Babélia 32

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Publicação experimental do Curso de Jornalismo Unisinos (Campus de São Leopoldo/RS) Novembro de 2019 | Edição 32

ÂNGELO GABRIEL

Crimes cibernéticos crescem no país Eles abrangem desde pirâmides, extorsões pecuniárias, sexuais, cyberbullying até notícias falsas Páginas 3 a 10

Cidades gaúchas acolhem refugiados e criam projetos sociais

Comércio formal e ambulantes entram em acordo

Revalidação de diploma dificulta ação de migrantes

Festivais mostram cultura e religiosidade africana a gaúchos

Esteio recebeu, em 2018, mais de 200 refugiados venezuelanos. A Prefeitura criou o Projeto Conta Comigo para auxiliar essa população. Em Sapucaia do Sul, a família Ibarra encontrou abrigo e já pode permanecer no Brasil.

Costurado pela prefeitura local, São Leopoldo definiu espaços restritos, onde vendedores informais, a maioria senegaleses e haitianos, podem exercer atividades comerciais sem importunar lojistas estabelecidos no centro.

Mesmo com curso superior concluído no país de origem, refugiados e migrantes se submetem a trabalhos de pouca qualificação, porque, além de caro, a revalidação do diploma requer uma série de requisitos burocráticos.

Em São Leopoldo, senegaleses realizaram passeata pela cidade convidando a comunidade para a festa em homenagem ao líder religioso Bamba Mbacké. Na capital, o Africanidades reuniu artistas africanos e brasileiros.

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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

EDITORIAL JCOMP / FREEPIK

Em 2018, estudo do Instituto Ipsos assinala que o Brasil ocupou o segundo lugar no ranking das agressões virtuais, ficando apenas atrás da Índia

E Jornal produzido semestralmente pelos alunos do curso de Jornalismo da Unisinos - Campus São Leopoldo. TEXTOS E IMAGENS: alunos das disciplinas de Jornalismo Impresso e Notícia, Jornalismo Impresso e Reportagem, e Redação para Relações Públicas II, sob orientação dos professores Edelberto Behs e Daniel Bittencourt. PROJETO GRÁFICO: alunos da disciplina de Planejamento Gráfico (turma 2019/1) Émerson dos Santos, Frederico Dias, Julia Bürkle Schneider e Vinícius Emmanuelli Peres, sob orientação do professor Everton Cardoso. DIAGRAMAÇÃO: Marcelo Garcia (Agência Experimental de Comunicação - Agexcom). IMPRESSÃO: Gráfica UMA.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Campus São Leopoldo/RS. Reitor: Marcelo Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor de Graduação: Sérgio Eduardo Mariucci. Gerente dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo. Coordenadores do curso de Jornalismo: Edelberto Behs e Micael Behs.

Linha Direta: (51) 3591.1122 E-mail: unisinos@unisinos.br

Fatos que ferem o brasileiro cordial

sta edição do Babélia, jornal laboratório do curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo, noticia e reporta dois temas: crimes cibernéticos e acolhida de refugiados e migrantes. Os dois assuntos têm pouca ou quase nenhuma afinidade entre si. Mas as matérias desnudam o mito do brasileiro cordial. “Como foi minha recepção em Porto Alegre? Foi ruim. Posso dizer que foi a cidade mais preconceituosa em que já vivi”, confessou o senegalês Bamba Toure, 27 anos, há cinco no Brasil. O jornalista Alex Glaser, que há três anos acompanha em São Leopoldo a festa em homenagem ao líder religioso islâmico Cheik Ahmadou Bamba, oferecida gratuitamente à comunidade anualmente, observa que “somos deficientes” quanto ao respeito e à hospitalidade. A colunista do El Pais, Eliane Brum, escreve em Brasil, construtor de ruínas, “por aqui acreditamos por gerações que éramos o país do futebol e do samba, e que os brasileiros eram um povo cordial. Os estereótipos não são verdades, mas construções”. Está bem. O Brasil (ainda) não tem muros de contenção a refugiados e migrantes, assim como Dinamarca, França, Espanha e Hungria construíram em território europeu. Mas passamos vergonha com as imagens transmitidas ao mundo mostrando a recepção que venezuelanos tiveram em Pacaraima, Roraima.

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E os crimes cibernéticos? Como enquadrar na cordialidade brasileira a sextorsão – prática em que a vítima é ameaçada de ter fotos ou vídeos publicados na internet –, o cyberbullying – a disseminação de ódio e ofensas pela internet que tem em crianças e adolescentes o maior alvo -, e a divulgação de notícias falsas, espalhadas em redes sociais até mesmo pela mais alta autoridade do Executivo do país? Ainda tem os casos de extorsão pecuniária, como a venda de produtos inexistentes, a promessa de lucros exorbitantes que trazem prejuízo ao bolso do consumidor. E quando o prejuízo afeta a psique, a alma, a existência da pessoa atacada na sua dignidade? “O cuidado que aparece é o de garantir que a pessoa atacada leia o que está escrito sobre ela, o cuidado que se toma é o da certeza de ferir o outro”, constata a colunista. Em 2018, a Safenet recebeu a denúncia de 3.591 páginas na internet contendo algum tipo de discriminação ou violência contra mulheres. Apenas 21 dessas páginas foram removidas! Estudo do Instituto Ipsos assinala que o Brasil “conquistou” no ano passado o segundo lugar no ranking das agressões virtuais, ficando apenas atrás da Índia. Devolver a verdade à verdade é, hoje, o maior desafio do Brasil, frisa Eliane Brum. Com a recuperação da verdade estaremos restaurando também a solidariedade, a hospitalidade, a amizade e a empatia. Que as páginas desta edição auxiliem leitoras e leitores a iniciarem essa caminhada!


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

CIBERCULTURA

Erro: criptomoeda não encontrada Esquema bilionário com moedas digitais deixa milhares de lesados no Vale do Sinos EMERSON SANTOS

Por EMERSON SANTOS

Jornalismo Impresso e Reportagem

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ngústia. Esse sentimento consome, há alguns meses, um novo-hamburguense que prefere não ter a identidade revelada. Ele é um dos mais de 23 mil investidores que aplicou suas economias em promessas de uma empresa da cidade que, supostamente, operava no emergente mercado das criptomoedas. Em dezembro de 2018, ele “investiu” R$ 7,2 mil na InDeal após contratar prestação de serviços de gerenciamento de compra e venda de criptográficos. Porém, segundo inquérito da Polícia Federal, o homem dificilmente terá o valor de volta e tampouco os lucros prometidos pela companhia. Em maio, a PF colocou em prática a Operação Egypto e desarticulou o esquema da empresa. Segundo as investigações, nunca houve investimento em moedas digitais. A InDeal arrecadou R$ 1,2 bilhão no período em que atuou e, de acordo com o inquérito, o valor era usado para enriquecimento dos sócios. A reportagem do Babélia teve acesso a um dos contratos oferecidos pela InDeal que, em novembro de 2018, garantia retorno de 15% ao mês sobre o valor aplicado. Entretanto, dados do banco de moedas digitais Coinbase indicam a instabilidade das criptomoedas e a impossibilidade de entrega das garantias oferecidas pela companhia. Entre outubro e novembro, época em que o contrato foi assinado, o Bitcoin teve desvalorização de 41,8%. Nos últimos 365 dias, outra moeda virtual, a Ethereum, também perdeu quase 8% do valor e o Bitcoin valorizou 55% — algo ainda distante dos 435% ao ano prometidos pela empresa.

Reparação é difícil

Eduardo Tocchetto, cofundador da Elliot, corretora digital alinhada às normas do Banco Central, reafirma a impossibilidade de oferecer garantias ao operar nesse mercado. “Quem promete rentabilidade está te enganando.” As investigações sobre o caso foram conduzidas pelo procurador da República em Novo Hamburgo, Celso Antônio Tres. Em nota, a Procuradoria informa que, “para preservação do bom andamento das apurações, entende-se não ser conveniente realizar pronunciamentos, neste momento”. O objetivo da Procuradoria agora é buscar “reparação à fraude”. Apesar disso, os valores apreendidos pela PF somam pequena fração do que seria necessário para concluir a restituição dos investidores. O angustiado “investidor” revela que,

Novo-hamburguense lamenta após perder suas economias em esquema fraudulento desarticulado pela Polícia Federal após assinar o contrato, teve acesso à área exclusiva em portal na internet onde pôde ver o saldo da aplicação aumentando diariamente. Entretanto, Leonardo Zanatta, advogado especialista em Direito Digital, não classifica o ato como crime digital. Para ele, a internet foi apenas meio de cometimento do golpe, e não fim. Em relação ao anonimato jurídico das criptomoedas, Zanatta acredita que as moedas digitais não vão e não devem ser reguladas. “Estaremos causando uma noção de identificação para algo que nasceu sem identificação”, disse. O que ele sugere são taxações sobre operações

de conversão de criptoativos em moedas. Tocchetto entende que as criptomoedas podem substituir as moedas de curso forçado, como o Real e o Dólar. “O sistema financeiro global será significativamente modificado”, conclui. O Facebook já anunciou sua criptomoeda. A Libra tem lançamento previsto para o primeiro semestre de 2020 e é financiada por um grupo de empresas que promete aceitar a moeda como forma de pagamento. Além da rede social, Uber, Visa e PayPal também estão no grupo.

Insegurança nas instituições

Mas por que aderir a um esquema tão suspeito? Para Ieda Rhoden, professora do curso de Psicologia da Unisinos e especialista em Psicologia Social, trata-se de uma questão sobre o contexto no qual estamos inseridos. O país enfrenta dificuldades econômicas há alguns anos e os brasileiros estão cansados. Então, procura-se uma solução imediata e quase mágica para encontrar alívio. Foi o que fez o homem com quem a reportagem conversou. “Vi a possibilidade de entrar em um negócio que estava rendendo muito mais do que os investimentos tradicionais”, admite. Além disso, as pessoas não confiam mais em instituições, analisa a professora. Os frequentes escândalos de corrupção trouxeram insegurança. O governo, as forças policiais e os bancos já não têm

A InDeal arrecadou R$ 1,2 bilhão no período em que atuou e, de acordo com o inquérito, o valor era usado para enriquecimento dos sócios 3

a credibilidade que costumavam ter. Nesse contexto, a ideia sob a qual foi concebida a criptomoeda ganha força. As moedas digitais surgiram para descentralizar e, assim, impedir que entidades reguladoras, como os bancos centrais, controlem o sistema financeiro. A apropriação dessa ideia por parte da InDeal foi fundamental no sucesso do esquema. Após a operação da PF, investidores da InDeal protestaram em frente à sede do Ministério Público Federal, em apoio à empresa. A fonte do Babélia aderiu à narrativa oferecida pela empresa. “Houve uma tentativa de acabar com o negócio por parte de grandes instituições.” De acordo com Ieda, esse comportamento remete também a um mecanismo inconsciente de defesa psicológica. O indivíduo nega a realidade para evitar um sofrimento maior e passa a lutar contra fatos e dados. Outra estratégia eficaz é a reunião de apresentação dos investimentos. Quando o indivíduo percebe que não está sozinho, ele assimila, de maneira inconsciente, o apoio do grupo. A Unick, outra companhia que atuava na região e que também foi citada por Celso Tres durante as investigações, promovia essas reuniões. Em 17 de outubro de 2019, a empresa foi alvo de megaoperação da PF e teve suas atividades encerradas sob a acusação dos mesmos crimes cometidos pela InDeal.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

CIBERCULTURA

Caiu na rede! Vazamentos de nudes tornam-se cada vez mais comuns ÂNGELO GABRIEL

Por ÂNGELO GABRIEL

Jornalismo Impresso e Reportagem

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ano é 2013. Os smartphones popularizam-se e ganham destaque entre os jovens. Laura, estudante do Ensino Fundamental, chega à escola, no centro de São Leopoldo. No início, tudo parece bem. Somente após perceber diversos olhares e ouvir alguns comentários que passou a se preocupar. Encontrou as amigas e perguntou se havia acontecido algo. Elas confirmaram. Uma foto íntima da adolescente havia sido espalhada e corria pelos celulares dos colegas. Na época com 13 anos, Laura – que contou sua história sob a condição de anonimato – fazia parte da faixa etária que menos procura ajuda nessas situações, que abrange até os 17 anos. Somente em 2018 foram registrados 669 casos de vazamento de nudes. O número é considerado subnotificado, visto que as vítimas sentem vergonha em se expor e fazer uma ocorrência na polícia. As mulheres são as principais atingidas, conforme dados da ONG Safernet, associação civil que possui foco na Defesa dos Direitos Humanos na Internet do Brasil.

Exposição não autorizada

Uma das motivações para o alto índice de vazamentos está na mudança das relações, que tornaram-se – em alguns casos – virtuais, e na mudança de forma da sexualidade. Crianças e adolescentes tiram fotos sensuais nos mais variados ambientes. Algumas das imagens viajam pelo ciberespaço sem consentimento e caem na rede, ganhando repercussão que muitas vezes agride a pessoa exposta. Quando uma foto íntima é vazada, está sendo cometido um crime grave, de acordo com o especialista em Direito Digital Jonatas Lucena. O advogado acrescenta que o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que toda criança e adolescente devem ter seu direito à integridade física, psíquica e moral preservadas. As penas para quem registra, publica, adquire e armazena os materiais podem variar de um a oito anos de reclusão.

Somente em 2018 foram registrados 669 casos de vazamento de nudes

A parte do cérebro responsável pela tomada de decisões não está completa na adolescência, explica especialista

Hoje, três anos depois, ela ainda tem medo de que ele publique as imagens

Outro caso recorrente nos corredores das escolas, mas que não recebe tanta atenção, é o sextorsão – prática de extorsão na qual a vítima é ameaçada de ter fotos ou vídeos publicados na internet. Algumas autoridades enquadram o termo como “estupro virtual”. O nome é baseado no Artigo 213 do Código Penal, que define o estupro como o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Nesta situação, a pena de crime é de seis a dez anos de reclusão. Bianca, que também preferiu não ser identificada, foi vítima de sextorsão em 2016. Namorava um garoto e resolveu terminar o relacionamento ao sentir que as coisas não iam bem. Ele passou a ameaçá-la. Insistiu que, se não ficassem juntos, mostraria as fotos íntimas dela para todos. Foi um período traumatizante para Bianca, que não contou o caso para nenhum amigo e se sentia culpada por ter enviado as fotos. Hoje, três anos depois, ela ainda tem medo de que ele publique as imagens.

mais suscetíveis a se envolverem em comportamentos de risco. “A parte do cérebro responsável pela tomada de decisões e pelo juízo crítico dos jovens não está completa nessa fase”, ressalta o doutor em Psicologia Jean Von Hohendorff. Jean, que também coordena o grupo de pesquisa VIA-Redes (Violência, Infância, Adolescência e atuação das redes de proteção e atendimento) afirma que, para evitar comportamentos de risco, deve haver conscientização desde a infância. No entanto, não no sentido proibitivo, mas no sentido de fazer o jovem entender as principais consequências de seus atos. Quanto à relação da escola com os casos, Maria, diretora da escola de Laura, deixa claro que se sente “inca-

Ameaça aos jovens

Apesar de o envio de nudes não ser restrito a adolescentes, eles são

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paz de penetrar no mundo virtual e auxiliar os estudantes”. Segundo ela, “a escola não está preparada para lidar com os vazamentos de nudes, e a instituição ficou aquém do mundo da tecnologia”. Além dos casos, a diretora – que a reportagem decidiu não revelar o nome para preservar a vítima – também precisa lidar com os personagens secundários da história: os pais. “O choque de gerações impede a aproximação e o entendimento das partes. Atualmente, os mais novos observam a situação com mais naturalidade, enquanto os mais velhos se chocam e tentam defender a honra dos filhos”, conta. Anos depois dos casos, Laura e Bianca percebem que os jovens tratam os casos com mais normalidade. Elas acreditam que a repercussão, dependendo da vítima, ainda é grande, mas que as crianças e adolescentes passaram a entender que a fotografia mostra somente um corpo. Bianca adverte que, quando acontece o vazamento de nudes, os mais velhos não devem julgar as vítimas, mas sim prestar apoio. Já Laura afirma que a conscientização das pessoas é a parte mais importante de tudo.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

CIBERCULTURA

Um pesadelo de 15 minutos Daiane foi vítima de difamação na Internet e sofre com danos até hoje Por TAINARA PIETROBELLI

senhas, violação de dados de usuários e divulgação de informações e imagens privadas.

Jornalismo Impresso e Reportagem

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ovecentos segundos. Esse foi o tempo suficiente para afetar drasticamente uma vida, causando um trauma tão grande que parece não ter solução. Foram 15 minutos de vingança na internet que atropelaram sonhos de uma jovem de 22 anos, que tentava apenas seguir em frente após o fim de um relacionamento abusivo. “Me senti tão culpada que tentei fazer uma loucura. Achei que nunca conseguiria recuperar minha imagem”, confessa Daiane, que contou o seu drama sob a condição de não revelar a sua identidade. O psicólogo Carlos Pinheiro explica: “Os danos podem variar de acordo com a estrutura emocional da pessoa, como o isolamento no ambiente de trabalho e o afastamento das atividades sociais e profissionais. Alguns casos têm solução e a pessoa se reorganiza de forma mais rápida, mas infelizmente muitos casos acabam em suicídio”.

Os dados assustam

Como tudo aconteceu

Durante dois anos de um relacionamento tóxico e controlado através da internet, Daiane alega que as redes sociais eram a sua prisão. Nada escapava da visão do ex-namorado, que tinha todas as suas senhas e lia todas as suas conversas – inclusive se passando por ela, como uma maneira de investigá-la. Ela decidiu pôr um ponto final no namoro quando percebeu que as invasões de privacidade, ameaças, chantagens e todo o tipo de violência psicológica não teriam fim. Nos primeiros meses, sentiu alívio por não ser procurada pelo ex, mas logo as coisas mudaram. Assim como acontece em tantos relacionamentos abusivos, a insistência em manter a amizade fez com que a garota cedesse, acreditando que ele havia mudado. O ex passou a exercer o papel de amigo, preocupado e leal, até que um dia, enquanto trabalhava, Daiane recebeu uma série de mensagens de amigos e familiares com prints de um perfil fake com sua foto e posts dizendo que ela

As denúncias de crimes online contra mulheres subiram 1.600% no Brasil em 2018, segundo a Safernet

Perfil no Facebook induziu amigos a acreditar que Daiane era garota de programa estaria disponível para fazer programas, além de diversas frases humilhantes e desmoralizadoras sobre ela. O perfil ficou no ar durante 15 minutos, tempo suficiente para enviar solicitações de amizade para toda a família da vítima. Daiane não imaginava que o ex-companheiro seria capaz de algo tão cruel. “Eu fiz um B.O. no outro dia, mas

ainda não sabia que se tratava do meu ex, porque ele pareceu tão espantado quanto eu”, diz. Apesar de muitos acharem que os crimes virtuais ficam impunes, eles também são penalizados através de leis. A mais conhecida é a Lei dos Crimes Cibernéticos (Lei 12.737/12), que caracteriza os atos de invasão de computadores, roubo de

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Denunciar é a única maneira de recuperar a segurança perdida. As denúncias online contra mulheres subiram 1.600% no Brasil em 2018, segundo a SaferNet, ONG especializada em crimes virtuais. Foram 16.717 denúncias através do site, que também possui um espaço online para orientação e apoio. Muitas mulheres apresentam a queixa em último caso, na esperança de que nunca aconteça nada mais grave, o que geralmente não acaba bem. “Eu me sentia muito deprimida e não conseguia prestar atenção em nada a minha volta. É muito difícil saber que alguém te odeia tanto a ponto de fazer algo assim. Hoje, parece que eu sou outra pessoa, não consigo voltar a ser quem eu era antes, porque todos os dias eu relembro daqueles prints que recebi. Toda vez que vejo alguma notificação em redes sociais fico nervosa, pois penso que pode ser mais um fake.” Depois do episódio, Daiane evita sair de casa e não se sente bem convivendo em grupo, prefere ficar sozinha e busca não pensar no que aconteceu. “Eu tento me manter ocupada, acho que assim eu talvez consiga superar, mas às vezes tudo vem à tona, geralmente quando vou dormir – aí meu dia é horrível. Eu tenho vontade de sumir das redes sociais, mas ao mesmo tempo tenho medo de que ele faça algo novamente, e não ver seria pior.” Pinheiro, que atende muitos casos de depressão causada por crimes virtuais, explica que os vazamentos de fotos e vídeos íntimos, além da exposição de informações pessoais e difamação, podem levar à baixa autoestima, estresse e diversos problemas relacionados ao emocional, como depressão, transtorno de pânico e transtorno de ansiedade generalizada. Apoiar a vítima após o trauma é um ponto extremamente necessário para contribuir com a sua recuperação. Quem passa por situações como a de Daiane precisa de muito apoio e compreensão, e jamais de julgamentos. Acolher a dor da vítima é o primeiro passo que deve ser dado, tanto no tratamento, quanto no acolhimento familiar. As denúncias podem ser realizadas em uma delegacia comum, mas a recomendação é que a vítima procure, em primeiro lugar, uma delegacia focada em cibercrimes. No Estado, a unidade especializada fica em Porto Alegre, e pode ser contatada através do telefone (51) 3288-9815.


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CIBERCULTURA

Cuidado, você está sendo enganado Cresce número de golpes em sites de vendas pela internet SARA NEDEL PAZ

Por SARA NEDEL PAZ

Jornalismo Impresso e Reportagem

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universo das fraudes virtuais é maior do que você pode imaginar, e a forma como estão sendo reproduzidas é espantosa. Ao acessar um cadastro online e passar informações por telefone, alguém pode facilmente pegar o seu CPF, número de cartões de crédito, clonar e roubar os seus dados. Essas situações são muito frequentes no dia a dia de quem faz compras pela Internet e recebe o contato de estabelecimentos sobre seus dados pessoais. No Código Penal, essa prática se chama estelionato. Foi o que ocorreu com a professora de pré-escola e anos iniciais de São Leopoldo Carla Borges, que viveu uma situação de pavor ao suspeitar que o cartão de crédito do marido havia sido clonado. O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) revelaram que mais da metade dos consumidores brasileiros utilizam ferramentas de compra e venda de produtos online ou serviços. O caso é que cada vez mais criminosos passam a utilizar aplicativos como Mercado Livre, Enjoei, OLX, Uber ou táxi, lojas varejistas, aplicativos de ofertas e descontos, streaming, delivery, pacotes com planos de TV e telefonia, para cometer seus crimes e prejudicar os usuários. No caso de Carla, após realizar a compra de um plano de TV por assinatura, divulgado na internet, ela notou algo estranho. “Entramos em contato com a operadora via telefone e o vendedor nos solicitou os dados do nosso cartão de crédito, bem como dados pessoais, CPF, RG e endereço para colocação do aparelho. Logo após isso, as compras começaram a aparecer em intervalos de poucas horas”, relata Carla. Em seguida, o casal começou a perceber notificações de compras de produtos no aplicativo do cartão. A sorte deles é que, devido ao dia em que seus dados foram clonados, foi mais fácil de conseguir apoio para bloquear o cartão e estornar os valores da fraude. Porém, nem sempre isso é possível. Alguns criminosos se aproveitam e tentam realizar esses roubos em finais de semana, quando bloquear o cartão e conseguir auxílio é mais complicado.

Buscando entender

De acordo com balanço de 12 meses do CNDL, iniciado em agosto de 2018, o Brasil atingiu cerca de 12 milhões de casos de roubo de dados na Internet durante o período de um ano. E para que haja estelionato, é preciso quatro condicionantes: vantagem ilícita para

Stevan comprou um telefone celular por um site de vendas e recebeu uma chave de boca enferrujada no lugar

quem comete o delito, prejuízo para a vítima, uso de malícia para enganar e a indução da pessoa ao erro. Além disso, o CDNL/SPC Brasil diz que 46% das pessoas que participaram de suas pesquisas alegaram ter caído em crimes cibernéticos – sendo 25% detectados como clonagem de cartão e em 42% dos casos, o produto anunciado era diferente do recebido. Um exemplo disso ocorreu com Stevan Ferreira. Quando estava para comple-

tar 15 anos, resolveu comprar um telefone através do OLX. “Eu queria trocar de celular, e tinha a intenção de comprar um usado. Escolhi o iPhone 5S, e aí eu achei um anúncio bom, oferecendo o celular que eu queria – só que novo”, revela. Contando sobre a conversa longa com o vendedor e a discussão de como seria feito o pagamento e recebimento do produto, ele, entre uma postura envergonhada e risonha, diz: “Estava tudo certo. Eu depositei o valor a vista, recebi

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o código de rastreio e podia até mesmo acompanhar o pedido. Só que quando chegou, eu achei o peso estranho, e ao abrir, tinha apenas uma chave de boca enferrujada pra fazer peso, foi chocante”, relatou. O caso foi levado à Justiça e não chegou a ser solucionado, pois o processo foi abandonado pela família de Stevan. O fato é que esses casos de fraude e clonagem poderiam ter sido evitados. O diretor do Departamento de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública, delegado de Polícia Civil Emerson Wendt, dá algumas dicas de como se prevenir dos golpes através de cuidados, como: alteração de senha, acesso infantil, autenticação de contas e desconfiança – veja mais no gráfico. Depois de todo o transtorno, as duas famílias passaram a prestar mais atenção. Wendt afirma que o ideal é que, além da vítima conferir as informações e realizar denúncias em sites como Safernet e Reclame Aqui, ela compareça a uma delegacia para formalizar um boletim de ocorrência, buscando a Justiça como Stevan. Apesar de ser complicado fugir de tantas situações de risco, o que não se pode é esquecer que esses crimes na internet também são penalizados com a Lei Carolina Dieckmann Art. 154 (12.737 / 12). E, com o crescimento do mundo virtual e suas facilidades, os cuidados devem ser redobrados.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

CIBERCULTURA

Dados pessoais sob o seu controle Lei Geral de Proteção de Dados entra em vigor em 2020 KÉVIN SGANZERLA

Por KÉVIN SGANZERLA

Jornalismo Impresso e Reportagem

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ocê já foi à farmácia e te pediram o CPF? Ou solicitaram os seus dados pessoais ao fazer um cartão fidelidade? Essas informações podem ser compartilhadas para outras empresas ou utilizadas de forma ilícita, além de estarem suscetíveis a vazamentos ou invasões. Com o crescente histórico de casos de dados compartilhados sem o consentimento dos usuários, foi preciso criar leis para frear o vazamento de informações pessoais. Na Europa, nos Estados Unidos e, a partir de 2020, no Brasil, as empresas deverão criar políticas para deixar claro como, onde e com que finalidade utilizam e são tratados os dados dos usuários. Esses são alguns dos principais princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que tem como objetivo garantir a privacidade dos dados pessoais dos cidadãos e consumidores, e permitir um maior controle sobre eles. “A LGPD pode ser considerada um novo paradigma dentro das empresas, em especial por promover uma cultura de proteção de dados pessoais”, ressalta o especialista em políticas e indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabiano Barreto. Com menos de um ano para entrar em vigor, grande parcela dos segmentos da economia brasileira, como grandes redes de supermercados, farmácias e indústria, ainda está distante de se adequar às regulamentações da LGPD. “Estamos muito longe da realidade desta lei. Se esses ‘gigantes’ não têm políticas, imagina o senhor da padaria”, comenta o presidente da Associação da Tecnologia da Informação (ATISerra), Daniel Westerlund.

Os princípios da LGPD

A LGPD, sancionada em 14 de agosto de 2018, foi inspirada na proposta europeia para o tema, a General Data Privacy Regulation (GDPR). “Ela exige dos agentes de tratamento de dados pessoais uma série de obrigações e confere aos usuários uma série de direitos. A lei brasileira está assentada em dez princípios, e traz severas sanções àqueles que descumprirem os direitos dos titulares”, explica José Milagre, perito digital e fundador do Instituto de Defesa do Cidadão na Internet (IDCI). Dentre os princípios, Milagre cita a transparência, limitação da finalidade e da conservação, além de novos direitos aos titulares, como o acesso aos tratamentos e aos dados, revogação do consentimento, exclusão dos dados, direito ao se opor ao tratamento, entre outros.

Clientes poderão questionar as empresas onde e de que forma ficam armazenados os seus dados pessoais de processos judiciais. Isso aconteceu na Europa”, ressalta.

“Os titulares vão poder questionar as empresas, por exemplo, quais dados têm sobre mim, quais são os tratamentos, e até mesmo pedir para excluir esses dados. São novos direitos e, com certeza, as demandas crescerão significativamente”, comenta. De acordo com a pesquisa realizada pela Serasa Experian, que em março de 2019 ouviu executivos de 508 empresas de todos os segmentos e de diversas regiões do país, 85% deles afirmaram não estar preparados para garantir os direitos dos titulares no tratamento de dados. Segundo Milagre, o setor bancário é o que está mais avançado, porém, nos demais segmentos grande parte das empresas não se declara preparada para a adequação à LGPD. “Evidente que as empresas não estão preparadas. E não há dúvidas que teremos um aumento em escala de requerimentos de titulares, de denúncias da autoridade nacional e

Empresas longe da norma

Westerlund se mostra ainda mais enfático ao descrever a preparação das empresas para as diretrizes impostas pela lei. “Qualquer pessoa pode ver que grandes redes de supermercado, por exemplo, não têm política alguma relacionada à LGPD. E os funcionários que atendem no caixa não fazem nem ideia do que é”, comenta. A ATISerra conta com mais de cem gestores na área de Tecnologia da Informação e Comunicação de empresas situadas na Serra Gaúcha. Segundo o fundador da associação, o assunto está em voga, porém mais de 90% dos integrantes não estão tomando ações efetivas para se adaptar à lei. “Os diretores das empresas ainda não viram isso como um assunto relevante”, afirma Westerlund. O especialista em políticas e indústria da CNI observa a LGPD como uma oportunidade. “A adequação à lei trará segurança para a criação de novos modelos de negócio, produtos e serviços baseados em dados pessoais, e ainda contribuirá para aumentar o grau de confiança dos consumidores, que terão informações sobre como seus dados são tratados e protegidos pelas empresas”, explica. A LGPD estabelece, segundo Barreto, a possibilidade de procedimentos dife-

“Se esses ‘gigantes’ não têm políticas, imagina o senhor da padaria” Daniel Westerlund Presidente da ATISerra

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“A lei brasileira está assentada em dez princípios, e traz severas sanções àqueles que descumprirem os direitos dos titulares” José Milagre Perito digital renciados àquelas empresas de menor porte, que enfrentarão um processo mais longo de aprendizagem. “Em geral, as empresas com operação internacional já estão familiarizadas com esse tipo de legislação. Porém, essa não é a realidade das indústrias brasileiras de menor porte. Acertadamente, para essas empresas a LGPD estabelece a possibilidade de procedimentos simplificados, inclusive quanto aos prazos para adequação”, ressalta. Apesar disso, é fato que as empresas devem se atentar e se afastar do “jeitinho brasileiro” – de deixar tudo para a última hora – para não sofrerem as pesadas sanções previstas em lei.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

CIBERCULTURA

Jogue como uma garota Quando o assédio entra, a diversão do jogo sai DANIELA GONZATTO

Por DANIELA GONZATTO

Jornalismo Impresso e Reportagem

J

ogos online carregam raízes machistas que assombram meninas que têm a prática como hobby. Preferindo estar em seu quarto jogando em vez de sair na rua e receber palavras e olhares de assédio, a jogadora de League Of Legends (LOL) Luíze de Souza Soares sabe que nem sempre isso adianta. “Quando descobrem que é uma garota jogando, ou ficam dando em cima ou julgam cada coisa que faz”, desabafa. O motivo? O fato de ser uma garota. Ao contrário do que pensa o senso comum, as mulheres são maioria nos jogos online entre as pessoas que jogam por diversão. Ainda assim, há uma porcentagem elevada de casos em que o machismo e o assédio ocorrem, por mais que não sejam registrados em delegacias. Segundo estudo da Universidade Estadual de Ohio com 293 participantes, 100% das mulheres que jogam através de meios eletrônicos online, por pelo menos 22 horas semanais, sofrem assédio durante as partidas. Assim como o que acontece com Luíze, Caroline Cougo também experimenta situações desagradáveis em seus momentos de lazer. Com bastante interesse em jogos, divide sua vida de professora de português e inglês com as partidas e um canal no YouTube sobre o assunto. “Mesmo passando por situações ruins em meu canal, nada se compara ao que eu passo jogando League of Legends. Como as pessoas não te veem e não revelam quem são, elas têm mais coragem de dar rage (reação de ira, xingamento) e, se em algum momento eu jogo mal, eles dizem: ‘tinha que ser mulher’ ou coisas mais pesadas. É bem complicado”, afirma.

À margem da lei

Pensando no que pode fazer para mudar a situação, Caroline enfatiza que tenta conscientizar as pessoas conversando sobre mulheres nos jogos. Porém, não é tão fácil resolver a situação. Segundo a titular da 1ª Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) de Porto Alegre e diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis (DPGV), quem sofre não denuncia fora do jogo. A delegada Tatiana Barreira Bastos alega que nunca registrou acusações de assédio em jogos online e afirma que o assédio, por si só, não é crime. Para que esses episódios se enquadrem na lei, o caso teria que ser entendido como perturbação da tranquilidade, previsto na Lei das Contravenções Penais, ou como

Mesmo sendo maioria como casual gamers, mulheres sofrem com o assédio e o machismo em partidas de jogos online injúria sobre algum xingamento à mulher. “Imagino que seja algo muito subnotificado. Ou seja, a maioria das mulheres não deve levar isso a conhecimento da polícia. Porém, se for vítima de um crime dessa natureza ou contravenção, pode procurar qualquer delegacia de polícia, inclusive a DEAM”, enfatiza. Segundo a Pesquisa Game Brasil, realizada em fevereiro de 2019 e que contou com 3.251 participantes, a predominância entre os casual gamers – pessoas que jogam online por até três vezes na semana em sessões de até três

horas – é feminina. Mesmo assim, os assédios são contínuos e diários. Caroline nunca chegou a ser discriminada por ser mulher em seu canal, mas já recebeu diversos comentários negativos, objetificando-a por jogar. Além disso, relata que o mansplaining – termo utilizado para descrever quando um homem tenta explicar algo a uma mulher em relação a assuntos óbvios ou que ela domina – é constante.

Ausência de solução

Como se fosse natural, as garotas já sabem que toda a diversão proporcionada durante algumas horas pode ser quebrada em pouco tempo. Contudo, de acordo com o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos de Porto Alegre, delegado André Lobo Anicet, existem apenas setores responsáveis por outras práticas realizadas em meio informático. Por isso, se ocorrerem ações de roubo e mudança de arquivos durante as ofensas, o caso é repreendido pela polícia. Entretanto, se não somam com o assédio e o machismo, a delegacia não cobre o fato. Sem proteção de delegacias contra a misoginia nesses casos, ofensas gratuitas

“Quando descobrem que é uma garota jogando, ou ficam dando em cima ou julgam cada coisa que faz” Luíze de Souza Soares Jogadora

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são disparadas pelos homens em partidas que deveriam ser divertidas. Luíze conta que não querer jogar como suporte, uma das categorias responsáveis por amparar os outros jogadores, é outro fator que faz dela um alvo. Inclusive, reconhece que os meninos consideram que garotas só sabem jogar nessa categoria por ser “um trabalho fácil”. Em relação ao nickname (apelido escolhido no jogo), tanto Caroline como Luíze já tiveram problemas. Entretanto, mesmo sofrendo bullying e assédio, Caroline se recusa a mudar de “nick”. Já Luíze procura impedir os atos de assédio utilizando o nome de uma deusa egípcia pouco conhecida por considerá-lo com uma fonética unissex: Nebthet. Mesmo assim, observa que, quando utilizava o próprio apelido, Izzie, o assédio era mais constante. Para tentar amenizar os casos, a perita criminal do Departamento MédicoLegal de Porto Alegre, Adriana Miele, sugere o diálogo sobre o que acontece durante as partidas e o monitoramento das atividades. Segundo ela, são as maneiras mais eficazes de prevenção e de manutenção da segurança nas redes. Com essas atitudes, menos crianças e adolescentes serão afetadas.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

CIBERCULTURA

O avanço da violência digital Em um ano, crimes virtuais contra mulheres aumentaram 1.639% no Brasil Por RODRIGO PEREIRA

positivo pela assessora no combate a essas violências é a existência de uma delegacia especializada. Ela refere-se à Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI), localizada em Porto Alegre. O delegado André Lobo Anicet, no entanto, esclarece o funcionamento do órgão e reforça o melhor caminho para mulheres vítimas desses crimes. “A delegacia está submetida às ordens do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), que foca em golpes online realizados por criminosos. Caso alguma mulher sofra com violência no mundo digital, o ideal é procurar as Delegacias da Mulher, que são especializadas nesses assuntos”, frisou.

Jornalismo Impresso e Reportagem

Q

uinto maior país em território no planeta e dono da terceira maior população carcerária. Mais de 200 milhões de habitantes e um dos países mais desiguais do mundo. As belezas naturais dividem espaço com a violência, a pobreza e a miséria. Em meio a tudo isso, o Brasil possui mais um problema para se preocupar. No período de um ano, entre 2017 e 2018, o país viu a taxa de crimes virtuais relacionados à violência contra mulher explodir. Segundo dados da Safernet, uma ONG ligada ao Ministério Público Federal e que atua no combate a diversos crimes cibernéticos, houve um aumento de 1.639% nas denúncias recebidas acerca do tema. Em números absolutos, a entidade recebeu, em 2017, 961 denúncias; já no ano passado, foram 16.717. A organização define violência ou discriminação contra mulheres como “material escrito, imagens ou qualquer outro tipo de representação de ideias ou teorias que promovam e/ou incitem o ódio (misoginia), a discriminação ou violência contra qualquer pessoa por razões de gênero”. O aumento nesse tipo de infração não foi identificável somente nos números, mas também na prática, conforme relatou a assessora técnica do Departamento de Políticas para Mulheres (DPM). De acordo com Pâmela Peixoto, o aumento é visível. “Percebi o aumento de atendimentos com essa demanda enquanto estive como psicóloga no Centro de Referência da Mulher (CRM), em Porto Alegre. Também observei que as mulheres acima de 50 anos buscaram mais esse atendimento e acredito que o fácil acesso à internet e a exposição das redes sociais contribuiu para isso”, afirma. As alterações de 2018 na Lei Maria da Penha, que passou a tipificar como crime exposições de fotos íntimas sem consentimento e atos semelhantes, como sextorsão, é uma das razões que pode ter influenciado nos dados, mas não o único. “A alteração da lei tem contribuído para o aumento dos casos, mas, ainda assim, acredito que a elevação do uso da internet seja mais responsável pelo acréscimo desses índices”, pontua.

Atendimentos por região

De acordo com os dados da Safernet, os atendimentos às vítimas apontam o Sudeste, com 55,7%, como líder disparado por região, seguido pelo Sul, com 18,9%. Desde 2015, o Rio Grande do Sul não possui mais a Secretaria Estadual de Políticas para Mulheres – que foi incorporada a outras pastas, estando, hoje,

Número de denúncias pulou de 961 para 16.717 no período de um ano Combate ao crime é difícil

sob o comando da Secretaria Estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Pâmela acredita ser importante a existência de uma secretaria específica para o assunto, mas isso não impede que o trabalho na área seja realizado. “Estaria sendo hipócrita se ignorasse o fato de que uma secretaria tem mais

autonomia, mais verba, mais recursos humanos, consequentemente, consegue atender mais mulheres. No entanto, acredito que um departamento de políticas para mulheres bem sólido e articulado consiga fazer um bom enfrentamento à violência”, comenta. Algo julgado como extremamente

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Dentre as 961 denúncias realizadas à Safernet em 2017, 420 páginas de sites hospedaram algum tipo de discriminação ou violência contra mulheres e apenas 21 foram removidas, em torno de 5% do total. Em 2018, foram 3.591 páginas denunciadas, aumento de 755%, e 317 removidas, em torno de 9%. Mesmo com o aumento de 4% nas remoções, 3.274 páginas com algum conteúdo ofensivo às mulheres continuam online – e os responsáveis sem punição. Segundo o advogado criminalista Diego Chaves, essas práticas, infelizmente, são comuns. “São crimes praticados cotidianamente. No entanto, atualmente existem mais meios para punição dos infratores, bem como registro dos mesmos”, disse. Para Chaves, o Estado precisa atuar firmemente nesse enfrentamento. “Independentemente de sua natureza, os crimes não podem se perpetuar e o Estado deve proporcionar mecanismos para coibi-los e puni-los” opina. A pena para quem comete essas infrações é de reclusão e alterna entre um a cinco anos. Hoje, o Brasil ocupa a quinta posição no ranking global de crimes virtuais de violência contra mulheres. O país que mais mata transexuais no mundo precisa combater quem realiza esses atos, ou logo poderá liderar outra lista mundial em que só causará vergonha e repulsa.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

CIBERCULTURA

Vítimas de cyberbullying Segundo o Instituto Ipsos, uma em cada quatro crianças já sofreu com o problema no país MILLA LIMA

Por MILLA LIMA

Jornalismo Impresso e Reportagem

“S

im, o suicídio passou pela minha cabeça. Admito. É uma dor muito forte que tu não consegues explicar. Parecia que meu peito estava sendo esmagado”. Flávia Ribeiro, vítima de cyberbullying, é apenas uma das personagens da história desse grande problema no Brasil. O cyberbullying é a disseminação de ódio e ofensas pela internet. O maior alvo são crianças e adolescentes. Porém, todo mundo pode sofrer com ele, especialmente aqui no Brasil. Segundo estudo realizado pelo Instituto Ipsos em 2018, o Brasil é o país em segundo lugar no ranking em agressões virtuais, perdendo apenas para a Índia.

A vítima

Flávia tinha 15 anos na época do ocorrido. Os ataques foram por WhatsApp, enviados pelo seus colegas de classe que estavam em uma festa para qual ela não havia sido convidada. “Eles falaram tudo de ruim que tu podes imaginar para uma pessoa”. A estudante afirmou que o apoio que recebeu de seus pais foi essencial para sobreviver a esse ataque. “Sinceramente, eu acho que eu não estaria aqui”, admitiu Flávia quando questionada o que teria acontecido se não tivesse apoio dos pais e um tratamento psicológico. O acontecimento resultou em traumas posteriores ao ocorrido, como problemas com autoestima e insegurança que Flávia lida até hoje, mesmo fazendo acompanhamento psicológico. Porém, também causou traumas imediatos, “Acabei me cortando aquele dia, coisa que nunca tinha feito antes”, lembrou. Segundo a psicóloga Paula Borgmann, isso é normal entre as vítimas. Sem tratamento, outros problemas podem aparecer, como transtornos psicológicos, crises de ansiedade e de pânico, baixa no rendimento escolar, problemas na vida adulta ao se relacionar com outras pessoas e uso abusivo de álcool e outras drogas. A adolescente teve a sorte que muitos não têm. Seus pais notaram imediatamente sua reação, e foram até o local em que os agressores estavam para conversar com os responsáveis que monitoravam a festa. “Foi uma das piores coisas que aconteceu na minha vida, ficamos revoltados e ao mesmo tempo chocados”, contou a mãe da vítima, Fabiane Ribeiro. Paula aconselha pais e professores a ficarem de olho nas crianças e adolescentes. As vítimas do cyberbullying mostram sinais, como se isolar, dormir

Mesmo não sendo a solução para acabar com o problema, a psicóloga indica a seus pacientes que se afastem das redes demais e diminuição da comunicação com os pais para não transparecer seu sofrimento. A reação da vítima depende da gravidade das agressões que ela está passando. A atenção é extremamente necessária, pois esses sinais também são de “transição da adolescência”, e podem causar confusão.

O anonimato

“É tão perigoso quanto qualquer outra forma de agressão. O cyberbullying passa da barreira física de forma que a vítima não encontre formas de escapar da agressão que acontece intensamente através

O cyberbullying parece ser mais leve que o clássico bullying que ouvimos falar toda hora, mas é mais complicado

das redes sociais”, disse a psicóloga. O cyberbullying parece ser mais leve que o clássico bullying que ouvimos falar a toda hora, mas é mais complicado. Como o lugar do crime é a internet, facilmente essas pessoas se escondem atrás de perfis anônimos. A advogada criminal Eduarda Matzembaker conta que após os aplicativos com possibilidade de mensagens anônimas começaram a aparecer, os casos aumentaram. A estudante Maísa, de 14 anos, foi vítima de agressões anônimas no Curious Cat – um aplicativo que possibilita enviar perguntas sem identificação. “Tenho medo de me envolver com as pessoas exatamente por culpa disso, demorou muito tempo para mim finalmente conseguir ter confiança em alguém de novo”.

Mas e a lei?

Em 2015, a ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a primeira lei contra o bullying em geral, englobando o cyberbullying, classificando o que era o seu significado e que ações poderiam ser abertas contra esse “novo crime”.

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No ano passado foi aprovada uma segunda lei sobre o problema, tendo como finalidade promover medidas de conscientização e de prevenção ao bullying nas escolas. A advogada contou que desde que a lei foi criada, a demanda para esses casos cresceu no escritório que trabalha em Porto Alegre. “O saudável debate sobre o tema, assim como as campanhas de conscientização, tem favorecido o encorajamento das pessoas a denunciar situações e abusos como esses. Apesar de parecer um assunto relativamente ‘novo’, há muito tempo ele vitimiza pessoas”, concluiu Eduarda. No decorrer dessa matéria, 12 vítimas foram entrevistadas. Todas com mágoas e traumas causados pelo cyberbullying e por agressores que na maioria das vezes não sabem o mal que estão fazendo. Para denúncias de cyberbullying ou qualquer crime virtual, visite o site www.internetsegura.pt ou ligue 800 219 090. Para casos mais extremos, não se desespere, procure ajuda. O Centro de Valorização da Vida fica disponível 24 horas por dia, pelo telefone 188.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

INTERIORIZAÇÃO

Senegaleses desafiam preconceito e se integram no mercado gaúcho Brasileiros, afirmam imigrantes, não conhecem os costumes de países africanos Por ANA CAROLINA OLIVEIRA

VINÍCIUS PEDROLLO

Jornalismo Impresso e Notícia

H

á cinco anos, um dos imigrantes que o Brasil recebeu foi Bamba Toure, senegalês, 27 anos, formado em Engenharia de Automação em Senegal. Agora, Bamba mora na capital gaúcha e atua na parte cultural da Associação dos Senegaleses de Porto Alegre. Bamba contou que descobriu o que era preconceito no Brasil, pois esse tipo de situação não acontece em seu país, já que em Senegal a maioria da população tem a mesma etnia. ‘’Como foi minha recepção em Porto Alegre? Foi ruim. Posso dizer que foi a cidade mais preconceituosa em que já vivi. O imigrante africano sempre vai sofrer preconceito’’, afirmou Bamba. Nos últimos anos, o Brasil recebeu grande quantidade de imigrantes vindos de Senegal, na África Ocidental. Os senegaleses optaram por deixar seu país nativo por questões econômicas, que não estão nada favoráveis atualmente. Assim, muitos desses imigrantes escolheram o Brasil como destino. Bamba relatou que sofre preconceito no ônibus, no mercado e em todos os lugares públicos que frequenta.

O senegalês Bamba Toure (esquerda) descobriu o preconceito no Brasil Como forma de combater a discriminação, Bamba criou uma página no Facebook chamada ‘’Sene Brasil TV’’, que promove a cultura senegalesa entre brasileiros. Na Serra Gaúcha, o imigrante Moussa Gning, 30 anos, atua como vendedor ambulante em São Francisco de Paula desde 2017. Ele mora há quatro

Migrantes encontram qualidade de vida no interior do Estado

anos no Brasil e já residiu em São Paulo e em Caxias do Sul, mas optou por ficar permanentemente em São Francisco de Paula. ‘’As pessoas aqui em São Chico são boas. No primeiro mês, estava complicado, pois os moradores não conheciam nada sobre nós, senegaleses. Já aconteceram situações erradas,

Cidade gaúcha desenvolve projeto humanitário para auxiliar migrantes

“A qualidade de vida que encontrei aqui é bem melhor do que no país onde eu morava”, desabafou o senegalês Magueye Faye, de 33 anos, que está há sete anos no Brasil. Atualmente, Magueye reside em casa de aluguel na cidade de Parobé com a mulher, Fatou Guye, 24 anos, dois filhos e com o irmão Mbalo, 23 anos. O casal destacou a receptividade dos brasileiros. Tanto Fatou como Magueye e o irmão não passaram por qualquer tipo de constrangimento, como descaso ou preconceito. Para garantir o sustento da família, Fatou, por não dominar o português, vende panos de prato, e Magueye, que fala o português fluentemente, é vendedor ambulante no centro da cidade. A secretária de Assistência Social, Tamires Kieling, disse que índios e migrantes têm sido o foco da sua pasta. Lamentou o fato de a Secretaria não estar recebendo os recursos que outrora vinham do Estado. “Nossas ações acabam ficando limitadas com a falta desse dinheiro”, lamentou.

A cidade de Esteio recebeu, no ano passado, mais de 200 refugiados venezuelanos. O município desenvolveu, então, uma força tarefa para o acolhimento dessas pessoas. O “Seminário de Engajamento Humanitário”, a “Operação Venezuela” e o “Projeto Conta Comigo” integraram esse programa. O último foi criado com objetivo de engajar a comunidade em ações em prol de causas humanitárias. Agora, o projeto conta com mais de 400 voluntários atuando em diversas funções. “Eu não imaginava que haveria tantas pessoas interessadas em ajudar”, admitiu a titular da Secretaria Municipal de Cidadania, Trabalho e Empreendedorismo, Tatiana Tanara de Mello Figueiredo. Contar com essa ajuda foi importante para que acontecesse de verdade o acolhimento, agregou.

Por MICHELE ALVES

Redação em Relações Públicas II

Por DAIANA PETRÓ

Jornalismo Impresso e Notícia

de discriminação, mas eu entendo, porque ninguém é igual a ninguém’’, justificou Moussa. Ele sabe que em qualquer lugar que vá haverá alguém que não gosta do fato de ele ser um imigrante, mas que sempre se esforça para tratar todos com respeito e que ‘’fica no seu canto’’. O senegalês Oumar Gueye, 32 anos, chegou em Caxias do Sul há quatro anos na esperança de proporcionar uma vida melhor para a sua família que ficou em Senegal. Agora, em dias alternados, ele atua como vendedor ambulante em São Francisco de Paula e Caxias do Sul. Sua recepção foi diferente nas duas cidades, relatou. ‘’Quando cheguei em Caxias já havia imigrantes morando lá, então as pessoas estavam acostumadas e me trataram bem. Em São Chico as pessoas estranharam um pouco, mas um tempo depois eles se acostumaram’’, lembrou Oumar. Ele também sofreu discriminação nas duas cidades, por ser africano. Hoje, as situações em que sofre preconceito diminuíram bastante e sente-se acolhido tanto em São Francisco de Paula, quanto em Caxias do Sul.

Família venezuelana encontra amparo em Sapucaia do Sul A costureira venezuelana e estudante de Direito Yeily Yexiree, 37 anos, migrou para Sapucaia do Sul. Junto do marido e quatro filhos, a família tenta um recomeço. Agora que estão completando 12 meses no novo endereço, Yeily diz estar adaptada e feliz. Seus três filhos, Jose Jesus Garcia, 11 anos, Angelina de Jesus Ibarra, 9 anos, e Jose Alejandro Garcia Ibarra, 8 anos, estudam na Escola Estadual Maria Medianeira, também em Sapucaia do Sul. Em janeiro de 2019, a Escola fez uma parceria com a Instituição de Educação Estadual Rubem Dario, proporcionando aulas de reforço para estrangeiros. Maria Ivone Joras, diretora da escola, disse que foram disponibilizadas quatro estagiárias do terceiro ano do Magistério para essa ação. A escola também oferece reforço para o ENEM. Jhonatan Miguel Aguirre Ibarra, 19 anos, filho mais velho de Yeily, participou das aulas. O idioma e a cultura do país de origem são o que eles mais sentem falta. A situação financeira é muito difícil, pois a renda atual cobre apenas moradia e alimentação. A família já possui os documentos necessários para permanecer no Brasil. Por BÁBITON LEÃO

Jornalismo Impresso e Notícia

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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

RELIGIÃO

Festejos culturais reúnem leopoldenses em ato religioso Senegaleses convidam cidadãos para evento que honra fraternidade Por AMANDA LEMES

THALES FERREIRA

Redação em Relações Públicas II

“F

oi maravilhoso, o salão estava cheio de brasileiros e brasileiras convidados, foi muito bom!”, exaltou um dos organizadores, o imigrante senegalês Ibra Diop, ao comentar o evento que acontece anualmente no mundo todo. Há três anos, São Leopoldo recebe a festa, que em 2019 foi celebrada na quinta-feira, 17 de outubro, com apoio da Prefeitura Municipal e do Departamento de Igualdade Racial da Secretaria de Direitos Humanos. Trata-se de uma das maiores festas religiosas do Senegal, uma homenagem ao líder religioso islâmico Cheikh Ahmadou Bamba, que lutou pela liberdade religiosa contra os francesas, no período da colonização do século XVII. Um dos focos principais da festa é a caminhada, representando a peregrinação feita anualmente no Senegal, quando é lembrada a partida de Ahmadou de seu país para o exílio no Gabão, em 1895. No município de São Leopoldo, a caminhada aconteceu nas principais ruas do centro da cidade, com distribuição de bombons para convidar o público a participar do almoço

Caminhada em homenagem ao Grand Magal de Touba no centro de São Leopoldo que teria logo em seguida. Toda a programação foi gratuita para quem fosse prestigiá-la, desde o café da manhã, a caminhada, o almoço, as rodas de conversa, café da tarde e janta. Tudo pago pelos próprios imigrantes, que dizem se sentir bastante acolhidos na

cidade, sem dificuldade de liberação para trabalhar e, só assim, podem custear todo o festejo. “Temos reuniões todo o domingo e começamos a planejar a festa no início do ano. Cada um dá o que pode, um dá 700 reais, outro dá 1,3 mil reais, assim todo mundo contribui do jeito

que acha melhor”, afirmou Diop. Nem todo ano a festa ocorre no mesmo dia. A data é regida pelo calendário islâmico, que é lunar. Há três anos, o jornalista e fotógrafo Alex Glaser comparece ao evento como visitante e convidado. Neste ano, chamou a atenção dele a organização da

festa que, como sempre, estava impecável e farto nas refeições. Mas, indignado, comentou que o brasileiro trata os imigrantes com muito preconceito. “Somos deficientes no aspecto do respeito e da hospitalidade. Para eles, é uma honra nos receber, e quem estava presente agia como se fosse obrigação deles nos servir”, lamentou o jornalista. “Os anfitriões esperam todo mundo terminar de comer, para então comerem. Se faltar comida, eles não comem”, observou. A diretora do Departamento de Igualdade Racial da Secretaria de Direitos Humanos, Nedir Maria de Jesus, explicou que toda a realização e organização da festa ficou por conta do grupo de senegaleses que reside na cidade, mas que veio buscar apoio na mobilização e divulgação do evento. Assim, foi realizada toda cobertura pela comunicação, a Guarda Municipal cuidou tanto da caminhada, quanto do local onde aconteceram as outras atividades culturais. “Eles não vieram em busca de patrocínio. O dinheiro veio do bolso deles. Eles só queriam apoio para desenvolver esta grande festa que, no fim, foi um sucesso”, declarou a diretora.

Sem apoio, imigrantes realizam cultos evangélicos Por GUILHERME GOMES

Redação em Relações Públicas II

Residente no Brasil há seis anos, Getro Jean, 36 anos, haitiano, lidera um culto evangélico para seus conterrâneos. Os encontros, sediados em uma residência alugada, ocorrem em crioulo e francês, e acontecem todas às quartas e domingos, no bairro Arroio da Manteiga, em São Leopoldo. Getro, que tem curso superior em Teologia, contou que seu envolvimento com a religião iniciou por influência da avó, a quem acompanhava

durante os cultos. Antes de desembarcar em terras tupiniquins, Jean revelou que o país não estava nos seus planos iniciais. No entanto, optou por vir ao Brasil à procura de emprego. Permaneceu em São Paulo por três meses e, como não encontrou trabalho, decidiu vir para São Leopoldo a chamado de um amigo. Morou por dois anos na cidade e depois mudou-se para Canoas, onde conseguira vaga em uma construção civil. Procurou por igrejas para nutrir sua fé, mas sentiu dificuldades por causa do idioma.

Ao final da obra em Canoas, Getro recebeu o convite de Samuel Serra para retornar a São Leopoldo e realizar cultos para a comunidade haitiana. Serra, 33 anos, nascido no Haiti, está no Brasil desde 2013 e também veio em busca de emprego. Residente na República Dominicana desde os 13 anos, batizou-se em 2008 e logo que chegou aqui, iniciou a procura de locais religiosos para frequentar. Em 2014, encontrou a igreja Voz de Deus, no bairro Rio dos Sinos, com cultos liderados pelo pastor Fernando.

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“Quando cheguei lá, o pastor me disse que não estava aqui para fechar as portas do reino de Deus”. Durante um trabalho temporário, conheceu mais dois imigrantes e descobriu que na cidade havia muitos haitianos. Surgiu, então, a ideia de realizar cultos mais inclusivos para a comunidade. Achou espaço em outra igreja na Campina, em São Leopoldo, mas após alguns meses tiveram que devolver as chaves. Na época, Samuel convidou Getro para oficiar os cultos. Encontraram no bairro

Arroio da Manteiga uma casa onde pudessem realizar as celebrações. O aluguel, que custa 1,2 mil reais, é pago através de doações dos fiéis. “Inicialmente, o dono nos fez por 800 reais sem água e luz, mas agora vai aumentar até chegar no valor”, comentou. Para Kely Pressa, 32 anos, os encontros são de extrema importância, não apenas em termos de religiosidade, mas também para encontrar a comunidade. Imigrantes que estavam no culto comentaram que é muito difícil conseguir emprego na região.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

CELEBRAÇÃO

Organização coletiva sustenta Festival Africanidades na capital Evento apresenta cultura, moda e gastronomia africanas que a mídia não mostra Por ANDRESSA MORAIS

LEANDRO MONTIEL

Jornalismo Impresso e Notícia

U

ma proposta que busca proporcionar o encontro da sociedade gaúcha com diversas culturas dos países da África é o objetivo do Festival Africanidades. O evento independente uniu vários artistas africanos e brasileiros. Mesmo com dificuldades para viabilizá-lo, pois os organizadores não tiveram o retorno financeiro esperado com a campanha criada pelo grupo, o encontro ocorreu no domingo, dia 3 de novembro, em Porto Alegre. O grupo estabeleceu uma meta de 12 mil reais para arcar com os gastos e remuneração dos músicos, equipe técnica, aluguel de equipamentos, transporte e segurança, revelou um dos organizadores do evento, Kelvin Venturin. Eles conseguiram arrecadar apenas 11% do esperado. A maior parte do dinheiro veio de uma janta com comidas típicas do Senegal, no restaurante Galo Cinza, da capital. Para arrecadar mais fundos, eles criaram recompensas para aqueles que optassem por colaborar com o festival. Nécessaire com tecido africano confeccionada pelo grupo Costuraí e prato

Muita música e dança animaram o Festival, bancado pelos organizadores típico do Senegal feito por Omar Ba estavam entre as retribuições. A partir de 300 reais era oferecido uma imersão em inglês, francês, espanhol ou italiano, no The Fools. Apoiando 30 reais, era possível obter o ingresso para o festival. O idealizador do festival foi o rapper senegalês Mr. Wzeu. Mas não há apenas um organizador. Há um coletivo de pes-

soas envolvidas e muitas delas integram a ONG Misturaí. “A ONG tem esse objetivo de furar bolhas sociais e proporcionar o encontro entre pessoas e grupos que geralmente não se falam”, disse Kelvin. A rapper e MC Negra Jaque é uma das artistas que se apresentou e participa do coletivo. Para a MC, é complicado fazer arte independente, pois mesmo

com a importância cultural do festival e da promoção da socialização dos artistas africanos que estão no Brasil, não há valorização da arte negra, em função do racismo estrutural. Ela afirmou que no coletivo cada um ajudou como pôde e, como buscavam apoio financeiro, estavam em constante processo de captação. Os organizadores entraram em contato com a Secretaria Municipal de Cultura da capital. Inicialmente, a prefeitura ajudaria com local e equipamentos, mas havia outro evento na Associação Cultural Depósito do Teatro, em Porto Alegre, lugar que seria cedido para o evento. Por isso, o festival foi transferido para o Afro-Sul Odomodê, que apoiou a ação e é um espaço que promove a preservação da cultura afro-brasileira. Kelvin informou que desde o início o objetivo era organizar um festival independente, apenas por meio de financiamento coletivo. Bamba Toure, também integrante do coletivo, palestrou na abertura do festival e disse que o objetivo do evento era “mostrar a África que a mídia não mostra. ” Além de música, também teve desfile de moda, danças, gastronomia e roda de conversa.

Autoral Afrobeat leva música a Porto Alegre Por VITÓRIA PIMENTEL

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A mistura dos ritmos surgidos em países da África Ocidental com o jazz, soul e funk norte-americanos traçam a personalidade do grupo Autoral Afrobeat. Formado por estudantes do ensino médio do Campus Osório do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), o coletivo fez sua primeira apresentação fora dos muros das escolas no Festival Africanidades, em 3 de novembro. O dia nublado em Porto Alegre ganhou cor com as batidas animadas do festival que celebra a África. O evento ocorreu durante todo o dia no espaço cultural Afro-Sul Odomodê. Foi à tarde, a partir das 16h, que o Autoral Afrobeat

apresentou suas cinco canções “Berimbau ao sol”, “Como é, como é”, “Banzo”, “Florescer” e “Liberdade cantará”. “O festival foi importantíssimo para ressaltar a valorização da cultura afro-brasileira, além de proporcionar um espaço onde as pessoas puderam entrar em contato com as origens de seu povo”, explicou o coordenador do projeto e presidente do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) do campus de Osório, Estevão da Fontoura. A multiplicidade de culturas e a diversidade marcaram o Festival Africanidades na memória da estudante e guitarrista Eugenia Silva Paim, do 2º ano do curso técnico em Informática do IFRS. “Nunca estive em um espaço tão inclusivo e representativo como neste domingo.

DIVULGAÇÃO

Grupo fez sua primeira apresentação fora da escola Aprendemos muito no festival e acredito que deixamos um pouco do nosso grupo lá”, ressaltou Eugenia. Instrumentos como o berimbau, os tambores e os congos são acompanhados das estam-

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pas étnicas africanas para marcarem a identidade do grupo Autoral Afrobeat. O intuito do projeto, que iniciou em 2018, é proporcionar um ambiente de acolhimento e debate sobre preconceitos, branquitude e re-

lações étnico-raciais. As canções autorais são escritas pelo coordenador do projeto ou pelos próprios estudantes. A música “Liberdade cantará” foi redigida pela estudante do 3º ano do curso Técnico em Administração, Naiara Vasconcellos Machado. “O objetivo dessa canção é ensinar o público sobre os sofrimentos que os negros passaram no período da escravidão”, explicou. Para o próximo ano, o objetivo do coordenador é incentivar os estudantes negros a se sentirem confiantes para ocupar lugares de destaque no grupo. “Neste ano, três alunos negros foram para o vocal. O que mais quero é que eles se sintam seguros para mostrar quem são e para o que vieram”, afirmou Estevão.


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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

MERCADO DE TRABALHO

Comerciantes e senegaleses firmam acordo em São Leopoldo Costurado pela Prefeitura Municipal, conflito entre as partes diminuiu Por LAURA ROLIM

LAURA ROLIM

Jornalismo Impresso e Notícia

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comércio informal vem aumentando desde a chegada dos senegaleses a São Leopoldo, que estão saindo de seus países de origem à procura de oportunidades e uma melhoria de vida no Brasil. No entanto, muitos deles não encontram empregos formais e optam pela venda ambulante de mercadorias. Essa iniciativa, porém, já gerou conflitos com os comerciantes estabelecidos no centro da cidade. Logo que o município começou a receber os senegaleses não havia uma organização por parte da Prefeitura que tratasse desse assunto. Porém, autoridades municipais viram a necessidade de montar uma estratégia que auxiliasse os novos moradores. Segundo o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Turístico e Tecnológico (Sedettec) de São Leopoldo, Rafael Souza, em agosto de 2017 havia uma ocupação de mais de 60 senegaleses que abrangia o centro todo. Para estancar e tentar resolver o problema da venda em frente a outros estabelecimentos, a Sedettec convocou

O senegalês Ybra Syppa adaptou-se aos espaços definidos pela Prefeitura senegaleses ambulantes que residiam em São Leopoldo para uma reunião. Ao total, 28 tinham residência fixa há mais de três anos na cidade. A partir disso, foi montado um acordo entre as partes. A ideia era colocá-los em 14 pontos da cidade, dois ocupando cada espaço. Em contrapartida, os senegaleses não poderiam deixar quem fosse

Imigrantes desembarcam no Brasil à procura de melhores oportunidades

de outros municípios comercializar nas dependências. O objetivo inicial era recolocar os senegaleses no mercado de trabalho. Conforme o secretário, a Prefeitura não obteve sucesso na iniciativa, pois o perfil do senegalês é diferente do haitiano em relação à forma de trabalhar. Após o acordo realizado entre a Prefeitura

Restaurante africano traz tempero forte para o centro de Porto Alegre

A Região Metropolitana conta com um novo padrão nas principais ruas de circulação de pedestres. Os senegaleses estão presentes no dia a dia da população. Basta circular pelas ruas e lá estão eles com maletas de bijuterias em busca de melhores condições de vida. Muitos deles, com qualificação, enfrentam o preconceito em busca de trabalho. Abdoulaye Dieng, 28 anos, é um dos imigrantes que deixou o seu país rumo ao Brasil em busca de melhores condições de vida. “Tento trabalhar como vendedor ambulante, mas existe muita fiscalização. Também faço faculdade em busca de crescimento”, relatou. Apesar dos imigrantes terem algum tipo de formação, muitos não trabalham na sua área de atuação. O senegalês Serigne Bamba Toure, engenheiro de automação, está no Brasil há cinco anos e tentou algumas vezes a revalidação do diploma. Já gastou mais de 3 mil reais no processo. “É extremamente burocrático e caro. Aqui não temos nenhuma ajuda para conseguir realizar a revalidação do diploma. Já trabalhei como ambulante, frentista, montador de móveis e hoje sou eletricista autônomo”, contou.

Porto Alegre é uma mistura das mais diversas culturas. Os restaurantes, de diversos países, ajudam a moldar a personalidade da cidade. Próximo à rodoviária, o restaurante Food Senegal traz o sabor marcante da culinária senegalesa. Comandado pelo chef Omar Ba, o local oferece pratos típicos do país que fica na costa ocidental do continente africano. Com uma clientela de maioria senegalesa, o espaço chega a servir mais de 150 porções diárias do seu prato principal, o Thieboudienne. Conhecido como o “arroz e feijão” do país, sua base é o arroz e o peixe, e é servido com berinjela, pimenta e outros temperos. Pratos típicos como Yassa, um preparado de frango com batatas e cebolas, também fazem parte do cardápio. Uma das principais diferenças entre a gastronomia brasileira e a do Senegal, explicou Omar, é o uso das pimentas e a forma como são preparados os alimentos.

Por LOHANA SOUZA

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Por DOUGLAS GLIER SCHÜTZ

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e os imigrantes, o conflito que havia entre os comerciantes locais diminuiu bastante. Mas Rafael ressaltou que a situação não foi resolvida totalmente. Ele acredita que a longo prazo o cenário estará ainda melhor. De acordo com o vendedor ambulante Ousmane Issa, 32 anos, morador de São Leopoldo, logo que chegou na cidade era muito difícil a relação com os comerciantes locais, pois os senegaleses não eram aceitos pela comunidade por estarem atrapalhando as vendas. “A gente não era bem-vindo aqui. Os vendedores do centro reclamavam muito. Até que a Prefeitura organizou onde cada um poderia ficar e o convívio começou a melhorar, pois não atrapalhávamos mais”, contou o senegalês. A assistente de vendas Elaine Silva, 44 anos, disse que compra frequentemente mercadorias dos vendedores ambulantes localizados no centro. “Eu estou sempre comprando produtos deles. Todos são de ótima qualidade e com preço bem acessível. Acho que nós, moradores, temos a obrigação de ajudá-los de alguma forma, pois eles dependem disso para sustentar suas famílias”, afirmou.

Famílias venezuelanas buscam novo começo na pátria adotiva A venezuelana Yohelis Moreno, 24 anos, deixou a cidade de Maturín, na Venezuela, grávida e acompanhada dos seus dois filhos, Gabriel e Sofia, que vieram em busca de melhores condições de vida. A família aportou em Esteio em setembro do ano passado. Dias após sua chegada, Yohelis deu à luz a um menino, Luciano. Conseguir emprego nessas condições é difícil. Hoje, Yohelis reside em casa alugada, trabalha como cozinheira em escola fundamental da cidade e recebe auxílio do Bolsa Família. Ela pretende voltar à Venezuela, mas não agora. “O país está passando por uma situação muito ruim”, justificou. A coordenadora do Programa de Refugiados da Associação Antônio Vieira, Karin Wapechowski, explicou que existe toda uma preparação para inserir venezuelanos no mercado. Assim que conseguem trabalho, eles deixam o alojamento coletivo e abrem vaga para outro refugiado, complementou. Por PAMELLA AGUIRRE

Redação em Relações Públicas II

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São Leopoldo (RS) Novembro de 2019

EDUCAÇÃO

Imigrantes formados recorrem a cursos profissionalizantes Senegaleses buscam qualificação técnica por dificuldade de revalidar diploma Por RODRIGO B. WESTPHALEN Jornalismo Impresso e Notícia

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bdoulaye Dieng, de 28 anos, deixou o Senegal em 2015, em busca de oportunidade de trabalho. Formado em Geografia pela Universidade Cheikh-Anta-Diop, de Dakar, capital senegalesa, Abdoulaye se viu incapaz de exercer a profissão no Brasil. Dieng trabalha como vendedor ambulante e está cursando Técnico em Enfermagem pela Factum para conseguir uma colocação melhor no mercado brasileiro. Ele não sabia sobre a possibilidade de revalidar o diploma quando chegou e ainda hoje não entendeu o processo. Bamba Toure, da Associação dos Senegaleses de São Leopoldo e Novo Hamburgo, afirmou que essa situação é comum. Muitos imigrantes se veem obrigados a exercer funções inferiores à capacidade técnica que possuem, explicou. O próprio Bamba é diplomado no exterior em Engenharia de Automação, mas precisou recorrer a um curso do Senai para atuar próximo à área de formação. Os senegaleses que trabalham no Brasil, mesmo que em empregos de baixa qualificação, “ganham mais do que no Senegal”, disse.

Para revalidação do diploma, o primeiro passo é acessar o portal Carolina Bori Até dois anos atrás, o processo de revalidação de diplomas estrangeiros era extremamente complicado. Esse cenário começou a mudar em 14 de março de 2017, quando o Ministério da Educação lançou a plataforma Carolina Bori, que reúne as informações sobre revalidação de diploma, disponibilizadas pelas universidades que realizam

Idioma é barreira para imigrante se integrar ao mercado de trabalho

o procedimento. O processo, porém, ainda é difícil para o imigrante. A revalidação envolve vários documentos, que normalmente eles não estão preocupados em trazer. A documentação precisa ser traduzida por profissionais autorizados, além de existir uma taxa cobrada pelas universidades para realizar a análise.

Unisinos oferece curso gratuito de português a migrantes e refugiados

Regências, verbos irregulares, exceções à regra e sons nasais confundem estrangeiros que querem aprender o português. Há cinco anos no Brasil, o senegalês Serigne Bamba ainda tem dificuldades com a língua. “Eu cheguei ao país e não falava nada do idioma. Para me comunicar com os brasileiros eu tinha que usar um aplicativo de tradução no celular”, contou. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizada junto ao Ministério da Justiça, em 2017, o idioma é uma barreira de integração que os imigrantes aqui encontram. A pesquisa “Migrantes, Apátridas e Refugiados” mostrou que 16,8% dos recém-chegados ao Brasil consideravam a língua como o principal obstáculo à compreensão das instituições brasileiras. Outro senegalês, Omar Mourid, aprendeu o português no dia a dia, na rua. “No início, eu misturava o português com o francês, mas agora já consigo me comunicar normalmente”, assinalou. “Sou comerciante, e a comunicação é essencial para eu conseguir vender meus produtos”, agregou.

O idioma é uma das maiores dificuldades encontradas pelos refugiados que vêm para o Brasil. Por essa razão, a Unisinos desenvolveu um programa de ensino da língua portuguesa junto a venezuelanos acolhidos pelo município de Esteio. O projeto é coordenado pela professora Márcia Del Corona. Aprender o idioma é importante para o futuro e o trabalho, disse o venezuelano Juan Quintanilha, 42 anos. Brasileiros falam muito rápido e, por isso, ele não entende algumas frases. Jocibel Vidal, 21 anos, completou: “A pronúncia e os acentos são muito difíceis”. Em parceria com o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), da Unisinos, Letras pretende oferecer curso de português, como idioma de acolhimento, em São Leopoldo. A nova turma estará voltada a imigrantes haitianos e senegaleses, público que tem crescido muito na cidade.

Por GABRIELLI ZANFRAN

Redação em Relações Públicas II

Por RAQUEL LEMOS

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Os documentos devem ser enviados através da plataforma Carolina Bori e apresentados presencialmente no final da revalidação. O reconhecimento do diploma depende, além de tudo, da semelhança do curso realizado no exterior com algum fornecido pela instituição brasileira que possui vagas abertas, ficando a encargo do imigrante encontrar o mais parecido, caso essa informação já não esteja discriminada na plataforma. Se houver diferenças curriculares, há a necessidade de realizar as disciplinas que faltam. Para revalidar o diploma, uma universidade cadastrada na plataforma Carolina Bori precisa registrar abertura de vaga para o curso de interesse do imigrante. Para diplomas de graduação, a responsabilidade da revalidação é exclusiva das universidades federais. Portanto, na Região Metropolitana de Porto Alegre, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul é a opção mais próxima. A taxa da UFRGS para a análise é de 1,45 mil reais. Um valor que, para um imigrante tentando construir a vida do zero, pode ser mais uma razão para desistir do processo.

Programa educativo impacta comunidades de migrantes no Estado O Programa de Educação e Atenção Humanitária a Migrantes e Refugiados (Projeto Tarin), da Unisinos, criado em 2018, já executou dez ações desde então nas áreas de inclusão social, saúde, nutrição, educação de crianças, ensino de português como idioma de acolhimento a migrantes e refugiados, formação profissional e geração de renda. Coordenado pela decana da Escola de Humanidades, Maura Corcini Lopes, e pela professora da Escola de Gestão e Negócios, Isamara Allegretti, o Tarin, além de se voltar a comunidades menos favorecidas, proporciona formação a professores e alunos. Em Porto Alegre, os cursos de Letras e Moda da Unisinos realizaram atividades com migrantes senegaleses. Parcerias de cursos, docentes e estudantes e voluntários sempre são bem-vindas, destacou a professora Isamara, para que o Tarin possa dar continuidade a projetos e trabalhos impactando cada vez mais vidas. Os encontros ocorrem no Espaço Colaborativo, na Biblioteca da Unisinos de São Leopoldo, durante o período letivo. Por ANA VITÓRIA DIHL

Redação em Relações Públicas II

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Noxaí

Uma comunidade no interior do RS, Noxaí, tem um costume peculiar, passado de geração a geração: as mulheres aprendem, desde os primeiros anos de vida, a coletar pedras em seus caminhos e guardá-las numa bolsa que será carregada sempre junto de si. Acredita-se que o ato de manter essas pedras consigo traz sorte e garante a passagem para o paraíso quando a vida na Terra acabar. Texto e fotos de ESTEFÂNIA YOUNG


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