extremamente religioso. A mãe, já desconfiando da filha, perguntou sobre a sexualidade dela e a menina abriu o jogo no início de 2018. Decepcionados, os pais não aceitam a orientação sexual dela e não demonstram nenhum tipo de apoio. Essa é uma situação recorrente nas famílias brasileiras. No início de abril, Brunei, um país localizado no sudeste asiático, aplicou, em nível nacional, a pena de morte por apedrejamento para homossexuais. Brunei não é um estado laico. Já aqui, a criminalização da LGBTfobia avançou. Agora, incluída na Lei de Racismo, há uma pena para quem impedir a manifestação de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Porém, existe a ressalva a templos religiosos. Mesmo com todos os pensamentos retrógrados circulando dentro das religiões e, consequentemente, refletidos na sociedade, algumas situações conseguem se sobressair e acabam sendo positivas. É o caso de Raquel Wieland, lésbica e com forte ligação com a Igreja Luterana, ela atua nas comunidades. Padres homossexuais representam 80% do Vaticano e, ao ser perguntada sobre a relação com a igreja, Raquel afirma que nunca sofreu atos de violência nesse local, mas que já viu amigos se afastando da igreja por se declararem LGBTs. Ela sente que esses espaços perderam ótimos profissionais com a situação. Do outro lado, temos K.R., que costumava trabalhar em uma escola

É crime perturbar casais homoafetivos, mas a criminalização da LGBTfobia não se aplica a templos religiosos

evangélica, onde não poderia se assumir publicamente. “Seria demitida, por mais que o motivo apresentado não fosse esse”, relatou. A escola acredita que a homossexualidade é uma abominação. A menina vivia com esse medo. Nas horas vagas, não passava nem perto da instituição. Enquanto andava com a namorada ou amigos, tinha medo de encontrar pais de alunos na rua, pois acreditava que a cena chegaria na diretora da escola, que não sabia da orientação sexual da funcionária.

Preconceito institucional

O medo é algo frequente dentro da comunidade LGBT. “Sair do armário” é um ato de coragem. E o preconceito está cada vez mais naturalizado, uma vez que, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, já revelou, em 2011, que preferia um filho morto a um filho homossexual. Raquel acredita que, após os resultados da última eleição, esse tipo de preconceito acaba se legitimando. “As pessoas se sentiram no direito de praticar todos os tipos de violência contra a população LGBT, fazendo com que os números de mortes dessa população aumentassem”, concluiu. A falta de empatia é um dos grandes problemas da atualidade. Comportamentos violentos e a aversão ao que é “diferente” faz com que a sociedade

continue reproduzindo ideias conservadoras. Justifica-se o preconceito através de textos bíblicos encontrados no antigo testamento. Sem levar em consideração o contexto histórico, essas palavras se tornam ditas por Deus. Ignora-se o fato de que foram escritas por homens. Quem as reproduz, as faz para benefício próprio, para validar os pensamentos individuais, e também ignora a existência do novo testamento. Raquel conta que, com a presença de Jesus Cristo, o que prevalece é o amor ao próximo, coisa que raramente é vista nos dias atuais. No Brasil não existem dados governamentais acerca da violência contra a comunidade LGBT, as informações se baseiam em notícias e depoimentos das vítimas. Mesmo em um país de forte

Seria demitida, por mais que o motivo apresentado não fosse esse” K.R. Vítima de violência contra LGBTs

tradição católica, existia um avanço na conscientização da população, porém, com a atual situação política e com um grande número de representantes conservadores, a continuidade da compreensão dos direitos LGBTs parece incerta. Ao mesmo tempo, diversas ações são realizadas, em pequena ou grande escala, para tentar modificar essa realidade. Raquel, dentro das comunidades que atua, tenta orientar as pessoas e desmistificar as questões LGBT, diminuindo o preconceito. Do outro lado, temos K.R., que está mais cética quanto a isso. Ela acredita que, para uma mudança ideológica nas igrejas, precisa haver vontade, situação que ela não percebe estar acontecendo atualmente. A ideologia conservadora de algumas religiões continua naturalizada na sociedade. Desde a criação dessas doutrinas, muitas ideias evoluíram e diversas crenças foram desmistificadas. Porém, ainda existe uma forte pressão ideológica na educação da população. Os espaços de poder estão cercados de pessoas que não priorizam o bem-estar do povo. Não acreditam na importância do pensamento crítico ou da autonomia. Esses líderes detêm todo o poder sob determinados grupos sociais, mas não entendem as necessidades dessas pessoas. Como um Santo Graal na mão errada dos homens.


VIOLÊNCIA

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São Leopoldo (RS) | Junho de 2019 |

BABÉLIA

Um minuto antes do fim, eu vi você Em mais de 70% dos casos de feminicídio, o agressor é o atual ou ex-companheiro CRISTINA FENGLER BIEGER

CRISTINA FENGLER BIEGER

A

s lágrimas ainda eram visíveis em seus olhos e rosto inchados após o enterro de sua mãe. Recém chegada em casa, Jussara estava cansada e abalada. O que se sucedeu, então, foi uma discussão aflorada. Ela, uma mulher que não se calou. Ele, um homem impulsivo, irritado e tomado pelo ciúmes. Em sua mão, a força, a faca, a arma, aquilo que encontrasse primeiro. O resultado foi o mesmo, o lado mais fraco perde, e esse, sempre é o da mulher. Era noite do dia 15 de novembro de 2018 quando o casal chegou em casa, na cidade de Pelotas no Rio Grande do Sul. Uma das filhas de Jussara, de 17 anos, fruto do casamento anterior, se dirigiu ao quarto assim que mais uma discussão começava. João Pedro Gouveia da Silveira, de 52 anos, acusava Jussara de trocar olhares com o ex marido no enterro. Ela o contrariou e a briga teve início. Do quarto, a filha ouvia os tons se exaltando sempre mais, até que passaram a gritos. Chegando à cozinha para ver o motivo da nova discussão, viu sua mãe esfaqueada e caída em um canto, e João, segurava a faca. “O que você fez?”, foi tudo que ela conseguiu falar. Ele fugiu e a filha procurou ajuda. Não pode salvar a mãe. Apesar do histórico de violência doméstica do atual namorado, Jussara nunca havia prestado ocorrência. As ameaças feitas pelo companheiro eram corriqueiras e haviam se concretizado. Ele foi preso em flagrante e a arma do crime, apreendida. Segundo a delegada Maria Angélica Silva, responsável pelo caso, João demonstrava frieza e nenhum sinal de arrependimento. Mulher e negra, de cabelo longo e cacheado, vaidosa e muito bonita. Jussara Guiote Cames, de 48 anos, hoje faz parte de um índice que assusta e assola, o feminicídio, que é motivado pelo ódio de gênero, resulta em agressões e assassinato. Ela, junto com tantas outras, está dentro dos 64% de mulheres assassinadas no país, todas essas são negras, conforme dados do II Diálogo Nacional sobre Violência Doméstica.

A cor e a cara da violência

No Brasil, o povo mais discriminado é o povo negro. Constituem além da maior população carcerária, também as maiores vítimas de feminicídio do país. As políticas públicas adotadas são falhas e não protegem a todas. Têm sua voz calada em uma sociedade machista e patriarcal.

Mulheres negras são as maiores vítimas de feminicídio no Estado e no País pelo atual ou ex-companheiro

Mais da metade da população é ne- tória dentro do Brasil, tem a periferia gra. Desta, três em cada dez são mulhe- como seu território. E na periferia a res, negras e guerreiras, de braço firme política pública não chega, ou se chega, e forte e com coragem no sangue. Elas, é de forma desigual. Os bairros mais de maioria pobre, carregam um alvo no esquecidos são também os que mais sopeito. A violência, para elas, está em todo frem. Sueli Angelita da Silva, assistente o lugar, dorme ao lado inclusive, já que social e responsável pelo atendimento o agressor é o atual ou o ex companhei- das mulheres no NEABI (Núcleo de ro em 71% dos casos. Estudos Afro-brasiHoje, já são 4,8 a cada leiros e Indígena) da cem assassinadas, é o Unisinos, apresenta que vem tornando o uma realidade sobre Brasil o 5º em número elas. De maioria jode homicídios contra vem, se casam cedo mulheres. e engravidam. EnA Lei Maria da contram no marido, Penha e a Lei do Feaquele que sustenta minicídio não estão e também o que esgarantindo a protepanca. Elas se calam ção das mulheres nepelo medo. Sem escogras, pelo contrário, laridade e desempredesde a criação desgadas, ficam a mercê Sueli Angelita da Silva tas, os casos de femido marido. A baixa Assistente social nicídio continuam a renda e a omissão da subir. Enquanto que família as deixam repara as brancas a violência caiu 9,8% de féns da violência. A estrutura societária 2003 a 2013, para as negras a violência contribui para transformar essa mulher subiu de 22,9% para 66,7% em 2014. em vítima. No Rio Grande do Sul, os casos de Para Sueli, são necessárias políticas feminicídio contra mulheres negras públicas educacionais efetivas voltadas aumentaram 40,9% de 2017 para 2018, para o atendimento e prevenção da segundo dados da Secretaria de Segu- mulher violentada. rança. As maiores taxas de feminicídio predominam em lugares com vulnera- Todas são Jacobinas Desde a década de 80 as mulheres bilidade social, primazia de população buscam seu espaço no Rio Grande do Sul, negra e de crimes violentos. O negro, no decorrer da sua traje- armam sua voz e lutam pelos seus direitos.

Encontram no marido aquele que as sustentam e também quem as espanca”

Símbolo dessa luta, é Jacobina, leopoldense, mulher forte e destemida, lutava por ela e por todas; tanto que o principal centro de proteção para as mulheres vítimas de violência em São Leopoldo leva seu nome. Em 2006 a luta se concretiza em lei no país inteiro, Maria da Penha. Surgem juntas Maria e Jacobina, símbolos de luta, e agora, de proteção para as mulheres. Conforme Ana Cláudia Pinheiro, coordenadora do Centro Jacobina, não existe um perfil definido da mulher violentada, em sua maioria são de classe média baixa. Em 2018, foram 177 novos casos de mulheres que ainda não haviam procurado auxílio, dessas, 10% eram negras, pardas ou indígenas. As brancas são maioria, isso se explica pelo medo da mulher negra, assunto debatido em assembleia na câmara de vereadores de São Leopoldo dia 18 de março. A baixa procura se deve, em grande parte, pela alta população carcerária negra, e elas, esposas desses presidiários, por medo e ameaças, não denunciam. O centro Jacobina, ao longo desses 12 anos, já atendeu cerca de 4 mil mulheres, tornando-se referência no atendimento e rompimento do círculo de violência. Cada caso é tratado de forma diferente, sempre com o objetivo de re-promover a autonomia da mulher. A entrada pode ser pela delegacia, ministério público, Cras, escolas ou diretamente no Jacobina. Existem campanhas que mostram o serviço do centro, que ainda é pouco conhecido pelas mulheres.


VIOLÊNCIA

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Medo daqueles que deveriam proteger Em 2016, mais de três mil pessoas negras foram mortas por policiais VINÍCIUS EMMANUELLI

N

o Brasil, é comum as pessoas saírem de suas casas com receio de não voltar mais. A violência tomou conta em todos os cantos do país. O mais difícil é temer àqueles que deveriam prestar segurança a todos os brasileiros; é exatamente essa sensação em que os negros sentem no que se refere à polícia. Não é achismo. Há dados concretos que representam as estatísticas. O Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) informa que, até o ano de 2015, estima-se que a chance de um negro ser assassinado é 23,5% maior do que em relação a outras raças no Brasil. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou que a polícia brasileira matou o triplo de negros do que de brancos entre os anos de 2015 e 2016. Grande parte das vítimas são homens jovens com idades entre 18 e 29 anos. No Estado do Rio de Janeiro, 99,5% das pessoas assassinadas por policiais, em um período de apenas três anos (entre 2010 e 2013), eram homens, sendo que 80% eram negros e 75% tinham idades entre 15 a 29 anos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as regiões Norte e Sudeste do Brasil foram as duas áreas onde mais ocorreram homicídios de homens negros no ano de 2016- 20 mil e 212 mortes no Nordeste e 10 mil e 135 mortes na região Sudeste do país. De modo geral, os homicídios se deram quando as pessoas já estavam rendidas ou foram alvo de disparos de arma de fogo sem aviso prévio. Os números mostram claramente a letalidade já denunciada pela Anistia e da Human Rights Watch (HRW). Uma das formas de protesto e um pedido de “socorro” é a cultura expressada por músicas, poemas, poesias, etc. A música “Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro”, da banda O Rappa com composição de Marcelo Yuka, retrata perfeitamente a realidade das pessoas em que estão vulneráveis à violência por parte dos agentes de segurança do Brasil. A música traz consigo um desabafo e uma denúncia de como os negros são perseguidos e tratados com inferioridade no nosso país. A letra expõe o procedimento da polícia ao abordar os negros, sendo que os policiais são “linha dura” com os afrodescendentes. O sentimento de injustiça só aumenta quando analisamos o relatório

da Anistia e da Human Rights Watch. A relação conta com 220 investigações dos assassinatos cometidos pela polícia desde o ano de 2011, sendo que, na maioria dos casos, os autores nunca foram punidos pela justiça. Um dos casos mais recentes e o que mais chocou o país foi o caso Evaldo Rosa. No domingo do dia 07 de abril, Evaldo Rosa dos Santos estava passando de carro pela Estrada do Camboatá com sua esposa, seu filho de sete anos, uma amiga da família e seu sogro, quando foram alvejados com 80 tiros de fuzil por parte dos soldados do Exército brasileiro. Segundo a versão

Assuntos como inclusão racial não podem ser banalizados nos debates sociais e políticos” Maria do Rosário Deputada Federal

dos autores dos disparos, a vítima seria um assaltante, porém, a ideia foi refutada pelo Comando Militar do Leste. Luciano Macedo, um catador, tentou ajudar Evaldo e acabou sendo baleado e morto. Evaldo veio a óbito, sendo que era músico e negro. Nos últimos tempos, a apreensão só aumentou na comunidade afrodescendente brasileira. Isso porque o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, afirmou, desde a sua campanha eleitoral em 2018, que pretende dar “carta branca” aos agentes da polícia, o chamado excludente de ilicitude, no qual faz parte do pacote anticrime do ministro da Justiça Sérgio Moro. Alguns especialistas temem que, caso o pacote anticrime seja aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República, os casos de excesso policial aumentará de forma exponencial, já que facilitará o uso da força dentro da lei. De acordo com a assessoria do secretário nacional de Segurança pública, Guilherme Oliveira, as tais medidas “não irão corroborar com crimes cometidos por parte da instituição de segurança pública. Pelo contrário, as deliberações do pacote anticrime apresentada pelo ministro Sérgio Moro ajudarão a evitar mais casos de excessos policiais, bem como a intimidação aos criminosos”.

Pobreza e marginalização

Segundo a relatora especial das Organizações das Nações Unidas, Rita Izsák, os negros representam 70,8% das mais de 15 milhões de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza em todo o Brasil. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também traz dados referente a pobreza em 2014: 76% dos mais pobres no Brasil são negros. Todos os modelos que se dizem à respeito da pobreza e criminalidade estão estreitamente ligados aos negros. Fato comprovado é que 60% de toda a população carcerário no país é composta por negros- dado do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Diante disso, a deputada federal Maria do Rosário afirma que “novas políticas públicas sejam adotadas no Brasil. Assuntos como inclusão racial não pode ser banalizados nos debates sociais e políticos”. Mesmo tendo uma vertente de pensamentos reacionários, a pluralidade deve ser mantida para que o Estado brasileiro tome as devidas providências, e a participação popular – em especial os afrodescentes – é de suma importância no diálogo para mostrar a realidade sentida na pele de milhões de brasileiros todos os dias. DIVULGAÇÃO

Quanto mais estudamos as questões sociais no Brasil, mais nos damos conta que o racismo está presente no nosso dia a dia


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ENSAIO FOTOGRÁFICO

SOU EVELINE MEDEIROS TEXTO E FOTOS

S

e olharmos para a história, podemos perceber que nas antigas civilizações as mulheres eram consideradas sagradas. Na era matriarcal, não se tinha noção da participação masculina na fertilização, elas eram livres socialmente e sexualmente. Acredita-se que dominação do homem deu-se inicio, não só a partir da descoberta de sua participação na reprodução, mas também pela necessidade de controle de seus sucessores. Com a chegada de grandes religiosos, a Era das Fogueiras ganhou forma junto a uma grande perseguição, tortura e assassinato a todos aqueles que não seguiam a palavra da santa igreja, vitimas essas na grande maioria mulheres. Não só deixamos de ser vistas como seres divinos, mas também deixamos como seres de livre escolha, donas de nosso próprio

corpo. A luta feminina externa presente até hoje, nos deu um caminho para recuperarmos o poder civil e social, agora se faz necessário uma luta interna. Resgatar nosso conhecimento, nosso poder sob nosso próprio corpo, unirmos nossas dores e forças, nos conectarmos com a Grande Mãe. Temos uma essência sagrada, geradora da vida, detentora da sensibilidade intuitiva, do poder de cura, da própria dedicação a evolução em todos os aspectos. São as mulheres que sustentam a fé, seja qual ela for, são as mulheres que ensinam as crianças, são as mulheres que são responsáveis pela continuação da vida e da confiança. E esse movimento de retorno é urgente e benéfico para toda a nossa sociedade, para todas as mulheres. É de nosso direito buscar o que nos foi tirado, nem matriarcado nem patriarcado, e sim o equilíbrio entre o masculino e o feminino.

“[…] Sou uma extensão da terra Sou um ritual em movimento Sou a fumaça dos ancestrais Sou uma criança do futuro” JENNIFER NOELLE KOLB

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RACISMO

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Em qualquer dura,o tempo passa mais lento pro negão Um caso de racismo policial abalou os anos 80 em Porto Alegre BRUNO FLORES

M

aio de 1987, dia 14. Um movimento de viaturas da polícia acontece na esquina entre as ruas Batista Xavier e Bento Gonçalves, em Porto Alegre. O bairro Partenon está ebulindo e os moradores param em frente ao supermercado ali localizado. Na calçada, a reunião de curiosos está formada. Disparos de armas de fogo são ouvidos dentro do prédio. Enquanto isso, um fotógrafo se entremeia entre os fuscas da Brigada Militar para tentar um registro da confusão com o melhor ângulo possível. Ronaldo Bernardi é fotógrafo do Jornal Zero Hora e acompanhou o registro daquele fatídico dia, que mudaria não só a sua vida como, também, a condição de atuação e julgamento dos servidores que trabalham para servir e proteger. Em 2017, o portal UOL divulgou uma reportagem que aponta que nove em cada dez pessoas mortas pela polícia militar no Brasil são negras ou pardas. De acordo com o Ministério da Justiça, em 2014, o número de negros presos chegava a 67%. Os assaltantes estão dentro do supermercado e já balearam um dos policiais na perna. Duas crianças são feitas reféns pelos criminosos. Do lado de fora, a população anseia para que a justiça seja feita. Júlio César de Melo Pinto, negro, pobre, operário e morador do Partenon, cai na calçada. Há poucos dias, descobrira que é epilético. Estava sendo acometido por uma crise, por conta da tensão do momento. Ele não porta documentos, pois tinha saído há pouco de casa para saciar a curiosidade por toda aquela correria. O Movimento Negro Unificado, que ganhou força também pela atuação no caso de Júlio César, trabalha no Brasil para tentar desconstruir o racismo no país. No Rio Grande do Sul, a Coordenadora do MNU, Vera Rosa, entende que a sociedade é preconceituosa e, assim, as abordagens policiais, consequentemente, acabam sendo contaminadas pelo preconceito. “Infelizmente, não temos como negar. É muito escancarado. A sociedade já elegeu, e não tem como deixar as polícias fora, que o suspeito é aquele que reúne as seguintes características: pobre, jovem, afrodescendente, roupas folgadas, tatuado, usando brinco e boné”, afirma.

Cerco fechado

Ronaldo sobe nos ombros de um repórter para fazer fotos da confusão no interior do supermercado. Após os registros, ele fotografa os brigadianos

algemando Júlio César e colocando-o no fusca da BM. Ouvem-se os gritos da população: “É ele! É ele!”. O homem detido tem a roupa manchada do sangue que escorre do próprio rosto e não oferece resistência à prisão, enquanto o fotógrafo guarda o momento com os disparos rápidos da câmera. A porta do carro é fechada e a viatura sai do meio da multidão, que sente orgulho dos homens de farda tendo sucesso na operação. “Eu costumava cobrir a editoria policial. Naquela época, o Plano Cruzado, eu acho, estava em vigência e a situação econômica estava difícil. Faltavam alimentos básicos como feijão e arroz nas gôndolas. Isso fazia com que houvesse muitos saques a supermercados. Me acionaram para cobrir um saque e depois avisaram que era um assalto”, relata Ronaldo. Para ele, o caso foi a cobertura mais marcante de sua vida. Alguns minutos depois da prisão, a unidade móvel do Jornal Zero Hora estaciona em frente ao Hospital de Pronto-Socorro e Bernardi monta guarda à espera da chegada do camburão com o detido. Passam-se cerca de 30 minutos da confusão em frente ao supermercado. O fusca verde-militar com capô branco finalmente aparece acelerando pela avenida Venâncio Aires e parando, enfim, na portaria do HPS. O sociólogo Carlos Martins desenvolveu um estudo sobre as abordagens policiais no estado de Alagoas, onde reside. “É muito claro na cabeça do policial quem é o bandido

As fotografias de Ronaldo Bernardi valem mais que mil palavras nesse caso” Sentença do juiz Luiz Francisco Barbosa

aqui em Alagoas. O policial vai para ruas com intuito de combater. E, se combate, é contra alguém que é o inimigo”, descreve. Martins, que é negro, foi confundido pela polícia com um assaltante de banco e teve a casa invadida por policiais militares. Na porta do pronto-socorro, o fotógrafo ainda está no aguardo por alguma informação. Depois de mais uns minutos, ele encontra com alguns funcionários do HPS, que o chamam perguntando se está interessado em ver o corpo de um assaltante que acabara de ser deixado ali, sem documentos. Ronaldo teme pelo pior e logo chega a certeza deitada sobre uma maca: Júlio César está morto. Fora baleado duas vezes no abdômen

durante o trajeto com os brigadianos. Posteriormente, o trabalho de investigação apontou que os policiais militares desviaram a rota do local do assalto até o hospital e dispararam contra a vítima em um terreno baldio na Avenida Cristiano Fischer, no bairro Jardim do Salso. No texto da sentença do juiz militar Luiz Francisco Barbosa, que condenou três dos brigadianos e absolveu um, está a frase que mais orgulha o fotógrafo do jornal Zero Hora: “As fotografias de Ronaldo Bernardi valem mais que mil palavras nesse caso”. Oito anos depois, o acontecimento ainda provocou uma mudança na legislação. Os casos de crimes de policiais contra civis passaram a ser investigados pela Polícia Civil e julgados pela Justiça Comum. Antes, eram apurados através de um Inquérito Policial Militar e as sentenças decretadas pela Justiça Militar. Os policiais foram expulsos da Brigada Militar e cumpriram somente parte da pena. Júlio César de Melo Pinto, hoje, dá nome a uma viela no bairro Lomba do Pinheiro, na Zona Leste de Porto Alegre, e a uma rua no bairro Mathias Velho, no município de Canoas. Até hoje, a morte de Júlio César é debatida quando o tema é racismo em abordagens policiais. O caso também inspirou um documentário. Lançado em 2017, o longa “O Caso do Homem Errado” tem direção de Camila de Moraes, filha de um irmão de criação da vítima. A obra estreou na semana em que o fato completou 30 anos.

Perfil étnico das pessoas mortas pela PM 1.227

949

Total de mortos

Negros/pardos

141

137

Brancos

Não identificado

DADOS REFERENTES AO PERÍODO 2016/2017, SEGUNDO REPORTAGEM DO UOL


INFÂNCIA

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Que todas as crianças não podiam ter calos nas mãos Segundo pesquisa do IBGE, 1,2 milhão de crianças entre 5 a 13 anos trabalham no País NADINE DILKIN

NADINE DILKIN

“E

u não desejo uma infância assim para ninguém”, relata, emocionada, Maria Hedi Kunst, de 64 anos, que trabalhou pesado desde os seis anos. Hedi ajudava seus pais na lavoura: capinar, fazer fumo e acender o fogão a lenha antes de anoitecer. Hedi mora em Santa Maria do Herval, uma pequena cidade de 6.315 habitantes, estimado pelo IBGE de 2017, onde o trabalho infantil era bastante comum na agricultura. Atualmente, a prática reduziu muito. O médico Enrique Barros, que atende pacientes há nove anos no município, diz, que nunca precisou atender crianças, nessas condições. “Hoje em dia não se vê mais crianças trabalhando na agricultura, pelo fato de ser proibido”, relata ele. Hedi diz que, trabalhava tanto, que um dia chegou em casa e não conseguia tomar banho de cansaço. Se deitou na cama e dormiu até o dia seguinte. Ela e seus dois irmãos chegavam a apanhar quando desobedeciam as ordens de trabalho. Aos 17 anos saiu de casa, somente com uma sacola de roupas, para se casar, começar uma vida nova ao lado de seu marido João Hildo Kunst, 73 anos. Logo, comprou uma máquina de costura para fazer, as roupas da família. Pegou o gosto e trabalha com o instrumento até hoje. Até já reformou a máquina, instalando um pedal automático para facilitar o seu trabalho. Sua vida foi melhorando aos poucos. Primeiro com plantações e varejo, depois abriram um mercadinho onde vendiam produtos pequenos. Foram evoluindo, e agora possuem o mercado e a loja Kunst. Mesmo tendo uma infância difícil, com ausência de diversão e estudos, pois estudou somente até 11 anos, Hedi encarou os medos e a timidez. Conseguiu se tornar uma pessoa bem sucedida. Outro exemplo é o aposentado, Geraldo Dapper, 64 anos. Muito humilde, cresceu no meio da lavoura, ajudando a fazer pasto para os animais a partir dos cinco anos. Com 11 anos, saiu da escola, e ajudou no trabalho pesado, das plantações. Seu pai o comparava com os filhos dos vizinhos, para que ele trabalhasse mais e melhor. Geraldo diz que sonhava em ser um produtor rural, bem sucedido com várias máquinas. E que pudesse viajar, para conhecer outros lugares. Geraldo sempre gostando de desafios, foi para a igreja, ajudar na liturgia e após tornou-se ministro. Depois trabalhou no sindicato do trabalhador

Numerosos aposentados trabalharam pesado na agricultura, como se o fim da vida reprisasse seu início nas lavouras da cidade

rural, e evolui para presidente por um tempo. Mais tarde, foi para candidatura de vereadores do município. Ele diz que, devido aos acontecimentos, as crises e as dificuldades, acabou perdendo o foco no seu sonho, deixando-o, não satisfeito financeiramente. Mas conheceu a cidade de Natal - Rio Grande do Norte, na campanha de vereador. Atualmente trabalha em sua horta caseira e ajuda outros agricultores.

Conselho Tutelar

A coordenadora do Conselho Tutelar de Santa Maria do Herval, Ione Teresinha Collor, de 75 anos, afirma que, nos últimos quatro anos, receberam denúncias de dois casos de trabalho infantil. O marco do conselho é sigiloso,

Hoje em dia não se vê mais crianças trabalhando na agricultura, por ser proibido” Enrique Barros Médico

não podendo passar qualquer informação das ocorrências. As denúncias são sempre resolvidas na calma e na base da conversa com os responsáveis. Se o caso for mais complicado é chamado o menor. O conselho atua no local há seis anos. O grupo de conselheiros é composto por cinco funcionários, cada um responsável por um dia da semana e revisado nos finais de semana. A cada quatro anos no mês de outubro, é feito o projeto de escolha para selecionar outros mentores. Que são escolhidos cinco titulares e suplentes. Tendo requisito, ter ensino médio completo e remuneração atual de R$ 625,16, para seis horas semanais e sobreaviso. No município também se encontra adolescentes menores de 16 anos, trabalhando em indústrias que não são cadastradas em jovem aprendiz. O trabalho infantil é serviço realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima, 16 anos, como regra geral. A partir dos 14 anos é realizado na condição de aprendiz. De acordo com projeto de Lei (PLS 237/2016), não classifica como exploração de trabalho infantil o serviço realizado em campo familiar, como ajudar aos pais, a partir, que feito fora do horário escolar e de modo compatível com as condições físicas e psíquicas do menor. Todos dados e leis são encontrados no ECA (Estatuto da Criança e do Ado-

lescente). Ele é o conjunto de normas do ordenamento jurídico brasileiro e tem como meta, a proteção completa da criança e do adolescente. Aplica medidas e envia encaminhamentos para o juiz. É a referência legal e reguladora, com a finalidade básica, para que os jovens tenham o acesso real aos seus direitos humanos. Segundo estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 2017, 1,2 milhão de crianças estão trabalhando na faixa etária de 5 a 13 anos no País. Elas deixam de frequentar a escola, para trabalhar em ruas, como vendedor, no semáforo e trens. Muitos casos podem ser comparados com trabalho escravo, por ter condições de extrema impropriedade e precário, onde, muitas vezes, o trabalho é forçado. O trabalho infantil pode gerar várias consequências, como: afeta o desenvolvimento do indivíduo, perda da infância, gera problemas sociais e psicológicos, provoca doenças, induz ao rendimento baixo e abandono escolar e causa o despreparo para o mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE, de 2016, demonstram uma diminuição no número de crianças encontradas em situação de exploração no País. Eram 3,3 milhões em 2014 e caiu para 1,8 milhão de crianças de 5 a 17 anos nessa condição.


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SAÚDE

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BABÉLIA

Gravataí, um dos municípios de melhor imunização em 2019 A cidade apresentou agilidade e eficácia na campanha de combate à gripe DIVULGAÇÃO / PREFEITURA DE GRAVATAÍ

PAOLA TÔRRES

Jornalismo - Porto Alegre

M

esmo antes da última semana da campanha da vacinação acabar, o município de Gravataí já tinha 72% da população vacinada. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde, entre as cidades com cerca de 50 mil pessoas como alvo da campanha, Gravataí alcançou 56 mil vacinados antes da primeira quinzena de maio, o que levou a cidade a ter um dos melhores índices no Estado. Este ano, a campanha começou uma semana antes das datas anteriores, com prioridade para as crianças de até 6 anos de idade incompletos e gestantes. A decisão foi tomada após a campanha de 2018, que não atingiu a meta de vacinação para esses grupos. No caso de Gravataí, os 29 postos, 19 Unidades de Saúde da Família (USF) e nove unidades básicas espalhadas pela cidade contribuíram para o aumento da confiaça da comunidade nos profissionais. As USF colaboram tanto para a população pelo acesso, quanto para os servidores da saúde, que conseguem ter um controle maior do público das comunidades e

Foram 56 mil vacinados antes do término da primeira quinzena de maio

dos grupos de risco. De alguns anos para cá, a população tem apresentado certo receio em realizar a vacina nos postos públicos de saúde. Pessoas relataram que sentiram sintomas de gripe após a vacina. Entretanto, médicos reafirmam que pode se tratar apenas de resfriados, considerando o

UPAs desoneram leitos do Hospital Dom João Becker Mesmo com a construção de Unidades de Pronto Atendimento (UPAS), o Hospital Dom João Becker, de Gravataí, continua registrando superlotação. A última UPA construída na cidade fica localizada na parada 74, e foi inaugurada em fevereiro. O município tem duas dessas unidades. Um dos propósitos da construção das UPAS é diminuir as filas nos prontos-socorros e evitar que casos de menor complexidade sejam encaminhados diretamente para unidades hospitalares. O Ministério da Saúde oferece financiamento para manutenção das UPAS, lembrou o chefe de Divisão de Urgência e Emergência, Leonardo Medeiros Machado. Foram gastos em torno de 3 milhões de reais para a construção das unidades da cidade. A estudante Roberta Damacena avaliou que os serviços prestados pela unidade são muito básicos. “Não tem uma infraestrutura adequada, os assentos são desconfortáveis e escorregadios”. Já a jovem Gabriela Thiesen achou que a Unidade de Pronto Atendimento atendeu as expectativas previstas. A maior dificuldade que a UPA enfrenta é a alta demanda de pacientes e poucos médicos, relatou a auxiliar de Farmácia, Paola Santos. O critério de atendimento varia de acordo com a situação do paciente. Normalmente, a média de espera é de duas horas. THARIANY MENDELSKI (Jornalismo - Porto Alegre)

clima desse período do ano, que potencializa esse risco. Anna Laura Lindorfer conta que realiza a vacina nos postos públicos há cerca de oito anos. Para ela, vacinar-se traz a sensação de segurança. Ela procura a imunização de forma gratuita, por prescrição médica, pelo fato de ter asma.

Uma a Uma entrega bolsa com produtos de higiene para mulheres de rua Voluntárias do coletivo Uma a Uma doaram 100 conjuntos de higiene no domingo, 5 de maio, para mulheres em situação de rua, de Porto Alegre. O kit integrava escova de dentes, creme dental, sabonete, pacote de absorventes e grampos de cabelo, acomodados em bolsa confeccionada pelas participantes do grupo. A idealizadora do projeto, Cristiane Franco, criou um grupo que oferecesse algo a mais. “Queremos alcançar mulheres que estejam precisando potencializar sua força interior”, diz Cristiane. O objetivo do grupo é realizar ações que alcancem mulheres que necessitam de ajuda de uma forma simples e não invasiva. A primeira atividade do coletivo ocorreu domingo, dia 17 de março, no Grupo Hospitalar Conceição em Porto Alegre, com distribuição de flores para mulheres como um gesto de carinho. A entrega foi realizada por seis participantes voluntárias. A receptividade das pessoas foi determinante para a continuidade do projeto. O Uma a Uma tem página no Instagram que é abastecida por Cristiane. A missão do grupo é mostrar que nenhuma mulher está sozinha e que podem contar umas com as outras. FERNANDA ROMÃO (Jornalismo - Porto Alegre)

Bruno Gabriel da Silva é monitor em uma escola do município para as turmas do primeiro ao quarto ano. Ele entende que é responsabilidade do governo cuidar da saúde da população, principalmente dos grupos de risco, como professores. No Rio Grande do Sul, a categoria de risco que mais procurou a imunização foi a dos funcionários do sistema prisional e os professores. Essas categorias ultrapassaram os 90% da meta de cobertura. Entretanto, de acordo com dados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações, até o dia 24 de maio as crianças e gestantes, categorias de risco com prioridade, não chegaram a 70% no Estado. A Secretária Estadual da Saúde indica que os vírus com maior circulação no Estado no ano passado foram os da Influenza A (H1N1) e o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), que é o agente das principais infecções respiratórias, como bronquite e pneumonia. Os médicos alertam que esse é o principal vírus que acometem recém-nascidos e crianças pequenas. A Secretaria divulgou no dia 27 de maio que a cobertura para crianças alcançava 64% e para gestantes 66%.

Semana Louca de Vida defende luta antimanicomial A Semana Acadêmica de Psicologia da Unisinos São Leopoldo, intitulada Semana Louca Vida, reportou-se ao Dia da Luta Antimanicomial, lembrado em 18 de maio. A luta defende a extinção dos hospitais psiquiátricos substituindo-os por uma rede de apoio aos pacientes. A internação nesses hospitais, entendem psicólogos, é uma forma de exclusão social. Raquel Celestino trabalhou como estagiária de Psicologia no São Pedro de 2012 a 2014. Segundo ela, não existe a tentativa de reinserção dos pacientes na sociedade, o que, disse, é o maior problema da política de internação. O psiquiatra Geraldo Dalmolin, que fez sua residência no São Pedro em 2009, reconhece que a readaptação à sociedade deveria ser feita e que o ideal é que não existissem moradores permanentes no São Pedro e sim que as internações fossem temporárias. O psiquiatra acredita, porém, que é preciso desmistificar os manicômios. Psiquiatras foram descritos como “caçadores de mentes doentes”, por Solange Gonçalves Luciano, “sobrevivente dos escombros psiquiatrais”, como ela mesma se descreveu, ao participar da Semana. O evento deu espaço para que pessoas como Solange, que já estiveram internadas no São Pedro, pudessem contar suas histórias. GABRIELA SCHNEIDER (Jornalismo - Porto Alegre)


SAÚDE

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Terapia Assistida é diferencial em centro de recuperação Uma vez por mês, a cachorrinha Wisp visita pessoas com deficiência em Campo Bom JORDANA FIORAVANTI

JORDANA FIORAVANTI Jornalismo - São Leopoldo

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isp é uma amigável e brincalhona border collie, que há mais de um ano vem mudando a realidade das Pessoas com Deficiência (PCDs) do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do município de Campo Bom. O resultado é uma nova forma de atender a esta parcela da comunidade, por meio do Projeto Wisp, iniciado por Gabriela Krug. Desde outubro de 2017, a cachorra, hoje com 6 anos de idade, realiza visitas ao Cras. Wisp foi adotada por Gabriela e adestrada desde filhote em um canil especializado na cidade de Portão, no qual foi preparada para exercer esse tipo de trabalho. Ela gera interação entre os usuários assistidos pelo Cras, fazendo brincadeiras e truques. Nas datas comemorativas, como Páscoa e Natal, Wisp aparece vestindo fantasias temáticas, distribuindo lembrancinhas e muitos beijos babados. Todo mês, ela é esperada ansiosamente e se diverte recebendo petiscos e carinho de todos. Gabriela comenta que “o bacana é perceber a felicidade

A border collie integra a equipe que trabalha a terapia assistida com animais

deles com a chegada da Wisp. Até os menos comunicativos, hoje sorriem e gostam de dar carinho, adoram fazer truques com ela”. A coordenadora do Cras, Angelina Marcanzoni, conta que a iniciativa veio da Gabriela. “Todos gostamos da ideia, nos abriu uma nova possi-

Com a sobra de doses, São Leopoldo libera vacina da gripe O público geral de São Leopoldo já pode comparecer às unidades de saúde para receber a vacina da gripe. Até o dia 3 de junho, 47.595 pessoas foram imunizadas, totalizando 69,8% dos grupos de risco. O município não atingiu a meta de vacinar 90% dos grupos, estabelecida pelo Ministério da Saúde. A campanha começou em 10 de abril e, na primeira etapa, foram vacinadas crianças entre um e seis anos de idade, grávidas e puérperas (mulheres até 45 dias após o parto). Na segunda etapa, foram imunizadas pessoas com mais de 60 anos, doentes crônicos, hipertensos, diabéticos, transplantados, profissionais da saúde, segurança e salvamento, e indígenas. A coordenadora de Imunização de São Leopoldo, Taine Andriolla, lembra que, além da vacina, a população pode se prevenir contra a gripe mantendo medidas simples e básicas de higiene. É indicado lavar as mãos frequentemente com água e sabão, ou usar álcool gel, cobrir o nariz e a boca com lenço ao tossir e espirrar, e evitar compartilhar objetos de uso pessoal e alimentos. Pessoas que estão com o vírus da gripe devem ficar em ambientes arejados e evitar aglomerações. Em caso de infecção, é recomendado procurar atendimento para realizar o tratamento adequado, evitando automedicações. ÂNGELO GABRIEL (Jornalismo - São Leopoldo)

bilidade de trabalho/tratamento. E então, com tudo organizado, buscamos o secretário de Desenvolvimento Social e Habitação, para apresentar o projeto e solicitar que a Wisp fizesse parte da equipe”. O secretário Eduardo Assman, visualizando uma proposta nova, aprovou-a e em seguida viabi-

Desfazendo boatos, autarquia garante que água de Ivoti é potável Após a circulação de uma falsa notícia divulgada no site Por Trás do Alimento, que disponibilizou dados dos testes de detecção e concentração de agrotóxicos realizados pelo Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) sobre a provável presença de sete agrotóxicos na água que abastece Ivoti, o gerente de tratamento e qualidade da Autarquia da Água do município, Ricardo Renner, procurou tranquilizar a população. Segundo ele, a água não contém quaisquer agentes químicos que possam causar contaminação aos seres humanos. “A autarquia tem um sistema de controle e uma equipe interna que trabalha nisso, para manter níveis adequados de cloro livre, o que garante a qualidade microbiológica. Não há motivo para preocupação”, garantiu. Apesar disso, a preocupação dos moradores continua. “Pesquiso sobre este assunto há anos, a situação em todo o Brasil é muito preocupante e Ivoti não escapa dessa inquietação”, afirmou Cristiano Weber, graduado em Especialização em Direito Ambiental. A população pode ter acesso às informações que constam nos laudos dirigindo-se até a autarquia. NADINE KERN (Relações Públicas)

lizou a implantação efetiva desta ação que vem proporcionando momentos de alegria e aprendizado às PCDs, ao lado da cachorrinha. A terapia assistida com animais (TAA), popularmente conhecida como pet terapia, se dá através da identificação projetiva, em que o paciente interage com o animal, com o qual possui vínculo, para desenvolver sua expressão e capacidade cognitiva, de interação e afetividade, explica a assistente social Gabriela Krug. A dona da Wisp, e responsável pelo Projeto já trabalhava no local como assistente social. Ela aponta os efeitos da aplicação dessa modalidade de terapia, que implica diversos benefícios à saúde física e emocional. “Como já acompanhava os usuários antes da entrada da Wisp, é possível notar a diferença no comportamento e postura deles. Alguns que eram extremamente fechados, retraídos, hoje se mostram cada vez mais soltos e participativos nas atividades, interagindo não somente com a Wisp, mas entre os colegas, falando e se expressando bastante, além de demonstrar mais afeto”, relatou.

Osório hospeda Centro de Reabilitação que atenderá 23 cidades O Centro Especializado em Reabilitação Física, Auditiva e Visual (CER), localizado em Osório, iniciou suas atividades na sexta-feira, 25 de maio. O prefeito, Eduardo Abrahão, e o secretário da Saúde, Emerson Magni, acompanharam os dois primeiros pacientes da área auditiva, Geraldo Debitti e Zilá Odete Braun Vargas. Portadores de necessidades especiais dos 23 municípios do Litoral, com população estimada em 400 mil pessoas, contarão com exames e tratamento, que envolverá também a família no processo. A equipe do CER ainda não está completa, tanto que foi lançado edital voltado a profissionais da área da saúde. Médicos, psicólogos e fisioterapeutas já estão prestando atendimento no local. A gestão do Centro, que tem uma despesa mensal de 200 mil reais nesta primeira fase, é realizada pelo Instituto Maria Schmitt de Desenvolvimento de Ensino, Assistência Social e Saúde do Cidadão (IMAS). O custeio será dividido entre os 23 municípios. O secretário da Saúde destacou a posição de referência da cidade após a chegada do Centro e o prefeito aplaudiu o trabalho dos gestores em tornar o projeto possível. “É uma facilidade. O atendimento oferece tudo para o paciente”, afirmou a osoriense Conceição da Silva Alves, de 80 anos. HENRIQUE ABRAHÃO (Jornalismo - São Leopoldo)


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SAÚDE

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Hospital Centenário suspende atendimentos por 90 dias Município de São Leopoldo segue pressionando o Estado para garantir recursos MARÍLIA PORT

MARÍLIA PORT AMANDA BIER SARA NEDEL ARTHUR SCHNEIDER

Jornalismo - São Leopoldo

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Fundação Hospital Centenário permanece com a porta de entrada fechada para atendimento eletivo em São Leopoldo, após um mês da restrição. Desde o dia 6 de maio, a instituição atende apenas emergências, além de gestantes, crianças e pacientes oncológicos. Segundo a presidente do Hospital, Lilian Silva, e uma das técnicas de enfermagem, Júlia Kodama, casos não urgentes são encaminhados às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e às Unidades de Pronto Atendimento (UPA) da cidade. Apesar da pressão, o Estado não deu garantia de novos recursos. Depois de três meses, se as tratativas com o Governo Estadual não avançarem, o prazo poderá ser prolongado. Uma das causas da crise deve-se ao fato de o município não ter aceito o financiamento por orçamentação proposto pelo governo do Rio Grande do Sul em 2012. O acordo significaria a destinação de verba suficiente para suprir os custos do hospital;

Banner e porta fechada alertam comunidade sobre situação do hospital

em troca, a casa de saúde disponibilizaria 100% de seus serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta não foi aceita, pois, na época, serviços por convênios particulares ainda eram realizados no local. “O resultado é um descontentamento geral, que desmotiva o trabalho e divide a equipe”, disse fonte que prefere não ser

Absenteísmo em consultas agendadas cresce em Sapiranga O número de pessoas que faltam às consultas em postos de atendimento público de Sapiranga não pára de crescer. Mesmo com a informatização e o agendamento através do Sistema Integrado Municipal de Saúde (Simsu), o absenteísmo foi de 13% nos meses de janeiro a março de 2019. Implementado há dez meses, o sistema trouxe como benefício o fim das filas durante a madrugada em frente aos postos. O maior índice de faltas ficou com as consultas pediátricas, setor em que 25,89% das 3.163 consultas disponibilizadas tiveram ausências. Para a enfermeira Aline Menzel, o processo de conscientização é gradativo: “A facilidade na hora de agendar a consulta acaba gerando um comodismo na população. Eles percebem a facilidade em vir marcar, e como não há nenhuma penalidade aos faltosos, as pessoas faltam, e retornam para remarcar, ocupando, no final das contas, duas vagas”. A informatização das Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Unidades de Saúde da Família (USFs), juntamente com a Unidade de Saúde Especializada (USE), Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e Centro de Atendimento Psico-Social (CAPS), traz benefícios, como o agendamento de consultas e a unificação do prontuário do paciente. LEONARDO OBERHERR (Jornalismo - São Leopoldo)

identificada. “A qualidade dos materiais está cada vez pior, e há crianças esperando muito tempo por atendimento. Profissionais que vêm de fora não recebem o pagamento pelo serviço prestado, e só retornam depois de serem pagos. As horas extras foram suspensas; ainda não recebemos as de fevereiro. Trabalhamos inseguros e sem

Hemocentro precisa com urgência sangue do tipo “O” positivo e negativo O Hemocentro do Rio Grande do Sul tem dificuldades para conseguir novos doadores de sangue. Atualmente, doações dos tipos “O” positivo e “O” negativo são as mais difíceis de serem recebidas. Nos meses de férias, junho, julho, dezembro e janeiro, o Hemocentro registra uma redução de 30% a 40% no número de doações. A campanha “Junho Vermelho”, dedicado à conscientização da doação de sangue, busca normalizar o abastecimento. Ao todo, são 40 hospitais dependentes do Hemorgs no Estado. Em Porto Alegre, o Hemocentro é responsável pelo fornecimento de hemocomponentes para o Hospital de Pronto Socorro (HPS), Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, Hospital Independência, Hospital Santa Ana e Hospital da Restinga Extremo Sul. Os demais hospitais são da Região Metropolitana e do Litoral. Segundo os critérios do Ministério da Saúde, para doar é preciso ter idade entre 16 e 69 anos, pesar mais de 50kg, ter dormido pelo menos 6 horas e não ter ingerido bebidas alcoólicas nas 12 horas anteriores à doação. TAINARA PIETROBELLI (Jornalismo - São Leopoldo)

saber o que acontece, porque não nos passam nada. Está tudo muito difícil”, avaliou. De acordo com o secretário municipal de Saúde, Ricardo Charão, os 90 dias de paralisação dos serviços vão garantir uma economia de, aproximadamente, R$ 3 milhões. “Mas, se o prazo passar e não obtivermos nenhuma resposta positiva do Estado, o mais provável é que o hospital fique, definitivamente, com o tamanho que tem agora. Não faremos mais cirurgias eletivas e perderemos os leitos na UTI Neonatal e Adulta. Infelizmente, o futuro do hospital segue em aberto”, alertou. A prefeitura reivindica que o repasse seja correspondente ao déficit mensal de R$ 7 milhões. Para reverter o prejuízo, por enquanto o hospital vem sendo beneficiado pela campanha “Esperança Inspira. Ação Transforma”, desenvolvida junto com a Agência Experimental de Comunicação da Unisinos (Agexcom). O Centenário é hospital-escola do curso de Medicina da Universidade. A iniciativa é baseada no troco solidário, através de estabelecimentos parceiros; na indicação de doação pela conta de água emitida pelo Serviço Municipal de Água e Esgoto (Semae) e na inscrição na Nota Fiscal Gaúcha, relatou a presidente do Hospital.

Ex-funcionários do Hospital São José estão sem receber Após seis meses do encerramento das atividades do grupo Instituto de Saúde e Educação Vida (ISEV) como administrador do hospital municipal de Dois Irmãos, ex-funcionários continuam lutando por seus direitos na justiça, porém sem receber um tostão. Em novembro de 2018, o ISEV renunciou a administração da casa de saúde, deixando centenas de funcionários sem emprego e sem receber seus direitos. A notícia pegou a comunidade de surpresa. Semanas que antecederam o ocorrido foram marcadas por declarações, por parte da Prefeitura, que afirmavam a estabilidade do São José. Segundo uma fonte, logo após o desligamento de todos os funcionários no processo de transição das administrações, foi afirmado que o pagamento do FGTS e direitos rescisórios seria realizado dentro de 30 dias, o que não aconteceu, gerando processos judiciais movidos contra o ISEV, por seus antigos colaboradores. O maior grupo de processantes é integrado por 64 pessoas. Os advogados estimam que a liminar saía em até dois anos, e os pagamentos atrasados sejam feitos dentro deste tempo. Em lugar do ISEV, o Instituto Brasileiro de Saúde assumiu a administração do hospital e está empenhado na recuperação econômica do São José. MESSIAS BRESKOVIT (Relações Públicas)


SOCIEDADE

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Amor revolucionário e salvador que me tirou a arma da mão Projetos sociais são caminho para mais pobres ficarem longe do tráfico de drogas KAROLINA BLEY

KAROLINA BLEY

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om a chegada do entardecer, as esquinas da Vila Brás, em São Leopoldo, começam a ser vigiadas. Em cada uma, dois jovens observam qualquer movimentação diferente. Os moradores circulam pelas calçadas, sem dirigir o olhar aos rapazes que ficam ali a noite toda. É dessa forma que o tráfico de drogas acontece de maneira desenfreada na Brás. Isso, obviamente, não acontece apenas na cidade gaúcha. As crianças e os adolescentes brasileiros estão entrando cada vez mais cedo para o mundo do crime. O tráfico de drogas é o que mais atrai os jovens, pois o alto lucro que se tem na venda de entorpecentes é motivo para muitas pessoas, principalmente pobres, procurarem este meio para viver. A atração dos adolescentes pela venda de drogas vem sendo tanta, que em 2016, como informa o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de guias expedidas por atos infracionais de jovens por tráfico de drogas no país chegou a quase 60 mil, ultrapassando o roubo qualificado, que obtinha pouco mais de 51 mil. Segundo a assistente social e secretária adjunta da Secretaria de Desenvolvimento Social de São Leopoldo, Carolina Cerveira, a pobreza e a desigualdade social são os principais fatores para o tráfico de drogas ocorrer de maneira descontrolada. “Vivemos em um sistema socioeconômico que se sustenta sob uma grande base de pessoas excluídas, vivendo em péssimas condições no mundo todo. Esse mesmo sistema capitalista lucra muito com a comercialização de armas e drogas lícitas e ilícitas”, afirma Carolina. São Leopoldo é a oitava cidade mais violenta do Rio Grande do Sul, como consta no Atlas da Violência, divulgado pelo Ipea em 2018. A assistência social da cidade precisa trabalhar para ofertar proteção social às pessoas que se encontram em situações adversas, decorrentes da ausência de acesso a um conjunto de políticas que poderiam assegurar o seu desenvolvimento humano e social. Segundo Carolina, o capital para isso é escasso. “Os recursos federais são muito aquém das necessidades concretas de manutenção dos serviços, programas e projetos que devem ser desenvolvidos de forma permanente e regular para a população”, diz a assistente social. “Para manter um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), o governo federal repassa 12 mil reais por mês, o que é insuficiente”, completa. Uma das regiões com maior taxa de crimes e comércio de drogas na cidade

A dança estimula o senso de responsabilidade e respeito nos jovens em comunidades, afastando-os das drogas

é o bairro Santos Dumont, onde se encontra a Vila Brás, segundo dados levantados pelo Jornal NH. Nesse local, Carolina informa que existe o CRAS Nordeste, oferecendo atendimentos para as famílias. No Santos Dumont é ofertado um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para 220 crianças e adolescentes de 4 a 18 anos, através de parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Social e a Associação Meninos e Meninas de Progresso.

A arte que traz paz

No meio de tanta violência, a arte aparece como um caminho a ser seguido pelos jovens. No Rio de Janeiro, que possui algumas das favelas mais conhecidas do mundo, isso já é frequente. Por exemplo, no morro do Vidigal se encontra o projeto Nós do Morro, e no morro do Cantagalo, o grupo Favela em Dança. Projetos como esses formam atores, dançarinos e musicistas conhecidos nacional e internacionalmente. Na Vila Brás, a professora de dança Graciela de Oliveira Souza, de 32 anos, fundou o grupo Explosão da Dança em 2005. Numa pequena sala, nos fundos do pátio de uma igreja, 218 alunos divididos em turmas de dança de rua, dança contemporânea, jazz e danças populares, se reúnem aos entardeceres. A ideia de Graciela, ao criar o projeto, era retribuir a oportunidade que ela obteve quando era apenas uma criança. “Eu entrei

para a dança por meio de projetos sociais, se não existissem esses projetos eu não teria acesso à ela. O grupo é uma forma para eu contribuir da mesma forma que contribuíram para mim. A dança entrou na minha vida e ela me modificou, em relação a pensamento e futuro”, afirma. Vivenciando a realidade da vila, a professora acredita que a dança pode ser a oportunidade de tirar crianças e adolescentes do mundo do crime: “A Brás é muito marcada pelas drogas, então quando o menino vira adolescente ele quer ter as coisas materiais e o tráfico oferece 500 reais por semana. De que forma tu tira esse adolescente desse caminho? Fazendo ele se sentir parte de algo”, declara Graciela.

A dança entrou na minha vida e ela me modificou, em relação de pensamento e futuro” Graciela Souza Professora

Os próprios alunos percebem o bem que essa atividade faz. Para a aluna Sabrina Trindade von Mühlen, de 20 anos, o grupo traz uma nova trajetória para os jovens seguirem: “A gente vive num cotidiano que é bem violento, muitos preferem a vida fácil e não acham outro caminho. Então a Graciela veio com uma solução, com a dança, mostrando que se tu quer, tu pode ter um futuro melhor”, diz Sabrina. O maior prazer de Graciela é ver os jovens da vila modificando pensamentos negativos e pensando em estudar, se formar e seguir uma carreira. Uma das metas dela é criar uma bolsa auxílio, para que os alunos possam viver da arte. Também quer contratar apenas ex-alunos para serem professores na escola de arte, assim ela consegue tirar alguém do tráfico e empregá-lo. “Não sei se perdi ou ajudei mais pessoas, mas onde tu ajuda alguém, é uma vida salva, então pra mim o peso de ajudar é maior. Posso ter perdido mais, mas no momento que eu salvei cinco vidas, são cinco vidas tiradas do tráfico”, contabiliza a professora de dança. Para Carolina Cerveira, “a arte, o esporte e outras formas de participação, envolvimento, criação e trabalho coletivo têm grande potencial como dispositivos de vida, de identidade, de pertencimento, de alegria e de reconhecimento. Acredito que esses aspectos contribuem para a infância, adolescência e juventude terem opções, escolhas”.


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MOBILIDADE URBANA

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BABÉLIA

Capital terá primeiro parklet abastecido com energia solar Intervenção urbana será montada na rua General João Telles, no bairro Bom Fim LUÃ FONTOURA

FERNANDA FERREIRA

Jornalismo - Porto Alegre

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alta pouco para Porto Alegre ganhar seu primeiro parklet 100% sustentável, totalmente abastecido com energia solar. O parklet é um miniparque que tem função recreativa e pode ser equipado com bancos, floreiras, mesas e cadeiras, e se localiza na lateral da rua, onde caberiam dois veículos. Capitaneado pelas empresas Josephyna’s, Sim Sala Bim, Urban Ode, Mirá, Elysia, ONG Solidariedade e Cooperativa CTSA, a intervenção terá lugar no coração do bairro Bom Fim, na rua General João Telles. O projeto está em fase de arrecadação de fundos e a previsão é de que seja implementado no segundo semestre de 2019. A ideia surgiu da importância da ocupação dos espaços públicos e da socialização das pessoas nas ruas da cidade. Segundo João Henrique Martins, proprietário do Josephyna’s, o conceito que impulsiona o projeto é “ser um uma iniciativa sustentável, com a parceria de pessoas e empresas com os mesmos valores que os nossos, sempre pensando no bem da comunidade.” Para Marcelo Libel, sócio do restaurante Sim Sala Bim, o projeto combina com “a diversidade de pessoas e culturas que frequentam a rua João Telles e o Bom Fim, em geral”. A escolha do Bom Fim não foi por acaso. O bairro faz parte da Zona de Inovação Sustentável de Porto Alegre (ZIS-

Miniparques têm função recreativa e abrigam, no espaço de duas vagas para carro, mesas, cadeiras e bancos

POA), movimento iniciado em setembro de 2015, que busca transformar partes dos bairros Bom Fim, Centro Histórico, Cidade Baixa, Farroupilha, Floresta, Independência, Rio Branco, Santa Cecília e Santana “no lugar mais sustentável e inovador da América Latina até 2025”, segundo explicação dada no site da iniciativa. Combinando seis elementos-chave: Inovação e Tecnologia; Empreendedorismo e Startups; Sustentabilidade e Eficiência de Recursos; Criatividade e Colaboração; Gestão Comunitária e Participativa; e

Ambiente Amigável aos Negócios; o movimento une cidadãos, empreendedores, estudantes, empresas, organizações sem fins lucrativos, universidades e governos em prol de uma cidade mais inovadora, que preza pela sustentabilidade e gestão responsável de recursos. Para Vitória Britto, 26 anos, advogada e moradora do Bom Fim, a iniciativa é excelente e combina muito com o “espírito” do bairro, onde as pessoas têm o costume de fazer mais coisas na rua. “Aqui nós temos feirinhas e atividades

ao ar livre em várias ruas do bairro. As pessoas do Bom Fim gostam de ocupar os espaços públicos”, comenta. Por isso, ela apoia a instalação do primeiro parklet 100% sustentável de Porto Alegre em seu bairro e acredita que esta seja uma forma de as pessoas ocuparem o espaço público de forma criativa e responsável. Por morar e frequentar os bares e restaurantes do bairro, Vitória acredita que a Rua Gen. Telles sintetiza muito da vontade, principalmente dos jovens, de estarem nas ruas, trazendo vida para a cidade.

Patinetes e bicicletas ampliam serviços em Porto Alegre FREEPIK

LUIZ CESAR DA SILVA

Jornalismo - Porto Alegre

Porto Alegre entrou na “era do compartilhamento” ao introduzir novas opções de transportes como patinetes, bicicletas e aplicativos, disse o diretor geral adjunto do DetranRS, Marcelo Soleti. Quando, há dois anos e meio, o músico profissional Rogério Souza retornou da Europa à Porto Alegre, ele constatou que a capital gaúcha apresentava um déficit no transporte de passageiros, principalmente de taxis. O músico entrou nesta brecha cadastrando-se no Uber e hoje presta este serviço aos porto

O transporte alternativo ajuda a desafogar o trânsito

alegrenses quando está fora dos palcos, reforçando, assim, a sua renda mensal. Soleti pondera que os táxis, que até então não tinham concorrência, foram forçados a adaptar-se às novas exigências da população e apresentam hoje um ganho de qualidade na prestação de serviços aos usuários, para serem mais uma alternativa na escolha dos passageiros que procuram agilidade e preços menores nos deslocamentos. O uso de transportes alternativos ajuda a desafogar o caótico trânsito das grandes cidades, assinala Soleti, porque as pessoas deixam seus veículos em casa e passam a usar coletivos ou meios

compartilhados. Rogério entende que a chegada dos aplicativos a Porto Alegre representa um avanço em termos de mobilidade urbana. Mobilidade urbana foi tema de evento realizado em janeiro deste ano, no Tecnopuc. Técnicos do planejamento municipal e metropolitano, professores universitários, arquitetos, urbanistas e representantes da sociedade civil debateram soluções para melhorar o plano de mobilidade da capital, comparando soluções aplicadas por especialistas da área em outros países. Trata-se de inicativas consolidadas em capitais mundo afora, que ganham espaço em Porto Alegre.


MOBILIDADE URBANA

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Viação Feitoria renovará 10% da frota ainda em 2019 Objetivo é continuar suprindo a demanda de usuários do bairro Feitoria ISMAEL PEREIRA

ISMAEL PEREIRA

Jornalismo - São Leopoldo

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empresa de transporte público Viação Feitoria renovará, ainda neste ano, 10% da sua frota de veículos. A medida, segundo o gerente da companhia, Éder Scherer, vai na contramão do cenário atual. “O setor de transporte coletivo urbano passa por uma crise nacional sem precedentes. Entretanto, nossa empresa continua, dentro do possível, executando o processo de renovação”, explicou. A companhia atende, preferencialmente, o bairro Feitoria - o mais populoso de São Leopoldo. A renovação da frota também buscará melhorar o atendimento às pessoas com necessidades especiais. De acordo com Éder, atualmente a Viação Feitoria possui 25 veículos adaptados para atender deficientes físicos. A ideia é aumentar esse número. “Todos os novos veículos colocados em operação virão com elevadores para cadeirantes”, prometeu. O serviço de transporte para deficientes físicos no bairro vinha sendo criticado pela comunidade. O cadeirante Marcos Pasa, 37 anos, utiliza o

Novos veículos substituirão modelos sem adaptação para atender deficientes físicos

transporte público ao menos três vezes por semana e passa por dificuldades. “Se algum ônibus estragar, acabo esperando de 45 minutos a uma hora e meia a mais em comparação ao tempo de espera normal”, contou. Além do excesso de espera, Marcos também sofre com a falta de manutenção dos elevadores

Avenida central de Sapucaia do Sul segue sem projetos Em Sapucaia do Sul, a zona rural é ligada à urbana pela avenida Justino Camboim. A estrada atravessa sete bairros. Além disso, quatro novos loteamentos de terrenos, seis condomínios verticais e duas escolas têm a Justino Camboim como principal via de acesso. Em 2012, a avenida chegou a ser inscrita no programa federal PAC Mobilidade Grandes Cidades buscando a duplicação da via. Contudo, a obra não foi realizada e “hoje não há perspectiva de duplicação”, afirmou o Secretário de Mobilidade Urbana de Sapucaia do Sul, Alex Sandro de Lima. A única medida paliativa para amenizar os congestionamentos na Justino Camboim deverá acontecer apenas quando o condomínio Parque Porto Santa Fé (MRV), localizado em frente à Escola Alfredo Juliano - a maior do município - estiver apto à moradia. “Quem for entrar no condomínio com algum veículo, deverá desviar por uma outra rua, e acessar o condomínio no sentido bairro-centro”, explicou Alex de Lima. Na quadra do condomínio, a Justino Camboim terá mão única. A instalação de um semáforo na Avenida requer um estudo da Secretaria de Trânsito, “e não passa em um primeiro momento, pela minha pasta”, afirmou o secretário Alex de Lima. JOSÉ HAMEYER (Jornalismo - São Leopoldo)

de algumas unidades – o que acaba impossibilitando-o de utilizar, muitas vezes, o serviço. Quando isso acontece, o cadeirante precisa entrar em contato com a companhia e solicitar o envio de um veículo apto a atendê-lo. Éder Scherer garantiu que a Viação Feitoria gosta de tomar conhecimento

Há meses na Capital, patinetes elétricos trazem modernidade Os aplicativos de transporte cresceram a partir de 2016, com o Uber, e hoje ocupam uma grande parcela da frota dos carros na Região Metropolitana de Porto Alegre. Desde fevereiro em Porto Alegre, com a chegada de dois aplicativos, a “Yellow” e a “Grin”, o transporte por patinetes alugados pelo celular tornou-se um fenômeno de mobilidade urbana que se estabeleceu na metrópole e transformou o modo como as pessoas encaram o transporte. O motorista de táxi Lauro Quadros, há 15 anos apontou a falta de segurança de patinetes usados no transporte alternativo. Ele contou que já presenciou atropelamentos de pedestres por condutores de patinetes da “Grin”, os quais chegam até a 40 quilômetros por hora e andam tanto nas calçadas quanto na rua. Usuária dos patinetes, a doutoranda em Direito, Thyessa Junqueira, ponderou que para ela percorrer grandes distâncias com o patinete se torna vantajoso. Contudo, comentou que se sentiu insegura em alguns momentos dirigindo na rua pela falta de disponibilidade de equipamentos de proteção adequados para os usuários. ARTHUR EDUARDO (Jornalismo - São Leopoldo)

das reclamações dos passageiros através dos seus canais de atendimento. De acordo com o gerente, é primordial ter acesso às críticas, para que, dessa forma, a empresa possa tomar as providências necessárias e analisar possíveis soluções juntamente com a diretoria de mobilidade urbana da cidade. Em contrapartida, o serviço comum de transporte ganha elogios de moradores. A estudante Larissa Vuolo, 22 anos, avaliou positivamente o trabalho da empresa. A jovem, que utiliza o transporte coletivo diariamente, identificou uma boa estrutura nos veículos disponibilizados. “A maioria dos ônibus que vejo circulando possui uma estrutura mais nova. Realmente, não tenho reclamações”, relatou. Em relação à frequência das linhas, Larissa entende que os horários ainda são muito “intercalados” nos finais de semana. Em dias úteis, contudo, a necessidade tem sido suprida. “Horários mais espaçados nos fins de semana dificultam a locomoção. Mas, na Feitoria, durante a semana, há ônibus de 15 em 15 minutos, no máximo, o que facilita o acesso ao centro da cidade”, destacou a usuária.

Estacionamento rotativo volta a ser cobrado em Sapiranga A “área azul” será reativada em Sapiranga. O sistema, que havia sido encerrado no início de 2018, retorna com nova empresa para gerenciar o estacionamento. O contrato concede à prefeitura 21,99% dos rendimentos da área gerida pela Rizzo Park. Ainda não há data para o início das cobranças. Os tickets poderão ser comprados nos parquímetros, no comércio, por aplicativo e com os monitores, a preços que variam de R$1,00 a R$4,00. Motocicletas não precisarão pagar a taxa contanto que respeitem o período máximo de duas horas. O monitoramento será feito pela empresa e por um veículo doado pela Rizzo Park à Guarda Municipal de Sapiranga. A viatura será equipada com uma câmera capaz de identificar a placa e verificar a regularidade do veículo. O chefe da Guarda Municipal, Sidnei Vieira Soares, aponta que haverá uma diminuição de 50% de veículos estacionados na área, que pertencem aos funcionários do comércio, que, com a cobrança, certamente passarão a ocupar outros espaços para irem ao trabalho, aumentando as vagas para clientes. Em nota, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Sapiranga (CDL) declarou “que vê no controle um benefício para o comércio da região central da cidade.” LAURA ROSELI BLOS (Jornalismo - São Leopoldo)


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COMPORTAMENTO

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BABÉLIA

Diferentes maneiras de encarar cidadania, ruas e microfones Vários são os meios de ampliar o alcance da comunicação na sociedade GABRIEL OST

GABRIEL OST

U

ma busca rápida no Google pelo termo “fake news” apresenta resultados de diversos temas: política, saúde e algumas definições. No ano passado, foi deveras procurado durante o segundo turno da disputa presidencial. Hoje, todos já têm sua opinião acerca desse assunto. Os cientistas políticos Brendan Nyhan, do Dartmouth College, Andrew Guess, da Princeton University, e Jason Reifler, da University of Exeter, afirmam que essas informações falsas tiveram impacto significativo na última corrida presidencial dos EUA. Existe a possibilidade de o mesmo ter acontecido no Brasil. O meio de propagação das famosas fake news: a internet. O WhatsApp é um advento tecnológico que permite qualquer pessoa a se comunicar, independentemente da sua localização geográfico. Com ele, nunca foi tão acessível falar com qualquer pessoa do planeta. Essa tecnologia, abençoada pela ciência, também é, igualmente, amaldiçoada pelos seus usuários. A ferramenta, que tem o poder de aproximação, pode gerar o caos de toda uma sociedade. Em 21 de março, um jovem, acompanhado de um adulto, invadiu uma escola, em Suzano, e realizou um massacre que deixou 10 mortos e 11 feridos. Sete dias depois, a polícia gaúcha deteve, em Santa Rosa, um suspeito que portava uma balaclava e uma bandana com estampa de caveira - igual a usada por um dos assassinos do extermínio paulista.

O aplicativo de mensagens WhatsApp tem alcance de 120 milhões de brasileiros, segundo o Facebook

na escola em Suzano, que ocorreu exatamente uma semana antes e ocasionou dez mortes. Uma parte estava descrente e não via um risco na situação. Apesar disso, muitos saíram do campus no mesmo instante. A partir do meio dia, ocorreu o esvaziamento massivo do local. O Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, unidade que representa os alunos do Campus, emitiu uma nota pedindo Relatos por segurança; alguns professores avisaA quarta-feira começou como um ram os alunos sobre o risco e sugeriram dia qualquer no Campus do Vale, em andar com o cartão de identificação Porto Alegre. Às 10 da universidade horas daquele dia sempre a mostra; 20 de março, os o terminal de ôniestudantes saíram bus estava lotapara o intervalo e, do de carros, uns aos poucos, mensabuscado os alunos, gens se espalhavam outros, da polícia; pelos grupos de as mensagens de WhatsApp de aluódio no fórum esnos e funcionários. tavam circulando Junto de fotos na maioria dos da tela de um comcelulares da região putador, elas indim e t rop o l it an a ; cavam uma ameaça tudo isso antes das Katarine Godinho Rosso ao Vale. “Mate as 13 horas. Estudante vadias das exatas Durante a noino campus do vale”, te, o campus estava era o recado que mostrava em uma das quase vazio. Os prédios, trancados, imagens, que parecia ser enviada em apenas eram acessados por quem estium chan (comunidades anônimas na vesse portando os cartões da UFRGS. deep web). Os alunos, no geral, estavam Os seguranças passaram a olhar todos bastante sensibilizados com o atentado de maneira suspeita e as mulheres eram

Eles querem é gerar o caos. Conseguiram, mas sabia que não aconteceria algo”

as mais assustadas. Katarine Godinho Rosso, de 27 anos, cursa Engenharia Cartográfica e tem conhecidos que já passaram por situações de ameaça pelos fóruns. Ela estava tranquila. “Sei que essas coisas não funcionam do jeito que o pessoal acha. Eles querem é gerar o caos. Conseguiram, mas sabia que não ia acontecer atentado aqui”, comenta Katarine. Nos dias seguintes daquela semana, o clima ainda pesava no Vale e a segurança permaneceu reforçada. Aos poucos, os alunos ganharam confiança para voltarem às aulas. “Todos se olhavam desconfiados. Com o passar dos dias, como nada aconteceu, o ambiente ficou mais tranquilo. Eu julgo que agora normalizou, não vejo mais nervosismo na cara das pessoas. O campus tá cheio de novo”, conta Pedro Amaral Reis, 23 anos, da Geografia. No dia 28 de março, pelo WhatsApp, mensagens alertavam a presença de policiais no Campus Unisinos São Leopoldo para impedir um suposto atentado. No mesmo dia, circularam nos grupos do aplicativo imagens de um chan onde usuários ameaçavam realizar um massacre em algum dos colégios da rede Marista, em Porto Alegre.

Análise

O caos gerado pela disseminação das informações pela internet faz par-

te de uma irresponsabilidade social, segundo Taís Seibt, jornalista e mestre em Comunicação pela Unisinos. Ela estuda a checagem de fatos na sua pesquisa de doutorado pela UFRGS e afirma que o melhor a se fazer quando essas mensagens sensíveis chegam até nós é “Não compartilhar na emoção. Temos uma cultura de acesso às redes em que, primeiro, compartilhamos e, depois, pensamos”, comenta. Apesar de algumas informações virem com um “não sei se isso é real, mas decidi compartilhar mesmo assim”, é necessário fazer o contrário. Além de não passar adiante a mensagem, as autoridades devem ser informadas. No caso dos ataques à universidades, tanto a polícia, quanto a coordenação da instituição, precisam ser avisadas; para que, assim, seja traçado um plano de atuação que garanta com eficácia a segurança de todos, além de ser iniciada uma investigação. A futura doutora ainda salienta que esse tipo de pânico generalizado apenas atrapalha, ao invés de auxiliar. “Isso mexe com o imaginário das pessoas, causa pânico, pode gerar até problemas de saúde mental na sociedade. É preciso que a gente reverta a lógica e, na dúvida, comunicar as autoridades competentes” salienta Taís. Buscar informações adicionais na internet sobre o assunto compartilhado também é uma boa saída para evitar a desinformação.


COMPORTAMENTO

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Se meus joelhos não doessem mais Desde jovem, Pedro Silva tem passado por problemas, porém nunca abaixou a cabeça MATHEUS NOGUEIRA VARGAS

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m 2016, após quatro anos de casamento, nosso personagem, que não quer ser identificado, de 39 anos, viu sua relação ruir. O matrimônio gerou dois filhos biológicos e um de coração, após o rompimento, todas as crianças ficaram com o pai. Segundo levantamento do IBGE, só no ano passado, ocorrera, aproximadamente, 231 mil divórcios, praticamente um a cada quatro casamentos. De todas essas separações, em 89% dos casos, a guarda dos filhos ficou com a mãe. Quando falamos em situações como essa, é comum as pessoas se preocuparem com as crianças, mas não são só elas que sofrem com isso. “Aos poucos as coisas estão se equilibrando, pode não parecer, mas hoje as coisas estão muito melhores do que estavam há um ano”, declara Pedro Silva (assim o chamaremos nosso personagem), logo após desligar o telefone. “Era a RGE. Falaram que se eu não quitar as faturas atrasadas, vão vir aqui e cortar a energia. Fazer o quê? Não tenho dinheiro”. Pedro trabalha como instalador de um serviço de internet, faz muitas horas extras para complementar na renda. “O salário não é ruim, considero um bom salário, conseguíamos viver, até acontecer o que aconteceu”, completa. Os problemas não começaram na vida adulta. Quando tinha apenas 12 anos de idade, largou a escola e teve problemas com drogas. “Me envolvia em muitas brigas, as vezes por motivos fúteis ou para defender pessoas que eu nunca tinha visto”. Silva lembra que muitas vezes acordava com vontade de brigar. Até que um dia, por muito pouco o pior não aconteceu. “Eu estava na rua, com meus amigos, até que veio uma moça correndo dizendo que tinha uns caras na frente da escola que queriam bater no meu irmão. Subi a lomba da escola correndo, cheguei lá e vi que eram mais de 10 caras. Não dei conversa, cheguei na voadeira. Não demorou para eles me pegarem”. Pedro diz que aquele dia pensou que ia morrer. “Eu estava no chão e continuavam me chutando” Após tudo isso, ele deu entrada no hospital em coma, ficou assim por cerca de uma semana. Quando voltou para casa, sua mãe, que tem uma deficiência física por paralisia infantil, o levou obrigado para a igreja por inúmeras vezes. Até que começou a ir por conta. “O que me man-

teve lá foram as pessoas que realmente que jogou tudo para o alto e se lançou gostavam de mim, pois quando estava de corpo e alma. “A gente não pode quase morto no hospital, nenhuma ficar se preocupando com o que vão das pessoas que eu acreditava serem pensar, porque se não a gente nunca meus amigos foram faz nada”. me ver, enquanto o Na organização da pessoal da igreja, que festa de casamento, eu não conhecia, foi nenhum dos noivos muitas vezes”. estava bem financeiraO tempo foi pasmente para fazer uma sando, e Pedro perfesta, então, os amigos maneceu na igreja. ajudaram. Todos conAté que um dia cotribuíram com o que nheceu a pessoa com podiam, compramos Pedro Silva quem iria se casar. as coisas, e eles mes“Fomos visitar outra mos fizeram tudo. igreja, lá eu conheci ela”. “Eu nunca tinha cortado um franSilva lembra que no início hesitou go na minha vida, dividi uma coxa um pouco, pois o fato de a moça já em três”, lembra Pedro, aos risos. ter um filho e o que as outras pessoas Após o casamento, os pais do poderiam falar o assustava. Até em personagem cederam parte do ter-

O guri é meu, pois pai é quem cria”

MATHEUS NOGUEIRA VARGAS

Vida de privações e adversidades desenvolveu sentido de resiliência em Pedro

reno para que pudessem construir sua casa. Como a ideia não era ficar muito tempo, compraram um material barato para a construção do imóvel, mas infelizmente, as coisas não saíram como planejado. Logo após o matrimônio, a moça ficou grávida, eles não planejavam isso, pois tinham planos de comprar seu próprio terreno e depois ter filhos. O nascimento da menininha fez com que esses planos fossem adiados. Pedro lembra que na época ele trabalhava como auxiliar de carga e descarga de caminhões e sua esposa como manicure. “Não ganhávamos muito bem, mas conseguíamos viver com dignidade”, completou. No ano de 2014, o casal tem outra filha. Silva lembra que nessa altura já não tinha expectativas de comprar uma casa em outro lugar para sair do terreno dos pais. “Eu estava sendo realista, pois com três crianças para criar não sobraria nada para a casa, e ela não aceitou”. A partir daí as brigas começaram a ser diárias, ela queria se mudar, mas não dava. “No início, nós discutíamos no quarto, longe das crianças, mas com o passar do tempo, ela já não tinha esse cuidado, e gritava muito, que até pessoas na rua ouviam”. No ano de 2016, ela foi embora de casa e deixou as três crianças com Pedro, inclusive o menino. “O guri é meu, pois pai é quem cria”, destaca Silva. Mas a partir daí se iniciou o momento mais difícil na vida do nosso personagem. Ele lembra que muitas vezes era necessário escolher algumas contas para serem pagas, pois o dinheiro não daria para todas. “Tu não sabes que coisa mais horrível que eu passei, trabalhava feito louco e o dinheiro não pagava nem metade das contas”, desabafa. A mãe, ajuda com o que pode, cuida da filha menor para que ele consiga trabalhar. “São meus netos, é minha obrigação”, afirma. Hoje, dois anos depois de sua esposa ter ido embora, Pedro está namorando novamente, aos poucos as coisas estão se equilibrando e as contas estão sendo colocadas em dia. “Dessa vez, antes de me casar, vou comprar uma casa”, lembra sorrindo, após superar tudo o que passou. Pedro tinha tudo para desistir, aceitar sua situação. Mas ele não aceitou, precisava lutar pelos filhos, e foi o que ele fez. Hoje, três anos depois, as coisas estão se ajeitando, pois não desistiu.


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SOCIAL

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BABÉLIA

Esse não é o atalho para sair dessa condição Projetos sociais buscam resgatar jovens que estavam indo para a criminalidade ELIAS VARGAS

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iamão é uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre, situada no Rio Grande do Sul. O município possui uma população estimada em 252.101 pessoas. A cidade tem 58.649 jovens, na faixa etária entre 10 e 19 anos de idade. Conforme o Atlas da Violência, divulgado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística Aplicada (IPEA), Viamão ocupa a 21° colocação das cidades mais violentas do Brasil e é a 1° colocada no Rio Grande do Sul. Para a Secretária de Esportes da cidade, as razões mais frequentes que levam os jovens para a criminalidade são: famílias desestruturadas, pais sem tempo para seus filhos, convivência com amigos mais velhos e mal intencionados, entre outros fatores. No meio dessa escuridão, existem pessoas que depositam seu tempo para realizar um projeto que visa resgatar a juventude do apelo da violência. Segundo o secretário de Esportes de Viamão, Valmir Braga da Rosa, 57 anos, a forma como o profissional conduz o projeto social, auxilia a comunidade na redução da criminalidade. “Quando bem trabalhados com a juventude, esses projetos são de fundamental importância para evitar com que os jovens fiquem com a cabeça vazia e com tempo para fazer besteiras.”, disse o Secretário. Emir Pastilho Parede, 55 anos, é criador do projeto Bola de Canhão, na Vila Elza, em Viamão. Fundado desde 2014,

Emir relatou que mais de 3000 crianças e jovens, com idade entre 7 e 17 anos, já passaram pelo projeto. “O principal objetivo é formar cidadãos, verificar a freqüencia escolar e ter um retorno dos pais de como os jovens se comportam em casa.”, disse. Conforme o IBGE, 1,3 milhões de pessoas entre 15 e 17 anos estão fora da escola, enquanto outros dois milhões estão atrasados no âmbito escolar. Além de auxiliar com o trabalho esportivo, Emir relatou que o projeto oferece auxílio escolar para os jovens que apresentam dificuldades em alguma disciplina na escola. E o caso de Matheus Ribeiro Ferreira, 12 anos, jovem que participa do projeto. Tinha notas ruins na escola e um péssimo exemplo em casa. Com o passar do tempo e frequentando os treinos no campo de futebol, tem melhorado seu desempenho escolar e seu convívio familiar. Auxilia a mãe nos afazeres de casa e busca aprender mais no colégio.

A esperança no futebol

A criminalidade tem crescido assustadoramente pelo Brasil. Só no ano de 2018, segundo o Atlas da Violência, o país possui uma taxa de homicídios 30 vezes maior que a Europa. Quase 10 % do total das mortes do país atingem principalmente os homens jovens: 56,5% de óbitos de brasileiros entre 15 e 19 anos de idade. Viamão é a 17° cidade com o maior índice de assassinatos de adolescentes no

Brasil, segundo o Índice de Homicídios já havia recebido o convite para participar na Adolescência (IHA). de alguns crimes. Para o secretário de esportes: “Falta um “Infelizmente perdi meu amigo que equilíbrio emocional que impossibilita os era como uma irmão pra mim. Vi ele jovens de pensar num futuro.” morrer e não pude fazer nada, então eu E nesse caminho que André Luis da percebi que não era a vida que eu queria Rosa, 35 anos, criou o Projeto Esportivo pra mim.”, disse emocionado ao lembrar Spartans Futebol Clube. de seu amigo. André era auxiliar de outro projeto Voltou ao projeto e resolveu se dedicar social que acontecia no município vizi- mais ao esporte, com o auxílio e consenho de Viamão, em lhos do professor Alvorada, porém André, João Vitor ao analisar alguns tem se empenhado erros do projeto mais nos treinos na que participava, busca de seu sonho resolveu sair. em se tornar um joFala com orgador de futebol. gulho da forma Os trabalhos como conduz seu sociais tem funtrabalho pelo bem damental imporestar da juventude. tância na vida de Emir Parede Segundo André, muitos jovens que muitas vezes ele se Coordenador do Projeto Bola de Canhão moram em comutorna além de pronidade carentes. fessor, psicólogo e pai de alguns jovens. Segundo Valmir Braga, a secretaria de “Já passaram cerca de 140 e hoje temos esportes oferece assistência e não estrutura aproximadamente 80 jovens abraçando financeira. esse projeto conosco.”, disse sem tirar os Sem apoio financeiro, os líderes do olhos do treinamento. projeto buscam apoio privado ou as chaO trabalho com a juventude não é madas “vaquinhas”, entre os alunos, para tarefa fácil, requer muita competência, excursão ou inscrição de campeonatos. objetivo e paciência. Com a facilidade do crime e a vida Muitos jovens acabam abandonando fácil e ilusória que a marginalidade ofeo futebol e entram para a criminalidade, rece, esses projetos são como uma luz no alguns não conseguem voltar, outros, con- fim do túnel, uma esperança para quem seguem sair, comenta o professor André. já perdeu o brilho pela vida e são como o É o caso de João Vitor Gustavo Severo, sol que nasce todo dia no coração de cada 16 anos, disse que era um jovem pregui- criança ou jovem, quando o mundo parece çoso, não tinha compromisso com nada e estar em cinzas.

O principal objetivo é formar cidadãos”

ELIAS VARGAS

Trabalho desenvolvido em comunidade de Viamão ajuda a desenvolver a cidadania entre os participantes e o senso de pertencimento


SOCIAL

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Contra a exclusão, o instinto é coletivo, meu irmão Moradores colaboram entre si mesmos para enfrentarem dificuldades FRED WICHROWSKI

FRED WICHROWSKI

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ão somente de alegria vive o ser humano. A vida é repleta de obstáculos, situações dificultosas, que precisam ser enfrentadas diariamente. Para quem vive em comunidades menos favorecidas, isso é algo inerente. Às vezes, o baixo salário que os moradores recebem é capaz, apenas, de custear o básico. Suficiente para a alimentação, dentre outras necessidades básicas para sobrevivência. Quando ocorrem acontecimentos fora do comum ou pouco esperados, a situação complica ainda mais. O que fazer no caso de um temporal potencialmente destrutivo, que devasta as casas, com seus ventos fortes? E caso ocorra uma enchente, destruindo móveis e não somente isso, mas também trazendo uma série de doenças e deixando as pessoas próximas expostas a graves riscos de saúde? É nesses momentos que a ajuda coletiva mostra todo o seu potencial. Justamente auxiliar aqueles que não tem condições de arcar com os prejuízos, de forma estritamente individual. Christina Mittanck é uma colaboradora em um projeto social de sua comunidade religiosa, que promove ajuda financeira e mão-de-obra de apoio para famílias e moradores que passam por situações de perda das suas casas, por fatores climáticos ou externos, por exemplo. Sem vínculos governamentais, a ADRA (Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais) teve seu início ainda durante os conflitos da I e II Guerras Mundiais. Os colaboradores do movimento se mobilizaram com a intenção de arrecadar alimentos, medicamentos e roupas, para distribuí-los posteriormente para quem necessitasse. A unidade brasileira é sediada em Brasília, no Distrito Federal. Cada igreja adventista do país tem um grupo que realiza as atividades da ADRA Brasil. As diretorias locais organizam ações específicas para ajudar os necessitados. Os principais meios de manter o projeto é através da arrecadação de alimentos e roupas. Em alguns casos, são realizadas inclusive construções ou reconstruções de casas. Um dos eventos de repercussão e comoção nacional foi o de Brumadinho, em que o projeto direcionou fortemente suas atividades. De forma internacional, pode ser citado Moçambique, que sofre com muitos desastres naturais. Foi enviada ajuda humanitária para esse país, através do projeto. As pessoas mais atendidas são geralmente

Antônio já utilizou

muitas vezes seu reboque para transportar doações. Sua esposa, Ruth, arrecada doações de agasalhos

de baixa renda. A ajuda pode ser solicitada nas próprias igrejas de cada bairro. Na comunidade onde Christina mora, durante o inverno, são distribuídos sopas, pão e até mesmo chocolate quente para os moradores de rua, assim como roupas e cobertas. Algumas famílias são cadastradas no programa do projeto e recebem ajudas anualmente. Participam, no projeto do bairro, uma líder e três vices, além de seis colaboradores fixos. Nenhum deles ganha alguma renda com os trabalhos. Todos são voluntários. Mercados e lojas acabam oferecendo apoio para manter o projeto. A história do programa mostra como é possível ajudar o próximo, sem que para isso seja necessário algum tipo de incentivo especial.

Ajuda mútua

O instinto coletivo e a preparação para enfrentar as situações mais difíceis e inesperadas é absolutamente necessário. É também instinto de sobrevivência. Essas pessoas acreditam que são capazes de mudar o destino dos fatos e realmente são capazes de fazer isso. Não existe uma métrica, um nível, para o quanto de ajuda é considerado o adequado. Antônio Robatini, morador da mesma comunidade que Christina, também ajuda, dentro daquilo que

lhe é possível, seus vizinhos e também outros moradores. Utilizou muitas vezes seu reboque pessoal para levar mantimentos, materiais de construção e outros itens. Sempre que lhe pedem, ele fica à disposição para algum auxílio nas redondezas. Mora no mesmo local desde muito jovem. Começou a contribuir nas tarefas a partir de sua visão frente às situações difíceis que já testemunhou e mesmo vivenciou. Durante sua infância, enfrentou diversas enchentes, perdendo muitas vezes tudo o que sua família tinha dentro de casa. Trabalhou

É nesses momentos que a ajuda coletiva mostra todo o seu potencial. Justamente auxiliar aqueles que não têm condições de arcar com os prejuízos”

desde cedo para conseguir contribuir financeiramente para sua própria sobrevivência, bem como a de seus pais e irmãos. A esposa de Antônio, Dona Ruth, arrecada doações de agasalhos, a partir de parentes e amigos próximos. Quando ele ainda trabalhava, levava a campanha até seus locais de trabalho. Todos colaboravam com alguma peça de roupa. Essas peças eram guardadas e posteriormente distribuídas para pessoas que conheciam e que estavam passando por necessidades. A intenção e disposição em fazer a diferença é o mais importante. Tanto a Christina, como o Antônio e a Ruth já colaboraram diversas vezes, junto às suas famílias. Atualmente, Christina participa realizando trabalhos externos com os outros membros de sua igreja. Eles têm encontros semanais para discutir seus planos de ação e estabelecer as campanhas. Já Antônio, apesar de ter idade avançada, ainda se vê capaz de fazer alguns trabalhos. Apesar do governo ser o grande responsável pela maioria das assistências à sociedade, muitas vezes não consegue cumprir seu papel de forma plena. Aqueles que ficam sem assistência, acabam a mercê de graves problemas de saúde, dentre outras questões, sem ter a quem ou ao que recorrer.


ENTRETENIMENTO

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Batuques diferentes na mesma pulsação Mulheres lutam diariamente contra o machismo instaurado na indústria de games PATRÍCIA WISNIESKI

A

partida de League of Legends chega ao momento decisivo. Os ânimos fervem e xingamentos começam a ser disparados dentro do chat. O clímax da partida sucede um longo momento de gritos e exaltação. E, então, surge na tela do computador o temido “game over”. Em seguida, alguém dispara: “Tinha que ser uma mulher! Volta pra cozinha e para de atrapalhar o jogo dos outros”. Jordana era a única menina de uma equipe de cinco jogadores e, aparentemente, foi a responsável pelo mal desempenho de todos. Por ironia, Jordana Jablonski, 20 anos, é estudante de Gastronomia da Unisinos e passa a maior parte do dia na cozinha, preparando o prato principal do restaurante onde trabalha. Obviamente, os meninos não sabiam disso quando a mandaram voltar para lá. Frequentemente, os homens usam argumentos assim para coagir a mulher a sair de um ambiente, que até pouco tempo, pertencia somente a eles. Não existe mulher que não tenha ouvido a frase “isso é coisa de homem”. Quando não é dita de fato, fica implícita em algum lugar, dentro de algum contexto. No mercado de jogos on-line isso é ainda mais evidente. As mulheres que arriscam entrar nesse mundo, seja como jogadoras ou programadoras, sofrem diariamente com o machismo e a falta de respeito. E não é por serem minoria. Segundo dados da Pesquisa Game Brasil 2018, realizada pela Sioux Group, Go Gamers, ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e Blend New Research, as mulheres compõem 58,9% do total de consumidores de jogos eletrônicos no país. Apesar disto, muitas delas são obrigadas a se esconder atrás de usuários com nome masculino ou sem gênero. “Os garotos vêem um jogador com nome feminino e não acreditam que seja mulher, porque mulher não pode jogar bem”, relata Jordana. A jovem defende o nível platina em League of Legends, uma das categorias mais altas da competição. Incentivada pelo pai, a gamer começou a gostar de jogos ainda quando era pequena. Ela sonha com um ambiente inclusivo e diversificado, embora este cenário ainda pareça muito distante: “durante uma partida começaram a falar sobre estupro e disparar mensagens de ódio contra outras mulheres”. Desde então, Jordana adotou um nome de usuário sem gênero e sempre reporta aos desenvolvedores

quando algo assim acontece. Com a democratização da internet, surgem grupos nas redes sociais para apoiar quem passa por estes momentos. “Aprendemos como agir em situações de abuso e discriminação. Hoje, as garotas sabem que não estão sozinhas”, relata Ariane Parra, fundadora da rede Women Up Games. Inicialmente, o grupo visava fornecer mentoria para quem sofreu algum tipo de violência dentro dos jogos. Hoje, busca integrar o maior número de mulheres ao mercado de games e tecnologias.

Pouca representatividade

“Não somos encorajadas a seguir essas carreiras, por isso é tão difícil para uma mulher entrar e permanecer em uma área tipicamente masculina”, ressalta Ariane. De acordo com o Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, divulgado em 2018 pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), dos 2.966 desenvolvedores de jogos, apenas 565 são mulheres. Ariane explica que o gênero não se sente representado dentro do mercado. Isso implica na sua participação dentro das organizações “Falta mulheres ocupando papéis de liderança nas empresas do segmento, então outras mulheres acham que lá não terão voz”. Atualmente as empresas têm sido

mais receptivas com o público feminino, mas como o mercado ainda é muito restrito, elas acabam desistindo de tentar “A indústria visa incluir mais mulheres na área, mas de 50 currículos que recebem para uma vaga, apenas dois são de mulheres”, conclui. Falta diversidade tanto no design dos jogos quanto em quem os produz. Aiami de Siqueira Garcia, programadora da Gazeus Games, é uma das poucas programadoras no Brasil. Ela conta que quando entrou na área se questionava se aquilo era o certo “Será que eu pertenço a esse lugar? Só eu de mulher, por quê?”. Aiami diz que é essencial que a indústria abandone a linha triplo-A (AAA) das grandes marcas de jogos, que sempre repete o mesmo padrão. “São todos iguais: um homem cis branco que mata todo mundo e vai resga-

Será que eu pertenço a esse lugar? Só eu de mulher, por quê?” Aiami de Siqueira Garcia Programadora

tar a princesa”, relata. Na maioria dos games, as mulheres são objetificadas e usadas como complemento do personagem principal. Isto se percebe em jogos muito populares, como Super Mario, The Legend of Zelda e Donkey Kong, em que a mulher aparece somente como princesa. Esse tipo de jogo ressalta a ideia de que a mulher é um ser indefeso e que ela não tem capacidade para ser nada além disso. “A gente aprende desde criança que mulher serve para desenhar, para música, para cuidar dos filhos, mas não para programar”, comenta Aiami. Além disso, os jogos tendem a apresentar a mulher de uma forma erotizada, vestindo trajes sensuais e que despertam o interesse masculino. Quando trazem um personagem feminino como protagonista -a exemplo da série Tomb Raider, Lara Croft- precisam fazer dela um desejo para todos os homens. Lara Croft é sucesso desde seu lançamento em 1996, mas quanto melhor a qualidade dos gráficos menor ficaram as roupas que a personagem veste. A partir disso, Aiami desenvolveu um jogo para dar representatividade ao gênero. Em Super Dev Girls o personagem principal é uma garota que trabalha na indústria de games. Tem como alvo meninas de 15 a 20 anos e visa mostrar que este é um ambiente acolhedor. PATRÍCIA WISNIESKI

Mulheres gamers têm ganhado espaço e visibilidade dentro do mercado de jogos digitais


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