BABÉLIA U N I S I N O S
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S Ã O
L E O P O L D O
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39
DEZEMBRO
2023 DISTRIBUIÇÃO
GRATUITA
EDIÇÃO DIGITAL BIANCA AMÁBILE
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MUÇUM AINDA GRITA POR SOCORRO O estouro do conflito Israel-Palestina impactou a rotina de Mussa e Muhmad (foto), palestinos no Brasil, e de João Miragaya, brasileiro em Israel
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EDUARDA OLIVEIRA
MEMÓRIAS DE GUERRA, DESEJOS DE PAZ
Meses depois de ser arrasado pelas águas, município do Vale do Taquari luta para se reerguer, mas as perdas não são apenas materiais. O trauma da enchente, que matou 17 moradores em setembro de 2023, é um obstáculo a ser superado no dia a dia
TAYLOR SWIFT, A PAIXÃO QUE UNE MULTIDÕES
ATLETAS DÃO ATENÇÃO AO PREPARO MENTAL
VÍCIO EM JOGOS: "SOMEI DÍVIDA DE R$ 54 MIL"
Fãs da cantora estadunidense, chamados de Swifties, explicam sua devoção pela conexão de identidades entre si e com a artista
Tenista, nadadora e judoca contam por que, tanto quanto a condição física, a psicológica passou a ser fator determinante no esporte
Facilidade de apostar pela internet é um dos fatores que têm provocado o aumento da procura pelo grupo de apoio Jogadores Anônimos
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2 . OPINIÃO
DEZEMBRO 2023
BABÉLIA
A GARANTIA DE RESPIRAR QUE A CRÔNICA NOS TRAZ POR PAOLA BETTIO
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ornalista escrever com o coração aberto é estranho. Existe um pacto de silêncio compartilhado que diz que precisamos poupar palavras. “Seja objetivo, tenha poder de síntese, mantenha o afastamento”, nos dizem. Quem se importa com o que tenho a dizer da minha vida, só mais uma, no oceano
de gente que vai e vem, com acontecimentos e sentimentos intensos? Mais uma mulher cheia de histórias para contar… Sim… Jornalistas contam histórias. Essa é a coisa mais básica que todos sabem sobre a profissão. Penso na quantidade de acontecimentos banais das pessoas comuns à minha volta e como adoro ouvir essas histórias. Penso no medo que sinto em envelhecer e
ir esquecendo as coisas que vivi, que machucaram e foram lindas, para dar lugar a outras memórias, como se eu fosse um disco rígido de uma máquina. Adoro relatos íntimos que não precisam ficar no privado. Volto a falar de mim e de como o jornalismo de hoje, predominantemente, censura o humano que habita em nós. Eu sempre gostei
COLUNA | AMANDA BORMIDA
UMA RESPOSTA À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
BABÉLIA Jornal produzido semestralmente por alunos dos cursos de Jornalismo e de Fotografia da Unisinos (campus São Leopoldo/RS)
integra ao mundo? Está na hora de nós, jornalistas, quebrarmos esse pacto e falarmos de nós de forma sincera, sensível e crua. A própria área ganha, cativando quem nos escuta, mas sobretudo nós, nos libertamos, enrijecidos por uma neutralidade, que, no fim, sabemos que é um mito. Um salve para a crônica, que nos garante um pouco mais de ar. n
RESENHA CULTURAL | YASMIM BORGES
SHOWS DE ALE SATER EM PORTO ALEGRE Ale Sater, vocalista e baixista da banda meçou a carreira em 2012, com o lanTerno Rei, fez sua primeira apresentação çamento do EP “Metrópole”. solo em Porto Alegre no dia 2 de novembro Dois dias após sua apresentação solo, de 2023, uma quinta-feira chuvosa. Apesar Ale Sater se juntou aos demais integrantes do mau tempo, o público lotou o bar Agu- da Terno Reis (Bruno, Greg e “Loobas”) lha, no 4º Distrito de Porto Alegre. para realizar mais um show, dessa vez Transitando entre músicas auto- da turnê “Gêmeos”, no bar Opinião. O rais e de sua banda, o cantor perfor- setlist foi focado nas músicas mais tomou não só as suas mais atuais, como cadas da banda, dos álbuns “Violeta”, “Peu” e “Nós”, mas também fez uma “Gêmeos” e o EP “B-sides Gêmeos”, viagem no tempo com músicas como além do cover da música «Lilás”, “Essa Noite Bateu Com Um Sonho” e originalmente cantada por Djavan. “Circulares”, ambas de sua banda. Mesmo sendo shows com proposJá nos primeiros minutos do músico tas completamente diferentes, o púno palco foi possível sentir que a voz blico acompanhou tudo com o coe a energia dele tinham contagiado os ração aberto e apaixonado. n fãs, e assim perceber um dos motivos de Terno Rei fazer tanto sucesso. Ao longo de todo o show, Ale interagiu com o público como se fosse um velho amigo. Suas músicas com letras melancólicas trazem uma identificação com a plateia que não é tão fácil de se encontrar em artistas atuais, visto que a banda co- Artista tocou com a banda Terno Rei no Opinião, na turnê "Gêmeos"
TEXTOS Jornal e Reportagem. Orientação: Felipe Boff. Alunos: Ana Paula de Oliveira, Arthur Reckziegel, Bárbara Cezimbra, Dener Pedro, Gustavo Bays, Hemelly Marques, Luan Oliveira, Marcel Vogt, Maria Carolina Vargas, Nathália Jung, Nícolas Suppelsa, Stephany Oreli, Thiele Reis e Vitor Westhauser. Jornalismo Opinativo. Orientação: Luciana Kraemer. Alunos: Amanda Bormida, Paola Bettio e Yasmim Borges.
IMAGEM JULIANO GEREMIAS / DIVULGAÇÃO
A violência doméstica estampa os jornais há décadas, e continuará sendo manchete por anos a fio. Sofrem mães, avós, tias, primas, amigas, colegas, vizinhas. Todas já experienciaram algum tipo de violência, seja física, psicológica, patrimonial, moral. E não são apenas de anônimas que ouvimos essas histórias. Recentemente, a apresentadora Ana Hickmann registrou B.O. contra o então companheiro de 25 anos por agressão verbal e física. E desde a divulgação do fato, a versão de Hickmann tem sido colocada à prova, como acontece com tantas outras mulheres. O discurso dos agressores parece seguir a mesma linha em grande parte dos casos: “não é bem assim, ela está equivocada”. Em entrevista à Record, Ana afirmou que vem sendo “machucada durante muito tempo” e que vivia um relacionamento tóxico há anos. “O que aconteceu comigo, infelizmente, acontece com muitas mulheres, mas eu espero que juntas a gente consiga mudar essa história”, disse em vídeo publicado em suas redes sociais após o acontecimento. A legislação avançou no auxílio às mulheres contra a violência. Dados do Ministério das Mulheres dão conta de que, no RS, as denúncias cresceram 40% de janeiro a outubro, em comparação com o mesmo período de 2022. Foram 4.650 denúncias pela Central de Atendimento à Mulher. São necessárias ações em diferentes áreas, como as da educação. Nossas escolas têm o papel de educar a todos sobre a igualdade, equidade e respeito em relação a seus pares. No RS, em 2023, foi realizada a 3ª Semana Maria da Penha nas Escolas, que promove o combate à violência contra a mulher, por meio da conscientização de professores e alunos. Resta esperar que os jovens de hoje não sejam os adultos de amanhã, que estampam a violência nos jornais. n
do poético, da reconstrução da vida pela palavra, e dessa potência de poder elaborar o que acontece com a gente, como na terapia. Mas nosso lugar é sempre atrás do enquadramento, elaborando quadro a quadro os fatos em que a gente não cabe. Por que então não falar das coisas comuns que nos acontecem? Do cotidiano banal que constrói a nossa memória coletiva e nos
IMAGENS Fotojornalismo. Orientação: Flavio Dutra. Alunos: Bianca Amábile, Caius Araujo, Eduarda Oliveira, Gabriel Teixeira, Indayá Amarante, James Spellmeier, Larissa Schneider, Lia Kirch, Luís Henrique Guarnieri e Marli Jentz.
ARTE Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico e diagramação: Marcelo Garcia. IMPRESSÃO Gráfica UMA.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Av. Unisinos, 950, Cristo Rei - CEP 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Sergio Eduardo Mariucci. Vice-reitor: Artur Eugênio Jacobus. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Guilherme Trez. Pró-reitor de Administração: Cristiano Richter. Diretora de Graduação: Paula Dal Bó Campagnolo. Decana da Escola da Indústria Criativa: Laura Dalla Zen. Coordenadora do curso de Jornalismo: Débora Lapa Gadret.
COTIDIANO . 3
BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O
IMAGENS MARLI JENTZ
A VIDA NO CONDOMÍNIO QUE É UMA CIDADE A CADA 300 MORADORES DE PORTO ALEGRE, UM VIVE NO TERRA NOVA NATURE, LOCALIZADO NA ZONA LESTE DA CAPITAL
POR BÁRBARA CEZIMBRA
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iver em comunidade e dividir seu espaço não é uma tarefa fácil, principalmente quando envolve mais de 4.500 pessoas. É esse o principal desafio que os moradores de um dos maiores condomínios do Rio Grande do Sul enfrentam diariamente. Localizado no coração de uma das avenidas mais movimentadas da capital gaúcha, a Bento Gonçalves, o condomínio Terra Nova Nature faz a divisa dos bairros Partenon e Santo Antônio, na Zona Leste de Porto Alegre. O projeto, idealizado, construído e entregue entre os anos de 2006 e 2011, impressiona não apenas por todas as suas seis torres terem o formato da letra Y, mas também por seus números colossais: são mais de 136 mil m² de área construída, 1.252 apartamentos, 21 andares em cada torre, 24 elevadores, 1.300 vagas de estacionamento, 80 funcionários e uma área de preservação permanente de mais de três hectares. Se o local fosse comparado à população de uma cidade, seria maior do que mais de 200 munícipios do estado. São mais moradores do que Tabaí, por exemplo, que fica no Vale do Taquari e tem 4.471 habitantes, segundo o último censo do IBGE. Para administrar o convívio de tantas pessoas em um mesmo lugar é necessário ter uma gestão eficiente. Esse é o papel de Diego Dornelles, 41 anos, que há cinco meses é síndico do TNN, sigla que os moradores deram para o condomínio. “Eu trabalho mais como gestor do que como síndico, porque
ser síndico em um condomínio grande é saber gerir. Fazer tudo funcionar, da parte técnica até a parte das relações humanas.” Diego é empresário no ramo da publicidade e concilia a vida empresarial com as suas responsabilidades no condomínio. “É difícil e cansativo, mas no final dá certo.” Ele comprou seu apartamento ainda na planta e mora há 12 anos no local, junto da esposa e do filho de 23 anos.
NEM TUDO SÃO FLORES
Apesar de todos os benefícios que o condomínio
oferece, lá também há problemas. “Todos os ‘B.O.’ que acontecem em uma cidade, acontecem aqui também. São 5 mil moradores, isso aqui é uma cidade” , relata o síndico. Maristela Cardoso, 51 anos, mora no local há 12. Para ela, dentre todos os curiosos casos que lá aconteceram, o mais marcante foi em 2016, quando o condomínio foi pauta de reportagem do Jornal Nacional. Na ocasião, um médico foi preso por ter uma estufa com uma grande plantação de maconha no apartamento. Uma pauta recorrente
Síndico há cinco meses, Diego administra 5 mil moradores no condomínio
entre os moradores é a segurança. Com experiências de arrombamentos e assaltos em sua última moradia, Gabriela Linden, estudante de 23 anos, reflete sobre o assunto. “Minha única crítica é quanto à falta de controle de quem entra e sai daqui.” Como forma de evitar esses problemas, a administração do local proibiu o aluguel dos apartamentos a curto prazo, como o que é feito em sites como Airbnb. Contrária à forma com que foi feita a votação para chegar a essa decisão, Rosi Schneider, 69 anos, abriu um processo na Justiça contra a gestão do antigo síndico para que haja uma nova votação. Atualmente ela aluga seus três apartamentos de forma clandestina. “Isso que é vida em condomínio”, observa a moradora.
REFLEXO DA VIDA EM COMUNIDADE
Mary é conhecida por praticamente todos os condôminos do TNN. Para sustentar a criação dos filhos, a catarinense fazia faxinas e vendia doces e bolos, e foi a partir daí que surgiu a paixão pela gastronomia. Em 2016, ela fez uma receita de pão de queijo que rendeu muito mais que as 130 unidades esperadas. Para não colocar fora, anunciou no grupo de mães da escola onde um dos filhos estuda, e assim nasceu o empreendimento. Uma semana depois, vendeu mais de 700 pães de queijo. “Quando eu vi que deu certo, anunciei para os amigos aqui do condomínio. Os pedidos começaram a surgir, e foi então que abri o Delícias da Mary”, relata. Ela produz as encomendas em seu apartamento e, hoje, mais de 80%
da sua renda vem das vendas feitas no condomínio.
DEMANDA ORGANIZACIONAL
Por mês, são consumidos 5 mil quilos de gás e 12 mil metros cúbicos de água no condomínio, e geradas toneladas de lixo. A estrutura do espaço é tão grande que demanda muita organização. Na academia, por exemplo, é necessário fazer check-in com 48 horas de antecedência para poder utilizá-la. Como em todo condomínio, lá também os moradores recebem entregas dos mais diversos lugares. Por isso, foi criada uma central de recebimento de encomendas. “Aqui parece uma agência de entregas mesmo. No final do ano, principalmente, a demanda é muito maior. Tem dias que a gente recebe mais de 500 pacotes”, conta Daniela dos Santos, auxiliar de administração.
ESPAÇO COM AR PURO
Rodeado por vias agitadas, terminais de ônibus e comércios, o Terra Nova Nature tem uma área de preservação ambiental permanente de mais de 30 mil metros quadrados. É nesse contraste da natureza com os prédios que os moradores vivem sua rotina. “Nos domingos, por exemplo, quando o movimento de carros nas ruas é menor, a gente consegue escutar de dentro dos nossos apartamentos os passarinhos cantando”, diz a doceira Mary. Por se tratar de um espaço de preservação, para realizar o cuidado dessa área o condomínio conta com o assessoramento de uma empresa especializada em geologia e segue todas as normas instituídas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre. n
4 . COTIDIANO
DEZEMBRO 2023
BABÉLIA
NO REFÚGIO DA VELHICE IMAGENS LARISSA SCHNEIDER
NO OÁSIS, AS LEMBRANÇAS CONTAM A HISTÓRIA DE QUEM FOI VIVER EM UM ASILO POR NATHÁLIA JUNG
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uem anda pela movimentada avenida que liga Canela a Gramado pode passar desatento pelos muros cobertos por folhagens verdes e pelo enorme jardim florido à vista dos curiosos. No letreiro envergonhado, no telhadinho que dá forma a uma guarita, “Residência de longa permanência para idosas” é a única pista para os forasteiros. O portão eletrônico, acionado pelo interfone do lado de fora, é o ponto de entrada para uma nova realidade, onde a vida parece não ter mais tanto efeito. Os jardins são a moldura da grande construção em pedra e alvenaria no centro do terreno. O busto do fundador, São Luiz Guanella, na rótula que dá acesso à recepção, é o eterno vigilante de quem decide adentrar esse mundo. O Oásis Santa Ângela ainda parece viver na década de 60, período em que iniciou suas atividades, com as paredes claras, azulejos brilhantes e móveis arcaicos. Imagens religiosas estão por toda parte, como era de esperar de uma instituição cuidada por uma congregação de irmãs, as Filhas de Santa Maria da Providência. Irmã Salete Vieira, diretora administrativa, é a senhora de mais ou menos 1,50m, de pele clara e franzida, que responde pelo espaço. “Quando eles [familiares] não conseguem mais, nos procuram. Aqui tem toda a assistência, então eles se sentem mais tranquilos. Tem sempre segurança, são bem cuidadas”, conta a irmã, quase escondida atrás de uma grande mesa em um pequeno escritório. A instituição tem, hoje, 58 hóspedes, um total de 85 quartos, 48 funcionários entre médicos, nutricionistas, cozinheiros, enfermeiras e 5 irmãs da congregação. Apesar do número alto de pessoas, os corredores conservam um eco melancólico que guia para as portas fechadas dos quartos. O silêncio prevalece como uma mistura de tran-
Os jardins do Oásis decoram o espaço. Ao fundo, os apartamentos particulares
quilidade e exaustão de quem não desejou estar ali.
O QUARTO 01
A primeira porta entre tantos corredores tem a identificação em uma folha de papel grudada com fita transparente. O número do quarto e o primeiro nome são suficientes em um lugar em que as histórias começam a ser esquecidas. “Vamos começar?”, pergunta, lentamente, Marlena Benkenstein,
ou apenas Marlena, como indica o pedaço de papel, sentada no fundo do quarto número 1, em uma poltrona coberta por uma toalha de crochê, assistindo a um programa matinal em um volume alto. O esmalte vermelho das unhas se destaca na pele clara e os anéis dourados parecem ser mais pesados que as próprias mãos. “Eu tenho… Nem sei mais! Oitenta e… Eu nasci em 1937!” Marlena tenta lembrar a idade,
mas os números já não parecem importar, apesar de os cabelos completamente brancos e a pele enrugada entregarem as décadas vividas. Nascida em Campo Bom, foi tesoureira em bancos e empresas americanas e, assim, conheceu o marido. “Fui trabalhar em Porto Alegre e ele era o chefe. E adivinha? Eu ‘crau’. Peguei o chefe”, conta aos risos. A morte do marido, há três anos, foi o início do abandono
de sua vida. Depois de 50 anos na Bahia, o filho mais novo decidiu que o melhor seria voltar para o Rio Grande do Sul. E há quase um ano Marlena decidiu que o Oásis era sua melhor escolha: “Eu vim porque eu não tinha opção! Dois filhos homens… Não tenho filha mulher… Acho que é por aí, não sei”. A confusão nas palavras e as pausas fazem parte da conversa, como se a cabeça tentasse preencher as lacunas do esquecimento. No Oásis, as companhias ficam restritas aos novelos de lã e às agulhas de um cesto, posicionado ao lado da poltrona. “Ir lá pra fora, o tempo não está dando. Então eu fico quietinha aqui, não tenho amizade aqui, prefiro não. Aqui só tem pessoas de mais idade, então cada uma tem uma mania”, conta. Na fortaleza que se transformou seu quarto, poucos objetos pessoais estão à mostra. A bengala e um vaso de vidro com três rosas sobressaem aos olhos. “Vim só com as minhas roupas. Prefiro não me preocupar com nada”. Marlena tem a calma na fala e repousa como quem não tem pressa. A vida em sociedade e as trocas com seus iguais já não fazem
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BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O mais sentido. As quatro paredes e algumas saídas aos domingos para almoçar com o filho bastam para satisfazer quem já viveu muito.
não oficializada. “Não casei, vivi com meu namorado muitos anos. Aí ele faleceu, eu sou uma viúva solteira. Naquela época, eu quebrei os padrões”, fala, aos risos. Dessa relação, não teve filhos, e a morte do parceiro e o avanço dos anos a fizeram procurar um espaço que pudesse lhe dar autonomia mas, também, o cuidado que um corpo cansado precisa: “Eu escolhi vir pra cá, porque como meu companheiro faleceu, não tenho mais pai, mãe, não tenho filhos. Eu não ia morar com irmã ou irmão, porque tira a privacidade deles e a minha. E a minha é muito importante”. As tarefas da sua rotina poderiam exaurir qualquer jovem, entre grupo de crochê, patchwork, produção de panos de prato, aulas de informática: “Estou fazendo curso de terapia holística! Estou gostando muito, é prazeroso pra mim! Eu não sinto solidão! Eu sinto até cansaço, de tanto que eu trabalho!”. As atividades parecem preencher um espaço que não pode ficar vazio, porque deixar vazio seria admitir a própria velhice e ir a um lugar que Carmen tenta não se aproximar. “Lá eu vou muito pouco, lá as pessoas já estão mais comprometidas. Então, não tenho ido”, comenta sobre o prédio central.
O REFEITÓRIO
Afastada da construção principal, em cima de um pequeno morro de grama, há uma casa de um único andar e várias portas. Muito menor que o espaço principal. O Oásis, apesar de instituição filantrópica, sobrevive pelos aluguéis de apartamentos individuais e particulares. Os apartamentos são amplos, diferentes dos quartos de um cômodo do prédio central. Além dos apartamentos, lado a lado, identificados pelas portas viradas para a rua, o espaço tem uma sala de TV e refeitório próprio. As hóspedes desse lado são independentes e autônomas, mas encontraram no Oásis algum tipo de esperança, a mesma das hóspedes do outro prédio. Sentada na última mesa do espaço destinado para as refeições, com o notebook ligado, fone de ouvido sem fio, está uma senhora de cabelos escuros e curtos, escovados para trás, camisa, suéter e um sobretudo elegante. A concentração é tanta que mal percebe quem chega ao cômodo vazio e silencioso. Na ânsia de prolongar sua história ou pela raridade das conversas, Carmen Gualipa Paim quase não dá conta da quantidade de palavras que tenta falar e em questão de minutos faz conhecer seus 81 anos de vida. “Estou morando aqui no Oásis porque meu marido faleceu. Não tenho filhos. Morar com família sempre complica, não fica bem”, conta, sem nenhum tipo de resguardo. Carmen é formada no magistério, foi professora primária, fez faculdade de Pedagogia em Passo Fundo. Já em Porto Alegre, graduou-se e especializou-se em administração escolar. Na Unisinos, fez pós-graduação na mesma área. “Morei no nordeste, morei no Paraná, morei em Aracaju, morei em Porto Alegre. Ministrava cursos de motivação e qualidade, liderança. Sempre trabalhei assim!” O vigor com que viveu sua vida antes de chegar ao Oásis é o combustível para se manter ativa, quase como um protesto à própria velhice. “Os idosos não são aqueles bobos! Não pode confundir velhice com burrice! As pessoas idosas, muitas delas têm a mente saudável, apesar do corpo, muitas vezes, não ajudar. Mas a mente funciona”, comenta, eufórica. O companheiro com quem dividiu 15 anos foi uma relação
Carmen, com seu notebook, estuda para ocupar o tempo
O QUARTO 203
Marlena, do quarto 01, na companhia de seus crochês
Hóspede do quarto 203, Ana tem os livros como aliados
Os quartos privativos são uma lembrança da vida fora dos muros do Oásis. Com o conforto de um apartamento da cidade, dispõem de sala e cozinha conjugados e uma ampla suíte. No quarto 203, no meio de outras várias portas, Ana Maria Correa Manionnave tem um resumo do que foi sua trajetória: “Oito décadas, não é pouco. Uma grande vida”. Ana senta em uma poltrona que ela mesma mandou trocar de cor, posicionada de forma estratégica na frente de um grande armário abarrotado de livros, com blusa e casaco de lã azuis e óculos levemente arredondados. “Livros, como tu vê, gosto muito. Eu sempre tenho uma pilha aqui”, aponta para o balcão, ao lado da poltrona. Porto-alegrense, conserva o sotaque da capital em uma voz rouca e dentes amarelados que não parecem ter ficado assim pela idade. Descobriu a instituição através de uma amiga e, depois da doença recém-descoberta, não viu outra opção: “Eu tive um problema, eu tenho epilepsia. Uma doença que causa convulsões! Eu tive uma convulsão bem séria. E eu não tenho mais ninguém”.
No Oásis há 4 anos, atuou como bibliotecária em escolas e, após o divórcio, por indicação de um padre com quem mantinha uma amizade, cursou Direito. “Acho uma coisa muito estranha, porque eu nem me lembro. Ia de carona com o padre para a faculdade", comenta aos risos. Apesar dos namorados que teve na época, permaneceu solteira. “Com quem eu quis me casar, não quis casar comigo, e quem quis casar comigo, eu não quis”, fala, caindo na gargalhada. Ana tem a paciência de quem sabe o que a vida lhe reserva, mas não esconde a indignação do próprio destino. “Perdas, perdas. Perdi minha mãe, meu pai. Já perdi amigas de infância. Essa parte da velhice é uma das mais tristes. Depois tem as limitações…” A ausência de quem fez parte da sua vida é preenchida pelas memórias reveladas. O apartamento, além de livros, tem espalhadas fotos de todos os tamanhos e diferentes rostos. Com orgulho, aponta para cada uma para dar nomes às imagens. “Uma vez uma amiga me disse uma coisa: que é bom ter fotos, porque elas fazem companhia. E é verdade.” Ana conserva o contato com os vários sobrinhos e algumas visitas esporádicas. Da vida amorosa, não teve filhos. “Por isso estou aqui”, comenta com um riso escondido de quem ri do próprio infortúnio. A solidão, muitas vezes, dá lugar ao medo da única certeza da vida: a morte. A hóspede do 203 não esconde o receio e a indignação: “Morreram todos. Isso é uma tristeza da velhice. Bom, eu não sou nem um pouquinho a favor da velhice”.
AS PAREDES
Em cada rosto enrugado mora uma história, moram dores e esperanças de mães, professoras, empresárias e outras tantas identidades perdidas dentro dos muros que cercam a propriedade. Mulheres que parecem não mais se sentir parte do fluxo da vida e da sociedade. As hóspedes têm as décadas de vida reduzidas ao espaço do Oásis e encontram ali o apoio que suas famílias julgam não conseguir mais dar. A solidão é um personagem recorrente. Não pelo abandono dos familiares nem por negligência da instituição, mas pelo fardo da própria velhice. Nos corredores, os minutos são ignorados pela esperança que o tempo pare. Os quartos e as paredes do Oásis serão as últimas testemunhas e guardarão para si vidas inteiras. n
6 . COTIDIANO
DEZEMBRO 2023
BABÉLIA
QUANDO A DIVERSÃO SE TORNA PRISÃO PROCURA PELO GRUPO DE APOIO JOGADORES ANÔNIMOS TEM AUMENTO APÓS POPULARIZAÇÃO DE APOSTAS ESPORTIVAS POR MARIA CAROLINA VARGAS
O
início da história é sempre parecido. Pessoas competitivas que gostam de se divertir através de jogos de cartas ou torcedores de futebol que apostam dinheiro no que vai acontecer em uma partida. No entanto, acabam deslumbrados pela quantidade de dinheiro que as práticas, aparentemente simples, podem trazer e, consequentemente, se tornam dependentes daquela diversão. Mas,
com o passar do tempo, a euforia dá espaço para a agonia. Ainda que sejam vistos como uma prática inofensiva, os jogos e apostas podem acabar evoluindo, facilmente, para situações de descontrole nas quais o usuário gasta quantias exorbitantes de dinheiro e toma medidas descontroladas. De modo geral, as atitudes nocivas mais comuns são roubar e vender bens e realizar grandes empréstimos com bancos ou agiotas. Imerso em uma realidade inexistente, o usuário pode acabar adicto em máquinas de caça-níquel, jogos de cartas, cassinos e na forma mais conhecida atualmente, as apostas esportivas. A Organização Mundial de Saúde já reconhece a adição em jogos de azar como uma
doença e a classifica através de CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), visto que a compulsão acarreta uma série de problemas emocionais, financeiros, físicos e sociais para o dependente. E a solução para a adição, mesmo parecendo inexistente, existe desde 1957. Para tratar desse vício, foi criado o grupo de Jogadores Anônimos, que teve sua primeira reunião em 13 de setembro de 1957 em Los Angeles, nos Estados Unidos. Desde então, a comunidade se expandiu para os mais diversos países, como Canadá, Uganda, Argentina e Brasil. Existindo em terras tupiniquins desde 23 de março de 1993 e contando com 27 gru-
pos de norte a sul, o Jogadores Anônimos é uma irmandade para homens e mulheres que se reconhecem como jogadores compulsivos e que desejam participar de um programa de 12 passos – adaptados dos Alcoólicos Anônimos.
A VISITA
A sede do grupo em Porto Alegre fica em um prédio verde claro, com portas de ferro, na Avenida Farrapos, 2611, bairro Floresta. Em uma das salas que existem na lateral da igreja, nas terças-feiras à noite há uma movimentação característica: diversos homens e mulheres cumprimentam-se com abraços e conversam do lado de fora. Na última terça-feira do mês, em especial, há uma reunião aberta ao público geral, da qual
o Babélia participou. Quanto mais próximo o relógio chega das 19h30, mais pessoas adentram a sala de paredes verdes. Aguardando-as, há cadeiras em tom de azul escuro. Muitas estão espalhadas, mas, conforme a sala vai enchendo, os membros da organização do Grupo Esperança precisam de mais. Havia 46 pessoas presentes na reunião, que deixaram seu nome na ata e identificaram-se como jogadores, familiares ou visitantes. No início, é realizada a oração da serenidade. De pé, todos repetem em uníssono: “Deus, concedei-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso, e sabedoria para perceber a diferença”. Então todos sentamIMAGENS INDAYÁ AMARANTE
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BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O
-se novamente, de frente para uma pequena mesa coberta por uma toalha vermelha. Nela, estão sentados dois homens que conduzem a reunião. Logo no início, falam um pouco sobre o funcionamento da instituição e sobre o fato de ela não depender de doações e nem de empresas para funcionar, além de, apesar da oração de abertura, não defender nenhuma religião – de fato, um dos frequentadores é abertamente ateu. A cadeira ao lado da mesa, preta e acolchoada, é popularmente chamada de cabeceira. Ali, os participantes, mediante uma inscrição prévia, sentam-se e têm 6 minutos para dar um relato. Há uma caixa de lenços, e muitas pessoas se emocionam. Naquela noite, 31 de outubro, L.C. (a reportagem usa as iniciais para preservar a identidade dos participantes) foi um dos primeiros a sentar-se na cabeceira. Aos 46 anos, ele relata sempre ter tido compulsões em diferentes fases de sua vida. E acredita que isso acabou motivando o vício em jogos,
que teve início em 2018. Ele apostava valores pequenos, que iam de R$ 20 a R$ 50, mas, certo dia, ganhou um prêmio considerável, de cerca de R$ 21 mil, e sentiu a vontade frenética de multiplicar o valor. Em poucos meses, já havia apostado 10 vezes o valor do prêmio. Entre perdas e ganhos, calcula: “Somei uma dívida de R$ 54 mil”. Apostando cerca de 20 horas por dia, L. conta que demorou pelo menos três reuniões para entender que precisava de ajuda, pois mesmo exausto, não conseguia imaginar uma vida sem a jogatina. E foi através da dor, do sofrimento e da vergonha da esposa, ao dar seu relato, que ele percebeu o que estava fazendo. L. diz que ela foi a principal motivação para aceitar a ajuda. Ele explica que, ainda hoje, sente compulsão, mas a vontade de não decepcionar a família é maior do que o desejo de apostar. Quanto aos benefícios de participar do grupo, salienta poder retomar sua vida, reconquistando a confiança das pessoas que ama. “Sinto necessidade
de relembrar todo sofrimento que vivi quando jogador compulsivo, pois o tempo pode ser nosso maior aliado, mas também nosso maior vilão. Uma vez que nos distanciamos, podemos esquecer da dor e acabar caindo na tentação novamente.” L. completa dizendo que, se pudesse conversar com outro viciado hoje, diria que frequentasse o Jogadores Anônimos, pois ali todos são iguais.
RENASCIMENTO
Outro dos inscritos foi F. W., 37 anos, morador de Porto Alegre. Ele conta que sempre foi competitivo e, no início da adolescência, começou a jogar sinuca por dinheiro. No entanto, veio a “se perder” em 2018 com as apostas esportivas. Em pouco tempo, F. havia feito diversas dívidas, arriscando-se ao pegar dinheiro emprestado com agiotas, e perdido todas as suas economias, o que fez com que tivesse dificuldades até mesmo para pagar a escola da filha. A solução? Mudar de rotina e de vida. Ele conta que passou a relatar toda sua vida financei-
Na sala do Grupo Esperança, quadro marca o número das reuniões anônimas – conduzidas por membros mais antigos, na mesa principal – e chaveiros são distribuídos a cada período de sobriedade conquistado ra para a esposa, não deixando passar um real sequer. Gremista, evita assistir jogos de futebol, pois causam gatilhos para apostar, e passa o menor tempo possível no celular. Há seis meses, todas as terças-feiras, está presente no Grupo Esperança – como se denomina o núcleo dos Jogadores Anônimos –, que destaca ser seu porto seguro, sua segunda família. Como forma de comemorar a sobriedade, o grupo distribui chaveiros a cada marco que os participantes atingem. F. já ganhou diversos, mas sua meta é a medalha de 9 meses. “Já tenho até o meu discurso. Falamos tanto em perda financeira, mas a maior perda é o tempo, e isso não se compra, não tem valor e não se mensura. Com 9 meses vai ser o meu renascimento. Estarei renascendo de uma vida passada, que jamais quero voltar a ter.”
F. procura não remoer o passado nem programar o futuro. Ele quer viver o hoje, aproveitando todos os momentos que a vida proporciona, seja passear no parque, ler um livro com a filha ou almoçar em família.
A FAMÍLIA É ESSENCIAL
A família, como diversos participantes relatam, é primordial no tratamento. T.S., casada com P.S., é integrante do Joganon, um grupo destinado aos familiares de adictos em tratamento. Ela relata que não sabia que o marido era viciado e sequer imaginava que existisse uma compulsão por jogos. Depois da revelação, a filha o levou para consulta com uma psicóloga que falou da existência do grupo. Cinco anos depois, P. S. não teve nenhuma recaída. “A família precisa do Joganon. Existe uma codependência muito grande. A gente entra pensando que vai só ajudar o familiar, e depois percebe que também precisamos de ajuda e que não estamos sozinhos nessa loucura que é o jogo. Saio de lá aliviada.” n
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BABÉLIA IMAGENS CAIUS ARAUJO
RUA INDEPENDÊNCIA: UMA CAMINHADA DE HISTÓRIAS
NOS ÚLTIMOS 200 ANOS, A PRINCIPAL RUA DE SÃO LEOPOLDO CRESCEU COM A CIDADE E SEGUE FORMANDO NOVOS CAMINHOS PARA O FUTURO POR GUSTAVO BAYS
U
m sábado em São Leopoldo, no coração da cidade, na Rua Independência. A tarde é de sol entre nuvens e a caminhada começa no cruzamento com a Rua Lindolfo Collor, muito próximo da gelateria e café Bella Romana. Para algum desavisado, a situação pode até ser anormal, mas na Rua Independência, o fluxo segue firme mesmo após o meio-dia de sábado, com diversas lojas abertas. A primeira parada é na quadra seguinte, no cruzamento com a Rua Conceição, indo em direção ao Rio dos
Sinos. O primeiro prédio que impressiona é o da Ferragem Feldmann. Uma construção antiga pintada em verde, com dois andares acima da loja. “Desde o início da rua, era muito presente aquele comércio de família. Hoje só resta a Ferragem Feldmann nessa linha”, explica o historiador Márcio Linck. Mesmo com os seus 85 anos de existência, a loja ainda concentra um grande público. Os atendentes não têm um segundo para ficar parados. Ao lado da ferragem está a Radan, loja de calçados e vestuário. Em meio a um mutirão especial de Halloween em frente da loja, com microfone, caixa de som e tudo mais, Luiz Alves, 74 anos, está sentado ao lado do amigo Ramão Elói, 70, nos bancos que ficam próximos do meio-fio. “A gente vem no Centro para passar o tempo. Nós jogamos conversa fora, lembramos do passado”, detalha Luiz. O senhor de camisa social
cinza e cabelo curto recorda com alegria do Carnaval, que antigamente era realizado na Rua Independência. “Tinha gente dos dois lados da calçada e desde o início da rua. Dá saudade, era Carnaval mesmo, muito bonito”, pontua. O amor também sempre fez parte da rua. “Pessoal se encontrava aqui, faziam isso bastante. Era o namoro de antigamente, diferente do de hoje.” Em nenhum momento da conversa Luiz cita o nome da via como está nas placas. “No passado, todo mundo chamava só de Rua Grande”, lembra.
OS PRIMEIROS ANOS DA RUA GRANDE
O tal passado começa muito antes do nascimento do Luiz. Em 1824, o presidente da província do Rio Grande Sul, José Feliciano Fernandes Pinheiro, esteve em São Leopoldo, pouco antes da chegada dos imigrantes alemães. “Ele recomendou que a futura colônia alemã fosse instalada em
terras altas, onde hoje seria Novo Hamburgo, na ‘Kaiserwald’, ou ‘Floresta Imperial’. Isso pois o presidente viu que o local, onde hoje é o Centro de São Leopoldo, estava sujeito a inundações do rio”, explica Márcio Linck. Porém, as orientações não foram seguidas, e o Centro de São Leopoldo foi formado onde todos conhecem atualmente. Pela dinâmica do rio, em períodos de seca, quando a água baixava, havia uma passagem que se formava pelos bancos de areia atrás de onde hoje é a Praça do Imigrante. “Essa passagem a pé deu o primeiro nome da Rua Independência, chamada de Rua do Passo. Além disso, era considerada uma rua grande para época, então se chamava de Rua Grande também. Até hoje tem esse apelido”, lembra o historiador. O nome atual da rua só foi dado em meados da década de 1880. De volta à caminhada em 2023, a próxima parada é
depois do cruzamento com a Rua Presidente Roosevelt. Debaixo de uma estrutura com um telhado azul, próximo do meio-fio, é possível encontrar flores dos mais variados gostos. “Meu pai, Francelino Nunes Vieira, vendia flores aqui desde 1969. Dos cinco filhos, quatro trabalham com flores”, destaca Leonita Vieira Escotto, 72 anos, 34 desses vendendo flores. “Meu pai trabalhava só até o meio-dia de sábado e vendia tudo. Agora a gente precisa ficar aqui até as seis da tarde”, salienta. Leonita já está mais para aposentada. No dia da reportagem, com seu avental branco, está dando uma força ao irmão Lauri, dono da banca. “Dos quatro irmãos que trabalham com isso, uma é quem prepara as flores e os outros vendem”, detalha. Quem mais resiste no trabalho é Lauri. “Ele não quer largar porque era o negócio do pai”, argumenta Leonita.
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BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O ENDEREÇO DOS CINEMAS
Nas quadras seguintes a história do cinema de São Leopoldo vem à tona. Três locais marcam o passado dos filmes na cidade. O primeiro foi o Coliseu Theatro Leopoldense, inaugurado em 1914, mas seu prédio não existe mais. Nas décadas seguintes vieram o Theatro Independência e o Cine Brasil. “Em 1924, o Theatro Independência vem para modernizar o cinema que já existia. Foi um presente inaugurado no centenário da imigração alemã, tendo grande importância para a região”, conta o agente cultural Mateus do Nascimento, sobre o antigo cinema de prédio azul e branco onde, atualmente, fica a loja Pernambucanas. A capacidade do local era muito grande para a época. “A cidade tinha cerca de 10.000 habitantes e o cinema, 1.500 lugares”, completa. Já em 1940, é inaugurado o Cine Brasil, construído em cima de onde ficava o antigo Coliseu Theatro Leopoldense. “Ele vem para trazer essa nova onda de modernidade para o espaço social. O Cine Brasil evolui tanto na arquitetura quanto no equipamento. Até no nome, sendo referência à era Vargas, período de nacionalização do país”, explica o agente. O prédio verde de dois andares, nos dias atuais, é sede da loja Lebes. Entre os dois antigos cinemas, quem faz seu show é o palhaço na perna-de-pau Lucas Garcez, 25 anos, trabalhando na Casa Maria. “Eu brinco, faço bexiga. O importante é tirar o sorriso do rosto de quem passa”, define. De cabelo curto, cara pintada de branco e roupa rosa, Lucas mostra habilidade equilibrando-se em só uma perna-de-pau para a foto. “Trabalho há cinco anos com isso. O objetivo é chamar atenção do público para entrar na loja. Alguém vê o palhaço, vai até ele e já percebe a loja”, completa.
AS GERAÇÕES DA INDEPENDÊNCIA
À frente, no cruzamento com a Rua Osvaldo Aranha, quem chama atenção é o vendedor de churros Vinícius Albuquerque. “Meu pai, Carlos Roberto, trabalhou aqui por 34 anos. Antes dele, meu avô, Ênio Albuquerque, também vendia churros em São Leopoldo”, relembra. Vinícius, de cabelo preto curto e camiseta azul, faz a função há dois anos e diz como o trabalho seguiu na família por tanto tempo. “É o segredo da massa que passa de pai para filho”, conta.
Luiz Alves passa as tardes livres conversando com os amigos na Rua Independência
Inspirados pelo pai, Leonita e mais três irmãos trabalham com flores
Lucas Garcez chama a atenção de quem passa pela rua com sua fantasia de palhaço na perna-de-pau A massa também faz sucesso entre as gerações de clientes. “Já temos um público, como gente das antigas. Pessoal passa e fala ‘Eu vinha com minha mãe aqui quando era criança’”, detalha. Segundo o vendedor, churros é um alimento mais do inverno. “Tenho dias bons e ruins de venda. Mas no ve-
rão normalmente o pessoal come mais sorvete.” Andando até a esquina com a Rua Brasil está Elisandra Gonçalves, de 38 anos, que há 11 trabalha no Café Rua Grande. “O movimento é mais do pessoal que sai do trabalho. Vendemos bastante à la minuta, pastel e torrada.” O horário de mais público foi
mudando ao longo dos últimos anos. “Antigamente era mais movimentado à noite, saía mais cerveja. Agora o público da noite vai em estabelecimentos mais para a parte de cima da rua”, recorda.
A OBRA DE REVITALIZAÇÃO
A partir da Rua Brasil, na quadra até a Avenida Dom
João Becker, o movimento diminui, fazendo com que o comunicador André Fernandes se vire para conseguir atrair clientes com o microfone na mão. “Não é só divulgar, tem que vender o produto no microfone”, ensina o contratado da loja Sul Center Shop. A cada pessoa que passa, André fala dos produtos da loja e entrega um folheto. “Tem que ser persuasivo”, completa. O motivo do baixo movimento naquela região pode ser explicado por um plano para o futuro da rua, com a obra de revitalização da Independência, iniciada no último dia 25 de outubro. No dia da reportagem, alguns trabalhadores, auxiliados por uma escavadeira, começam a colocar novas tubulações. A obra trará nova rede de drenagem e de esgoto, colocará os fios de energia para debaixo da terra e melhorará a infraestrutura, com calçamento nivelado, lâmpadas de LED, câmeras de segurança de alta definição, bicicletários e estações de água quente e gelada. O investimento é de cerca de R$ 50 milhões. Quase tudo será novo, menos o calçamento em paralelepípedo, onde transitam os carros, que ficará o mesmo colocado na década de 1940. “A gente não vai poder botar as mesas na calçada e o cliente não vai querer entrar no meio da poeira. Depois de pronto vai ficar legal, mas a gente olha pelo nosso lado no presente”, avalia Elisandra, do Café Rua Grande. Já Vinícius, do churros, analisa com mais positividade. “O fluxo vai melhorar na questão de pedestres. Vai melhorar o visual. A princípio vão remanejar a gente para outra quadra, mas não é certo ainda”, diz. As obras têm expectativa de término para o fim de 2024, com uma pausa no fim de dezembro, durante as vendas de Natal deste ano. Enquanto as máquinas ainda não avançam pelas demais quadras, no caminho contrário ainda será possível encontrar o Vinícius, com seis clientes em volta ansiosos pelos seus churros. O Luiz andando aleatoriamente com outro amigo do lado. Além do Lucas, entretendo as crianças que passam. Essa é Rua Independência, com sua mistura de histórias do passado e do presente. A partir de agora, de olhos no futuro também, no aguardo pela revitalização que promete trazer mais personagens ainda à história da rua. n
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BABÉLIA
NOVA GERAÇÃO DE PAIS ESTUDOS APONTAM QUE OS HOMENS ESTÃO SENDO MAIS PARTICIPATIVOS NA CRIAÇÃO DOS FILHOS
Andrei brinca com sua filha Cintia no parque
POR MARCEL VOGT
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IMAGEM JAMES SPELLMEIER
á muito tempo a tarefa de cuidar dos filhos era muito voltada para as mulheres. As mães abdicavam de viver a própria vida para dar toda a atenção às crianças. Por outro lado, o homem era o provedor do sustento, mas muitas vezes não era, de fato, um pai. Se entendia que se o homem botasse o pão na mesa, já era um bom pai. Por isso, as mulheres precisavam abrir mão de seus interesses pessoais para viver a vida do filho, enquanto o homem podia ser pai e ainda assim ter sua vida normal. Em casos de divórcio e abandono, a situação é mais grave. Como os homens entenderam que sua função, como pai, era prover o sustento, se criou um contexto favorável para alguns homens que não queriam ser pais, e podem apenas pagar a pensão alimentícia. As estatísticas da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) mostram que 6,9% das crianças, no Brasil, são registradas com “pai ausente” na certidão de nascimento. Levantamento feito pelo Portal da Transparência do Registro Civil indica que, só em 2023, quase 500 registros são feitos por dia sem o nome do pai. Mas hoje em dia, com uma mentalidade diferente e com muitos estudos que mostram que um pai presente traz diversos benefícios para uma criança, alguma coisa parece estar mudando. Felizmente, nos últimos tempos, os homens têm começado a ser pais mais presentes e amorosos. Atualmente os homens e mulheres entendem que as tarefas devem ser divididas entre o casal com filhos, o homem não é mais o único provedor e a mulher não é mais a única responsável pela criação das crianças. Antigamente havia uma mentalidade de que os homens não podem demonstrar seus sentimentos, e isso gerava uma distância grande das crianças. Afinal, como um adulto pode
se aproximar de uma criança que ama sem demonstrar seu carinho por ela? Essa cultura vem sendo refeita e alterada para melhor. O “influenciador de pais”, palestrante e escritor Marcos Piangers diz que “em alguns momentos do passado, a gente já teve esses pais amorosos, participativos, atenciosos, esses pais que realmente fazem a diferença na vida de seus filhos”. Ele traz dados que comprovam essa afirmação: “Hoje, a gente sabe que cerca de 6% das famílias com filho no Brasil são de pais sozinhos”. Isso indica que uma nova paternidade vem surgindo, uma nova geração de pais com mente mais aberta, prontos para ser, de fato, pais mais participativos e atenciosos. Piangers fala que um pai presente na vida da criança só traz benefícios. “O pai é uma figura central na criação da criança. Ele determina um empurrão para a vida, uma exploração do que é estar vivo. Os pais que brincam, treinam a criança para o estresse da vida real. Os pais que leem para a criança têm filhos que se saem melhor
na escola”, pontua. Hoje em dia, em um simples passeio nos parques das cidades é possível enxergar muitos pais brincando com as crianças nos balanços, jogando futebol, ensinando a andar de bicicleta. Como o Andrei, 31 anos, que estava brincando no balanço com a filha Cintia, de 6 anos, no parque Henrique Luis Roessler, o Parcão, em Novo Hamburgo. “Sempre que temos tempo, gostamos de trazer ela no Parcão. Muitas vezes brincamos até na rua de casa mesmo”, conta. Andrei faz parte desta nova geração de pais que tentam ser parceiros dos filhos. “Sempre demostro meu amor por ela, dando muitos abraços e beijos.” Questionado sobre a cultura de bater para educar, Andrei deixa bem claro: “É muito raro eu ou mãe dela bater. Ela precisa ultrapassar muito o limite, e quando batemos, é bem pouco, apenas para ela saber que tal atitude não pode”. E enfatiza: “É diferente da minha criação, que cresci apanhando. Isso não quero fazer igual”. Marcos Piangers concor-
da que ser um pai violento não resolve. “Eu não tive pai, tive um padrasto, que é pai da minha irmã. Ele era um pai distante, agressivo, violento, grosseiro, pouco comunicativo, pouco afetuoso, e isso, certamente, eu faço diferente desse padrasto que eu tive. Sou um pai mais afetuoso, participativo, atento, parceiro das minhas filhas.” E completa: “Essa ideia de que o pai tem que ser agressivo, distante, grosseiro, dar castigo e bater no filho é desmontada pelos estudos biológicos e neurocientíficos”.
PESQUISA MOSTRA MUDANÇAS
Alguns estudos apontam que vários pais estão educando seus filhos de formas diferentes. Uma pesquisa realizada pelo Grupo Boticário em parceria com a Grimpa, Consultoria de Pesquisa de Mercado e Consumer Insights, revelou que 90% dos pais entrevistados concordam que os cuidados diários e educação devem ser igualmente divididos entre pai e mãe; 66% afirmam terem cuidado na forma que falam com seus filhos para não apenas repetir
ideais e padrões nos quais foram criados; e 68% dos pais entrevistados dizem que seus pais foram a principal figura masculina na sua vida. Ideias como ser o pai provedor são desfeitas pela pesquisa do Boticário: apenas 9% dos entrevistados se consideram apenas como o pai provedor, o restante dos pais se consideram participativos, conscientes ou afetuosos. A maioria dos entrevistados diz tomar cuidados com as próprias atitudes, pois quer ser exemplo e influenciar positivamente seus filhos. A pesquisa também mostra que muitos dos homens diminuíram falas consideradas machistas após se tornarem pais, como “Seja homem”, “Menino não chora” ou “Sente com as pernas fechadas, você é menina”. Essa pesquisa foi realizada com 1.000 pais de 25 a 55 anos, de várias regiões do Brasil, e aponta que pais das gerações Millennial e X estão desconstruindo a velha paternidade e construindo uma nova geração de pais. “O homem também é a linguagem do amor e do cuidado”, finaliza Marcos Piangers. n
EDUCAÇÃO . 11
BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O
O FUTURO DA CIÊNCIA COMEÇA NA ESCOLA APOIO E INCENTIVO SÃO ESSENCIAIS NA FORMAÇÃO DE NOVOS PESQUISADORES POR HEMELLY MARQUES
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IMAGEM HEMELLY ANDREA MARQUES
pontapé inicial para a vida científica começa muito cedo para os estudantes das escolas de São Sebastião do Caí. Desde a creche e do ensino fundamental, as professoras desenvolvem trabalhos científicos com os alunos, os quais são apresentados na feira de ciências do munícipio, chamada “Caí na pesquisa”, e posteriormente levados às mais diversas feiras espalhadas pelo estado. Os questionamentos dos alunos são sempre um aspecto muito importante na hora de desenvolver os projetos. As professoras prestam muito atenção nas perguntas feitas pelos estudantes durante as aulas e focam principalmente nas suas dúvidas mais inquietantes, para então levantar questões
que podem ser respondidas em trabalhos desenvolvidos por eles próprios. Foi o que ocorreu na Escola de Ensino Fundamental São José. Segundo Elaine Maria Lisboa, um dos seus alunos a questionou se havia somente sangue no joelho. Intrigada com a questão, pediu que os alunos começassem a levantar hipóteses para essa pergunta. Foi de onde surgiu o projeto “O combustível da vida”, desenvolvido pelos alunos do 3° ano, que foi vencedor da Mostratec Júnior 2023, categoria 1. “Eu fiquei muito surpreso quando ganhamos, porque eram 15 países, 22 estados e 785 projetos. Era muita gente, foi muito legal”, conta o estudante Vicente Faleiro. “A gente viu até projetos de outros países, mas como eu não sabia falar a língua deles, só ficava falando ‘Oi’ em inglês, que era o que eu sabia”, completa o aluno Mi-
Alunos Isabelly, Miguel e Vicente exibem projeto vencedor da Mostratec
guel Machado. Eles tiveram companhia de Isabelly Hanauer no projeto vencedor, que teve apoio da Secretaria de Saúde e procurou ensinar sobre a importância do nosso sangue. O desenvolvimento do trabalho contou com uma tipagem sanguínea feita com os alunos e uma doação de sangue dos pais dos estudantes, além de palestras realizadas com um enfermeiro, que conversou com os estudantes sobre o assunto. A professora Elaine conta que, se depender dela, projeto não para pôr aí. “Vejo como é importante para eles a experiência, foram tantas perguntas e questionamentos. Gostaríamos de continuar com o projeto, apresentá-lo em outras feiras de ciências e até mesmo abranger mais, quem sabe para a importância da doação de órgãos”, ressalta a professora que coordenou o projeto. Elaine também enfatiza a grande importância que os pais tiveram em toda a caminhada dos alunos, até a vitória na feira. A professora conta ainda que, pensando em uma possível frustração com um resul-
tado negativo na premiação, conversou muito com os alunos sobre como a verdadeira vitória é estarem participando das feiras. Mas, com o reconhecimento na categoria em que estavam concorrendo, veio a empolgação entre os alunos, que agora continua no Labmarker, nova sala de robótica desenvolvida para os estudantes da escola. O ambiente, que foi pensado pela professora Joseane Flores em parceria com a direção da escola, tem o objetivo de ser um laboratório para que os estudantes tenham a oportunidade de desenvolver projetos voltados para a robótica. Uma oportunidade para que os alunos da escola tenham uma infraestrutura que permita obter bons resultados em seus projetos. Oportunidade que muitos jovens não têm, mas que mesmo com as dificuldades não desistem. É o caso da jovem Laura Drebes, que em parceria com uma colega desenvolveu um absorvente biodegradável no valor de 2 centavos. “Quando começamos a desenvolver o SustainPads, não tínhamos
um laboratório de ciências na nossa escola. A gente tinha uma sala improvisada com umas mesas e alguns equipamentos laboratoriais, então não ter essa infraestrutura com certeza era uma dificuldade muito grande”, relata, lembrando que em momentos de perrengue elas encontravam alternativas criativas para continuar com o projeto. “Em determinado momento precisávamos de uma prensa. Para estudantes que não tinham nem um laboratório, aquilo não era possível. Então, surgiu a ideia de usar o pneu do carro da nossa coordenadora como prensa. Passávamos em cima do material com o pneu e assim obtínhamos o resultado desejado”, conta Laura. A estudante considera que o projeto científico traz uma carga de conhecimento muito grande aos alunos, pelas experiências que vivenciam e pela rede de pessoas que acaba proporcionando fora da sala de aula. Um fato também comentado pela professora da Escola São José, que foi contatada por um professor de São Paulo que gostou de um de seus materiais e pediu se poderia também utilizar em suas aulas para explicar sobre o sangue aos seus alunos. A experiência cativante que os alunos têm desenvolvendo projetos e participando de feiras é indiscutível, e a mesma troca é significativa para os professores, que têm a oportunidade de levar para sala de aula aquilo que aprendem no mundo científico. Em um TEDxTalks da faculdade de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Laura falou uma frase que leva como o legado em sua vida: “Obrigada, ciências e educação, por terem aberto as portas do mundo e transformado nossas vidas”. Ela ressalta as conquistas e oportunidades que teve através das pesquisas que desenvolveu, como de representar o Brasil na Suécia e receber o Prêmio Jovem da Água, das mãos da Rainha Vitória, e também receber o prêmio Glamour como Cientista do Ano. A iniciação cientifica abriu muitas portas para Laura, como é esperado que também abra para os alunos da Escola São José, com a oportunidade de desenvolver seus projetos em novas feiras. n
12 . MUNDO IMAGEM EDUARDA OLIVEIRA
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BABÉLIA
Mesmo a quilômetros de distância, Mussa Bakri Qedan viu-se aflito com o reinício da guerra
À ESPERA DA PAZ NO DIA 7 DE OUTUBRO DE 2023, UM PALESTINO QUE MORA NO BRASIL E UM JUDEU BRASILEIRO QUE MORA EM ISRAEL VIRAM REACENDER DENTRO DE SI ANTIGAS ANGÚSTIAS, ACIONADAS PELO MAIS NOVO CAPÍTULO NO SEPTUAGENÁRIO CONFLITO ISRAEL-PALESTINA POR STEPHANY ORELI
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descendentes, estando a maioria alocada no Rio Grande do Sul. “Ser brasileiro é uma honra. Para nós, é uma segunda pátria”, diz Muhmad Musa Bakri Qedan, 67, palestino nascido em Jiljilyya, no norte da Cisjordânia. Muhmad veio para o Brasil com 18 anos, em 1974, por ouvir falar bem do país. Estabeleceu família em Porto Alegre, mesmo sonhando em retornar à Palestina. Muhmad é pai de Mussa Bakri Qedan, 27, advogado, nascido e criado na Palestina até os 4 anos. Mussa aprendeu o árabe como primeira língua, mas como logo no início da vida veio para o Brasil, o português se estabeleceu como idioma principal. É o filho mais novo da família,entre quatro irmãos,além de ser o único palestino. Voltou uma única vez à Palestina, em 2017, e ficou lá durante um mês. Foi nesse momento que Mussa entendeu o que era a Questão Palestina, que tanto ouvia falar em casa, mas que pouco com-
Porto Alegre,ir para São Paulo,depois para a Turquia,Jordânia e,por fim,de carro,chegar à fronteira da Palestina, o que lhes custou dois dias. Para entrar, teve de pagar, porque as faixas são controladas por Israel. Mas antes de chegar à fronteira, “o clima de guerra é sentido já no Aeroporto da Jordânia. Lá, a revista era militar e padronizada. Mas nos checkpoints controlados por Israel, que estão por todo o caminho até a fronteira com a Palestina, eles [os soldados] olham todos os documentos muitas vezes, revistam todo o carro e apontam armas para as
Mussa viveu até os 4 anos na Palestina e veio para o Brasil aos 18 IMAGEM ARQUIVO PESSOAL / MUSSA BAKRI QEDAN
ra sábado, 6h30 da manhã, quando soaram as sirenes de alerta em Israel. Militantes do Hamas haviam rompido 29 partes do muro de ferro de 65 km de extensão por 6 m de altura que separa o sul de Israel da Faixa de Gaza. Reacendia-se ali o antigo conflito que, daquele 7 de outubro até o fim de novembro, já havia matado 13 mil palestinos e mais de 1 mil israelenses. Atrás de todos os grandes acontecimentos políticos e militares envolvendo as partes desse complexo embate, há vidas e famílias afetadas por gerações, inclusive no Brasil. A característica hospitaleira e miscigenada do Brasil atraiu palestinos e judeus que procuravam um local para chamar de lar, sem perseguições antissemitas ou islamofóbicas. Conforme a Federação ÁrabePalestina do Brasil (FEPAL), há em torno de 60 mil imigrantes e refugiados palestinos vivendo em solo brasileiro, incluindo os
preendia por ter morado a maior parte da vida no Brasil, diferente dos irmãos,que viveram na Palestina quando crianças e entendiam muito melhor a situação. “Tive que ir atrás de tudo sozinho. Estando no Ocidente, é mais difícil. O árabe é tratado como terrorista, desumanizado pela mídia”, relata Mussa. Foi nessa viagem para visitar a família, aos 22 anos, que experimentou o que é tentar entrar na Palestina sendo palestino. Muhmad, seu pai, avisou que a viagem seria difícil,mas ele não tinha dimensão do quanto. Mussa, mesmo com dupla cidadania, não podia desembarcar em Israel e ir direto para a Palestina, o que seria mais rápido e óbvio em um contexto normal. Ele precisou sair com a família de
pessoas. Somos tratados, sempre, como ameaça, justamente para dificultar o acesso, para que as pessoas não voltem à Palestina”, diz Mussa. Segundo o advogado, a orientação entre os palestinos é aceitar a truculência para “não ser impedido de entrar”. Já na fronteira, passou por uma catraca e entrou numa sala, onde aconteceu um interrogatório. Diferente da entrevista em uma alfândega, as perguntas são feitas de modo invasivo, em hebraico, para intimidar, segundo Mussa. Respeitaram mais o pai, Muhmad, por ser idoso. Mas eram piores com Mussa e o irmão. Perguntavam por que foram criados no Brasil, por que não falavam árabe e por que a mãe não estava junto.“Eles podem te segurar por quantas horas quiserem e podem te devolver [para fora da Palestina], sempre com as armas à mostra”, relata Mussa.Mas é quando se consegue entrar na Palestina que a sensação fica pior. A pobreza é muito alta. Segundo Mussa, a vida na Palestina é de modo antigo, não modernizada, pobre. Para além da cultura, o atraso se deve ao embargo empregado por Israel. Muhmad, ao tentar comprar móveis para a casa que ainda tem na Cisjordânia, ouviu da atendente que os móveis que ele queria não tinha, porque Israel não permitia que entrassem no território. A
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BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O palestinos, sendo representado inclusive no Brasil. Entretanto, uma vida israelense não é mais importante que uma vida palestina,assim como o inverso”.
DO OUTRO LADO DO MURO
Iguais aos palestinos, há pelo menos 120 mil judeus vivendo no Brasil, sem contar os descendentes não praticantes do Judaísmo, sendo a segunda maior comunidade judaica da América Latina, conforme a Confederação Israelita do Brasil (CONIB). Mas muitos judeus brasileiros migram para Israel. Segundo o Itamaraty, pelo menos 14 mil brasileiros vivem no Estado de Israel. É o caso de João Koatz Miragaya, 38, historiador carioca, que vive no país desde os 24 anos. João mora no norte de Israel, na região da Galileia, e, portanto, não foi diretamente atingido pelo ataque de 7 de outubro. Entretanto, Miragaya diz que vive uma “tensão silenciosa” e que “não há uma pessoa em Israel que não conhece alguém que morreu ou é refém do Hamas”. João perdeu conhecidos e sabe que
João Koatz Miragaya mora com a família desde 2009 em Israel
dois estão mantidos como reféns em Gaza.“Demorou horas para eu entender o que tinha acontecido e alguns dias para entender a dimensão.” João migrou para Israel por ter uma identidade judaica sionista muito forte. Acredita que os judeus têm direito a um Estado soberano, assim como os palestinos. Acha, e concorda, que Israel precisava de um Estado, mas diz que não precisava ser aonde é. Miragaya salienta que há uma maioria em Israel que aceita abdicar de terras para abrigar o Estado Palestino.E assim como esses, anseia pela criação dos dois Estados, o que não acha que ocorrerá agora. Entretanto, não é pessimista. Acredita que a expulsão do Hamas de Gaza possibilitaria a execução da negociação necessária, embora não veja, a curto e médio prazo, o fim do atual conflito. João é crítico do governo de Israel encabeçado por Netanyahu, oriundo do aumento de grupos da direita religiosa judaica que são contra a criação de um Estado Palestino. Explica que o fortalecimento do Hamas é consequência das ações do Estado de Israel. “Mais de Israel do que da Palestina”,ressalta.Netanyahu, que está cada vez mais impopular entre os israelenses, através da
opressão, motiva a radicalização. “Isso não legitima o Hamas, mas explica a Questão Palestina”, diz João. Mas realça: “Parte da opressão [sofrida pela população palestina] vem do Fatah e do Hamas, que são autoritários e antidemocráticos. O Fatah é mais moderado,mas também persegue opositores, além de mulheres e a comunidade LGBT+. O governo é corrupto e propaga uma alta desigualdade. Israel não é o único culpado da situação socioeconômica da Palestina,mas é o culpado pela manutenção da pobreza.” Miragaya explica que as situações em Gaza e na Cisjordânia são distintas. Na Cisjordânia, há um processo de limpeza étnica, mas não como comumente está sendo retratado. Não acredita que a limpeza étnica que está a ser feita tem a ver com dizimar a população palestina, mas sim com ocupar e afastar as pessoas de seus locais, o que também é grave. Em Gaza, por sua vez, Israel não pretende assentar judeus e tampouco retirar palestinos.Miragaya concorda que Israel não tem a mesma preocupação com os civis palestinos do que tem com os israelenses, mas não acredita que Israel mata com intenção. Quando serviu ao Tzahal como soldado, aprendeu IMAGEM ARQUIVO PESSOAL / JOÃO KOATZ MIRAGAYA
água é controlada pelo Exército Israelense e os rios são desviados. Casas são destruídas. No meio do deserto, muros se erguem com cidades dentro, enquanto a miséria assola do lado de fora. Durante a viagem, foi abordado várias vezes por blitze que revistavam o carro. Sempre que pegavam o passaporte e viam que ele era brasileiro, a entrada era facilitada.Mussa pediu ao Estado de Israel para conhecer Tel Aviv e Jerusalém,mas teve a permissão negada. “Como brasileiro eu podia, mas o problema é que eu também sou palestino”.“Toda a dificuldade que existe para entrar na Palestina não existe para sair. Aí pelo contrário, é facilitado”. Para Muhmad, pai de Mussa, o Brasil é o país que o acolheu e o aceitou.Um país que deu uma vida digna para ele. O tio de Mussa, Adib Bakri, que viveu no Brasil de 1968 a 1994, é dono da maior emissora de rádio da Autoridade Nacional Palestina,chamada Ajya. Adib diz que sempre adorou ouvir rádio. “Desde criança eu passava dias escutando as rádios brasileiras, a Guaíba, a Farroupilha e a rádio‘Caiçara-música-não-para’”, lembrou Bakri, em entrevista à BBC Brasil. No ar, fala diversas vezes do Brasil, pois os palestinos têm muito carinho pelo país, que “respeita a religião e a cultura deles, que aceita que se reafirmem sem sofrer ataques”, conforme Mussa. Assim como seu pai, Mussa sonha com um Estado Soberano Palestino, pois existe um povo, uma nacionalidade, um território e um governo. “Tem tudo para ser um Estado, mas Israel não aceita.” Quando ocorreu o 7 de outubro, Mussa experimentou sentimentos que nunca havia tido no Brasil, mesmo durante os últimos quatro anos, em que reconhece que o Governo Bolsonaro acendeu opiniões antipalestinas no país. “Nunca vi a mídia falando dos palestinos. O Jornal Nacional sempre nos tratou como nota de rodapé. Nunca de modo justo, pleno e digno.” Com o estouro do conflito, Mussa não viu nada a favor da Palestina. Somente sobre Israel. Blogs e perfis de fofocas apenas lamentavam vítimas israelenses, como se fossem as únicas vítimas. Logo após o ataque, fez três comentários em redes sociais manifestando apoio aos palestinos, com a frase “Palestina Livre”, seguida da bandeira da Palestina. Devido a esses comentários, foi atacado ao ponto de se sentir coagido. Quieto e com a liberdade fragilizada,leu frases como“Volta para a Palestina”,“Vai lá com o Hamas”, “Não tinha que tá fazendo nada no Brasil”. Cesar Beck, advogado e mestre em Direitos Humanos, diz que “há muito preconceito escalado no mundo contra os
que a vida dos civis tem que estar acima da sua, mas destaca que o “exército precisa ser mais seletivo e mais concreto em suas ações, para evitar a morte de civis”.Israel está a cometer crimes de guerra que infringem o Direito Internacional Humanitário desde o 7 de outubro, sendo denunciado pelas organizações internacionais em defesa dos direitos humanos.Para João, “agora, durante a guerra, é possível derrubar Netanyahu sem derrubar o governo. Mas ainda assim, é muito provável que o governo caia pós-guerra”. Para se proteger emocionalmente, Miragaya evita ver TV e ouvir rádio e diz que a “superação do trauma será difícil para Israel”.“Há crianças que perderam tudo.”
SOLUÇÃO DE DOIS ESTADOS
Para a diretora da secretaria de mulheres da FEPAL, Ashjan Sadique Adi, 39, doutora em Psicologia social pela USP, “o povo palestino é oprimido há 76 anos e, em algum momento, iria se rebelar”. Diferente de seus colegas, considera a possibilidade de dois Estados, conforme a Partilha recomendada pela resolução 181 da ONU, ao menos. “Devolução das terras, das casas e destruição do muro de 700 km”, pede. Mas Sadique crê que somente com muita pressão internacional o Estado Palestino poderá ser criado e afirma: “Apenas apoio não serve. Quem tem força precisa punir Israel e o forçar a respeitar as Resoluções da ONU. Netanyahu é um criminoso de guerra que está livre nas redes sociais e ninguém o impede”. Ashjan explica que o estereótipo de terrorista serve para justificar a matança dos palestinos, porque todo terrorista pode ser morto. Diante de toda a violência, a dor vira resistência e Ashjan sonha com um Estado Palestino soberano,“pois só assim teremos paz”. Enquanto a guerra persiste, vidas são ceifadas e adultos, crianças e idosos envelhecem em meio à violência, traumatizados pelo ódio. Cesar, que é descendente de judeus, defende que “não existe solução na guerra. Somente a democracia, a diplomacia e a conversa resolvem”. Em contrapartida, critica a população mundial que fecha os olhos para a questão árabe-israelense, explicando que “enquanto não atinge o ágono e o coração, as pessoas sempre fingem que não veem. A pandemia foi um exemplo. Apenas oito países se comprometeram a vacinar o mundo mesmo diante de 297 nações. Yuval Harari, conhecido historiador israelense, diz que a fome, as pragas e a guerra são constantes na história dos homens. Será que realmente podemos dizer que a humanidade evoluiu?”. n
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BABÉ
UM TESOURO HISTÓRICO E NATU CONHEÇA O MATO DO JÚLIO, ÁREA FLORESTAL QUE ABRIGA ANIMAIS EM EXTINÇÃO, DOIS BIOMAS E UMA CASA COLONIAL DO SÉCULO XIX POR DENER PEDRO
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Brasil é repleto de áreas florestais espalhadas por todo seu território, e uma delas vem sendo tema de debates na região em que está localizada: Cachoeirinha, Rio Grande do Sul. Situada na região metropolitana de Porto Alegre, a cidade aparece com a maior densidade populacional do estado segundo o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com 3.112,48 habitantes por km². Cidades com altos índices de povoamento não costumam ter grandes espaços de territórios desabitados, mas Cachoeirinha foge a essa regra. Dentro de seus limites encontra-se uma área de especial interesse ambiental, conhecida como Mato do Júlio. O terreno mede cerca de 256 hectares, com uma ampla diversidade de fauna e flora, contando inclusive com dois biomas: Mata Atlântica e Pampa. Há um entrave jurídico que catalisa o debate em torno dessa área. O Mato do Júlio é uma propriedade privada, que conta com vários donos, herdeiros de uma sesmaria concedida no início do século XIX ao açoriano João Baptista Soares da Silveira e Souza. Empreiteiro, João Baptista veio ao Brasil em 1813 a convite de um tio, o então pároco de Gravataí, padre Mateus da Silveira e Souza. O Império lhe concedeu uma área de terra que corresponde a praticamente todo o município de Cachoeirinha, e João se estabeleceu onde hoje fica o Mato do Júlio. Lá, construiu sua fazenda, que ficou conhecida como Casa dos Baptista, considerada desde 2019 como sítio arqueológico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A casa colonial se mantém habitada até hoje por caseiros, e por isso possui um alto nível de preservação, inclusive com uma senzala. João Baptista foi um empreiteiro importante e ocupou cargos administrativos, chegando a ser vereador em Porto Alegre,
Leonardo entre os biomas Pampa e Mata Atlântica, no Mato do Júlio entre 1853 e 1856. Como não teve filhos, seus herdeiros foram dois sobrinhos, entre eles um coronel que levava o mesmo nome do tio. João Baptista (sobrinho) faleceu em 1924, e a partir de então se realizou o processo de inventário, com as terras da então Fazenda da Cachoeira sendo divididas. A maioria dos herdeiros loteou suas terras, e na década de 1930 começaram a surgir as primei-
ras comunidades que, alguns anos depois, dariam origem a Cachoeirinha. Apenas um dos descendentes de João Baptista (sobrinho) manteve sua terra preservada. Foi o seu filho, Lídio Baptista Soares, que viveu na Casa dos Baptista e faleceu em 1942. Um dos filhos de Lídio, Júlio Baptista, também decidiu viver até o fim da vida, em 2002, na Casa. Em 1966 Cachoeirinha se emancipou de Gravataí, e aquela grande área florestal passou a levar, popularmente, o nome de seu então proprietário: o Mato do Júlio. Júlio não teve filhos, e suas
terras ficaram distribuídas entre sobrinhos e irmãos. Em paralelo a isso, o início do século XXI foi marcado pelo crescimento das discussões em torno de questões ambientais mundo afora, e algumas leis foram criadas a partir disso. Em 2007, Cachoeirinha sancionou o seu Plano Diretor, que define, em consonância com a sociedade do município, qual será o planejamento que orientará o espaço físico da cidade para os próximos anos. Os artigos 153 e 154 do Plano Diretor de Cachoeirinha fazem menção ao Mato do Júlio, e o definem como uma “área de
especial interesse ambiental”. Por conta disso, o Plano diz que o Mato será “objeto de estudos técnicos e consultas públicas, de iniciativa do Poder Executivo, buscando determinar as características das mesmas, para certificar a viabilidade de criação de Unidade de Conservação de Proteção Integral ou de Unidade de Uso Sustentável”. Fato é que, até hoje, o Poder Executivo não realizou nenhum estudo técnico na região. Em fevereiro de 2020 foi agendada uma audiência pública para discutir o zoneamento da região do Mato do Júlio. O
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BÉLIA
URAL NA GRANDE PORTO ALEGRE IMAGENS LIA KIRCH
zoneamento foi aprovado pelo Conselho do Plano Diretor em dezembro de 2019 e, devido à inconstitucionalidade desta ação, o Ministério Público do Rio Grande do Sul sugeriu ao presidente do Conselho, André Lima de Moraes, que a audiência fosse suspensa. Ainda assim, em 14 de fevereiro, ela ocorreu na Câmara de Vereadores. Mais de 220 moradores de Cachoeirinha se mobilizaram e protestaram contra a proposta de zoneamento. Dessa mobilização surgiu a ideia da criação do Coletivo Mato do Júlio. Criada pelos irmãos Alan e Leonardo da Costa,
que moram às margens do mato, a página @matodojulio_, no Instagram, conta com mais de 8 mil seguidores, e tem como objetivo mostrar, na prática, a riqueza ambiental presente na região. Leonardo, 24 anos, é formado em História pela UFRGS, e seu quarto não deixa dúvidas de que seu objeto de pesquisa é a história de Cachoeirinha e do Mato do Júlio. São mapas espalhados pelas paredes, livros na escrivaninha e nas estantes, onde também ficam as pastas com inúmeros documentos relacionados ao tema, guardados por ele. Com um facão na mão, Leonardo apresenta algumas características da área florestal enquanto adentra nela. Ao passar por um aparelho eletrônico, preso a uma árvore, explica do que se trata. “Nós recebemos a doação de uma armadilha fotográfica, que é uma câmera que grava a partir de um sensor de movimento. Nós colocamos essa armadilha aqui no Mato, e já conseguimos registrar vários animais. Um dos principais casos aconteceu no início deste ano, quando nós flagramos um gato-do-mato-pequeno por aqui. Esse felino está sob ameaça de extinção, e esse tipo de registro nos ajuda a evidenciar o quão importante é o Mato do Júlio para a preservação de várias espécies”, destaca. A região conta com uma transição de biomas muito bem definida. O Pampa e a Mata Atlântica têm características bem distintas, e a divisão fica bastante evidente. A vegetação de pequeno porte, seca e com gramíneas que deixam a paisagem limpa, com muita claridade, típica do Pampa, é interrompida por árvores grandes, com um solo úmido devido à pouca exposição solar, no bioma de Mata Atlântica. Com o passar do tempo, o Pampa deve ceder à Mata Atlântica pelo fato de ocupar uma faixa menor da área e por conta da falta de manutenção, sem animais característicos vivendo ali. Leonardo também fala sobre os desafios na luta pela preservação. “O IPHAN reconheceu a área do entorno da Casa dos Baptista como sítio arqueológico, e a natureza faz parte da paisagem do patrimônio histórico. Essa é uma das sustentações legais que nós, em parceria com a APN-VG (Associação de Proteção da Natureza – Vale do Gravataí), utilizamos para
contestar, através do Ministério Público, as decisões que visam desmatar a área. O Mato do Júlio tem um valor estimado em cerca de R$ 3 bilhões, e nós buscamos mostrar, através das redes sociais, as responsabilidades que um futuro proprietário terá de assumir. Uma região com tanta biodiversidade, para ser administrada dentro das leis ambientais, vai ter um custo enorme. Desmobilizar os possíveis compradores também é uma estratégia importante”, explica. O historiador segue atento às movimentações políticas que envolvem o mato. “Com o aumento do alcance da página [na internet], nós acabamos nos tornando uma referência, então as informações chegam.
Árvore exótica de características distintas em meio à Mata Atlântica
Vários veículos nos procuraram para divulgar algumas de nossas descobertas, e eu considero a mídia como uma grande aliada. Com esse alcance nós devemos alertar a comunidade com aquilo que sabemos. O Plano Diretor deve passar por alterações, e nós estamos desde já alertando que uma audiência pública poderá acontecer para alterar ou remover os artigos que protegem o Mato do Júlio. Temos que ocupar esses espaços para não deixar dúvida sobre qual é a posição da comunidade”, alerta Leonardo.
CONTEXTO POLÍTICO
Em 2022, Cachoeirinha foi uma das três cidades do Rio Grande do Sul que passaram por eleições suplementares e elegeram novos nomes para o comando do Executivo municipal em meio às eleições fe-
derais. Em abril daquele ano, o então prefeito Miki Breier (PSB) e seu vice, Maurício Medeiros (MDB), foram cassados em decisão unânime do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul, por abuso de poder político e econômico durante o período eleitoral. Medeiros atuava como prefeito em exercício, já que Breier já havia sido afastado do cargo em 2021, quando o Ministério Público cumpriu mandado de busca e apreensão em sua residência. O ex-prefeito foi indiciado por fazer parte de um esquema de corrupção que teria fraudado a licitação de serviços de limpeza urbana no município, com superfaturamento de cerca de R$ 3,2 milhões. A campanha de 2022 trouxe o debate sobre o futuro do Mato do Júlio à tona, e os três candidatos se posicionaram de formas diferentes. Rubinho (PL) se mostrou favorável à preservação. David Almansa (PT) fez dessa causa uma bandeira de sua campanha. Já o vencedor, Cristian Wasem (MDB), pouco mencionou o tema na campanha, e disse que qualquer decisão precisaria passar por um estudo técnico. Procurada pelo Babélia, a prefeitura de Cachoeirinha se comprometeu a realizar esse estudo para que se defina o futuro da região. A gestão atual deseja realizar um levantamento satisfatório, diferentemente dos que foram feitos anteriormente. O atraso na ação, segundo a prefeitura, deu-se por conta da pandemia e, agora, com a recém-eleita comissão do Plano Diretor, a contratação do estudo deve ser realizada. Na mesma direção, o presidente da comissão do Plano Diretor, André Lima de Moraes, afirmou que o estudo técnico deve ser realizado tão logo as questões burocráticas sejam resolvidas. Ainda assim, declarou que entende não ser necessária a transformação do Mato do Júlio em uma área de preservação. “Aquilo é uma área particular, há necessidade de indenização aos proprietários. Além disso, Cachoeirinha já possui como área de preservação, por exemplo, o Parque Tancredo Neves. Logo, dada a localização da área, a vegetação ali existente e a necessidade de indenização, não entendo por que teria que ser uma área de preservação”, argumenta. n
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IMAGENS BIANCA AMÁBILE
MUÇUM PASSA POR RECONSTRUÇÃO MATERIAL E PSICOLÓGICA
EM SETEMBRO, CIDADE GAÚCHA A 156 QUILÔMETROS DA CAPITAL FOI TOTALMENTE DESTRUÍDA APÓS A PASSAGEM DE UM CICLONE EXTRATROPICAL POR LUAN OLIVEIRA
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o dia 4 de novembro, exatamente dois meses após a tragédia, a reportagem do Babélia visitou o município de Muçum, que já foi cenário de alegrias, turismo e tranquilidade. Agora, a cidade enfrenta a dura jornada de reconstrução enquanto os moradores buscam superar as perdas dos entes queridos e prejuízos materiais, cicatrizando as feridas causadas pela enchente do Rio Taquari, que foi nomeada como o pior desastre ambiental que assolou a região em quatro décadas, no Rio Grande do Sul. A força devastadora das águas destruiu cerca de 85% do município no início de setembro, deixando para trás destroços, roupas penduradas em grades das casas e troncos de árvores e memórias dolorosas que servem como lembranças de vidas interrompidas. O que muitos consideram lixo é o pedaço da história de alguém. Ao caminhar pela cidade, a incerteza de quem a visita é angustiante, pois não se sabe se aquele morador que anda nas ruas ainda busca por
pertences espalhados ou se naquela moradia fechada não houve sobreviventes. A cada casa destruída, surge a triste interrogação sobre o destino das famílias que ali viviam. Embora toda lama e grande parte do entulho no meio das ruas tenham sido retirados, o rastro de destruição é perceptível a cada esquina. O cemitério de Muçum tornou-se ainda mais sombrio após a enchente, uma vez que grande parte dele foi destruída. Hélio Bonato, um aposentado de 69 anos, vive sozinho e encontra consolo em passear e conversar com os conhecidos da cidade. Ao caminhar entre as sepulturas, mostra cada túmulo, conhecendo a história de cada pessoa e a causa da morte. O aposentado frequentemente visita o cemitério em busca de conforto e, emocionado, conta que a perda dos túmulos dos pais, arrastados pela enxurrada, foi um dos momentos mais tristes da sua vida. “Tudo foi embora. É nessa hora que tu se sente pequeno, que não é nada”, desabafa. O aposentado revela que a decisão de deixar sua casa foi motivada pela irmã, que mora em Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul, e estava acompanhando os alertas da Defesa Civil. Com isso, Hélio Bonato buscou proteger seus móveis e pertences pessoais, movendo tudo para um caminhão de mudança. Mas, ainda assim, ele conta que não acreditava que a água atingiria sua residência. No entanto, a enchente cobriu quase toda a casa, restando apenas
50cm. Na mesma noite, Bonato foi acolhido em um salão comunitário do bairro, juntamente a nove famílias. “Foi apavorante, parecia cenário de guerra, e muitos ainda resistiam em deixar suas casas”, finaliza. Às 18h do dia 4 de setembro, a água do Rio Taquari começou a subir rapidamente, de uma forma nunca vista antes, surpreendendo a todos. Em duas ondas, a enchente invadiu a cidade, deixando a comunidade sem saída. Aproximadamente às 21h, a Ponte Rodoferroviária Brochado da Rocha desapareceu, engolida pela enchente. A casa onde mora Janaina Nunes, 43, com o marido e a filha de 9 anos, foi invadida pelo
Hélio Bonato em frente às sepulturas do Cemitério Municipal de Muçum, que foi destruído pelas águas
Taquari.“A gente não tinha tudo do bom e do melhor, mas tínhamos tudo dentro de casa, e do dia pra noite tu passa a não ter mais nada, nem roupa para vestir. Saímos com a roupa do corpo e o carro, que tínhamos tirado um pouco antes”, relata a agente de saúde. Emocionada, Janaina conta que, mesmo no meio do caos, teve que engolir o choro e voltar a trabalhar para cuidar de outras pessoas. “Muita coisa foi para o lixo porque não consegui acompanhar, por estar na rua trabalhando. Essa parte foi bem difícil. Agora é seguir”, diz. Janaina conta que a tragédia virou um pesadelo.“Toda vez que começa a chover, a gente tem medo de acontecer de novo, e
chegamos a sonhar com isso. Minha filha coloca as mãos no ouvido para não escutar o barulho da chuva.A casa dos nossos vizinhos foi embora com a enxurrada e muitos conhecidos se foram. É uma cidade pequena, em que todo mundo se conhece.” O entregador Adriano Merlo vivenciou momentos de pavor. Enquanto a água subia rapidamente na residência da família, um caíque resgatou a mãe do segundo andar, mas a inundação persistia. Adriano permaneceu na casa, subindo os móveis para o andar superior. A intensidade da correnteza tornou a fuga do entregador impossível. Com o estouro dos vidros da casa, a situação se agravou,forçando-o a subir
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BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O para o forro em meio à escuridão total.“Estourei o telhado com as mãos e os pés. Subi em cima e fui resgatado no outro dia, às 11h. Passei a noite toda na chuva, com vento e frio, e acabei sendo levado para o hospital”, relata Merlo, que diz que a falta de luz, o medo e a incerteza marcaram aquelas horas intermináveis do desastre. Não bastasse isso, Adriano lamenta a perda de um amigo durante a enchente. “Eu não dormi a noite toda pensando nele”,diz Carmela Merlo, mãe de Adriano. Ao clarear o dia, ela e outros moradores foram até o trilho do trem em busca de sinais do filho.A visão de Adriano enrolado numa lona suja e molhada trouxe uma sensação de alívio para a aposentada, que solicitou socorro imediato.
principalmente nos setores de comércio e indústria. “Estamos buscando alternativas, como o incentivo do pix institucional (atrelado exclusivamente ao comércio local), os valores incentivados pela CUFA para MEIs e autônomos, o incentivo através
de projeto aprovado do Sebrae e as linhas de crédito para empreendedores rurais e para as empresas de pequeno e médio porte, que foram liberadas em excelentes condições, tendo uma boa subvenção (abono) do governo federal”, declara o prefeito de
Muçum, Mateus Trojan. A dona de casa Andriele Tavares, 25 anos, abrigada no Ginásio da Cidade Alta desde o início da enchente, relata a dor de perder tudo e a dificuldade de lidar com a falta de privacidade. “A gente só estava esperando as
Loirane Marchetti, proprietária do Kiosque da Praça, que precisou ser reconstruído após a enchente na cidade de Muçum
APOIO SOCIAL COMO PRIORIDADE
De acordo com a prefeitura de Muçum, a cidade está recebendo voluntários e diversos profissionais de Psicologia ofertados pelo Estado. Além disso, a Assistência Social do município está realizando o monitoramento através de grupos de saúde, com supervisão das psicólogas do Município e apoio das agentes comunitárias de saúde. A enchente que assolou Muçum acabou impactando os negócios locais, mudando a vida de muitos. Aproximadamente 30% dos comércios continuam parados. Entre os afetados, Loirane Marchetti, 46 anos, é proprietária do Kiosque da Praça, um dos restaurantes mais conhecidos da região. Ela conta que, no primeiro dia da inundação, a ficha ainda não havia caído completamente. “A gente perdeu tudo, teve que trocar todos os móveis, computadores, micro-ondas... tudo”, relata. Loirane cogitou desistir do negócio. No entanto, a força da equipe e a determinação dos funcionários a motivaram a seguir em frente. “O pior a gente tirou”, lembra ela, referindo-se ao esforço inicial da remoção do lodo. O apoio dos voluntários foi fundamental, fornecendo água, alimentos e encorajamento, o que fez com que o Kiosque da Praça se tornasse um dos primeiros comércios a reabrir após a tragédia.“Às vezes a gente fica triste, mas vem muito apoio. O pessoal passa aqui e consome os nossos produtos, passa uma energia boa pra gente e diz pra seguirmos pra frente que vai dar tudo certo”, compartilha a empresária. A retomada econômica talvez seja o desafio mais complexo enfrentado pelo governo municipal. Após 60 dias da catástrofe, muitos empreendimentos seguem fechados ou ainda em etapa de melhorias para reabrir, gerando um forte prejuízo econômico e, consequentemente, social,
crianças chegarem da escola para levar elas para o bairro de cima. Aí, quando voltamos para buscar as coisas, a água já tinha entrado dentro do apartamento e levado tudo. Aqui é tudo diferente, porque não temos nosso próprio espaço. Minha bebê, toda vez que a gente passa por onde morávamos, pergunta quando vamos voltar para a nossa casinha. É triste demais”, relata. Conforme levantamento do setor de engenharia, em parceria com a Assistência Social do Município, foram 173 casas destruídas, 161 parcialmente destruídas e 37 em área de risco. No entanto, os números podem oscilar, na medida que são feitos novos estudos. O Aluguel Social tem sido uma alternativa proposta pela prefeitura de Muçum. O limite de valor disposto é de R$ 800, sendo metade paga pelo Estado e outra metade pelo governo municipal. As casas provisórias, discutidas inicialmente, foram descartadas na medida em que houve o receio de se tornarem definitivas e não ofertarem condições mínimas de qualidade de vida. “Agora, com praticamente todas as famílias colocadas em condições de moradia, buscamos terrenos e alternativas para a construção de residências em áreas não inundáveis”, relata o prefeito.
PERDAS E MEDIDAS PREVENTIVAS
Andriele Tavares com a filha em frente ao Ginásio da Cidade Alta, onde foram acolhidas desde o início da enchente
Os prejuízos da tragédia são avaliados em R$ 235 milhões e o orçamento anual do município é de apenas R$ 35 milhões. Isto é, seriam necessários mais de seis anos de uso integral do orçamento para reconstruir a cidade. De acordo com a prefeitura, nas áreas mais afetadas e consideradas inundáveis, não será mais permitida a reconstrução. Nesses pontos, serão feitos espaços de lazer e turísticos, que não ofereçam riscos à população. Diante da tragédia, o prefeito busca fortalecer a Defesa Civil municipal, com barcos de resgates e treinamentos, e também promover estudos técnicos e científicos que deem um norte de como prevenir esse tipo de catástrofe.“É importante destacar que este foi um evento totalmente atípico. Muçum tem um histórico de enchentes, mas em níveis bem menores e longe de exercer a força que exerceu sobre a cidade, o que foi fator preponderante para a destruição praticamente generalizada”, diz Trojan. Exatamente duas semanas após a visita da reportagem a Muçum, a cidade ficou novamente alagada e se preparava para um segundo recomeço. Segundo a administração municipal, desta vez, aproximadamente 60% da cidade ficou debaixo d’água. n
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ontenegro convive com as inundações há muitos anos, o que acaba gerando um grande incômodo para toda a população, mas principalmente para aqueles que moram próximo ao Rio Caí ou em regiões de alagamento. Diferentes pontos da cidade são atingidos pela cheia do rio, como bairro Ferroviário, Centro, Passo da Manduca e Cais do Porto. É nessa realidade que vive o estudante Alisson Merlo Silva, 22 anos. Morador do bairro Industrial, na Rua Otaviano Moogen, ele já está acostumado com os problemas da enchente, pois está desde que nasceu na região. Alisson conta que a água já entrou em sua casa diversas vezes. “Sim, muitas! Um exemplo do que perdemos na última foi uma máquina de lavar roupa”, acrescenta. Um dos principais desafios encontrados é justamente tentar evitar com que os móveis acabem sendo atingidos pela água. “Não tem como controlar a natureza, então a gente ergue o máximo de coisas que consegue, mas tem um limite do que você consegue levantar.” Alisson ressalta que já aconteceu de as enchentes serem muito grandes e de vizinhos não conseguirem levantar os móveis, pois a água chegou até o forro. A locomoção também é outro fator a se levar em conta. As ruas ficam totalmente alagadas, impedindo as pessoas de saírem de suas casas para seus afazeres do dia a dia ou até mesmo para buscar o sustento. “Para quem não tem barco não dá pra sair de casa. Minha família tem, então não tem esse problema.” Além de tudo isso, Alisson conta que a pior parte são os animais que vêm com as enchentes: “ratos, baratas, aranhas e cobras”. A mãe dele tem pavor de cobras, e entrou uma na casa deles na enchente de junho deste ano. Guilherme Paes, 22 anos, mora na Rua Fernando Ferrari e também sofre com as enchentes. Vivendo na região há 14 anos, ele fala que a parte mais complicada envolve os móveis da residência, especialmente quando há “perda de móveis relativamente difíceis de comprar com nosso poder aquisitivo”. Além disso, Guilherme conta que sair de casa também é um dos principais transtornos da enchente. Segundo ele, a família hoje
ENCHENTES SÃO ROTINA EM MONTENEGRO
IMAGENS GABRIEL TEIXEIRA
POR VITOR WESTHAUSER
ENFRENTAR OS PROBLEMAS CAUSADOS PELAS CHEIAS DO RIO CAÍ FAZ PARTE DO COTIDIANO DE MORADORES DE DIVERSOS BAIRROS E DO CENTRO
Cais do Porto é um dos locais mais atingidos pelas inundações no município
não enfrenta mais problema com perda de mobília ou de ter de sair de casa, pois a enchente não tem mais entrado no pátio ou na moradia. Porém, Guilherme recorda que houve momentos em que era necessário tomar providências. “Na época em que ainda passávamos por isso, éramos obrigados a levantar todos os móveis da casa, na medida do possível.”
BUSCA POR SOLUÇÃO
TRABALHO DE PRECAUÇÃO
O coordenador da Defesa Civil de Montenegro, Clóvis Pereira, explica que o órgão “trabalha com prevenção e ações rápidas com plano de contingência. Nós temos a prevenção, os alertas gradativos”. O monitoramento realizado não é só em relação ao nível do Rio Caí, mas das águas que a cidade recebe de outros rios da região. “Recebemos a água de Nova Palmeira, que vem toda da Serra, e do Rio Cadeia, que vem de São Francisco, então a gente cai num funil.” Esse fato, segundo o coordenador, acaba gerando um desafio maior, pois o Rio Caí em Montenegro não consegue baixar o nível devido às águas que continuam descendo. Desde que assumiu o posto, em junho de 2023, Clóvis diz que mudou a forma de comunicar a população sobre as cheias na cidade. “Eu imprimi um outro ritmo, que são os cards. A partir da área de en-
enchente, o coordenador explica que 90% escolhem ficar em suas residências para evitar arrombamentos e furtos. Já aqueles que saem das casas são socorridos pela Defesa Civil e levados para o ginásio Domingão, que fica localizado no Parque Centenário.
chente, cinco metros e pouco, a gente já começa a botar os cards de hora em hora, acompanhados pela CPRM. E no momento que a gente chega em 6m40, 6m50, quando começam os alagamentos, passa o carro de som da Guarda
Municipal ou outro carro do município que tem equipamento de som avisando que irá dar alagamento, e quem quiser sair pode sair.” Apesar dos avisos e recomendações para as pessoas deixarem as casas devido à
A realidade das enchentes já é de conhecimento e convívio dos montenegrinos há muitos anos, mas este ano, em virtude de alto volume de chuvas, as consequências têm sido mais frequentes. Somente em 2023 o município enfrentou quatro enchentes. E durante o fechamento desta reportagem o município estava se encaminhando para a quinta, pois as chuvas recentes fizeram com que o rio entrasse novamente em cota de inundação. Não só o Rio Caí, mas outros que deságuam nele, estavam com um nível muito alto, ou seja, o município iria receber ainda mais água. Diversas reuniões e estudos foram feitos nos últimos anos para debater as cheias envolvendo o Caí, mas até agora não se chegou a nenhuma solução. Entre as propostas do estudo realizado pela Metroplan em 2014 estava a construção de diques ou bombas da água, mas é uma obra que, para ser realizada, dependeria de recursos do governo federal. n
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APOIO PARA ENFRENTAR O CÂNCER IMAGENS ANA PAULA DE OLIVEIRA
INSTITUTO CAMALEÃO, EM PORTO ALEGRE, PROPORCIONA DOSES DE AUTOESTIMA E ACOLHIMENTO A QUEM PASSA POR TRATAMENTO ONCOLÓGICO POR ANA PAULA DE OLIVEIRA
O
Instituto Camaleão, de Porto Alegre e com pacientes por todo o Brasil, presta apoio a pessoas em tratamento de câncer. Em 2013, Flávia Maoli foi diagnosticada pela segunda vez, aos 25 anos, com Linfoma de Hodgkin. “Eu resolvi que eu não queria passar sozinha”, relata ela, que não conhecia outra pessoa com câncer. Para poder compartilhar sua experiência e suas dores, Flávia criou o blog “Além do Cabelo” – o nome é devido ao impacto que perder os fios pode causar. Foi assim que ela conseguiu reunir pessoas com o mesmo sentimento e de diversas localidades. Segundo Flávia, “fazíamos apenas encontros de pacientes, não tínhamos pretensão de ser algo maior”. Ela conta que muitos amigos compartilhavam o conteúdo nas redes sociais, tornando o blog conhecido. Assim, a iniciativa cresceu e se tornou o Projeto Camaleão. A motivação para mudar o status da iniciativa para associação sem fins lucrativos foi depois que, em uma palestra, “ouvi que todo projeto tem início, meio e fim”, explica Flávia. Ela conta ainda que “em 2016 percebemos um impacto grande na vida de quem passava pelo Projeto Camaleão”, tornando-se, então, o Instituto Camaleão. Mesmo tendo pacientes e voluntários que moram fora do país, é mais conhecido no Rio Grande do Sul e é aqui sua maior concentração de participantes. Sejam eles médicos, pacientes ou voluntários. Atendendo cerca de 550 pessoas por ano, o Camaleão se volta para pacientes com câncer e presta o apoio que complementa o tratamento de saúde. Com o objetivo de reinserção no âmbito social, a associação acolhe pessoas de todo o mundo, incluindo familiares, e possui grupos
Elisa se tornou voluntária após enfrentar um câncer e receber acolhimento do Instituto Camaleão. Abaixo, a Sala de Auto Imagem, na sede da associação, ajuda na promoção da autoestima
Quando veio para Porto Alegre, ela buscou um espaço para falar sobre seu caso com outros pacientes oncológicos. “Quando eu vim aqui conversar sobre isso, soube que havia possibilidade de voluntariado”, relata ela, que exerce esse papel em outras instituições, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), a Sociedade Bezerra de Menezes e o presídio feminino Madre Pelletier. “Quando eu fiz o tratamento eu não frequentei”, relata Elisa, exaltando a existência dos grupos de apoio. “É fundamental, porque quem está ali sabe mesmo do que estamos falando. Quem nunca teve câncer não consegue entender”, completa, sobre os sentimentos que o diagnóstico e o tratamento causam. Ela ainda reverencia a prática voluntária: “Temos 50 ou mais, sem eles lugares assim não existiriam. Mesmo tendo estrutura, os voluntários são muito importantes”. Elisa conta que o grupo não é baixo astral, como muitos devem acreditar. “Pelo contrário, o pessoal é super para cima, a gente ri bastante, choramos também, mas o clima é muito legal.”
VOLUNTARIAR PARA PERTENCER
terapêuticos, feiras de autoestima, aulas de yoga e, visando acabar com o estigma da doença, promove campanhas de conscientização que alcançam a população que não está em contato com o câncer. O instituto acolhe também remotamente.
AÇÕES TRANSFORMADORAS
Iniciativa que muda a vida dos pacientes, a doação de próteses para quem teve parte do rosto levado pelo câncer é um dos programas do Camaleão. Denominada Adapta, a ação é destinada para casos de câncer de cabeça e pescoço, doenças que podem levar à mutilação de parte do rosto. A prótese vai além da estética, mesmo que esta seja de suma importância para elevar a autoestima: a doação devol-
ve a funcionalidade de órgãos como nariz, pele e boca. O Kit com Carinho possui uma almofada para apoiar o braço, uma bolsa para carregar o dreno, uma fita para sinalizar o braço operado, uma caderneta, um lenço que pode ser utilizado na cabeça ou no braço e um batom. É uma demonstração de carinho para quem passou pela cirurgia de câncer de mama. Os componentes visam trazer conforto nesse momento delicado e desafiador, que pode causar dores e desconforto. O Abril Branco é a campanha voltada para todos os cânceres, visando conscientizar a população sobre doenças deste tipo que não são conhecidas nem prevenidas. O branco reúne todas as
cores, por isso, a associação procura dar voz e visibilidade para pacientes de todos os tipos de câncer, mostrando a eles que não estão sozinhos durante o tratamento. Os grupos terapêuticos são na verdade uma roda de conversa entre pacientes de câncer e psicólogos. Estes não estão ali com viés clínico, mas com escuta ativa, para instruir essas pessoas a procurarem ajuda.
DE PACIENTE A VOLUNTÁRIA
Maria Elisa, 52 anos, natural do Rio de janeiro, se tornou voluntária no Instituto Camaleão após um tempo sendo paciente. Elisa teve câncer colorretal e atualmente realiza exames de controle pós-tratamento.
Ana Maria de Boer, 69 anos, é professora aposentada e voluntária no CVV e no Camaleão – neste último, há cerca de cinco meses. “Nunca tinha ouvido falar sobre o Instituto Camelão, mas sempre tive vontade de trabalhar no Instituto do Câncer”, relata Ana, que há cerca de 15 anos viu a filha com menos de 30 enfrentar o câncer de mama, época em que, segundo ela, “um diagnóstico de câncer era quase uma sentença de morte”. Após se aposentar, Ana passou por uma fase comum entre idosos: o ócio. Ela acreditava que iria cuidar dos netos e realizar caminhadas. “Mas me sentia inútil, senti falta de dar aulas, do contato com pessoas, de pegar o metrô.” Foi então que ela começou a procurar locais para voluntariar. Atualmente, trabalha na recepção do Camaleão e ajuda no brechó do instituto. “Devido à minha formação acadêmica, eu não lido diretamente com o paciente, mas gosto muito de estar aqui.” n
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BABÉLIA IMAGEM THIELE REIS
TAYLOR E OS SWIFTIES: UMA CONEXÃO DE IDENTIDADES
ARTISTA TRADUZ SENTIMENTOS EM MÚSICA, QUEBRA RECORDES, IMPACTA ECONOMIAS LOCAIS E AGREGA MILHARES DE FÃS NO CAMINHO POR THIELE REIS
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cantora Taylor Swift está na estrada com a turnê The Eras Tour, que passou pela América Latina em novembro de 2023, com 3 shows na Argentina e 6 no Brasil. A busca pelos ingressos foi sem precedentes: os “Swifties”, como são chamados os fãs da cantora, quebraram na pré-venda norte-americana o recorde de maior vendagem para a mesma turnê em um único dia. Muitos Swifties não conseguiram ingressos para o espetáculo ao vivo. No entanto, a decepção foi aplacada por uma novidade: o último show da etapa estadunidense da turnê foi transformado em um concert movie, que estreou no Brasil no dia 3 de novembro. Na estreia do filme em
Porto Alegre, os fãs se destacavam entre os frequentadores do cinema. A primeira sessão iniciava às 18h, mas, por volta das 16h30, o saguão do cinema já estava repleto de jovens. Em sua maioria meninas, eram identificadas pelos figurinos remetentes a uma das 10 “eras” da artista, apresentadas no show.
PULSEIRAS DA AMIZADE
Outra característica que destacava os Swifties do resto do público eram os braços repletos de friendship bracelets, pulseiras de miçanga que viraram febre entre os fãs e um símbolo da turnê, em referência a uma das músicas da artista. As pulseiras também fazem alusão às eras e o ritual se completa na troca dos itens entre fãs, que são desconhecidos até que se reconheçam dentro de qualquer multidão. O público era formado por pequenos grupos: um Swiftie dificilmente está sozinho, uma vez que a sensação de pertencimento é um dos atrativos para os fãs. A música atrai, e a conexão faz com que os fãs permaneçam e se dediquem ao sucesso da cantora, tendo-a como uma amiga ou irmã mais velha.
“Esse sentimento de escutar uma música, ler algo e se identificar com o que tu sente, sabe? Ela nos ajuda a superar momentos muito específicos”, disse Carol Ubatuba, 23 anos, que era parte do maior grupo presente naquela noite. Além da amiga Gabriela Andrade, 20, Carol estava acompanhando a irmã, Helena, de 9 anos. Caracterizada com corações cor-de-rosa pintados nas bochechas, os cabelos parcialmente presos em marias-chiquinhas, Helena carregava uma boneca (que chamava de filha) e, ao ser questionada sobre o figurino e o vínculo entre seu gosto pela artista e a relação com a irmã, respondeu: “Elas ouviam muito e eu acabei memorizando e gostando. Eu ‘tô’ de Lover, com umas coisinhas na cara, e uma blusa de coração, porque é a era que eu mais conheço e mais gosto”. Quando o primeiro álbum da artista, autointitulado, foi lançado em 2006, Helena não era nem nascida e Carol era mais jovem do que a irmã é hoje. O encontro de gerações também é uma marca dos fãs: a The Eras Tour recebeu mães, que no início da carreira da Taylor eram
adolescentes e hoje levam as filhas aos shows.
ESPECIALISTAS RECOMENDAM
Em artigo publicado na revista Psychology Today, a psicóloga estadunidense Alli Spotts-De Lazzer apresenta a análise que fez sobre o fênomeno que Taylor se tornou. A matéria, intitulada “7 motivos pelos quais Taylor Swift faz bem para a saúde mental de seus fãs – expressão emocional, habilidades de enfrentamento e muito mais”, descreve a conclusão da psicóloga após pesquisas e sua experiência dentro do universo Swift quando foi ao cinema assistir ao show. “Enquanto estávamos na fila, uma estranha animada, de vestido e botas de caubói, cumprimentou a mim e meu marido. (Em Los Angeles, essa situação amistosa e Destemida – um trocadilho com o título do segundo álbum de estúdio de Taylor, Fearless – é uma experiência rara).” Spotts-De Lazzer elenca os 7 motivos como: senso de pertencimento; união entre gerações; habilidades de enfrentamento; mensagens inspiradoras; humor; expressão; valorização da saúde mental; e expressão e regulação de
emoções. Neste último, explica que pesquisas mostram que a inabilidade de identificar e discutir sentimentos está ligada a uma saúde mental comprometida. “Tu escuta um álbum e te sente realmente acolhida, mesmo que seja clichê. Acho que quem vê de fora, mesmo quem não é fã, consegue compreender essa euforia de amar tanto algo”, disse Gabriela Andrade, amiga e parceira de cinema da Carol. Já dentro da sala de cinema, Júlia e Valentina, de 14 e 15 anos, deram seus depoimentos. As amigas estavam curtindo juntas essa experiência no cinema, pois só uma delas irá ao show.
IDENTIFICAÇÃO
Questionada sobre o motivo da paixão pela artista, Valentina respondeu: “Ela é muito humana. A maior parte do público começou a acompanhar muito jovem, e ela escreve dramas da adolescência, primeiro amor, decepções amorosas. Então é muito fácil de se identificar com ela, que escreve coisas sobre inseguranças que sentimos e temos medo de falar. Ela compõe e expressa isso
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BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O por todos nós. É por isso que a vemos como uma pessoa muito próxima e temos esse carinho tão grande”. Durante os trailers, Júlia superou a timidez inicial e pediu para declarar a sua devoção pela artista, completando a fala da amiga: “A Taylor é mais do que a música dela. Ela me ensinou muitas coisas também pelas ações e o modo como interage com as pessoas. Vai muito além da música”. Em entrevista ao Babélia, Alli Spotts-De Lazzer deixa claro que não é uma grande fã, mas que admira Swift por diversos motivos e se viu fascinada pela conexão entre fãs e artista. Entre os diferenciais de Swift, Spotts-De Lazzer destaca os dançarinos e backing vocals de Taylor, que não são meros coadjuvantes, e sim parte importante do espetáculo. “Eles são empoderadores. As pessoas se identificam com seus tamanhos, idades, gêneros, e mais. Amo como se apropriam do espaço, das expressões, das histórias, dos seus propósitos no palco, e irradiam tudo isso. Admiro como ela escolhe pessoas para seu entorno, que compartilham sentimentos e incluem o público, e não apenas exibem algo.”
THE ERAS: O FILME
Os fãs disseram que consideram o filme uma ótima alternativa para quem não
vai aos shows, um modo de ter a experiência com os amigos, cantar as músicas e colocar pra fora todas as emoções que a obra e a artista causam. Mas, e pra quem vai ao show, não estraga a surpresa? “Acho que não, porque a mídia social já mostrou como é o show e mesmo sabendo o que acontece, vai ser uma experiência aqui no cinema, e outra maior ainda ao vivo. Não acho que afeta, porque ela faz esse momento ser muito mágico para os fãs, no estádio e no cinema”, disse Carol. As redes sociais, onde Swifties compartilham spoilers sobre a experiência, são uma fonte de informações e um fórum criador de tradições como as friendship bracelets, já mencionadas, e os chants, pequenas frases ou gestos que unem o público em
interação com a artista, em determinadas músicas. O filme, assim como o show, é dividido em 10 eras, contemplando quase todos os álbuns da cantora: Taylor Swift, Fearless, Speak Now, Red, 1989, Reputation, Lover, folklore, evermore e Midnights. A apresentação começa na era Lover, com o hit Cruel Summer, que atingiu o topo da Billboard 100 recentemente, mais de cinco anos após seu lançamento. Durante a canção, Swift interage com o público pela primeira vez, dizendo “Vocês estão prontos para a primeira ponte da noite?”. O trecho que antecede o refrão é muito popular entre os fãs, que nesse momento, no estádio e no cinema, são atingidos pela euforia de vivenciar o espetáculo da artista que compôs a trilha sonora das suas vidas.
O cinema é para ser um lugar de silêncio, onde conversas são proibidas e luzes jamais devem atrapalhar a transmissão. Para os Swifties, no entanto, tudo vale: no amor, na guerra, e na The Eras Tour – em qualquer versão. Durante as 2 horas e 46 minutos da transmissão, o público, que lotou a sala de cinema, pulou, cantou, fez fotos e vídeos – da tela e das próprias reações – e reproduziu na frente da tela as coreografias que os dançarinos e Taylor apresentavam.
clara sua gratidão em todas as oportunidades. Ao receber o prêmio de melhor música com Anti-hero no MTV Music Awards, Taylor declarou: “Eu amo misturar gêneros, e o único motivo pelo qual eu posso fazer isso é porque vocês, os fãs, me deram a oportunidade de fazê-lo. É uma grande aventura, e tudo isso para me desafiar a fazer música que seja diferente da última vez, e eu os amo por isso. Então muito, muito, muito obrigada”.
UNANIMIDADE
LONG LIVE
Swift é o ícone que cria um sentimento de pertencimento e identificação. Suas músicas são empoderadas, mas também dizem “está tudo bem sofrer por aquela pessoa, ficar triste se as coisas não saem como esperado, indignado se falam mentiras sobre você”. Taylor empodera e humaniza, mas, acima de tudo, acolhe: pessoas de diversas idades, nacionalidades e culturas são representadas pelas músicas, das baladas românticas até as críticas sociais. Taylor Alison Swift é uma artista completa e também uma garota comum, que possui um talento único e teve a sorte – ou recompensa – de reunir uma fanbase dedicada, que nutre uma dedicação mútua: Swift é atenciosa com os fãs, a quem deixa
A música Long Live, do álbum Speak Now, lançada em 2010, é uma carta de amor aos fãs: “Nós éramos os reis e rainhas E eles leram os nossos nomes Na noite em que você dançou como se soubesse que nossas vidas Nunca mais seriam as mesmas” Vida longa à artista e seus fãs, à todas as montanhas que moveram, os dragões que enfrentaram, as paredes que atravessaram. O que diferencia Taylor e seus fãs? O modo como juntos, Taylor e os Swifties, estão vivendo os melhores momentos das suas vidas. n IMAGENS BIANCA AMÁBILE
Helena é um exemplo da união de gerações que Taylor causa entre os fãs
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DEZEMBRO 2023
BABÉLIA
POR QUE LGBTs SE IDENTIFICAM TANTO COM O TERROR? A VIDA DAS PESSOAS QUEER É ATRAVESSADA PELO SOFRIMENTO, MAS HÁ UM FASCÍNIO DESSES INDIVÍDUOS PELO GÊNERO QUE SE DEDICA AO EXTREMO DESSA SENSAÇÃO POR NÍCOLAS SUPPELSA
T IMAGENS EDUARDA OLIVEIRA
odo LGBT é visto como diferente durante toda a vida.Algumas vezes chega a ser considerado grotesco. Os opressores perseguem quem pertence a esta sigla sem motivo algum além do preconceito. A vivência LGBT pode ser um terror por si só. Então, por que será que
essas pessoas, que já se horrorizam tanto com a vida real, que sofrem diariamente, gostam de consumir um gênero como o terror, que tem como tema central justamente o sofrimento? Seria apesar desses motivos, ou justamente por causa deles? Junno Sena, pessoa não-binária gay, preto, escritor, antropólogo e ilustrador, se baseia em alguns autores para explicar um pouco dessa preferência ao tema em um artigo no site Legião dos Heróis: “A explicação tradicional para a ligação entre gay e horror é que, durante a vertente da literatura gótica, era impossível para autores como Lewis, Beckford e Lathom escrever abertamente sobre ‘temas gays’. Então, eles expressavam essas temáticas de uma forma ‘aceitável’, usando o gênero de
terror como meio.” Podemos tomar como exemplo contemporâneo o romance velado entre os assassinos do primeiro filme da franquia “Pânico”, que fica claro entre os fãs, mas nunca foi totalmente explicitado, para provar que isso não acabou. O ilustrador conta que tem uma mania – comum aos fãs do gênero –, que é a de assistir terror para relaxar. “As pessoas não entendem. Mas é que é bom sentar e ver algo totalmente fictício e com uma solução ou saída. Ameniza o terror da vida real”, afirma, em meio a risadas. “O ghostface (entidade assassina que muda de personagem a cada filme) sempre morre, mas também sempre volta”, afirma Junno. O escritor faz um paralelo com o racismo, que é combatido diariamente: conseguimos
muitas vezes “matar” o racista, mas a estrutura racista permanece eternamente. Isso tudo, na franquia mencionada e em várias outras obras, é regado a fortes toques de ironia e temperos de glamour. “O terror é essa dualidade que existe na nossa vivência enquanto LGBTs: tem muita festa, alegria, cor. E, do outro lado, há todos os problemas que temos que lidar diariamente. A identidade LGBT é muito libertadora, ao mesmo tempo que recebe represálias simplesmente por ir contra a norma.”
O TERROR GRITA NA NOSSA CARA
O terror, desde sempre, está gritando, esfregando uma realidade em nossas caras, segundo Junno. Vinícius Félix, produtor audiovisual e homem bissexual, concorda com o escritor. Ele co-
meçou sua carreira nas artes no Teatro. Foi até parar na Engenharia, por questões familiares. Hoje, se “libertou” e é, entre várias coisas, editor de filmes – vale a pena conferir o curta-metragem que ele montou, chamado “Coágulo”, de 2018, e que está disponível no YouTube. Sincero, Félix conta que começou a se interessar de verdade pelo terror relativamente tarde: lá pelos 16 anos. Foi quando assistiu “O Iluminado” pela primeira vez, em uma festa do pijama, no meio de vários adolescentes “curtindo e se beijando”, enquanto ele pairava hipnotizado na frente da tela da TV.“Acho que o mistério é algo que está presente em vários filmes de terror, e é o que mais me fascina. Aquele clima tenso em que tu não sabe o que está por vir, está perdido, uma atmosfera sinistra.” E se descobrir LGBT não tem tudo a ver com isso? “Sim, me descobrir bi foi exatamente assim!”, responde ele à indagação. Apesar da identificação, Félix sente muita falta de representação de pessoas iguais a ele no mundo do terror. Realmente, podemos citar alguns exemplos de gays, lésbicas, trans, até mesmo mulheres bissexuais – mesmo que a duras penas. Mas a bissexualidade masculina é praticamente inexplorada nesse mundo. Apesar disso, segundo o próprio Félix, o terror é responsável por tratar de temas tabus (sexualidade, relações familiares, discriminação...) e os trazer à tona muitas vezes para a grande mídia mainstream. Antes de forma velada, hoje mais explicitamente. Podemostomarcomoexemplo as obras recentes dos diretores Ari Áster,JordanPeeleeMikeFlanagan –todos homens,assim como todos os entrevistados dessa reportagem, o que indica um recorte que não pode ser ignorado. “Hereditário”, de Áster, mais especificamente, apresenta um sistema matriarcal falido numa perspectiva diabólica. O produtor audiovisual também cita “Rocky Horror Picture Show”, clássico queer, mas numa perspectiva diferente. Foi como uma experiência estética de “despertar sexual, de certa forma. Eu via um homemtendorelaçãocomoutrono filme e me perguntava por que eu estava gostando daquilo”.
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BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O Félix afirma de forma sensata que “o diferente assusta”, e acredita que é por isso que o terror ainda seja tão malvisto e é isso que possa ajudar a explicar o porquê de LGBTs se reconhecerem: porque também são vistos pela maioria como diferentes, perigosos, grotescos, indesejáveis. Até mesmo por diretores, como no caso de Norman Bates , no clássico “Psicose”. O trabalho é ressignificar essa visão da sexualidade que não a heteronormativa como perversa ou manipulativa. Ele tem orgulho de ter como ofício a arte de contar histórias, que muitas vezes são como a dele. “Mas eu acho que o terror tem que ser produzido para as grandes massas, sim. Não se vive só de filmes de arte. A gente tem o costume de fazer filme pra nós, que entendemos disso, apenas. Temos que começar a quebrar essa barreira. Esses dias, a minha mãe veio comentar comigo que gostou de uma personagem lésbica, a protagonista de ‘A Maldição da Mansão Bly’ (série da Netflix). E é sobre isso, eu acho”, finaliza.
HARRY POTTER COMO INICIAÇÃO
Apesar de ser visto como um gênero grotesco, o terror paralelamente ajudou Gustavo Zapparoli e Andrei Dorneles, dois homens gays que cultivam uma amizade de anos baseada no terror. Seja uma inspiração para o trabalho atualmente, seja como uma ferramenta de conexão com outras pessoas (não necessariamente LGBT), o terror está intrínseco à vida deles. “Quando eu cheguei numa escola nova, eu já comecei a comentar sobre terror com todo mundo”, comenta Gustavo. Desde pequenos, os dois eram fãs do gênero, mesmo sem perceber. Isso iniciou com os filmes que vão “introduzindo” o espectador juvenil “desviante” no terror. “Harry Potter”, uma das sagas mais famosas mundialmente no começo dos anos 2000, é citada por eles.A franquia usa elementos de terror sem ser terror exatamente – o que não quer dizer que deixe de dar medo –, servindo como uma espécie de “iniciação” ao gênero para muitas pessoas que acabariam se tornando aficionadas. Como não lembrar dos dementadores, figuras encapuzadas que se alimentam sugando a felicidade dos corpos e cujos beijos podem sugar sua alma? Os livros e filmes vão ficando cada vez mais obscuros com o avançar da história na franquia, e Harry e seus amigos se deparam, junto do público, com situações e criaturas de tirar o fôlego. E não são só o Gustavo e o Andrei. Muitas dessas pessoas fãs de Harry Potter acabaram
descobrindo modos de ser e estar no mundo que não condizem com a norma. Vários personagens são assim. O que é irônico e não condiz com a postura da autora da obra nos últimos anos, principalmente em relação à comunidade trans. Enquanto iam ficando mais velhos, tanto Gustavo quanto Andrei iam pegando mais pesado nas obras que assistiam. “Eu lembro até hoje de quando a minha mãe alugou ‘Olhos Famintos’. Esse foi meu primeiro filme mais pesado”, Gustavo comenta. Assistir esses filmes virou uma maneira de se relacionar mais ativamente com a irmã mais velha. Já Andrei tinha uma ligação com o pai, mas ele não o incentivava a assistir esses filmes “pesados”. Mas foi o pai quem o levou para assistir seu primeiro filme de terror no cinema. “Era ‘A Entidade’. Eu fiquei com muito medo, mas era muito legal, porque eu ria das pessoas ficando com medo também.” Essa experiência coletiva do cinema comprovadamente une as pessoas. Mas assistir terror no cinema, com certeza, é ainda mais divertido. Na conversa com os dois, parece que o filme “O Chamado”, de 2002, é um consenso nessa iniciação das crianças do final dos anos 1990 e início dos 2000 ao terror. “Eu lembro de, na época da escola, as gurias colocarem o cabelo na frente do rosto fingindo que eram a Samara para me assustar, porque eu tinha muito medo. Eu tinha medo até da paródia que
Félix (à esquerda) clama por mais representação bissexual nas obras de terror. Segundo Chris (à direita), o terror ficcional ajuda a lidar com o terror real fizeram dela no ‘Todo Mundo em Pânico 3’, que é um filme de comédia. Teve uma vez que eu vi com o meu primo em que eu chorei desesperado de medo”, explica Andrei, rindo. “Hoje eu não tenho tanto medo. Antes tínhamos medo de fantasmas, aranhas, cobras... Agora a gente tem medo dessas histórias com elementos mais psicológicos”, cita Andrei, com os filmes da produtora A24 como exemplo. Os pais dele até perguntavam, diversas vezes, “por que tu gosta de ver essas coisas?”. Gustavo fala junto com Andrei: “Nós simplesmente respondíamos–e continuamos respondendo – que não sabemos”. Depois de vários anos sendo amigos, Gustavo e Andrei ainda possuem os mesmos rituais, um deles sendo o hábito de se juntar durante a noite no final de semana e colocar filmes para rodar na TV – a maioria já assistidos pelos dois. “E tem que ser terror.”
O TERROR REAL
O publicitário e doutor em Comunicação Christian Gonzatti é um estudioso e pensador das questões de gênero, apaixonado pelo assunto. Tudo isso não só por ser um homem gay, mas por se questionar desde sempre sobre o tema. Para ele, o horror de ser LGBT não se compara nada
com o horror dos filmes e, no caso dele próprio, esse horror ficcional acaba funcionando como uma fuga do horror “real”. “Sobre os filmes, eu me vejo muito nas final girls, porque elas são mulheres fortes desacreditadas que lutam contra o opressor – e ganham”, afirma Christian sobre seu estilo preferido de filme, o slasher. Esse é o nome que se dá a obras onde há muito sangue, com assassinatos em série, e que geralmente acontecem em acampamentos cheios de adolescentes. Já as final girls são as personagens, geralmente femininas – mas não necessariamente –, que sobrevivem no final, tendo um confronto com o assassino. Elas vencem a batalha contra o vilão. São vistas durante o filme como fracas e acabam resistindo. Mas os vilões, que geralmente possuem algo de monstruoso, como o Jason, de “Sexta-Feira 13”, também representam os LGBTs. Chris considera o terror como um gênero predominantemente conservador, por girar muito em torno da religião católica, trabalhar em cima de conceitos como o pecado, punições para quem comete esses pecados etc. Como professor de audiovisual, ele utiliza, entre vários casos, exemplos como esses e seus contrapontos para fazer refletir. “A arte é extremamente polissêmica e essa é a beleza de tudo”, pondera. Além das final girls e dos vilões, Chris – como se autodenomina nas redes sociais, onde expõe o seu trabalho e cativa
milhares de admiradores – cita a bruxa como exemplo de figura desviante. Desde em obras menos sombrias e explícitas como “O Mágico de Oz”, até nas que abraçam com os dois braços a ligação com o satanismo e práticas pagãs, como no mais recente “A Bruxa”, essa é uma entidade fascinante na visão de Chris. A bruxa representa uma crítica a toda a repressão histórica que as mulheres sofreram, desde quando eram queimadas na fogueira, até as que sofrem nos dias atuais. Sabemos que LGBTs também sofrem essa perseguição – que jamais é igual em proporções, mas que representa a figura feminina com a qual gays se identificam frequentemente. E agora falamos disso, felizmente (tomemos o tema da redação do Enem deste ano – os desafios para enfrentar a invisibilidade do trabalho de cuidado das mulheres no Brasil). Por fim, não é possível responder a uma pergunta tão complexa como a que dá título a esta reportagem com exatidão. Só o fato de ter o gênero como um elo de conexão entre a comunidade significa muito. Com o terror, o Junno, o Félix, o Gustavo, o Andrei e o Chris se conectam. Com o terror como aliado, cada um à sua maneira, eles descobriram, de certa forma, que têm espaço no mundo. Espaço para ser assim como eles são: diferentes. E continuam suas caminhadas desafiando o sistema, como vilões, final girls, bruxas, fantasmas, dementadores... Como os quiserem denominar. n
24 . ESPORTE
CONHEÇA A HISTÓRIA DOS ATLETAS QUE FIZERAM CADA GOTA DE SUOR SE TRANSFORMAR NA MATERIALIZAÇÃO DOS SEUS SONHOS
DEZEMBRO 2023
BABÉLIA
A MENTE É SUA MAIOR FORTALEZA A judoca Enya Pires mudou-se para a capital gaúcha em busca de seus objetivos
POR ARTHUR RECKZIEGEL
H
LEITE DE PEDRA
O futebol sempre foi o esporte número 1 dos brasileiros, mas não de todos os brasileiros. Na casa da família Bier era diferente. A bola preta e branca foi substituída pela amarela, e a grama, pelo saibro. O tênis
IMAGENS LUÍS HENRIQUE GUARNIERI
olofotes. Fama. Dinheiro. Essas são palavras comumente associadas a atletas de alto rendimento. Nas mesas de bar, redes sociais ou até em programas de TV, quando o assunto é esporte de alto nível, dificilmente a abordagem é outra. Dor. Sacrifício. Solidão. Esforço. Resiliência. Ansiedade. Pressão psicológica. A quantidade de palavras citadas neste parágrafo foi maior, não é mesmo? Por mais que existam sim os benefícios, os malefícios fazem parte do dia a dia e talvez estejam presentes em uma quantidade maior. Gabriel Medina. Simone Biles. Naomi Osaka. Lewis Hamilton. Liz Cambae. O que esses nomes têm em comum? Todos atletas. Todos chegando no nível mais alto de competitividade. Todos falam abertamente sobre terem passado por transtornos mentais durante a carreira. Esses são esportistas renomados. Conhecidos por muitos. Quando contam suas histórias, o mundo para pra ouvir. Quantos sofrem em silêncio? Quantos abdicam de tudo para viver do esporte e não têm reconhecimento? Quantos treinam anos para chegar numa Olimpíada e fracassam por não ter o suporte necessário? Quantos Gabriel Medina, quantas Simone Biles perdemos por conta de falta de investimento em saúde mental?
fazia parte do cotidiano dos quatro. Ana Lúcia, Adenei, Leonardo e Guilherme. O último é o caçula da casa. Desde muito novo, tinha o amor pelo esporte no sangue. “Com seis para sete anos comecei a fazer aula porque via meu irmão fazendo. Quem me levava era minha vó. Amava aquilo, ficava imitando os jogadores o tempo todo”, relata o tenista. Levava jeito para a coisa. Com oito anos disputou seu primeiro torneio,
e o resultado já chamava atenção. Estreia perfeita. Foi campeão. Hegemônico, durante dois anos, dos oito aos dez, não perdeu. Ganhou todos os torneios que disputou. Só veio a perder uma partida no campeonato sul-americano. Desde pequeno acostumado a jogar partidas de três horas, Guilherme foi, aos poucos, controlando suas emoções durante os jogos. “É um processo. Evoluí muito mentalmente desde que comecei. Via muitos
meninos da minha idade se descontrolando e quebrando raquetes após alguma derrota. Procurava fazer diferente”, enfatiza o campeão sul-americano na categoria sub-18. Sua preparação era dura e começava muito antes das partidas. “Me preparo mentalmente semanas antes dos jogos. Perto do dia, ficava estressado, mas quando pisava na quadra tudo ia embora e só queria saber de jogar tênis.”
Apesar da pouca estatura durante a infância, aquele menino loiro de descendência alemã, franzino e que ficava extremamente vermelho perante qualquer esforço físico, teve de amadurecer muito rápido. Desbravou o Brasil e até mesmo a Europa através de seu esforço. Mas não pense que aquilo foi fácil. A estrutura à sua disposição não era das mais completas. Mesmo assim, nunca se abalou. As despesas de viagens e campeonatos
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BABÉLIA D2 0E 2Z 3E M B R O eram todas pagas pela família, que fazia grande esforço para oportunizar ao filho grandes experiencias. Não contava com uma grande equipe. Nutricionista, preparador físico e psicólogo eram fora de cogitação. Entretanto, tinha algo mais valioso: um treinador que não largava sua mão e o apoio de todos à sua volta. “Tinha uma relação de pai e filho com meu técnico. Contava toda minha vida para ele. Era muito difícil ver todos os outros meninos com uma comissão técnica inteira à disposição. Minha comissão era ele e meus pais”, revela. Com o passar dos anos viu a carreira profissional se tornar cada vez distante. Via os outros passarem à sua frente. “Como ia conseguir chegar no profissional tendo de conciliar treino com estudo e sem estrutura?”, indaga o jovem que acumula três campeonatos brasileiros no currículo. Guilherme ainda ressalta a importância do trabalho psicológico junto ao atleta, mas não esconde o respeito que tem pela própria trajetória. “Com o tratamento relativo à saúde mental apropriado, poderia ter ido muito mais longe. Contudo, muitos me parabenizam por ter chegado aonde cheguei com tão pouca estrutura. Tenho muito orgulho do que conquistei”, ressalta Guilherme Bier, que um dia fora apenas um menino brincando com raquete de papel e hoje pode dizer que conquistou o país através do tênis.
QUATRO SEGUNDOS
Atleta da SGNH, Guilherme Bier acumulou dezenas de títulos estaduais durante a carreira
Mais velha, conseguiu uma bolsa na Universidade Feevale para que pudesse cursar Educação Física enquanto representava a instituição nas competições. “Aquilo me motivou muito, tinha toda uma equipe à minha disposição”, diz Ana Paula. Começou a alçar voos mais altos. Cada vez ficava melhor. Se sentia mais preparada. Estava flertando com a Olimpíada. Eram só 4 segundos. Precisava melhorar seu tempo em 4 segundos e seu maior sonho estaria realizado. Porém, nesses esportes, cada segundo vale como se fossem horas. Estava estagnada. Não conseguia bater seu tempo. Ficava se perguntando. O que elas têm que eu não tenho? Como são tão rápidas? Enfim encontrou a resposta. Entretanto, infelizmente essa resposta seria muito mais dolorosa do que ela mesmo esperava. Se resumia em apenas uma palavra: anabolizantes. Agora estava tudo expli-
cado. Era tão óbvio. Era impossível conseguir tantos resultados em tão pouco tempo de forma natural. “Até existia fiscalização, mas a burocracia era longa. Umas pegavam alguns anos de suspensão, outra chegou até a ser banida do esporte, mas antes disso acontecer, estas mesmas atletas me venceram diversas vezes ao longo dos anos”, lamenta Ana Paula. Como fica a cabeça de um atleta diante disso? Treina a vida toda, e quando está perto de seu maior sonho, tem tudo destruído. Hoje, a ex- nadadora é formada em Psicologia e entende o papel importantíssimo do segmento no alto rendimento. “Se tivesse o conhecimento que tenho hoje, talvez não teria me tornado atleta. Vivemos sempre passando do limite. Não é algo saudável. Porém, se pudesse voltar no tempo, tentaria explorar ao máximo minhas qualidades e controlaria mais minhas emoções. Frieza é algo imprescin-
dível para os atletas”, destaca Ana Paula Schell, que durante muitos anos fez de tudo para colocar a natação hamburguense no mapa.
RESILIÊNCIA NA PELE
Duzentos e quatro mil habitantes. Em torno de trezentos quilômetros de distância para Porto Alegre. Declarada a capital nacional da literatura. Esta é a cidade de Passo Fundo, no interior do Rio Grande do Sul. Foi lá que, dentre os milhares de moradores, nasceu uma estrela. Estrelas são astros que possuem luz própria. Definição que se encaixa também para Enya Pires, judoca de dezenove anos que está traçando seu caminho dentro do esporte. Com apenas sete deu os primeiros passos no tatame. “Tinha tentado outras modalidades, mas não deu certo porque eu era uma criança muito hiperativa. No judô encontrei o esporte da mi-
Ana Paula Schell fez da natação sua profissão e ficou a apenas alguns segundos de uma Olimpíada
IMAGEM ARQUIVO PESSOAL / ANA PAULA SCHELL
Quatro horas da manhã tocava o despertador. Quatro e quarenta estava na piscina. Às sete estava sentada na sala de aula. Depois, às quatorze voltava para as águas. No fim do dia fazia musculação para fortalecimento do corpo. Essa foi a rotina de Ana Paula Schell durante sete anos da sua vida. Dos treze aos vinte, abdicou de todas as distrações para se dedicar 100% ao esporte. As festas, os momentos em família e a diversão com os amigos foram substituídos pelo cheiro de cloro, pelas academias e pelas competições. Desde a infância sempre se destacou. Isso abriu diversas portas para aquela jovem que sonhava em viver do esporte. “Comecei a nadar com sete anos e logo de início já competia com atletas mais velhas. Com nove disputei meu primeiro campeonato que abrangia toda a região sul do país, e com treze garanti a quarta colocação em um brasileiro”, relembra a ex-atleta.
IMAGEM CLEON MEDEIROS / ARQUIVO PESSOAL / GUILHERME BIER
nha vida”, diz a atleta. No início de 2022, tomou uma difícil decisão. Saiu de casa rumo à capital gaúcha. Quem a recebeu foi o Grêmio Náutico União, tradicional clube porto-alegrense. “Foi muito complicado. Estava dividida. Feliz por estar mais próxima do meu sonho, mas triste por ficar longe de casa.” O clube virou sua segunda casa. Lá passava horas e horas diariamente entre musculação, fisioterapia e treinos de judô. “Perco muitas datas festivas, este ano passei meu aniversário sozinha. Alguém que não ama o esporte, não se doaria tanto. Eu amo muito isso aqui”, descreve a jovem. Todo o esforço é recompensado. Nesse caso não seria diferente. Todo o trabalho se materializou em forma de conquistas. “O ano de 2023 foi o mais brilhante que eu tive. Entrei para seleção de base e representei o meu país em diversos campeonatos internacionais”, relata a judoca, que foi sétima no Mundial e segunda no Pan deste ano. Dentro do tatame, uma luta pode se definir em segundos. Até mesmo em milésimos. Basta uma desatenção para que você acabe no chão, imobilizado por seu oponente. Por isso, a questão psicológica impacta muito nos resultados. Para estar à frente de seus adversários, Enya mantém a psicóloga do clube pertinho de si. “Fazemos exercícios de visualização e meditação para ajudar a manter a calma e a frieza. Realmente funciona. Aprendi a usar a minha ansiedade na hora certa”, atesta. Não é só na cabeça que está seu segredo. Sua pele guarda muita sabedoria. Esta, manifestada em forma de tatuagens. Duas delas chamam atenção. A primeira diz “resiliência” e a segunda “amor fati”, do latim “ame seu destino”. Ao falar sobre elas a voz chega a embargar e a garganta dá um nó. “A resiliência vem no sentido de vencer a própria mente. Em lutas difíceis, tu tem que usar mais a mente do que o corpo. Amor fati, para mim, significa que tudo acontece no meu próprio tempo e que todas as dores me fizeram ser quem sou hoje.” Apesar de jovem, carrega consigo uma grande responsabilidade. Quer estar entre as melhores. Quer conquistar uma medalha no Mundial e participar de uma Olimpíada. “Já estou nesse caminho há 12 anos, e não vai ser agora, que estou tão perto, que vou desistir”, diz Enya. n
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UM SIMULACRO DA CAPITAL UMA NOITE ENTRE PARTIDAS, CHEGADAS E ESTADIAS – DE QUEM TRABALHA OU SE ABRIGA – NA RODOVIÁRIA DE PORTO ALEGRE POR DENER PEDRO IMAGEM BIANCA AMÁBILE IMAGEM INDAYÁ AMARANTE IMAGEM MARLI JENTZ
pesar de ser um local de partida e de destino muito bem definido, com endereços fixos e horários de embarque e desembarque geralmente pontuais, as rodoviárias são uma grande desordem ordenada. Pessoas vão e vêm dos mais diversos locais, nas mais diferentes situações e se encontram, por um momento, neste que é um dos espaços mais democráticos de todos. Pessoas de terno, de bermuda e chinelo, casais, amigos, pessoas solitárias, jovens e idosos. Todos no mesmo lugar. Alguns mais perdidos que outros, alguns mais confortáveis que outros, mas todos dividindo a estação. Em Porto Alegre não seria diferente. Desde sua fundação, a capital gaúcha foi morada para aqueles que se aventuravam a viajar longas distâncias – muito mais longas do que aquelas que se pode encontrar numa rodoviária. O Porto dos Casais, como era conhecido à época, no século XVIII, abrigou açorianos que vieram, inicialmente, para povoar a região das Missões, recém-concedida aos portugueses pelo Tratado de Madri. A indefinição na demarcação dos territórios fez com que os 60 casais do arquipélago português dos Açores fossem obrigados a se manter no porto, dando início ao município. A contextualização histórica é importante para que se compreenda que Porto Alegre é uma cidade ímpar, que já nasceu cosmopolita. E a rodoviária de uma cidade cosmopolita se torna um simulacro, um recorte reduzido, daquilo que é esse lugar. Uma característica em comum que salta aos olhos entre Porto Alegre e sua miniatura, a rodoviária, é a correria. Ainda que nem se compare a São Paulo e Rio de Janeiro, Porto Alegre é uma das principais capitais do Brasil, e o fluxo de pessoas circulando é intenso. Pessoas saindo do trabalho cruzam com outras que estão entrando em lojas ou passeando com o cachorro. Na rodoviária, há aqueles que sentam nas cadeiras para ler um livro, põem fones de ouvido para ouvir uma boa música e até os que aproveitam para cochilar. Por outro lado, a necessidade de ser pontual gera momentos completamente opostos. Na noite de terça-feira, 3 de outubro, uma senhora corria em direção a um guichê de vendas de passagens enquanto gritava “Anda! Mais rápido!” para o marido que vinha atrás, aparentemente embriagado. Ao chegar no guichê, a decepção: o último ônibus para Xanxerê, Santa Catarina, havia saído cerca de duas horas
DEZEMBRO 2023
BABÉLIA
antes. A senhora resmungava de tanta frustração, e parecia implorar por uma solução para a atendente. Pois encontrou, quando a moça disse que em 15 minutos um ônibus partiria para Chapecó, no mesmo estado. A tristeza deu lugar ao alívio. Ela explicou à atendente – e lembrou ao marido – que tinha um irmão que residia na cidade do oeste catarinense. Lucas e Ticiane, funcionários da empresa Unesul, que atenderam o casal, revelaram que casos como esse acontecem o tempo todo. A rodoviária costuma ser um ambiente onde muitas coisas podem sair do planejado, como um atraso no embarque, alguém que tenha ido viajar num dia diferente da passagem que comprou e, segundo Lucas, os passageiros costumam colocar a culpa nas empresas e funcionários. “Nós já passamos de tudo por aqui. Um dia desses uma senhora que vai bastante a Capão da Canoa fez um escândalo porque não demos a senha do wi-fi para ela. Antes dávamos, mas passamos por uma mudança no sistema e não podíamos mais fornecer. Ela queria matar a gente”, conta ele, descontraído. Ticiane também explicou que esse tensionamento gerado pelos atrasos, ou por conta de o passageiro estar perdido, faz com que as pessoas “venham na defensiva e interpretem mal o que nós dizemos”. Apesar de receber milhares de pessoas diferentes por dia, a rodoviária é cheia de personagens como Lucas e Ticiane. Gente que têm seu sustento vinculado ao local e que vive nele todos os dias. Tal qual Porto Alegre, que recebe viajantes, hóspedes temporários, mas que também têm, em meio à correria, pessoas que a vivem integralmente. A vulnerabilidade social infelizmente talvez seja a mais evidente semelhança entre a realidade da rodoviária e da cidade. Quem anda a pé pelo centro da Capital percebe que há uma quantidade lastimável de pessoas em situação de rua. A rodoviária, por sua vez, é o lar de alguns habitantes, que aproveitam o horário de funcionamento permanente e a segurança fornecidas ali, numa situação menos degradante em relação às ruas. Porto Alegre tem seus problemas e suas virtudes; a rodoviária também. Porto Alegre tem uma relação de amor e ódio com quem a frequenta; a rodoviária também. E, por mais ímpar que seja Porto Alegre, não há peculiaridade que esteja na cidade sem estar em seu simulacro, a rodoviária. n
ESPECIAL . 27
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ome e ânsia são cultivados simultaneamente no Parque Estadual Assis Brasil, enquanto a maior feira de exposição de animais da América Latina convoca a população. Os animais, amplamente apreciados pelo paladar humano, salvo dos que já compreendem a implicação climática da produção bovina em escala industrial e também da dignidade animal, são os responsáveis pelo torcer de nariz que acontece ao sentir o aroma exalado dos dejetos deles. Mas isso não impede que o tradicional churrasco defume os cabelos e roupas dos visitantes da Expointer, além de, claro, afagar a fome alheia. Com mais de 120 anos desde a primeira exposição, a feira levou em 2023 mais de 800 mil visitantes a Esteio, onde historicamente se realiza. Ao andar pela BR-116 na região metropolitana da capital gaúcha, é fácil identificar a localização do parque, marcado pela presença de três grandes esferas nas cores amarelo, verde e vermelho – representando a bandeira sul-riograndense – logo na entrada. As estruturas exóticas foram um presente do governo da Alemanha Ocidental em 1974, dois anos após a internacionalização da Expointer. A feira reúne produtores agropecuários, comerciantes vinculados aos diferentes insumos do agronegócio, agricultores familiares, artesãos indígenas e quilombolas, fabricantes de máquinas e implementos agrícolas, além dos comerciantes alimentícios. Nela, acontecem o Freio de Ouro, acirrada disputa de cavalos crioulos, e a seleção dos Grandes Campeões ou Campeãs nas diferentes categorias de animais, leiteiros, de corte, entre outros. Nos anos 2000, a Expointer assemelhava-se às festas municipais do interior. Simples, contava com a participação vasta de vendedores ambulantes, diversificação de pessoas e classes, animais à vista e ao toque de todos. A praça de alimentação era formada por um aglomerado de barraquinhas e trailers que agrupavam os clientes em cadeiras e mesas de plástico ou em compridas mesas de madeira para famílias inteiras desfrutarem das opções alimentícias juntas. O clima chuvoso do mês de setembro sempre garantiu um solo úmido e embarrado para os dias da feira, exigindo o uso de calçados robustos, além de casacos quentes, para se proteger do frio do inverno que finda nessa época. Quem conheceu a feira nesse período talvez
ESTRELAS DO CAMPO UM PASSEIO PELA EXPOINTER, ONDE O AGRO É TECH, É POP, MAS, LÁ NO FUNDO DOS GALPÕES, TAMBÉM É RAIZ POR STEPHANY ORELI
estranhe a apresentação atual da exposição. Acompanhando a tendência tech e pop do agronegócio, ao adentrar os portões do Assis Brasil, depara-se com uma longa avenida calçada, cercada de churrascarias refinadas e boutiques de couro. Para um desavisado, a feira pode ser confundida com um outlet, não no significado literal do termo, que deveria ser um local de compras a varejo com valores menores do que os encontrados no comércio comum, mas no significado empírico, representando aquelas lojas de ponta de estoque de marcas caras, pouco acessíveis. A estrutura que se encontra é robusta e não parece ter sido montada para duas semanas de exposição. Várias marcas de vestuário dividem espaço com as indústrias médico-veterinárias e de cutelaria, que unem dois antigos vizinhos da região amazônica, o agro e a mineração. Mas ao fundo, após andar quase toda a longa avenida, encontra-se o galpão da agricultura familiar e os galpões dos animais, onde famí-
lias estão reunidas, preparando o jantar, perto de barracas que servem para o descanso dos cuidadores dos animais. Para essas famílias, a Expointer é, senão o principal, um dos principais eventos do ano. Além da importante atuação econômica e cultural da feira, ela também desempenha um especial papel na formação infantil, permitindo às crianças da cidade a quebra do paradigma da origem do leite, que não vem da caixinha, mas da vaquinha, que de “inha” tem muito pouco. Obviamente a origem da carne que almoçamos no domingo fica para ser compreendida mais à frente. “Um desfile de Miss Universo”, é a forma com que Percival Rodrigues dos Passos, 72 anos, define a seleção da Grande Campeã das vacas leiteiras. Especialista na criação da raça holandesa (Holstein-Frísia), o tratador, que faz presença na Expointer há 50 anos, conta, numa terça-feira fria à noite, após um gole de caipirinha, que as vaquinhas são tratadas como princesas, com dieta re-
grada, acompanhamento 24h, climatização (ventiladores enormes de frente para elas, que sofrem de calor, principalmente à noite, necessitando de uma faixa entre 10º e 15°C) e cuidados de beleza. Com cortes milimétricos e pelos cobertos de laquê, as competidoras são preparadas para a grande seleção, que traz avaliadores estrangeiros para a decisão das diferentes categorias por idade e raça. Questionado quanto aos melhores anos vividos na Expointer, Percival conta que o ano de 2022 foi o mais especial. O bicampeonato pela Fazenda Santo Izidro, de Alegrete, foi conquistado. Venceram a categoria Grande Campeã, prêmio máximo disputado, e a Reservada da Grande Campeã. Acontece que no ano anterior também foram campeões na Grande Campeã, Campeã Jovem e 3 Anos Sênior. Desta vez, pela Granja Geração Três, de Taquara, ele aguardava ansioso pela decisão, que aconteceria na quinta-feira. Percival não é dono de nenhuma das duas fazendas, mas lida com as
campeãs há anos, não sabendo fazer outra coisa na vida. Nascido em Santo Antônio da Patrulha, terra da rapadura, o tratador administra um pequeno sítio na mesma cidade da granja. Confessando a expectativa, disse estar confiante, pois já olhara quem eram as adversárias. A esperança era maior até 20 dias antes do início da Expointer, quando a Grande Campeã do ano passado faleceu do coração. Mas, independentemente do resultado, a festa terminaria feliz. “Nós, produtores de leite, somos uma família. O campeão sempre paga o chopp.” Na quinta-feira, a premiação aconteceu como prevista, e, diante de um avaliador canadense, Percival não viveu o sonho do tricampeonato. Entretanto, a esperança para o próximo ano continua a respirar, com uma discípula da Baronesa Ali 2269 (a campeã de 2022) ou da Klaas Janie 1978 (campeã de 2021), a competir lá no fundo da avenida, onde a verdadeira Expointer fica escondida. n
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BABÉLIA 39 LARISSA SCHNEIDER
UM ABRIGO PARA VASTAS HISTÓRIAS DE VIDA Moradoras do Oásis Santa Ângela, em Canela, falam sobre a solidão, a memória de outros tempos e o desafio de conviver com a idade avançada
CAIUS ARAUJO
PASSEIO POR ESQUINAS E GERAÇÕES Artistas, ambulantes e comércio tradicional atraem movimento à histórica Rua Independência, que está sendo revitalizada, em São Leopoldo
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Moradores formaram coletivo em defesa do Mato do Júlio, em Cachoeirinha, área florestal que já foi declarada de interesse especial e guarda casa colonial do século XIX, mas está ameaçada de zoneamento para uso privado
O FASCÍNIO LGBT PELOS FILMES DE TERROR
NA CAPITAL, UM EM CADA 300 MORA NO CONDOMÍNIO 'TNN'
Cinéfilos e estudiosos explicam por que muitas pessoas queer têm como favorito o gênero cinematográfico dedicado a horrorizar e provocar o medo
Conjunto de prédios Terra Nova Nature, na Zona Leste, tem empreendimentos caseiros, central de recebimento de encomendas e área verde de 30.000 m²
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ENTRE O PAMPA E A MATA ATLÂNTICA, UMA LUTA PELA PRESERVAÇÃO
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