Babélia 34

Page 1

BABÉLIA JORNAL

Publicação Experimental do curso de Jornalismo Unisinos (Campi São Leopoldo e Porto Alegre/RS) Dezembro de 2020 | Edição 34 SMAMS/PMPA

9

Mata preservada na cidade Conscientização ambiental é o caminho para proteger a reserva biológica do Lami, no extremo sul de Porto Alegre. Berço de espécies raras, área sofre com avanço da urbanização na região metropolitana

ARQUIVO / ESCOLA INFANTIL CRIANÇA SAPECA, CAXIAS DO SUL

3

Escolas infantis retomam aulas com novas rotinas O que mudou na volta às aulas em meio à pandemia, desde distanciamento e higienização, até materiais obrigatórios, que agora incluem máscaras

10

14 /Opinião

Um manifesto em defesa da dignidade

Associação busca um lar para 400 animais em Imbé

Pandemia, racismo e Maradona pautam crônicas

Obra “Velha Vida” foi escrita em cinco dias pelo ex-morador de rua José Antônio e propõe políticas públicas voltadas a idosos em situação de vulnerabilidade

Na pandemia, participação nas feiras de adoção promovidas pela AIMPA caiu drasticamente e cães e gatos foram abandonados em frente à entidade

Nossos colunistas tematizam as consequências da intolerância e da pandemia, ainda em curso. A morte de Maradona também reativa tradição da crônica

6


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

EDITORIAL

Reflexão sobre racismo: um previlégio branco Por Eduarda Bitencourt de Oliveira

D

ia 20 de novembro de 2020. Dia da consciência negra. Dia em que acordamos com a notícia que mais um homem negro foi brutalmente assassinado no Brasil. João Alberto Freitas, o Beto, foi espancado até a morte enquanto fazia compras com a sua família. Ele é mais uma vítima do racismo estrutural e da cultura do linchamento que faz parte nosso dia a dia e é reforçada pelo nosso governo. Dois dias depois do ocorrido, as ações de protesto ainda

se desenrolam no Brasil e no mundo. Enquanto governantes negam a existência do racismo no Brasil, organizações se movimentam para protestar e as problematizações começam nas redes sociais e são reproduzidas pela mídia. Os responsáveis pelo local e pela segurança do espaço lançam notas de repúdio, mas elas não demonstram uma real mudança. O racismo no Brasil foi fundado ainda no período colonial. O mito de que a miscigenação do nosso povo fez com que o racismo acabasse ainda repercute em nossa sociedade. O racis-

mo sempre esteve presente no Brasil, talvez não escrachado como em países norte-americanos, mas de forma escondida, sem ser revelado mas não sem consequências sociais. Enquanto o debate se desenrola, a imprensa se omite a simples reprodução de falas. A mídia declaratória que simplesmente reproduz falas como “não existe racismo no Brasil” só porque elas vieram de alguém que é o vice-presidente é uma nova forma de violência. Nesse caso, tomar partido e explicar porque essa declaração é uma mentira é mais

importante do que simplesmente reproduzir a fala. Enquanto debatia sobre o momento com amigos, percebi que esse simples ato é um privilégio. Refletir é um privilégio porque olhar para essa situação como em uma análise é algo que só é possível quando não somos diretamente impactados por essa realidade. Eliminar o medo e olhar para um assassinato de uma pessoa negra de uma perspectiva analítica é um privilégio branco. Nós, brancos, devemos apoiar a luta antirracista. Se a reflexão é um dos nossos privilé-

gios, ela não deve tomar um espaço maior que o da ação. Nesse momento, é preciso recuar e escutar as vozes das pessoas negras que movimentam as ações e buscam a revolução. Essa é uma reflexão que vem do afastamento racional embora ainda seja profundamente empática a causa. Ter consciência disso é o primeiro passo para entender e apoiar a luta antirracista. Se, nesse momento, você não finalizar esse texto buscando a perspectiva de uma pessoa negra sobre o assunto, ele falhou no seu objetivo. n

IMAGEM

n William Wilson López fabrica instrumentos a partir do lixo. Ele é um dos luthiers da Orquestra de Instrumentos Reciclados de Cateura, localizado em um

aterro sanitário em Assunção, no Paraguai. “É uma orquestra dos sonhos, de oportunidades e mudança de vida”, destaca Wiwi, como é conhecido. Outras imagens do trabalho realizado pelo jovem músico podem ser conferidas na contra-capa desta edição.

JORNAL PRODUZIDO

TEXTOS E IMAGENS: alunos das turmas 2020/2 das disciplinas de Jornalismo Impresso e Notícia (São Leopoldo), Jor-

SEMESTRALMENTE

nalismo Impresso e Reportagem (São Leopoldo e Porto Alegre), Jornalismo Impresso e Opinião (São Leopoldo)

PELOS ALUNOS DO CURSO DE JORNALISMO DA UNISINOS

2

e Redação para Relações Públicas II (São Leopoldo), sob orientação dos professores Micael Vier Behs, Ronaldo Henn e Taís Seibt. PROJETO GRÁFICO: aluno da disciplina de Planejamento Gráfico (turma 2020/1) Douglas Glier Schütz, sob orientação do professor Everton Cardoso. DIAGRAMAÇÃO: Marcelo Garcia (Agência Experimental de Comunicação - Agexcom). IMPRESSÃO: Gráfica UMA.

IMAGEM — CYNTHIA BÁEZ, DIEGO HAYES, GABRIEL CUBILLA, MELI GINI, PAULA GARCÍA E VIVÍ ARRIETI (LA ESCUELA - FOTOGRAFIA Y ARTE)

Universidade do Vale do Rio dos Sinos Campi São Leopoldo e Porto Alegre. Reitor: Marcelo Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor de Graduação: Sérgio Eduardo Mariucci. Gerentes dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo e Tiago Coelho. Coordenadores dos cursos de Jornalismo: Micael Vier Behs e Débora Lapa Gadret.


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

EDUCAÇÃO

O desafio de retomar as aulas presenciais Escolas tiveram de se adaptar para receber alunos novamente após meses com as portas fechadas devido à pandemia Por Julia Schutz

D

epois de passarem boa parte do ano letivo em casa, devido à pandemia do novo coronavírus, estudantes da educação infantil e fundamental retomaram as aulas nos meses de setembro e outubro. Após publicação de decreto pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, estudantes do Nordeste do Estado, voltaram ao ambiente escolar, com ocupação de aproximadamente 50%, respeitando o distanciamento social, medição de temperatura, uso de máscaras e álcool gel. Na escola infantil Doce Infância, em Caxias do Sul, na Serra, a diretora Silvana de Fátima Ribeiro contou que o colégio passa por dificuldades em relação aos custos desses equipamentos de proteção individual, além do número reduzido de alunos. Porém, ela acredita que mais estudantes irão n Estudantes e educadores tiveram de adotar medidas de proteção em sala de aula, como uso de máscaras e álcool gel querer voltar para a escola com o passar do tempo. “Estamos ainda são muitos, principal- com o uso de máscaras. “Eles de crianças atendidas chegou e saída e treinamentos contomando todos os cuidados, mente na questão financeira, têm uma capacidade de com- ao máximo, então aqueles que tínuos estão previstos. seguindo todos os protocolos pois é uma escola de peque- preensão excelente, e estão permanecem em casa seguem n Retorno é à risca, logo estano porte, que em seguindo as orientações das com ensino remoto. remos podendo tempos “normais” educadoras de forma perfeita”, Em Porto Alegre, o colégio questionado n Deixamos os já tinha uma gran- conta. Com relação aos pais, Marista Rosário conta com a atender mais aluA Federação das Associanos, pois a pande baixa, mas se ela diz que alguns preferiram bimobilidade de ensino, após ções de Municípios do Rio pais decidirem demia na nossa mantêm positiva deixar os filhos em casa, porém, a realização de uma pesquisa Grande do Sul (Famurs), dipelo retorno, cidade está estáde que as coisas os que estão levando as crian- junto às famílias para organizar vulgou recentemente, uma vel há muitas separa as famílias estão melhoran- ças para a escola, se sentem essa divisão: a cada semana, um nota declarando ser contra manas”, analisa. do: “Acredito que bastante seguros e tranquilos, grupo de estudantes tem aulas essa retomada das aulas no Mas nem to- que precisam dos no ano que vem já que a escola procura seguir presenciais e outro permanece Estado, alegando não haver dos se sentiram à serviços da escola, iremos nos re- todos os protocolos de seguran- com as atividades domicilia- segurança absoluta para todos vontade de levar cuperar”. ça impostos no decreto. res. Segundo a analista de co- os estudantes e professores. A seus pequenos uma vez que não Outra instituimunicação da escola, Juliana instituição “compreende que para um ambienMigotto Spilimbergo, todas o Estado deveria ampliar uma têm onde deixar ção da Serra que n Ensino remoto te tão regrado. A retomou as ati- continua as normas de segurança estão campanha de conscientização os seus filhos diretora comemovidades foi a Es“Nós deixamos os pais de- sendo seguidas desde o dia 19 para que a população cumpra ra o fato de, após cola de Educação cidirem pelo retorno, para as de outubro, quando as aulas os protocolos sanitários, tendo para trabalhar, pouco mais de um Infantil Criança famílias que precisam dos ser- retornaram na rede privada. em vista que mais atividades o colégio é mês de atividades, Sapeca, no dia 8 viços da escola, uma vez que Pais, estudantes e educadores estão sendo liberadas pelo ninguém ter aprede setembro. A vi- não têm onde deixar os seus receberam um conjunto de pro- governo estadual”, segundo mais seguro” sentado sintomas ce-diretora Thaís filhos para trabalharem, e sa- tocolos elaborados em parceria o texto. A Famurs anunciou Thaís Pivoto ou ter sido diagPivoto contou que bem que o colégio é o local mais com a Estrutura Executiva dos também que iria se reunir com Vice-diretora nosticado com a os primeiros dias seguro em todos os aspectos, Colégios e Unidades Sociais da o Ministério Público Estadual Covid-19. Caso d e a u l a f o r a m incluindo a integridade dos pe- Rede Marista e com orientação para discutir a dificuldade do isso ocorra, a escola recomen- bem tranquilos, com readap- quenos”, observa Thaís. Com técnica do Hospital São Lucas retorno às aulas, quais as conda que a criança ou o funcio- tações em menor tempo e até o tempo, mais famílias foram da PUCRS. Uso de máscaras, dições para liberação de evennário fique em casa. se surpreendeu com o fato de pedindo para levar seus peque- higienização, escalonamen- tos e qual a posição do órgão Para Silvana, os desafios as crianças terem colaborado nos à escola, porém o limite to dos horários de entrada a respeito do tema. n

IMAGEM — ARQUIVO / ESCOLA INFANTIL CRIANÇA SAPECA, CAXIAS DO SUL

3


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

ECONOMIA

Agronegócio cresce 4% em Salvador do Sul Clientela estocou produtos motivada pela pandemia temendo desabastecimento, o que impulsionou o setor Por Henrique Anselmo Kirch

O

agronegócio de Salvador do Sul registra resultado positivo em 2020. Mesmo em meio à crise e ao cenário da pandemia, o setor cresceu 4% em relação ao ano anterior, indicam dados da Prefeitura Municipal. Também a indústria plástica registrou crescimento no período. Situada no Vale do Caí, Salvador do Sul conta com três lojas agropecuárias, com produtos da linha pet e veterinária. Considerado serviço essencial, os negócios não pararam desde o início da proliferação do novo coronavírus no Rio Grande do Sul. “No início, fiquei preocupado e achei que precisaríamos fechar a loja. No entanto, os decretos federais e municipais

n Agropecuária tem contribuído para o crescimento econômico da cidade de Salvador do Sul

blindaram nosso trabalho”, disse o sócio de uma agropecuária, Ian Schneider, 20 anos. O crescimento registrado pela agropecuária pode ser atribuído a diferentes fato-

res. “Os clientes foram cruciais neste período. Além da fidelidade, ocorreu uma grande quantidade de compras pelo receio de acabar o estoque. Outra razão é a causa animal.

Jogos digitais conquistam adeptos na pandemia Por Andressa Meinen

Diferente de outros setores, o ramo de entretenimento, mais especificamente o de games digitais, conquista resultados positivos durante o período de pandemia. De acordo com dados da Xbox Brasil, houve um aumento de 70% nas assinaturas do serviço Game Pass desde o início da quarentena, além de um crescimento de 130% no número de partidas disputadas com múltiplos jogadores nas plataformas da Microsoft. Estudante de Biotecnologia na UFRGS, Sabrina Camargo, 23 anos, sempre gostou de jogos, mas durante a fase de isolamento social permaneceu mais tempo em frente ao computador. “Minhas aulas foram suspensas e tive bastante tempo livre. Agora que as aulas voltaram diminuí um pouco o ritmo, mas ainda jogo”, relata. A fotógrafa Laisa Santos, 23 anos, não tinha o hábito de jogar antes da pandemia. “Nunca pensei muito sobre

4

IMAGEM — HENRIQUE KIRCH

isso, mas acho que o motivo de ter começado a jogar foi porque não há muito o que fazer em casa neste período e não dá para ver os amigos, então foi uma opção para não perder tanto o contato e me divertir com eles”, enfatiza. Segundo Laisa, os jogos digitais estão sendo essenciais para ajudar a passar o tempo durante o período de isolamento. Laisa conta que, mesmo antes da pandemia, alguns amigos já jogavam online e que eles a incentivaram a experimentar também. “Criamos um grupo para jogos. Nem todos se conhecem, mas normalmente conversamos por áudio enquanto jogamos, então fica muito mais dinâmico e podemos conversar sobre outras coisas além de games”, frisa. Com menos tempo livre, tanto Sabrina quanto Laisa pretendem diminuir o consumo de jogos assim que o isolamento terminar. A expectativa de lucro do mercado de games, para 2020, é de mais de 159 bilhões de dólares, de acordo com estudo realizado pela empresa Newzoo. n

As pessoas adotam animais domésticos progressivamente, resultando em mais gastos com cuidados e alimentação”, analisa Schneider. De acordo com o cliente da

agropecuária, Vinicius Adilson Weschenfelder, 21 anos, a produtividade também foi um fator relevante para alcançar esses resultados. “Os agricultores sempre desempenharam seu papel com muito esforço e dedicação. Essa vantagem é fundamental para o setor ultrapassar a tempestade sem sustos. Em um momento de crise intensa, isso tem se mostrado cada vez mais positivo para a economia salvadorense”, destaca. Tendo em vista a importância dos produtos do agronegócio para a balança comercial de Salvador do Sul, o setor representa cerca de 40% da economia do município. Esse percentual reflete a valorização do serviço no campo salvadorense. O turismo rural é outro serviço que beneficia o agronegócio. A comercialização de produtos coloniais nas agroindústrias familiares gera desenvolvimento econômico, o que se reflete na arrecadação municipal. Salvador do Sul é conhecida por seus pontos turísticos. n

Pizzaria aumenta em 15% o faturamento com o delivery Por Franciele Schuster

O Brasil tem quase 40 mil pizzarias e produz, todos os dias, um milhão de pizzas. Os dados da Associação Pizzarias Unidas do Brasil colocam o país como um dos maiores consumidores de pizza do mundo. Em 2020, o setor conseguiu manter seu faturamento, mesmo diante da pandemia da Covid-19, e experimentou crescimento de 10% no sistema delivery. Um exemplo é a pizzaria de Rosemara Pereira, no município de Harmonia. Fundado em 2015, o estabelecimento contava apenas com atendimento presencial e sistema de telebusca. “Decidimos nos dedicar ao máximo para o delivery e tivemos boa aceitação dos clientes”, conta a proprietária. Ela também lembra que, antes da pandemia, a pizzaria não dispunha de WhatsApp e que, agora, a maioria dos pedidos é feita pela ferramenta de mensagens. As adaptações representaram um aumento de 15% no faturamento. “Vendíamos, em média, 70 pizzas de sexta a domingo, e, agora, esse número saltou

para 80”. Apesar do bom momento, Rosemara espera que os clientes voltem para o salão da pizzaria, que passou por reformas nos últimos meses. O exemplo da pizzaria harmoniense também ilustra o aumento da contratação de motoboys para suprir as demandas do sistema delivery. Segundo levantamento do Banco Nacional de Empregos (BNE), a profissão cresceu 17% no ano de 2020. No caso de Rosemara, ela contratou o motoboy Darley Burg. “Trabalhava na indústria de brinquedos, mas fui demitido em março. Uma semana depois, vi essa vaga e aqui estou há oito meses”, comenta Darley, que utiliza a própria moto para realizar as entregas e ganha 280 reais por final de semana. Além do aumento de vendas com o delivery e da abertura de vagas para motoboys, o novo sistema de entregas oferece comodidade aos clientes. Tífane Pletsch é fiel à opção delivery. “Sou cliente desde o início da pizzaria. A entrega é rápida e as pizzas chegam quentinhas”, afirma, satisfeita. n


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

COMÉRCIO

Novas formas de comprar e vender Adaptação forçada na pandemia e greve dos Correios trouxeram dificuldades, mas hábitos vieram para ficar Por Amanda Krohn

P

âmela Villar Morgado tem 19 anos, mora no Rio de Janeiro (RJ) e é bastante adepta das compras online (com ou sem pandemia). Durante o distanciamento social, ela decidiu trocar alguns de seus livros. Pelo perfil do Instagram @trocandolivros, ela conheceu a modalidade de entrega dos Correios chamada Registro Módico, pensada para o envio de livros, revistas, guias, anuários, boletins, catálogos e jornais segmentados. Mas nem todas as tentativas de compra e troca da jovem por esse canal foram bem-sucedidas. De três compras feitas, sendo duas delas de trocas de livros, Pâmela recebeu apenas uma. Das outras duas, uma era golpe, outra foi extraviada pelos Correios. Segundo ela, o rastreio mostrava que o livro estava entregue, porém, ela nunca recebeu n Dona de uma loja em São Leopoldo, Jéssica pretende continuar fazendo compras pela Internet o produto. Ao reclamar, nada foi feito. “Ao ser atendida, me da pandemia, precisamos nos período. “A greve dos Correios tiveram um aumento de 209% proposta da empresa de retirar disseram que não podiam fazer reinventar, antes era somente atrapalhou tanto nas vendas, em comparação com o mesmo 70 cláusulas do acordo coletivo nada, porque como não preci- venda direta na esmalteria”, diz quanto nas compras de mate- mês do ano anterior. dos trabalhadores. “Isso desava de assinatura, qualquer a empreendedora. “No início, riais que preciso para trabalhar. No período de medidas monstra um total desprezo pelo um poderia receber por mim”, foi um susto, mas logo após a Cheguei a ficar três meses no mais rígidas, com fechamento que representa o trabalhador lamenta. Pâmela enviou o livro retomada das atividades, tanto aguardo de um produto que era do comércio, lojistas que esta- de Correios para o Brasil, que, Meus Quinze Anos, da autora as vendas quanto os atendimen- importado”, lembra. “Isso fez a vam acostumadas a vender seus mesmo frente a uma pandemia, Luiza Trago, e, em troca, rece- tos aumentaram muito”. situação piorar bastante, pois produtos de forma física, tiveram continua nas ruas, de porta em beria a obra A Última Carta de E não foi só para vender que a demora na chegada das mer- que se adaptar ao mundo virtual porta, atendendo a população”, Amor, de Jojo Moyes. “Eu não a empresária recorreu a servi- cadorias acaba atrapalhando o para não perder vendas, segundo afirmou Nunes, por meio de queria mais o livro ços de entrega. A nosso financeiro. O cliente não a pesquisa. Como foi o caso de nota. Sobrecarga de funcionáque eu tinha e ouvi dona da loja, que gosta de esperar, e sim de chegar Jéssica na esmalteria leopolden- rios, excesso de fins de semana n Cheguei a falar muito bem da também oferece e encontrar a mercadoria, perdi se. Apesar dos percalços que en- trabalhados e a não-testagem autora do que eu ficar três meses serviços de alon- muitas vendas”. Como reflexo, frentou no período de adaptação, dos funcionários para Coreceberia em trogamento de unhas, a empresária passou aperto na ela afirma que pretende conti- vid-19 também estavam enno aguardo de ca”, conta Pâmebanho de acrílico, hora de pagar as contas e preci- nuar com as compras virtuais, tre os motivos da greve. um produto la, que não pôde esmaltação em gel, sou renegociar o financiamento mesmo após a crise sanitária, A greve só terminou após tirar suas próentre outros, tam- do carro e o valor do aluguel para devido à praticidade de não pre- o Tribunal Superior do Traimportado. A prias conclusões bém passou a com- vencer os custos básicos. cisar sair para comprar e de po- balho (TST) ter aprovado reademora fez a sobre a leitura. prar mais online. der receber tudo em casa. juste salarial de 2,6%. Metasituação piorar A comerciante “Aumentei 100% n Compras online de dos dias de greve seriam n Jéssica Kuquertt, as compras onliaumentaram Greve durante o descontados do salário dos bastante” de 26 anos, é dona ne para poder reDesde o início das medidas de distanciamento empregados e a outra metaJéssica Kuquertt da Esmalteria verter para o meu distanciamento social, diversas Os Correios fizeram greve de teria que ser compensada, Comerciante Jéssica Kuquertt, público. Desde o pessoas transferiram seus estu- entre os dias 17 de agosto e 22 motivo pelo qual o sindicato em São Leopolinício da pande- dos e trabalho para o ambiente de setembro, um total de 35 chegou a orientar a categoria do, no bairro Feitoria. Duran- mia, eu não fui mais em lojas doméstico, o que contribuiu para dias de paralisação. Segundo o a permanecer em greve. Em te as medidas de fechamento físicas”, revela Jéssica. o aumento de compras online. De Secretário-Geral do Sindicato comunicado oficial, a classe do comércio, Jéssica precisou A exemplo de Pâmela, a acordo com dados da empresa de dos Trabalhadores de Correios informou que uma nova mointerromper os atendimentos comerciante de São Leopoldo sistemas de pagamento eletrô- do Rio Grande do Sul, Alexan- bilização dos funcionários será presenciais. Foi aí que come- também enfrentou problemas nico ACI World Wide, as tran- dre dos Santos Nunes, a mo- direcionada para impedir a priçou com as entregas. “Por causa com algumas entregas nesse sações online em maio de 2020 bilização foi uma resposta à vatização dos Correios. n

IMAGEM — ARQUIVO PESSOAL

5


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

COMUNIDADE

Ex-morador de rua escreve manifesto à mão Na obra, seu Zé propõe políticas públicas de apoio a idosos em situação de rua e mapeia projetos sociais Por Vítor Kochhann

J

osé Antônio, 63 anos, está prestes a publicar seu primeiro livro, intitulado “Velha Vida”. Nascido no interior do estado, ainda criança se mudou para Porto Alegre. Formado em História, sofreu um golpe financeiro e precisou sobreviver em situação de rua por alguns meses. Com o tempo, conseguiu se restabelecer e hoje mora em uma casa no bairro Floresta. Apesar de ter um teto, ele sobrevive apenas com o auxílio de 89 reais do Bolsa Família e com doações de ONGs. Em 2020, ao observar os impactos causados pela pandemia, decidiu escrever um manifesto em defesa das pessoas da terceira idade e expor as dificuldades enfrentadas por idosos que se encontram em situação de rua e vulnerabilidade. Como não dis-

n Seu Zé escreveu seu manifesto em cinco dias, à mão, em defesa das pessoas idosas

põe de computador, a saída foi escrever a obra à mão. Segundo ele, o livro foi escrito em apenas cinco dias e seu sonho é publicá-lo. Durante o recebimento de doações pela ONG Guerreiros dos Girassóis, aproveitou a ocasião

para contar seu sonho à idealizadora da organização, Jane Lucas. “Entreguei a obra por pura confiança mesmo, pois acredito no trabalho deles. Precisava publicar e não sabia como”, afirma seu Zé, como gosta de ser chamado.

Após apreciação do material, a ONG decidiu investir na obra de seu Zé. Com o manuscrito em mãos, mobilizou voluntários para digitalizar o livro, revisar, diagramar e imprimir as cópias. Jane Lucas conta que, ao saber do desejo

do seu Zé, enxergou ali a oportunidade de realizar uma ação com duas vertentes: realizar o sonho de um homem machucado pela vida e proporcionar inclusão e visibilidade para todos que transitam pelas ruas e são personagens das histórias narradas por ele. O manifesto expõe as dificuldades enfrentadas pelos idosos e narra histórias de pessoas que marcaram a trajetória do Presidente – apelido carinhoso dado pelos amigos das ruas a José Antônio, que também é poeta. No penúltimo capítulo do manifesto, seu Zé propõe políticas públicas a serem adotadas por governantes visando garantir a dignidade da ‘Velha Vida’. Ele finaliza sua obra com um capítulo reservado ao mapeamento de projetos e ONGs que atendem pessoas em situação de rua em Porto Alegre. “Espero ajudar pessoas em situação como a minha. Às vezes, quem chega na rua não sabe onde encontrar comida, a não ser no lixo”, relata. “Velha Vida” será publicado em dezembro e terá um evento de lançamento na Praça da Matriz, onde seu Zé irá autografar cópias da obra. n

ONG auxilia pessoas em situação de rua Por Marcelo Schneider

Mais que uma refeição, o objetivo da ONG Guerreiros dos Girassóis é levar integridade e conforto através de terapia em grupo para quem mora nas ruas de Porto Alegre. Contando com empresas parceiras e doações de voluntários, o projeto busca também recolocar pessoas em situação de vulnerabilidade social no mercado de trabalho. Com licenciatura em Filosofia e História pela FAFINC e PUCRS, Antônio José, 52 anos, vivia abandonado nas ruas, mas decidiu enfrentar seus medos e, através da terapia em grupo, passou a olhar para si de forma renovada. Hoje ele é um multiplicador de conhecimento, ministrando o módulo de

6

Ética e Responsabilidade da ONG para moradores em situação de rua. Segundo levantamento das equipes de abordagem social da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), a pandemia aumen-

IMAGENS — SEU ZÉ: JANE LUCAS; MANIFESTO: LUCAS SUTIL; ONG: JANE LUCAS

n Voluntários distribuem

donativos todas as segundas e quartas-feiras no Centro Histórico

tou em 20% o número de pessoas vivendo nas ruas de Porto Alegre. Assim como Antônio José, muitos graduados e pessoas com vontade de trabalhar perderam suas fontes de renda neste período e não encontraram alternativa, senão viver nas vias púbicas da cidade. Marcelo Lucas, 47 anos, é cozinheiro formado pelo SENAC. Ele está em situação de rua desde o dia 6 de junho e atua como gestor do varal solidário, mais uma das ações da ONG. Sua tarefa é contabilizar as entradas e saídas de caixa, conferir estoque e coordenar a equipe de logística e venda. “Enxergo isso tudo como oportunidade de novos horizontes”, ressalta. Fundada em março de 2019, em Porto Alegre, a

ONG Guerreiros dos Girassóis, através do esforço de voluntários, distribui alimentos todas as segundas e quartas-feiras na Praça da Matriz, localizada no Centro Histórico. Também nas quartas-feiras desenvolve o projeto biblioteca móvel, que distribui livros e incentiva o compartilhamento de resenhas críticas sobre as obras. A ONG possui redes sociais como Facebook e Instagram, através das quais divulga ações, notícias e parceiros, assim como meios de doação e colaboração voluntária para a realização e incremento dos seus projetos. O nome das páginas é @guerreirosdosgirassois e todas as mensagens enviadas são respondidas no menor tempo possível. n


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

COMUNIDADE

Mãe e filha juntas pela solidariedade Rosângela e Sophie idealizaram projeto para ajudar pessoas em situação de rua e já contam com 50 voluntários Por Ritiele Medeiros

U

m projeto iniciado através de uma ação de final de semana no início da pandemia se transformou em um movimento de voluntários que segue levando a moradores de rua de Porto Alegre não só alimentos, mas também água, artigos de higiene, agasalhos e rações para os pets que os acompanham. Além disso, o Marmitas do Bem também passou a adotar a instituição filantrópica Cantinho da Vó Georgina, garantindo jantar e almoço para aproximadamente 120 crianças que passam por lá diariamente. Localizada na zona sul da cidade, onde as idealizadoras do projeto, Sophie Moreau e Rosângela Lopes residem, esta instituição se transformou num ponto de doações do projeto. Ao assistirem uma matéria

n Rosângela e Sophie enchem o carro com doações para o projeto Marmitas do Bem

sobre moradores de rua, mãe e filha sentiram que precisavam agir. “A reportagem indicava que o dia mais difícil era o domingo, quando os estabelecimentos estão fechados e eles não têm como ganhar as sobras. Porém,

na pandemia, com muitos lugares fechados, todos os dias seriam domingos”, indica Sophie ao explicar as motivações que impulsionaram a ideia do projeto. Na primeira semana, Rosângela e Sophie criaram uma vaqui-

nha online visando a captação dos primeiros recursos para o Marmitas do Bem. “Em três dias, arrecadamos um total de 3,9 mil reais, que foi suficiente para a produção de 100 marmitas feitas por nós duas”. Após encerrada a ação no

site, mãe e filha já tinham arrecadado mais de 7 mil reais. Para expandir o projeto, a dupla se valeu da força de engajamento das redes sociais e da parceria de amigos que também ajudaram, seja doando recursos ou compartilhando o propósito da iniciativa para ampliar o número de voluntários. Nas primeiras entregas do Marmitas do Bem a demanda foi tão alta que as duas não conseguiram sair da zona sul de Porto Alegre. “Hoje, com a ajuda de voluntários que se identificam com o projeto, mais bairros são contemplados”, destaca Rosângela. A ação já conta com mais de 50 voluntários que entregaram um total de 2,5 mil marmitas até o mês de setembro, além de 2,5 mil garrafas de água, 100 cobertores, 50 máscaras, 100 caixas de leite integral e artigos de higiene. Mãe e filha projetam ampliar o projeto após a pandemia, visto que ganharam muita visibilidade e apoio de pessoas que se sensibilizam com a iniciativa e seguem contribuindo para ajudar as pessoas que mais precisam. n

Clube de futsal promove campanhas beneficentes Por Lucas Kominkiewicz

Com um pouco mais de um ano de existência, o Capilé Futsal, de São Leopoldo, promove campanhas para arrecadação de roupas e brinquedos. Segundo o técnico e idealizador do clube, Éverson Zimmermann, além de oferecer um espaço para a prática do futsal amador, o time mobiliza ações em benefício da comunidade local. Zimmermann explica que a pandemia atrapalhou as ações do clube, sendo que o volume de doações caiu pela metade em relação ao ano anterior. Apesar das limitações, foi possível arrecadar quase 1 mil agasalhos e 250 brinquedos. “Estamos pensando em fazer mais uma campanha em dezembro, relacionada ao meio ambiente, mas ainda está em estudo”, reitera.

Segundo o técnico, o plano é realizar duas campanhas por ano. Em 2019 foi feita somente a campanha de arrecadação de brinquedos, doados em um evento aberto no Parque Imperatriz Leopoldina. Em 2020, contudo, o projeto foi expandi-

n Mesmo na

pandemia, Capilé Futsal distribuiu agasalhos e brinquedos

do e houve também a coleta de agasalhos, ambos distribuídos entre o Instituto Lenon Joel pela Paz e a Fundação Casa Aberta. O lançamento dessas ações ocorre, normalmente, em junho e setembro, através das redes sociais do clube. Para a assistente social da Fundação Casa Aberta, Beatriz Soares, essas iniciativas são muito importantes para a instituição. “As contribuições ajudam bastante, suprindo as nossas necessidades. Assim, podemos oferecer uma vida digna para as nossas crianças e adolescentes, garantindo os seus direitos que foram tirados”, afirma. Beatriz relata que os donativos sempre chegam em ótimo estado e que há bastante cuidado na organização das roupas e brinquedos. Ela cita o exemplo

dos brinquedos recebidos pela entidade no Dia das Crianças, todos muito conservados. De acordo com Zimmermann, é possível contribuir com as campanhas entrando em contato com o Capilé Futsal através do Facebook ou do WhatsApp (51) 9937-53058. “O nosso propósito é representar a cidade, desde a escolha do nome do clube. Além de ajudar as pessoas, também queremos atraí-las para perto do Capilé”, declara. Geralmente os donativos são entregues pelo próprio clube de futsal, em dia e local marcados com as instituições. “Sempre recebemos agradecimentos. Além dos beneficiários, a comunidade nos apoia muito, o que nos motiva a continuar com o trabalho”, conclui Zimmermann. n

IMAGENS — ROSÂNGELA E SOPHIE: HASSANN AKMED; CAPILÉ FUTSAL: ÉVERSON ZIMMERMANN

7


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

BIODIVERSIDADE

O hobby que virou preservação ambiental Projeto Aves do Ferrabraz, de Arthur Alves, mostra a diversidade de pássaros encontrados no Morro Ferrabraz Por Maquiel Santos

E

scondido entre a mata, no mais profundo silêncio, olhos atentos e câmera pronta. É assim que o estudante de Design, Arthur Alves, de 21 anos, passa parte de seu tempo livre: capturando, através da lente, a beleza e a diversidade dos pássaros do Morro Ferrabraz. A observação de aves, que começou como hobby, em 2017, hoje se transformou em desejo de promover a conscientização e a preservação ambiental por meio do projeto Aves do Ferrabraz. Localizado no município de Sapiranga, no Vale do Sinos, o Morro Ferrabraz possui 779 metros de altura, sendo formado por rochas de origem vulcânica e sedimentar, coberto por vegetação de mata atlântica que contrasta com o pampa gaúcho que cobre o resto da região próxima do Rio dos Sinos. Ponto turístico famoso pelas trilhas de downhill e ótimas condições para o voo livre, o Ferrabraz também é lar de representantes da fauna brasileira, dentre eles, bugios, cachorros-do-mato, roedores e uma grande diversidade de aves. O projeto Aves do Ferrabraz busca conscientizar a população sobre a preservação deste bioma extremamente rico e diverso. Através de publicações no Instagram e produção de material didático, Arthur mostra a grande gama de espécies de aves encontradas no Ferrabraz e na cidade de Sapiranga. No fórum WikiAves, que ajuda a organizar e catalogar imagens e sons de pássaros, Arthur e outros 16 observadores já registraram a presença de 219 espécies no município de Sapiranga. Quando o jovem começou a utilizar o site, Sapiranga constava com 90 espécies. “Comecei a frequentar áreas verdes dos bairros Centenário e São Jacó, e principalmente o alto Ferrabraz. Fiz um trabalho bem grande, principalmente

8

IMAGENS — ARTHUR ALVES / ARQUIVO PESSOAL

nos finais de semana, atrás de conhecer o que nós tínhamos aqui”, conta Arthur. Mesmo pequenas áreas verdes ao longo da cidade são capazes de abrigar dezenas de espécies. Segundo o observador, apenas no Parque Municipal do Imigrante e sua extensão de área verde foi possível observar quase 100 espécies diferentes. Abrigando desde aves pequenas e coloridas como o Gaturamo-bandeira, até espécies deslumbrantes como a Coruja-buraqueira, o Ferrabraz ainda guarda surpresas entre suas árvores. Exemplares do Sabiá-cica, que foi classificado como vulnerável na Lista das Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção no Rio Grande do Sul no ano de 2002, também já foram registrados no local. Hoje, 5.876 hectares do Morro Ferrabraz são classificados como Área de Relevante Interesse Ecológico pela Lei Muni-

cipal nº 5900/2016, que determina uma série de condições com o objetivo de preservar a fauna e flora local. Toda e qualquer intervenção só pode ser realizada mediante licença dos órgãos municipais. Até mesmo moradores locais são proibidos de alterar o local sem as devidas licenças. Mas mesmo com a legislação a seu lado, o Ferrabraz sofre com eventuais focos de incêndio durante temporadas de seca, caça ilegal e outros problemas. Arthur luta, com seu trabalho, para que mais pessoas compreendam a importância da área e a gigantesca biodiversidade que ela abriga. n Paixão que

virou causa

O interesse por animais surgiu na vida de Arthur durante a infância e foi a porta de entrada no mundo da observação de pássaros. Aos 12 anos, já utilizava a câmera do

pai para encontrar aves durante os campings e passeios pelo litoral com a família. Mas apenas aos 18 anos resolveu se dedicar ao hobby. “Comecei a fazer saídas para fotografar e senti essa curiosidade de saber quais espécies habitam a região. Isso me levou aos guias de campo, que são livros contendo ilustrações ou fotos das espécies. Posteriormente, conheci os fóruns na internet, sendo o principal o WikiAves, que reúne uma plataforma enorme de fotografias e sons e de aves que já haviam sido registradas naquela época em Sapiranga”, relembra Arthur. Das mais de mil fotos registradas em sua conta no WikiAves, Arthur destaca duas, capturadas no Morro Ferrabraz: “Entre as minhas fotos favoritas é praticamente inevitável deixar de destacar duas, de espécies que tenho grande apreço. Em parte pela beleza, mas também

pela presença durante encontros de observação. Uma é a do Sabiá-cica, que é um papagaio ameaçado de extinção, então só é possível vê-lo em encostas da Mata Atlântica, e a outra do Arapaçu-de-bico-torto, o formato do bico dele é único aqui na região Sul e serve para alcançar insetos em ocos ou fendas de galhos. Essas duas espécies contribuíram bastante para o objetivo do projeto, sendo as bandeiras do Aves do Ferrabraz”. Arthur segue conciliando a vida acadêmica com o projeto Aves do Ferrabraz, com o objetivo de sensibilizar tanto a população residente do Morro Ferrabraz, quanto os moradores da área urbana da cidade de Sapiranga. Sendo as aves um dos principais termômetros da saúde do bioma, seu registro e observação constante são importantes para a preservação dessa fauna que tanto encanta aos olhos de quem observa. n

n O Ferrabraz abriga espécies

como o Arapaçu-de-bicotorto (Campylorhamphus falcularius), à esquerda, cujo longo bico permite alcançar insetos em ocos ou fendas de galhos, e o Sabiá-cica (Triclaria malachitacea), ameaçado de extinção no Rio Grande do Sul

n Fiz um trabalho bem grande, principalmente nos finais de semana, atrás de conhecer o que nós tínhamos aqui no Ferrabraz”


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

PRESERVAÇÃO

Um refúgio natural em meio à metrópole No ano em que a Reserva Biológica Lami José Lutzenberger completa 45 anos, são muitas as ameaças à Unidade de Conservação Por Carolina Santos

E

ra final de tarde na Reserva Biológica Lami José Lutzenberger (Rebio Lami). O pôr do sol já apontava no Guaíba quando Josimar Antunes Appel, gestor da reserva, fazia a ronda de rotina com um colega. O espanto foi grande ao encontrar uma capivara presa em uma armadilha feita de cabo de aço. Quanto mais o animal forçava para se soltar, mais o cabo o machucava. “Optamos, apesar do risco, por cortar o cabo e soltar o animal e ficamos próximos das armadilhas, na espera dos caçadores”, conta Appel. Passava das 11 horas da noite quando os caçadores voltaram para examinar suas armadilhas. Appel e mais dois colegas detiveram dois homens, n Trabalho de educação ambiental é feito por meio de um era dentista, outro, morador visitas marcadas de grupos de estudantes universitários e do entorno da reserva, era porpesquisadores. Na Rebio Lami, são encontradas 262 espécies teiro do prédio onde morava o de plantas. Há também mamíferos, aves, peixes, anfíbios e répteis. Lontra e bugio ruivo são espécies em risco dentista. “Foi feito um boletim de ocorrência por crime ambiental, mas o que mais me chocou foi o método de caça, com extrema crueldade. O nosso trabalho é não possibilita visitação pública, n Luta pela qualificar o trabalho da Coorfeito para evitar que situações exceto para educação ambien- preservação denação de Educação Ambiental como essa se repitam”, diz o tal e pesquisa. “O trabalho é de Em 14 de agosto deste ano, e Fiscalização (CEAF), visando gestor da Rebio Lami. acompanhamento e, principal- a gestora da ReBio Lami e do a resultados mais efetivos das A Zonal Sul de Porto Alegre mente, de fiscalização. São feitas Refúgio da Vida Silvestre São ações fiscais e de monitoramento, é lembrada pela orla, porém a rondas a pé, sobretudo nas áreas Pedro (ReViS São Pedro), Ma- principalmente nas UCs, amregião possui uma mais propícias ria Carmen Sestren Basto, e seu bientes com forte pressão urvasta área de pre- n e à caça, funcionário e chefe de grupo bana e que demandam reforço A maioria das àdepesca servação. Matas barco, na orla nas duas UCs, Osmar Oliveira, especializado”, diz a nota. ciliares, banhados, ocorrências se dá e no banhado da foram retirados de seus cargos, O episódio mostra que a união juncais, matas de reserva, e de via- deixando as reservas sem dire- da comunidade é fundamental na com pessoas do restinga, maricatura, no entorno toria até as eleições municipais. luta pela preservação. “Quanto próprio bairro zais, vassourais e e na parte interna A comunidade da Zona Sul fez mais as pessoas se apropriam campos arenícoda ReBio”, expli- manifestações e uma petição dos espaços e os reconhecem e de bairros las compõem os ca Appel. pública online, que contou com como importantes, menos invizinhos” 204,4 hectares da Por estar in- mais de 1,4 mil assinaturas para vadem e realizam atividades Josimar Antunes Appel Rebio Lami, que serida em uma que a situação fosse revertida. E inadequadas”, analisa a arquiGestor da Rebio Lami abriga dezenas de área urbana, re- foram bem-sucedidos. No dia 27 teta urbanista Izabele Colusso, espécies da fauna gistros de tenta- de agosto, a Secretaria Munici- professora da especialização em e da flora brasileira, incluindo tivas de entrada na UC para pal do Meio Ambiente e da Sus- Gestão Estratégica do Territóalgumas ameaçadas de extinção. caçar e pescar são frequentes. tentabilidade (SMAM) divulgou rio Urbano da Unisinos. Entre as plantas em risco está a “A maioria das ocorrências uma nota informando o retorno Para ela, a resposta para a Ephedra Tweediana, sua presen- se dá com pessoas do próprio da bióloga. “Por reconhecer o preservação de reservas é incença nas praias do Lami, justificou bairro e de bairros vizinhos”, trabalho desenvolvido pela téc- tivar o interesse da população da a criação, em 1975, dessa Uni- comenta o gestor. O que de- nica nas UCs, por todo o seu co- região pela preservação das UCs. dade de Conservação (UC), pela monstra ser essencial o serviço nhecimento e histórico, a gestão “No caso da Rebio Lami, é preciso Lei Federal 9.985/2000. Por de biólogos e funcionários para entende que a contribuição da maior conhecimento e divulgação ser de proteção integral, a UC manter a reserva intacta. servidora é fundamental para sobre a reserva, para ressaltar

a importância de sua conservação junto aos moradores do entorno e de toda a cidade e região”, destaca a arquiteta. Ao completar 45 anos, o refúgio ambiental da zona sul de Porto Alegre que homenageia um dos mais conhecidos ambientalistas da capital gaúcha, José Lutzenberger, não é o único sob ameaça. O ano de 2020 foi marcado por queimadas em todo o território brasileiro, de norte a sul do país. Apesar da atenção da imprensa a biomas como Amazônia e Pantanal, o Pampa também esteve em chamas. Conforme relatório divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), de janeiro a novembro de 2020, já foram queimados mais de 226 mil km² de áreas verdes no Brasil. O pampa rio-grandense foi o bioma que teve o maior aumento de área queimada em comparação com o mesmo período de 2019: foram 6 mil km² queimados até o fim de setembro deste ano. n

IMAGENS — ESTUDANTES E CACTUS: SMAMS/PMPA; LONTRAS: FREEPICK

9


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

GERAL

AIMPA conta com 400 animais em busca de um lar Associação Imbeense de Proteção aos Animais realiza feiras de adoção e brechós solidários Por Paola Damazio

“E

u acho que estava escrito que nós ficaríamos juntas”, disse Elisabeth Regina Baldino Schier ao relembrar a adoção de Wendy na feira da Associação Imbeense de Proteção aos Animais (AIMPA). Fundada em abril de 2009, a AIMPA atua no resgate de animais das ruas ou em situação de maus-tratos e os reabilita para que possam ser adotados. A manutenção da entidade demanda muitos recursos. “A ração é o fator desesperador da AIMPA, pois precisamos alimentar centenas de animais e, para isso, precisamos de ajuda. Necessitamos de mais de 4,5 toneladas ao mês”, explica a presidente da entidade, Francisca Nunes. Para garantir a arrecadação dessa quantia, a associação realiza brechós que funcionam

n Animais continuam à espera de um lar durante a pandemia

de terça a sábado. Os recursos arrecadados são destinados para a compra de ração e materiais de limpeza, assim como para o pagamento de funcionários que cuidam dos animais nos finais de semana.

Devido à pandemia, a participação da população nas feiras de adoção diminuiu, fazendo com que os 400 animais abrigados pela AIMPA, dentre eles cães e gatos, continuem à espera de um lar. “A pandemia criou o pânico

nas pessoas e, com isso, muitos animais foram abandonados no portão da entidade ou largados na rua à própria sorte”, relata Francisca. As feiras de adoção, que permaneceram fechadas por cerca de 30 dias no início da pan-

demia, retornaram na segunda quinzena de abril seguindo os protocolos sanitários. Em 2017, numa das feiras, Elisabeth encontrou Wendy, uma cadela de raça não definida. A mulher havia sido alertada meses antes por um amigo sobre a história do animal que, junto aos três irmãos, havia sofrido queimaduras por água quente durante o período que estava em situação de rua. Desde aquele momento Elisabeth queria adotá-la, mas demorou alguns dias para que Wendy pudesse se juntar aos outros cinco cães da família. “Adotar é muito gratificante”, define. Outra história que teve início nas feiras da AIMPA é a de Lyon, um cão de raça não definida, que teve sua vida transformada no dia 5 de novembro de 2016. Lyon estava na feira ao lado de suas três irmãs quando o estudante Jorge Ricardo da Silva Junior e sua família chegaram ao local. Eles não planejavam adotar um animal, mas assim que viram o cão mudaram de ideia. “Ele trouxe mais alegria, harmonia e paz para nossa família”, afirma Jorge Ricardo. n

“Não temos nome ainda” une teatro e amizade Por Maria Fernanda Paul

Teatro amador rima com amor, sentimento que perdura no grupo hamburguense “Não temos nome ainda” (NTNA). Isso mesmo. De tanto utilizar o termo, ele acabou dando nome ao grupo que, mesmo na pandemia, segue criando novos projetos e promovendo arte, independente do contexto. “Teatro para mim é o oxigênio que eu respiro, me alimenta”, explana Fábio Ferraz, diretor do NTNA. Ele conta que, em 2020, o grupo tinha como planos produzir uma nova peça, além de documentário e livro, mas, quando foram obrigados a interromper os ensaios presenciais, priorizaram propostas que trouxessem resultados com o público a curto prazo. Nesse sentido,

10

o grupo passou a investir nas telas e abandonou os palcos temporariamente. O primeiro passo foi a leitura dramática de “A vida vivida de Zé Beré”, peça inspirada na cultura nordestina e cordel, que já haviam encenado presencial-

IMAGENS — GATOS: PAOLA DAMAZIO; “NÃO TEMOS NOME AINDA”: LEONARDO TAGLIARI

n Grupo sente falta

da presença física nos palcos durante a pandemia

mente. “Queríamos fazer algo diferente do que simplesmente ensaiar a peça”, conta Afonso Fröhlich, 23 anos, integrante do grupo desde os 14. Eles conseguiram adaptar a ideia para o formato online e “deu muito mais visualizações do que imaginávamos”, conta Afonso. Outra novidade foi a websérie “Não temos amigo ainda”, sugerida por um dos integrantes que é professor do ensino fundamental. Cláudia Bressler, 46 anos, advogada e professora, é fã do trabalho do NTNA e acompanha as publicações realizadas de modo online. Para ela, “é o modo como a arte pode se manter viva durante esse período.” Para Fábio, a interação física com os espectadores faz falta. “O contato com o

público e o ‘ser visto’ é algo viciante. Isso para o artista é muito importante”, desabafa. Dentre os benefícios, ele menciona que, antes da pandemia, o grupo não utilizava recursos digitais para divulgar os trabalhos. “Estamos testando outras plataformas para que, quando voltarmos presencialmente, já tenhamos mais gente conhecendo o nosso trabalho”, compartilha. A equipe de teatro é vinculada à Instituição Evangélica de Novo Hamburgo (IENH) e formada por ex-alunos da escola. Atualmente, conta com 15 integrantes fixos, além de volantes. Dentre os projetos futuros do “Não Temos Nome Ainda” estão podcast, especial de Natal e uma peça de bibliografia de Santo Antônio, a partir de uma leitura de cordel. n


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

GERAL

Acesso à praia de Imara será pavimentado Previsão de término da obra é fevereiro de 2021 Por Gabriel Jaeger

P

or muitos anos, os moradores do balneário de Imara, situado no município de Imbé, reclamaram do péssimo acesso à Avenida Imara, localizada no trecho entre a ERS-786 e a Avenida Paraguassú. Porém, desde abril deste ano, a prefeitura do município, através da Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), iniciou a pavimentação do acesso. Segundo o prefeito de Imbé, Pierre Emerim, a construção do calçamento era um compromisso da sua gestão. “A entrada da cidade agora terá uma nova cara, com certeza”, afirma. Já o Secretário Municipal de Obras e Viação, João Luiz Chaves, ressalta a importância da melhoria no acesso à praia. “A população pedia há muito tempo por uma mudança e a obra será essencial para oferecer uma impressão melhor ao balneário de Imara”. O secretário disse também que

postes serão instalados ao longo de toda a extensão da avenida, já que a iluminação atual do local é bastante precária. Os moradores do balneário de Imara também comemoraram o andamento das obras na avenida. Célia Santos, que vive na praia há 19 anos, disse que a administração pública não fez mais do que o seu dever, pois o trecho era muito perigoso. “Só pensar que as pessoas não vão mais precisar desviar para os acessos de outras praias para chegar até aqui é reconfortante”, comemora. João Flech, 65 anos, é veranista da praia de Imara e se mostrou surpreso ao ser informado sobre a pavimentação da avenida. “É inacreditável! Sou de Campo Bom, mas tenho casa em Imara, onde vou todos os verões há 10 anos, e sempre achei horrível aquela avenida. Conheço muitos amigos que já atolaram o carro no local, já que era completamente tomada pela areia. Confesso que não esperava pela reforma”, disse. A Prefeitura de Imbé não revelou o investimento total dos 9.288m² de calçamento da obra, que tem previsão de término para fevereiro de 2021. n

Violência contra a mulher aumenta 40% Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apontam que, no mês de abril de 2020, houve um aumento de 40% nas denúncias de violência contra a mulher registradas pelo serviço 180 quando comparado ao mesmo período de 2019. A psicóloga Laís Garcia, especializada em casos clínicos de violência contra a mulher, destaca que, no trabalho direto na linha de frente, é difícil mudar a sociedade numa perspectiva macro. “A maior efetividade se dá num sentido mais micro, por isso, existe a necessidade de tolerância à frustração e precisamos fazer o possível dentro dos recursos disponibilizados”, sublinha. A promotora de justiça Ivana Battaglin explica que o Governo Federal não tem feito o suficiente em relação à violência contra as mulheres e que o isolamento social trouxe um agravante, visto que o agressor tem mais facilidade para distanciar a vítima. Outros agravantes gerados pela pandemia são a crise econômica e o aumento do uso de álcool e drogas no ambiente doméstico. Ivana também destaca o fato de que as mulheres demoram de 10 a 15 anos para denunciar os seus agressores. A psicóloga Laís ressalta ainda que os serviços de assistência oferecidos pela rede de saúde disponibilizam todos os recursos necessários para auxiliar a vítima a romper com a situação de violência. n Por Laura Justo

n Avenida Imara ganhará pavimentação e novos postes de iluminação

Alunas de Sapucaia são destaques na Febic 2020 As estudantes Giulia Araujo, Fernanda Cosme e Maria Eduarda, vinculadas à Escola SESI de Sapucaia, desenvolveram um Imobilizador Terapêutico feito a partir de plástico reciclado. O projeto foi apresentado na Feira Brasileira de Iniciação Científica (Febic 2020), realizada em formato virtual no mês de outubro e foi o ganhador na categoria Área da Saúde. O projeto das estudantes do ensino médio foi orientado pelas professoras Eduarda Fehlberg e Rayza Echeverria, e conquistou credenciamento para a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), de São Paulo, e para a delegação brasileira no London International Youth Science Forum (LIYSF), realizada em Londres, no Imperial College. A entrega dos prêmios ocorreu através de live transmitida pelo Facebook da Febic. As estudantes relatam que acompanhar a premiação envolveu uma mistura de ansiedade e tensão. “A cada projeto lido eu ficava mentalizando que poderia ser o nosso. Nos prêmios que recebemos foi uma explosão de sentimentos e gritaria”, cita Giulia, que reuniu toda a família para torcer na sala de casa. A proposta do imobilizador terapêutico visa substituir o gesso comum no tratamento de lesões e também será apresentado na Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec) e na Feira Mineira de Iniciação Científica (Femic). n Por Geovana de Araujo

ONG intensifica doações na pandemia Durante a pandemia do novo coronavírus projetos sociais foram prejudicados em função do necessário movimento de isolamento social, impossibilitando voluntários de colaborar de forma mais efetiva. Pensando nisso, a ONG BeLove, que atua em Novo Hamburgo há dois anos, buscou alternativas para ajudar as pessoas que vivem nas ruas e dobrou as suas ações, que já beneficiaram 3 mil moradores da cidade, sempre cumprindo as diretrizes de prevenção à Covid-19. Hoje o projeto conta com dez diretores, que dividem suas funções diariamente. Além disso, o trabalho da ONG envolve aproximadamente 70 voluntários que participam das ações maiores, além de colaboradores que atuam como videomaker, fotógrafo e design gráfico e exercem seus trabalhos gratuitamente para ampliar a visibilidade do projeto. Dona Maria Goreti, 55 anos, moradora no bairro Boa Saúde, na cidade de Novo Hamburgo, foi beneficiada pelas ações da ONG e, atualmente, também se tornou uma voluntária. “Enquanto a maioria se trancava dentro de casa, a ONG estava batendo de porta em porta alcançando alimentos. Aqui é um lugar de muitas famílias carentes que precisam de apoio e, graças à ONG, estamos conseguindo ver o sorriso no rosto de cada um”, relata. n Por Fábio Luis Coelho

IMAGEM — JACKSON AMARAL

11


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

OPINIÃO

Quando os festivais de música voltarão? Por Frederico Wichrowski Dias

Sem dúvidas, esse ano foi e ainda está sendo muito difícil para todos. Bastou a pandemia do Coronavírus chegar para o mundo inteiro parar. Todos os setores de trabalho em diferentes regiões do planeta sofreram, em algum momento, ou com paralisações ou mesmo mudanças específicas na rotina. Muitas situações passaram a ser evitadas. Aglomeração não! As pessoas tiveram que tomar distância entre si para evitar o temido contágio, que já atingiu tanta gente. Com isso, os grandes festivais de música, como outros do mundo esportivo e do entretenimento, foram todos cancelados ou tiveram propostas de mudança, incluindo principalmente a ausência de público nos eventos e a transmissão on-line. Perdeu a graça? É claro que a maioria das pessoas deve amar poder se reunir em um evento musical de grande dimensão. O sentimento de troca de experiências, a convivência em grupo, o calor humano sempre foi motor para viabilizar os grandes espetáculos musicais. Então, cortar esse elemento-chave pode acabar removendo o sentido básico. E agora? Já que os eventos presenciais foram

completamente abolidos, restou adotar uma possibilidade aparentemente viável. A transmissão ao vivo, ou na linguagem popular, “as lives”. Mas não se compara nem de perto com a presença e a interação real. A volume do som, os telões, as grandes estruturas, que muitas vezes parecem estar à frente do nosso tempo, nos grandes shows, ficaram na lembrança, por enquanto. Ao menos até que o Coronavírus seja derrotado e a humanidade encontre uma resposta definitiva para esta crise global sem precedentes. Um dia, tudo volta ao normal! Todo mundo está esperando pra poder curtir novamente e a maioria deve ter certeza de que tudo voltará a funcionar em perfeita ordem. Difícil é estimar quando isso vai acontecer. No exterior, estão perto de encontrar a vacina eficaz. Mas ninguém sabe quando será aprovada e muito menos quando aterrissa em solo brasileiro, se é que aterrissa, sem ser pessimista. De qualquer forma, os eventos com música, alegria, arejamento e adicionado de sabor juvenil nos renderão lá adiante, se tudo der certo. Nosso imaginário vibra com a possibilidade de retorno desse tipo de evento, que funcionam como bálsamo para toda e qualquer tristeza, associado ao desânimo. Esperança, sempre. Música, cultura e compartilhamento presencial é tudo do que precisamos agora. n

Reencontro com a estrela guia Por Laura Roseli Blos

Uma das épocas mais queridas de todos os anos não será a mesma neste 2020. O natal é sempre um dos poucos momentos em que juntamos os familiares e reencontramos aqueles que passamos quase o ano inteiro sem ver. Não só um encontro, a data nos traz diversos reencontros. Todos os anos nos reunimos com os primos do meu pai. A casa não importa, desde que todos estejamos juntos. A magia é perpetuada por décadas, afinal nunca deixou de haver uma criança para encantar. A árvore enfeitada, o momento da abertura dos presentes, o amigo secreto. Coitado daquele que tira meu pai nos papeizinhos do amigo oculto, pois ele sempre tem uma brincadeirinha a fazer. Um ano, o presente escolhido por ele foi o valor do amigo secreto em número específico de moedas. Pobre do meu dindo que buscou mercados, lojas e até igrejas para conseguir juntar as moedas necessárias. E o presente foi entregue, exatamente da forma como o pedido foi feito, mas em diversas caixinhas, papéis e muita enrolação - nenhuma graça passa batida. Todo o ano uma brincadeira, uma ideia, uma comida, algo diferente acontece. Seja um churrasquinho de palito, com pedaços enormes de carne que

12

assam bem depois dos palitos serem queimados, seja um jeitinho de fazer com que todos estejam presentes. Em uma das comemorações, minha prima estava fazendo intercâmbio nos Estados Unidos e não pode voltar para o Brasil, para o Natal. Sendo assim, todo mundo se juntou em frente ao computador para conversar e desejar um feliz Natal a Ana por videochamada. E talvez, essa seja a realidade para este ano. A distância imposta pelo novo coronavírus não permitirá que nos encontremos pessoalmente, mas certamente não ficaremos longe - obrigada tecnologia. Seja por mensagem de texto, ligação ou vídeo-chamada, pensamentos, orações e reflexões, o espírito natalino jamais será esquecido. Afinal, a comemoração se faz ao nascimento de um menino, que através da uma estrela guiou o caminho de muitos. Que neste natal possamos reencontrar a estrela guia. Que todos entendam que o distanciamento é temporário e que logo o reencontro acontecerá. Está difícil, os cenários ainda assustam, mas cada luzinha que acende em uma árvore acende a esperança para que tenhamos dias melhores. O Natal tem esse poder de revigorar nossas energias, crenças, compartilhamentos e boas expectativas de dias melhores. E que possamos todos vivenciar um feliz Natal! n

Harry Styles entrega o equilíbrio perfeito Por Milla Lima

Cultivando a carreira solo desde 2015, Harry Styles tem chamado atenção da música pop com o álbum Fine Line, seu segundo álbum de estúdio individual. O músico ficou famoso em 2010, com a banda One Direction. Criar e cultivar seu próprio estilo longe da banda tem sido um desafio para os outros ex-integrantes, mas não para Harry. Com 12 músicas, cinco videoclipes e a single “Watermelon Sugar”, que levou Harry Styles a se juntar aos cinco cantores britânicos que alcançaram o topo das paradas nos últimos 25 anos, chegando ao número 1 na Billboard Hot 100 do dia 15 de agosto, o músico foi indicado hoje (24/11) a três Grammys. A obra conta com conflitos sentimentais, como podemos ver em “Lights up”, instantes de doce melancolia, presente em “Cherry”, e versos puramente confessionais, o que pode ser notado na faixa “To be so lonely”. A proposta orienta a experiência do ouvinte até o último instante do trabalho, na autointitulada faixa de encerramento do disco “Fine Line”, uma música que deixa qualquer um sem fôlego. Com base nessa estrutura, Styles entregou ao público uma obra essen-

cialmente equilibrada. Um misto de dor e celebração romântica, isolamento e busca declarada por um novo amor. Pouco mais de 40 minutos em que o músico britânico transforma os próprios sentimentos, conflitos e experiências recentes no principal componente criativo para a formação dos versos, proposta que não apenas preserva, como sutilmente amplia tudo aquilo que o artista havia testado durante o lançamento do álbum anterior. Entre suas inspirações está Fleetwood Mac e Pink Floyd. A arte do álbum, juntamente com a grande influência que Styles tem tido no mundo da moda, tornou os looks, cores, acessórios e até mesmo suas próprias tatuagens a fazerem uma legião de fãs adotarem seu visual. Aliás, essas tendências comprovam o quanto tudo o que gera informação no âmbito da cultura pop, em tempos de convergência midiática, aciona produtos em outras dinâmicas. O setor da moda é um dos braços de maior rentabilidade desses processos. O fenômeno em tela mostra que o ex-membro do One Direction tem o que é preciso para garantir a atenção do público, montando uma narrativa que não se apoia apenas na coletânea de músicas perfeitamente equilibradas, mas também na presença e no estilo que criou para si. n

Comédia e romance para sobrevivermos na pandemia Por Thariany Mendelski

Se você gosta de algo leve, com toque de comédia e romance, Emily in Paris é uma boa opção de série da Netflix. Estamos vivendo um período em que cada vez mais precisamos de momentos leves e descontraídos, e a série entrega o que promete. A história não tem grandes surpresas, mas é divertida de assistir, e ótima para relaxar. Emily Cooper é uma jovem comum de Chicago que parece ter tudo planejado. No entanto, recebe uma proposta de emprego inesperada em uma agência de publicidade e engajamento em mídias sociais, que promete virar sua vida de cabeça para baixo. Ao aceitar o trabalho e se mudar para França, ela precisa lidar com um novo idioma e uma cultura completamente diferente da sua. Por não falar o idioma, Emily já encontra de cara algumas dificuldades, e por também ser americana, ela é um pouco hostilizada pelos seus novos colegas de trabalho. Ninguém está feliz com a presença dela ali e todos se recusam a dar uma chance a sua visão americana de publicidade. Emily se sente bastante solitária no começo. Como ela mesma diz, não está acostumada às pessoas não gostarem dela. Mas, ao mesmo tempo, não está disposta a ceder e deixar que outras pessoas a impeçam de fazer o

trabalho que ela tanto ama fazer. Emily vai atrás de contas e clientes novos e com muita criatividade, modernidade coloca um pouco da vida pessoal. Ela encanta a todos os clientes das formas mais inusitadas, a não ser, é claro, sua chefe que não a vê como parte da equipe e sim como concorrente no profissional, e em determinadas questões pessoais. Além de algumas aventuras reais, de uma pessoa nova em uma cidade completamente diferente e apaixonante, a série a acompanha fazendo novas amizades, lidando com o machismo da cidade, com investidas inadequadas, com clientes antiquados e uma paixão proibida. Mesmo podendo ter exagerado um pouco ao estereotipar os parisienses, a série garante um frescor para quem quer um escapismo leve e com as situações mais loucas e constrangedoras. Um ponto negativo que quero citar é que não tem aprofundamento nenhum na família da protagonista, não sabemos como ela chegou na empresa que ela está sendo tão bem-sucedida assim. O final da série fica em aberto, não tendo cara de último episódio. Como a série ainda não foi renovada para a segunda temporada, isso pode ser ruim em caso de cancelamento. De qualquer forma, a série, na sua leveza e abordagem, transforma-se em ótimo antídoto para essa já insuportável ressaca da pandemia. n


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

GERAL

Academias perdem alunos na pandemia Em Osório, estabelecimentos oferecem descontos e isenções para pessoas com problemas financeiros Por Gabriel M. Ferri

D

esde o início da pandemia do novo coronavírus, inúmeros setores foram impactados pelas restrições de contato e pelas exigências de distanciamento social impostos pelos órgãos de saúde. O problema não foi diferente para os proprietários de academias em Osório, que ficaram meses sem poder abrir as portas. Marcel Meregali Soares é proprietário de uma academia na cidade e opera seu negócio respeitando os decretos municipais que exigem distanciamento social, limite de ocupação, horário de funcionamento restrito e uso de máscara e álcool em gel. Ele afirma que tais medidas acarretaram redução no número de alunos, principalmente daqueles que integram o grupo de risco. Contudo,

no período de pandemia, a academia oferece descontos e isenções para pessoas que enfrentam dificuldades financeiras em decorrência da crise econômica. Rossano Guglierri, por sua vez, se viu obrigado a fechar a sua academia no centro de Osório. Ele explica que, antes da pandemia, tinha mais de 180 alunos matriculados, mas que, após a divulgação dos decretos, o número máximo de alunos que poderia frequentar o local ficou limitado a 70. Segundo estimativas de Rossano são necessários, pelo menos, 140 alunos matriculados para arcar com os custos operacionais do espaço. “Até a pandemia passar não temos planos de retorno ou algo do gênero”, explica. Pedro Lucas Faller começou a treinar durante a pandemia e, segundo ele, o estabelecimento que frequenta respeita todas as recomendações dos órgãos de saúde. “Me senti tranquilo devido à quantidade de procedimentos de segurança adotados pela treinadora e dona do estabelecimento”, relata Lucas, que avalia como muito baixa a possibilidade de contágio pelo novo coronavírus dentro da academia. n

Aumenta procura por cirurgias plásticas Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC), durante a quarentena houve um aumento na realização de procedimentos estéticos, notado também na cidade de São Leopoldo. A empresária Joana Marques, 46 anos, realizou em julho uma cirurgia de abdominoplastia com lipoaspiração e afirma que o período de quarentena representou um facilitador. “A vida corrida me fez adiar por diversas vezes, mas agora, sendo obrigada a ficar em casa, pude ver que era o momento de cuidar de mim”, relata. Instrumentadora cirúrgica em São Leopoldo, Aline Ribas constatou um aumento de 70% na busca por cirurgias estéticas em 2020. “Apesar da diminuição de cirurgias no início da pandemia devido ao controle para reduzir os insumos usados na intubação dos pacientes, a procura continuou muito alta e logo tudo foi normalizado”, destaca. Para a realização dos procedimentos estéticos, contudo,háumasériedecuidadosqueprecisamseradotadosno processo pré e pós-operatório devido à pandemia do novo coronavírus. “No dia anterior à realização das cirurgias, as clínicas realizam entrevistas por telefone questionando os pacientes sobre sintomas de resfriado ou quaisquer fatores de risco. A maioria dos médicos também solicita o exame SARS-COV antes do procedimento”, completa Aline Ribas, que trabalha em três clínicas particulares e participa de cerca de 20 cirurgias ao mês. n Por Isadora Cardoso

n Aluna treina seguindo as recomendações de distanciamento

Cultos de paróquia em Feliz são transmitidos via web Em meio ao cenário de distanciamento social, a Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Feliz migrou as celebrações religiosas para o ambiente virtual. Por iniciativa do pastor Jeferson Rusch, 36 anos, os cultos passaram a ser transmitidos pelo YouTube, permitindo que os fiéis acompanhem as celebrações de qualquer lugar e a qualquer momento. Segundo Jeferson, desde 2019 a paróquia tinha planos de ampliar a sua presença na internet. Com a pandemia, a inserção dos cultos no ambiente digital foi a maneira encontrada para seguir com a missão da igreja e não perder o vínculo com os fiéis. “A igreja na internet deve continuar”, disse o pastor ao ressaltar a importância do ambiente digital para a comunhão da igreja em tempos de isolamento social. O pastor relata que, nos cultos presenciais, a paróquia da cidade de Feliz acolhia um público de, aproximadamente, 100 pessoas. Os cultos transmitidos no YouTube, contudo, têm audiência média de 400 pessoas. “Houve um aumento de 300% a 400% em relação à média que a gente tinha na igreja”, explica. Com o uso da internet para a transmissão dos cultos, alguns membros da paróquia precisaram se adaptar ao uso da tecnologia. Esse foi o caso de Dalia Zimmermann, 81 anos, membro assídua da igreja, que precisou recorrer aos filhos e netos para conseguir acompanhar os cultos via celular. n Por Sofia Zimmermann

Estudantes de baixa renda têm cursinho gratuito Instalada em Gravataí desde 2018, a Rede Emancipa oferece um cursinho pré-vestibular voltado a estudantes de baixa renda e, no contexto da pandemia, disponibiliza conteúdos online para 50 alunos. Através de aulas gratuitas ministradas por professores voluntários alunos garantem, através do projeto, oportunidade de acesso à universidade. Professor de História e um dos coordenadores do projeto, Renato Link enfatiza que, diante de uma sociedade excludente, sua motivação de integrar a rede visa a construção de uma sociedade mais justa. O ensino superior no Brasil, destaca, é de difícil acesso para jovens de baixa renda, diferente da Argentina, onde o acesso é direito universal. Alunas do cursinho, Julia D’avila, através do ProUni, e Letícia Prado, através do SISU, garantiram vagas no ensino superior. Segundo elas, sem o apoio da Rede Emancipa não teriam alcançado seus objetivos. Letícia passou na primeira tentativa para o curso de Pedagogia, na FURG, e não teria condições de pagar um cursinho particular, assim como Julia, aprovada em Direito na PUCRS. Na avaliação de Renato, “o acesso à educação superior é uma das ferramentas de construção de uma sociedade críticaepensante”.Segundoele,contando,emmédia,com cincoalunosporanonamodalidadepresencial,oprojetode educação popular cumpre a missão de oferecer condições mais igualitárias de acesso à educação superior. n Por Ana Paula de Oliveira

IMAGEM — RENAN BRUM

13


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

OPINIÃO

Eu sou filha desta terra e a vida é sonho Por Cristina Fengler Bieger

Eu sou filha desta terra, que desde os seus novos primeiros dias, foi regada a sangue e suor por quem até hoje carrega o peso de ser mal visto. Eu sou filha de uma terra colonizada e explorada para a riqueza de poucos e de outros. Eu vi impérios se levantarem, se irem e voltarem, apenas para usufruir mais um pouco que nunca foi seu. Eu sou filha de uma terra que escravizou seu povo e continua a excluir quem também ergueu esse país. Eu sou filha de uma terra que levaria às Índias, mas que trouxe ao Brasil. Eu sou filha de uma terra que levanta bandeiras, que ergue sua voz, que cerrou seus punhos e se pôs a caminhar. Mas essa mesma não aprendeu a respeitar, e que, quando isso for a base, não terá o porque lutar. Eu sou filha de uma terra de preconceitos, que precisa se reinventar, mudar, para alcançar um novo patamar. Eu sou filha de uma terra que abriga milhões, mas onde ainda não aprendemos a nos chamar de irmãos. Enquanto isso eu sonho. Sonho como muitos, sonho por muitos. Sonho com o dia em que todos seremos iguais, onde a cor não seja sinônimo

de medo ou resposta para covardias. Eu sonho com o dia em que todos lutaremos juntos e venceremos juntos. Essa terra, que carrega a cultura de nossos antepassados não está condicionada a ela. Eu sonho com o dia em que seremos livres de verdade. A vida é sonho, como preconiza Pedro Calderón de la Barca em sua memorável peça. “Sonha o rico sua riqueza que trabalhos lhe oferece; sonha o pobre que padece sua miséria e pobreza; sonha o que o triunfo preza, sonha o que luta e pretende, sonha o que agrava e ofende e no mundo, em conclusão, todos sonham o que são, no entanto ninguém entende. Eu sonho que estou aqui de correntes carregado e sonhei que em outro estado mais lisonjeiro me vi. Que é a vida? Um frenesi. Que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção; o maior bem é tristonho, porque toda a vida é sonho e os sonhos, sonhos são”. Eu sou filha de uma terra bonita, de um país miscigenado, banhado por praias e mar, com colheitas o ano inteiro e motivos para festejar. Mãe de todos os povos, é o Brasil a quem chamamos de lar. Somos todos nós, filhos de uma terra de lutas e de glórias, uma terra de palmeiras, onde canta o sabiá. n

Morre um gênio, segue a lenda Por Giuliano Reis

Não há como tocar em outro assunto neste dia 25 de novembro de 2020 que não a partida, ao menos no plano terreno, do maior personagem que o futebol já teve, de um gênio indomável, de um craque performático e decisivo, do único atleta que tem uma Copa do Mundo para chamar integralmente de sua. O Mundial do México, em 1986, é da Argentina porque, nas regras do futebol, é preciso 11 jogadores em campo, mas se Diego Armando Maradona estivesse sozinho, a venceria da mesma forma. El Pibe D´Oro viveu e amou intensamente, foi sul-americano na essência do que um “sudaca” pode e deve ser. Genial e revolucionário. Controverso, errático, corajoso e o mais humano dos deuses, como definiu, com sua capacidade única com as palavras, Eduardo Galeano. Não tenho a mesma genialidade do autor citado, mas sou apaixonado por futebol e, muito disso, pelo legado, obra e por quem foi Maradona. Seus erros, sua dependência química que, muito provavelmente, custou-lhe bons anos de vida e sua partida precoce, aos 60 anos, mas são parte da riqueza que ele nos ofereceu. O esporte está de luto, pois um daque-

14

les que são irrepetíveis, se foi. Nesses momentos discute-se o legado, que ele poderia ter sido um jogador ainda maior, se fosse um atleta mais regrado, mas não se pode desconsiderar que um homem, em especial os gênios, são o que são por suas inúmeras qualidades, entretanto também pelos defeitos. Completo 31 anos hoje, um dia significativo na vida de uma pessoa, mas guardarei poucas lembranças pessoais desta data, mas tenho absoluta certeza que muitas da sua morte. Da comoção, das homenagens, das capas de jornais e revistas que exaltam alguém que transcende a vida, que é eterno, não apenas por seus gols, dribles e títulos, mas por quem integralmente foi e sempre será Diego Armando Maradona. Em uma entrevista ele diz que, em sua lápide, deveria estar escrito “Obrigado, Bola”, ela, inseparável companheira, que sob seu comando rolava e era dominada com uma beleza única, uma classe que poucos, pouquíssimos, tiveram. Maradona sai da vida, não para entrar na história, nela ele já estava, mas para lembrar que até mesmo um deus, pode ser falho na mesma intensidade que fora genial. Descanse em paz, Diego. E se tu agradeces a bola, nós agradecemos a ti, por tanto. n

O filme do racismo precisa acabar Por Fabricio Pereira

Nos últimos dias um filme tem sido reprisado várias vezes na TV. Não importa o dia, a hora ou o canal, é sempre o mesmo filme. Embora eu seja fã de filmes de ação, com lutas, armas e confrontos, este é um filme que não me agrada de jeito nenhum. O seu roteiro traz mensagens mais obscuras que o fundo do mar. Seus vilões são dotados de práticas tão macabras que podem ser comparadas aos mais famosos seriais killers da história. Seu protagonista, embora seja tão comum, também é tão único. Ele representa tantas pessoas que, ao assistir, você consegue ver milhares semelhantes atrás dele. Vou contar a história para vocês. Um homem, simples, normal, como qualquer outro, é morto em frente a um supermercado por dois seguranças. O motivo? Depende de qual versão da história você quer saber: há a versão literal que, como um pintor que pinta um quadro, pode ser ilustrada tão detalhadamente no imaginário de qualquer um; e há a versão representativa, que nos transporta para um cenário muito mais profundo e antigo, onde o que reina são pensamentos e ideologias tão arcaicos e primitivos que me fazem duvidar se estou vivendo no século XXI. A vítima desse filme é José Alberto Silveira Freitas, que ficou mais conheci-

do pelos seus espectadores como Beto. Nesse filme, Beto foi um protagonista que não teve um final feliz. E assim como ele, aqueles que o conheciam também não tiveram um final feliz. Na verdade, esse filme não acaba com o final de Beto. Por todo o lugar nós vemos o Beto. Nós vemos o Beto andando numa noite escura em uma rua deserta e as pessoas pensando que ele possui intenções ruins, malvadas e violentas. Nós vemos o Beto quando ele é julgado, menosprezado e mal visto o tempo todo por causa suas origens africanas. Nós vemos isso todos os dias, em todo lugar, o tempo todo. Esse não é um bom filme. É um filme tão aterrorizante e carregado de violência que supera os mais assustadores filmes de terror. Ele mostra uma violência tão cega que é incapaz de ver além dos tons mais plurais e diversificados da humanidade. É como se a violência desse filme para com os seus personagens variasse de acordo com uma tabela de cores. Branco, pardo, marrom, preto, albino... Esse filme precisa acabar. Essa sequência cinematográfica da violência racial precisa acabar, para que personagens como Beto possam não apenas ter um final feliz, mas também viver o filme de suas vidas com a plenitude, felicidade e dignidade que a História roubou deles. n

O futebol brasileiro é a síntese das contradições Por Grégori de Moraes Soranso

O Brasil é o país do futebol. É certo que a esta altura do século XXI muito já se debateu sobre a velha máxima que nos coloca, enquanto nação, como referência do esporte mais popular do mundo. Há quem rejeite o título, e muitos são os argumentos para sustentar que, se já fomos um dia, hoje não podemos mais fazer tal afirmação. Mas o fato é que o futebol resume fielmente o país cheio de contradições em que vivemos. A desigualdade econômica, uma característica nossa tão presente quanto o carnaval, se reflete no salário dos jogadores. Ao passo em que vários brasileiros figuram na lista dos mais bem pagos do planeta, 55% dos mais de 11 mil atletas profissionais registrados no país ganham em média mil reais por mês. Apenas 7% dos atletas concentram 80% dos valores anuais em salários, segundo levantamento encomendado pela CBF no ano passado. Em se tratando da entidade que comanda o futebol nacional, três dos quatro últimos presidentes foram afastados por envolvimento em casos de corrupção, a despeito da célebre declaração do técnico tetracampeão mundial as vésperas da Copa de 2014: “a CBF é o Brasil que dá certo”, afirmou Carlos Alberto

Parreira. Dos dirigentes, um está preso nos Estados Unidos, outro foi banido do esporte pela FIFA e o terceiro evita deixar o país por estar sob investigação em três continentes diferentes. Qualquer semelhança com a nossa classe política não é mera coincidência. Campeonatos com regulamentos confusos, troca de técnicos a todo momento e clubes frequentemente endividados também são exemplos de uma tradicional falta de planejamento a longo prazo, assim como ocorre com nossas principais instituições, sejam da esfera executiva, legislativa ou judiciária. Embora todos os desabonos mencionados, é inegável o quanto o futebol faz parte da cultura nacional. Neste sentido, muito além de ser objeto de uma paixão irracional, devemos enxergar também o potencial catalisador de lutas sociais envolvidas no ambiente futebolístico. Quanto mais vinculado a uma lógica de mercado, elitista e excludente, maiores são as iniciativas no sentido oposto. Vide a multiplicação de torcidas antifascistas pelo país inteiro, a crescente busca de espaço do futebol feminino, as lutas contra o machismo e o racismo nas arquibancadas. O futebol definitivamente nos representa, cabe a nós, amantes desse esporte, decidir como queremos ser representados. n


BABÉLIA #34

São Leopoldo, dezembro de 2020

ESPORTE

Atleta em quarentena: a pandemia do capitão Como um jogador de futsal enfrentou o distanciamento para não perder rendimento físico e até voltar às quadras

receber treinamentos específicos. “Ele me passava algumas coisas, eu dizia o que gostava de fazer e o que achava necessário melhorar, para pelo menos tentar manter minha forma física ideal”, conta.

n Jogos sem torcida Com os treinos coletivos liberados e data para o pontapé inicial da Série rogramado para iniciar no dia 27 Ouro confirmada, o Guarani retornou no de junho, o campeonato gaúcho de final de agosto aos trabalhos e iniciou sua futsal, conhecido como Série Ouro, preparação para a competição. A alegria teve o seu início adiado. Em um congresso do capitão voltou. “Fiquei muito feliz técnico realizado no mês de junho pela por poder voltar a jogar, voltar a treinar, Federação Gaúcha de Futebol de Salão manter a nossa rotina, que é o que a gente (FGFS) por videoconferência, ficou de- mais gosta de fazer. Claro que seguimos finido que a disputa ficaria para agosto, todas as restrições necessárias, medimas o aumento no número de casos de das sanitárias, para evitar novos casos. Covid-19 no Estado e com cidades em Além disso, sabemos que uma nova onda bandeira vermelha, indicando risco alto, da Covid-19 está por vir, então estamos o início foi adiado outra vez. A principal nos preparando e nos cuidando cada competição de futsal do Rio Grande do Sul vez mais”, diz o atleta. Sobre a volta às começaria somente em 27 de setembro, quadras, José diz que foi necessário se três meses após o programado. adaptar, principalmente, aos jogos sem Com a data firmada, os 10 clubes par- torcedores: “O ambiente é diferente, não ticipantes voltaram aos treinamentos, há aquela atmosfera da pressão adversária mas como será que o atleta se preparou ou até mesmo o entusiasmo da nossa torpara não perder a forma? O jogador do cida, mas precisamos nos adaptar”. Guarani Futsal, de Frederico Westphalen, Na sua fase semifinal, a Série Ouro tem José Antônio, que atua no clube desde o Guarani entre os postulantes. Capitão do 2018, conta como foi sua quarentena. José time, José esteve presente na conquista é atleta profissional de futebol de salão da Série Bronze em 2018, e agora busca o desde 2002, quando iniciou sua carreira título que seria o maior troféu da história jogando pelo já extinto time de futsal do do clube. Sobre as semifinais, José coSport Club Internacional, menta que o os treinos conele que já jogou por outras n O futebol de tinuam pra valer e finaliza: 14 equipes durante a carrei“Estamos na fase decisiva, salão é o meu ra, sendo o Guarani o 15º, e as semifinais são no mês pela primeira vez, viveu um que vem, queremos chegar ganha pão, eu período em que não pôde dependo do futsal na final e consequentemenexercer o seu trabalho. No te ganhar esse título, que para viver” início da pandemia, José seria um marco histórico conta que foi bem difícil não para nós atletas, comissão conseguir treinar, e consequentemente, técnica, dirigentes e também para a cijogar: “O futebol de salão é o meu ganha dade de Frederico Westphalen”. pão, eu dependo do futsal (se referindo Assim como José Antônio, diferentes ao esporte como sua renda mensal). Foi atletas de várias modalidades diferentes bem complicado, pegou todos os times tiveram de se adaptar a pandemia: A de surpresa, não só os times, claro, mas o principal liga de basquete do mundo, mundo todo. Eu que sou bastante fominha a NBA, teve seus jogos adiados em e gosto muito de estar em quadra, não março. Na Fórmula 1, todo o calenpude, e não poder jogar foi complicado”. dário foi alterado para evitar corridas Apesar de ter sido difícil, José entende em países onde o número de casos que o momento era de um cuidado maior: de Covid-19 era maior, e por aqui, os “Eu procuro sempre aprimorar o meu campeonatos de futebol também foram trabalho, e sem treinar com o restante protelados. Tal como o futsal, essas do time é ruim, mas ficar sem jogar era modalidades retornaram: a NBA teve os necessário no momento, porque exis- Lakers como os campeões, na Fórmula te um bem maior que é a saúde”. 1, Lewis Hamilton superou a marca de No período sem jogos, José teve de Michael Schumacher de 91 vitórias e se preparar em casa, onde fazia exercí- empatou em número de títulos, também cios, às vezes saía para correr, para que de Schumacher, com sete, e o futenão perdesse o ritmo dos treinamentos bol voltou, com todas as competições semanais, já que a Série Ouro de futsal em andamento. Todos esses eventos exige bastante do atleta. Mesmo longe dos esportivos têm algo em comum: sem treinamentos com os colegas de Guarani torcedores, o principal combustível dos e sem a mesma intensidade, José conver- atletas, seja para Lebron James na NBA, sava através do aplicativo de mensagens Lewis Hamilton na Fórmula 1 ou José WhatsApp com seu preparador físico para Antônio no Guarani Futsal. n Por Luã Fontoura

P

n Acima, José Antônio levanta o

troféu de campeão da Série Bronze de futebol de salão pelo Guarani, em 2018. O atelta já defendeu também as camisas do Assoeva e Internacional

IMAGENS — ARQUIVO PESSOAL

15


São Leopoldo, dezembro de 2020

BABÉLIA #34

ENSAIO

O

Música a partir do lixo

aterro sanitário Cateura fica às margens do Rio Paraguai, na capital do país vizinho. Foi nesse lugar, no bairro Bañado Sur, que há 14 anos teve início a Orquestra de Instrumentos Reciclados de Cateura pelas mãos do técnico ambiental Favio Chávez. Atuando no local, percebeu que podia ajudar crianças e adolescentes que acompanhavam os pais no trabalho e ficavam por ali. Decidiu dar aulas de música. Mas o início foi difícil. “Um violino custa mais que suas próprias casas”, lamenta Favio, que tinha poucos recursos para compra de instrumentos. Então, o lixo, fonte de renda de quem trabalha ali, tornou-se a solução. William Wilson López, ou apenas Wiwi, hoje com 28 anos, faz parte do grupo há cerca de 10 anos. Em agradecimento a tudo o que recebeu da orquestra, decidiu fabricar instrumentos a partir dos materiais descartados no aterro. Um pouco do que o jovem produz pode ser conferido aqui, nas imagens captadas por Cynthia Báez, Diego Hayes, Gabriel Cubilla, Meli Gini, Paula García e Viví Arrieti, alunos da La Escuela - Fotografia y Arte.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.