Desafios da liderança 2018
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A 9ª edição da palestra Desafios da Liderança foi promovida pela turma de 2018 do Mestrado Profissional em Gestão e Negócios (MPGN) da Unisinos. O evento ocorreu na Unisinos POA, em 4 de julho, tendo como palestrante convidado Paulo Goelzer.
Natural de Santa Cruz do Sul (RS), Goelzer é presidente e CEO do Instituto IGA Coca-Cola. É bacharel em Administração pela Unisinos e mestre pela UFRGS. PhD em Desenvolvimento Organizacional pela Benedictine University (EUA), é pós-doutorando (visiting scholar) pela University of Wisconsin-Milwaukee (EUA).
“Este momento é uma aula aberta para quem vem conhecer nosso Mestrado Profissional”, sintetizou o professor Guilherme Trez, coordenador do MPGN, na abertura. “Uma experiência muito atrelada ao nosso DNA, que é conectar teoria e prática. Isto é o que vamos vivenciar hoje.”
Falando em boas notícias, o coordenador rememorou a nota máxima conferida pela CAPES ao MPGN em 2017. Excelência destacada entre cerca de setenta programas profissionais na área de Gestão do país, alcançada por nove instituições de ensino. “Costumo dizer que igual ao nosso programa existem outros oito, nenhum melhor.”
Isso credencia a Unisinos a pleitear um Doutorado Profissional com um projeto já apresentado à CAPES. “Se tudo correr conforme esperamos, em breve iniciaremos uma nova fase neste programa, que é o doutorado para o público profissional - inédito no Brasil. Estamos na expectativa de que a proposta seja aprovada. E o conceito deste projeto tem tudo a ver com o tema de hoje: a capacitação de lideranças para a transformação das práticas nas organizações.”
Além disso, está em fase final, após quatro anos, a acreditação da Escola de Gestão e Negócios, explica Guilherme Trez. “A acreditação é um processo de reconhecimento internacional da qualidade da escola. No mundo todo, são cerca de 800 escolas acreditadas pelos órgãos avaliadores - o nosso é a AACSB [ Association to Advance Collegiate Schools of Business]. Dessas, no Brasil, existem duas, atualmente. Estamos trabalhando muito para entrar neste seleto grupo.”
Goelzer iniciou sua palestra explicando que não é funcionário da Coca-Cola. “A empresa patrocina o instituto, que chama-se IGA (International Grocers Alliance), onde temos dez mil lojas, na maioria supermercados, totalizando 153 mil alunos.”
O gaúcho está há trinta anos nos Estados Unidos.
Ao lembrar que o livro mais usado em mestrados da área chama-se “O Desafio da Liderança”, dos autores Barry Posner e James Kouzes, ele salienta que vê o desafio da liderança como algo contínuo. “Estamos sempre preocupados em aumentar vendas, faturamento, melhorar o serviço, entre outras questões.
Executivos sabem que há metas constantes para crescimento ou redução. Todos, gerentes, diretores, ficamos nesta luta do dia a dia. E, neste tempo, por vezes perdemos algumas coisas.”
Mostrando o mundo varejista dos Estados Unidos em 2017, Paulo sublinha algumas grandes marcas que enfrentam adversidades e tiveram que fechar lojas: Sears, KMart, Toys ‘R’ Us, Foot Locker, Sam’s Club e GAP. “Será que estas marcas não sabem o que estão fazendo em seus respectivos mercados? Olhamos a economia norte-americana e vemos que ela não está ruim. O nível de desemprego está em 3,8%. Tenho dados que mostram que o desemprego nunca esteve tão baixo nos últimos dezoito anos.”
O palestrante contextualiza. “Se pegarmos o nível total de desemprego do setor privado e o recorte dos empregos gerados no setor varejista, desde 2008, quando houve a crise norte-americana, eles caminham em proporção. Chegando em 2017, a coisa ‘degringola’. Os números gerais seguem o padrão, mas os valores do varejo, em si, destoam.”
Nos Estados Unidos, a mídia denomina esta conjuntura como “American’s Retail Apocalypse” [“apocalipse do varejo norte-americano”, em tradução livre]. Este seria só o início de um período de fortíssimas mudanças no setor.
Em 1974, o futurista e pensador de Administração Arthur Clarke já apontava o que as pessoas teriam à disposição em 2001. Clarke previu o computador pessoal, em detrimento dos gigantescos consoles da época, ao acesso de todos para a realização das mais diferentes tarefas. “Em 74, Clarke disse que todos teriam um computador em 2001. Em 2016, um grande número de empresas quebrou por causa do e-commerce. Quanto tempo tivemos até hoje [2018]? 44 anos! Claro que esta ‘quebradeira’ que ocorre nos Estados Unidos não tem um único motivo, mas o e-commerce é um fator importante”, afirma Goelzer.
Para antecipar estas citações, o futurista utilizou duas classificações que os norte-americanos chamam de hard trends e soft trends - tendências mais ou menos inevitáveis. “Naquele momento, Clarke tinha como hard trends o computador - o IBM era do tamanho de uma sala - e o satélite. Devido aos dois, ele conseguiu prever essas coisas. E aí temos um desafio sobre o que é o futuro: o que realmente nos trouxe ao estágio atual?”, finaliza o CEO do Instituto IGA Coca-Cola.
Ele frisa a Lei de Moore - “a cada dois anos os computadores estarão mais baratos”, resume. Na transmissão de dados, chegaremos em 2019 ao padrão 5G. Isso em termos de processamento e transmissão. E, também, o custo da memória, que fica mais barato a cada doze meses. “Esta lei é da década de 1950 e se confirma: o custo do processamento cai pela metade a cada dois anos, a velocidade fica maior e o custo de armazenamento em nuvem diminui a cada doze meses.”
Há uma série de tendência que conduzem mudanças importantes. Paulo Goelzer questiona o público sobre o que Arthur Clarke apontaria hoje como hard trends, e como pensar liderança nesse contexto. “Acho que a primeira coisa sobre a qual ele falaria seria a inteligência artificial (IA). Esse é um dos grandes drivers da atualidade. Todos eles atuam em conjunto, mas precisam ser abordados individualmente. Há predições de que, em 2020, grande parte dos diagnósticos serão por IA no campo médico, por exemplo.”
A inteligência artificial mudará os computadores, sendo fundamental para coletar e analisar a grande quantidade de dados da chamada internet das coisas, com geração de dados nos relógios, nos carros, nos computadores, nas entradas de prédios. “Quem vai analisar tudo isso? Aí há a conexão com a inteligência artificial. Acho que ela mudará completamente profissões e muitas coisas que estão acontecendo.”
Outro driver importante, segundo Paulo, é a realidade virtual. “Pareço fisicamente em uma reunião, mas talvez possa participar com minha prancha de surfe desde Garopaba.” O aprendizado deve mudar com as possibilidades da realidade virtual. “Talvez se possa até ensinar empatia.
O mobile é outra dessas tendências. “Atualmente, só 20% dos dados transmitidos são voz, mas, em dois anos, a estimativa é de que o número suba para 80%. Então temos Siri [assistente virtual da Apple], Amazon Echo [alto-falante com assistente virtual e comando de voz da Amazon], sistemas para controlar luz e outros dispositivos - tudo gerenciado por voz.”
A internet das coisas, anteriormente citada, e a robótica também avançam, conforme o Ph.D. “Estive recentemente em uma feira em Chicago [EUA] e os robôs já estão sendo usados em tarefas simples, como para fritar hambúrguer - Flip, o nome desse robô.” E, com a internet das coisas, tudo estará interligado. “O tecido inteligente vai passar informações do seu corpo, e vai estar interligado com a sua cozinha, ao seu carro, etc. Isto vai gerar uma infinidade de dados que, se analisados, podem - em termos de marketing e desenvolvimento dos mais diversos produtosproduzir dados interessantíssimos”, aponta Paulo.
Os robôs estão cada vez mais acessíveis, como conta. “Um professor da Universidade de Cingapura, por exemplo, desenvolveu um modelo com visão 3D que montou uma cadeira da IKEA em oito minutos. Coisas óbvias, como atender
telefones ou em uma secretaria, devem passar a ser realizadas por eles.”
Os carros autônomos também vão modificar totalmente a indústria. “Hoje, já pode-se comprar uma pizza no Domino’s e tê-la entregue por um veículo autônomo, nos Estados Unidos.”
Na logística, a distribuição vai ser transformada, assim como o dia a dia e os costumes. “Talvez os filhos de nossos netos não saibam mais dirigir”, especula Paulo.
A General Motors, ele observa, comprou ações da Lyft, concorrente norte-americana da Uber. A GM acredita que este modelo de negócio será o futuro. “Nós não teremos mais carros. Ele virá até você, que terá um sharing [compartilhamento, em tradução literal].” A mesma coisa deve ocorrer nos caminhões: os motoristas serão substituídos por self-driving trucks.
Outra tendência que se consolida é a impressão
3D, lembra Goelzer. “Em 2023, vocês imprimirão roupas, sapatos e várias coisas necessárias em casa, em materiais que ainda não conhecemos.
Hoje, por exemplo, tenho um amigo que tem um Tesla - aquele carro elétrico - que não tinha porta-copos. Alguém fez o projeto, ele baixou
e imprimiu em uma impressora pública. A impressão 3D vai mudar o mercado: sairemos da massificação para entrarmos em algo totalmente diferente, a individualização em massa.”
O Blockchain é um sistema de ledger [registro, em tradução literal] “que não permite modificar o passado e permitiu a criação da moeda eletrônica”, frisa o PhD em outro tópico. “Esse sistema já modificou o setor bancário, mas mudará também outros setores.”
Os materiais também mudarão. Um exemplo de nova substância revolucionária é o grafeno. “Ele é de cem a duzentas vezes mais resistente que o aço, é um supercondutor seis vezes mais eficiente que o cobre e ainda é flexível. Só não é produzido em grande escala, ainda, por causa do custo. Além disso, pode purificar a água do mar e pode ser a origem de uma bateria - desenvolvida pela Toshiba - que permite a carros elétricos percorrerem 620 km, sendo recarregada em apenas seis minutos.”
Com quinze recordes no Guiness Book, o aerogel é outro destes materiais. “Ele é superleve e chamado de frozen smoke, fumaça congelada. Isolante é algo quase inexplicável. Vai servir para o isolamento, e vai revolucionar principalmente a aviação.” Também há os nanotubos de carbono, indica Paulo Goelzer. “Duzentas a trezentas vezes mais rígido que o aço. Acreditam que [com eles] será possível construir prédios com 1 km de altura.”
O último hard trend apontado por Goelzer é o sequenciamento do genoma humano. “Se temos o genoma decodificado [de uma espécie], podemos editá-lo. Hoje, já existem vacas que suportam calor ou frio, ou mosquitos desenvolvidos para não reproduzirem. Poderíamos, por exemplo, editar e modificar o genoma de uma pessoa para que ela tenha seis dedos. Nos Estados Unidos, por U$ 950, você consegue saber o sequenciamento completo do seu genoma.” Os remédios poderão ser desenvolvidos especialmente para o DNA específico de cada pessoa.
Como atuais soft trends , temos a busca, por parte das pessoas, de novas experiências no mundo do trabalho. “Não sei se teremos pessoas trabalhando full-time ou um grande mercado de freelancers. O mundo do trabalho será completamente diferente. Teremos a consolidação de ideias recentes, como o coworking , além de credenciamentos educativos diferenciados, como os MOOCs [Massive Open Online Course], compartilha o CEO do Instituto IGA Coca-Cola.
Um pensador futurista alemão chamado Gerd Leonhard, citado por Goelzer, diz que nós seremos a última geração ‘não aumentada’. “De forma prática, já vemos isso com o celular. Ninguém mais, quase, consegue viver sem o seu telefone celular na mão. A quantidade de dados será ainda maior, mas o chip será tão pequeno que estará na sua memória, e você vai conseguir receber essa informação direto em seu cérebro. “As próximas gerações serão ampliadas como pessoas, em sua forma de pensar, em função da tecnologia que estará disponível.”
Esta ilustração mostra o momento de transformação no qual estamos, de crescimento exponencial. Nesse contexto, “reagir não serve mais, pois você está perdendo uma oportunidade”.
O escritor Vernor Vinge cunhou o termo technological singularity [singularidade tecnológica, em tradução literal], que significa o momento em que o computador, nesse ritmo de crescimento exponencial, ultrapassará a capacidade humana. Estima-se que em 2029 as máquinas se equiparem as pessoas, passando no Teste de Turing,
conforme o futurologista Ray Kurzweil. Seremos ‘superados’ plenamente em 2045.
“Qual é o tipo de organização vai prosperar neste grande período de transformação digital?”, indaga o palestrante. “Isso para pensarmos o papel da liderança. E, a partir daí, como sair de um comportamento reativo para um
comportamento ágil e antecipatório? Para mim, pessoalmente, o nosso grande desafio é viver neste momento onde temos que criar uma atitude antecipatória. Temos que ser ágeis.” A velocidade tomará o lugar de importância da perfeição, e as estruturas muito rígidas de comando e controle não funcionam para empresas rápidas.
Paulo Goelzer trouxe este amplo cenário para apresentar sua visão do desafio que é a liderança na contemporaneidade, e como implementar a cultura de agilidade nas organizações. “O grande desafio da liderança está ligado a essa cultura que se busca dentro das empresas. Aí vem o grande papel do líder.” Ele citou o ‘ás da Administração’
Peter Drucker para mostrar a importância da cultura organizacional: “culture eats strategy for breakfast”.
Edgard Schein, no livro Cultura Organizacional e Liderança, diz que o grande papel do líder é criar e manejar a cultura em uma empresa. “Mas ‘como’ fazer isso?”, Paulo questionou. Para buscar esta resposta, ele trouxe os resultados do experimento Marshmallow Challenge,
feito pelo pesquisador da Universidade de Stanford
(EUA) Peter Skillman. Nele, grupos de quatro pessoas receberam spaghetti, linha, fita adesiva e um marshmallow para construir uma estrutura, competindo entre si. “Skillman escolheu estudantes de Administração, crianças do jardim de infância, CEOs e advogados. Essas pessoas tinham dezoito minutos para construir a torre mais alta, usando esses ingredientes.”
Em média, as crianças construíram estruturas quase treze centímetros mais altas que os estudantes, os CEOs e os advogados. “O que elas nos ensinam? As crianças entram diretamente no projeto, não enrolam para discutir todas as regras e planejar. Estudantes e CEOs estão em uma situação de defender o status,
defensivos. Já as crianças têm comunicação direta e proximidade física - aliás, pesquisem, proximidade geográfica e conexão têm tudo a ver. Elas estão juntas, põem a mão na massa, começam a fazer, enquanto os adultos relacionam-se de forma cerimonial, não se conectando ao propósito da atividade.”
Paulo enfatiza que isso mostra a importância de uma cultura interna que gera conexão e a atenção que deve ser dada ao tema. “O risco de você não gerenciar uma cultura dentro da empresa é que uma vai se formar, quer você influencie ou tente gerenciar ou não. São hábitos, habilidades ligadas a questão de grupo, que podem formar uma empresa antecipatória. E a questão do líder, nisso, tem tudo a ver.”
Duas culturas existem em profusão no ambiente corporativo, atualmente: a cultura do controle, “onde todos têm medo de falar”, aponta. Só o chefe fala, não existindo conversa entre as pessoas. “As pessoas devem falar entre elas, também. Não é somente o líder que tem ouvidos, não é só ele que tem boas ideias.”
Mas os maiores problemas, hoje, conforme o especialista, são decorrentes da cultura de indiferença, onde as pessoas estão mais preocupadas com dinheiro, poder, status e não estão trabalhando realmente de forma cooperativa. “Uma empresa ágil deve ter uma cultura cooperativa, onde as pessoas estão conectadas. O papel do líder tem muito a ver com isto.”
Pesquisa feita há mais de 25 anos questiona quais as sete características mais admiradas pelas pessoas nos líderes. A primeira característica é honestidade - que se relaciona diretamente com a confiança. “Experimente contratar alguém para trabalhar na sua casa que você não acredita. Agora, pense em contratar alguém em que você confia totalmente. Se não há essa confiança, não haverá velocidade”, sugere Paulo. Outra questão que distingue líderes é aquela que consegue olhar para a frente. “A confiança é básica, mas esta é uma característica diferenciadora. Antecipar coisas, perceber consequências e traduzir o sentimento de consumidor, de fornecedor, sinais do mercado dentro da empresa.”
Inspirar vem em seguida. “Trazer a pessoa não só pelo ponto de vista profissional, mas pessoal de crescimento. Aliás, algo que os Millennials estão muito mais interessados do que nós, mais velhos. Eles estão muito mais interessados em algo que realmente transforme-os por meio de experiências autênticas.”
Pensando o papel do líder na criação da cultura organizacional nesta conjuntura de crescimento exponencial, e lembrando a experiência de Skillman, Goelzer destaca algumas características vistas como importantes. “Acho que a primeira característica é o senso de conexão e a questão de as pessoas estarem seguras de pertencer à alguma coisa - algo que as crianças demonstraram no projeto do spaghetti.”
As pessoas precisam dessa segurança para arriscar e mudar. “Em várias culturas de grupo, não somente empresarial, segurança e envolvimento são peças-chave. O papel do líder é criar esse momento de conexão e segurança para que as pessoas possam transformar.” A necessidade de um propósito claro para as pessoas também pesa. “Um estudo interessante mostra que ’o porque
nós trabalhos determina o quão bem nós trabalhos’. A ideia de saber o porquê e o que você está fazendo é muito efetiva.”
Por fim, temos a capacidade de confiança e vulnerabilidade. “Se as pessoas não conseguem se mostrar vulneráveis, não conseguem evoluir. O mesmo princípio da inteligência emocional, onde, se eu não me conheço, não consigo me administrar.” A ideia da vulnerabilidade, ou seja, de entender-se como um ser suscetível no grupo, faz com que exista maior confiança e cooperação. Para isso, as pessoas têm que se sentir possíveis de se colocar vulneráveis. “Voltando à competição, nenhum dos adultos se deixa vulnerável. Todos estão mais exibindo o que fazem do que admitindo o que não sabem fazer. Por isso as crianças entram no projeto e fazem as coisas acontecer.”
Virtudes de um líder admirado Características fundamentais na atualidade
Por fim, Paulo Goelzer fez questão de sublinhar alguns dos valores que não mudam em importância dentro das mais diversas organizações. “Compaixão, confiança, relacionamento,
valores, empatia, gratidão, felicidade e a qualidade das nossas experiências. Isso, apesar de toda a tecnologia, todos os avanços que estão acontecendo, são coisas que não mudam.”