Distopia

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DISTOPIA CURSO DE RELAÇÕES PÚBLICAS DA UNISINOS

#D E Z

2019

SÃO LEOPOLDO (RS)


Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Endereço: Avenida Unisinos, 950. São Leopoldo, RS – Cep: 93022-750. (51) 3591.1122 www.unisinos.br REITOR: Marcelo Fernandes de Aquino VICE-REITOR: Pedro Gilberto Gomes PRÓ-REITOR ACADÊMICO E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS: Alsones Balestrin PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro DIRETOR DA UNIDADE DE GRADUAÇÃO: Sérgio Eduardo Mariucci GERENTE DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO: Paula Campagnolo COORDENADORA DO CURSO DE RELAÇÕES PÚBLICAS: Taís Flores da Motta

DISTOPIA Publicação experimental produzida por alunos da atividade acadêmica de Escrita Criativa, do curso de Relações Públicas

Orientação Polianne Espindola (pmespindola@unisinos.br)

Textos e imagens Carine Eduarda Hoff Gabriela Loro Mamitt Isadora da Silva Fróes Júlia Alves Pinheiro da Silva Messias Adriã Breskovit Pâmella Aguirre Vieira Rafaela Lico Costa Rafaeli da Silveira Hendler Sandrine Liége Martins dos Reis Vitória de Souza Arruda

Foto de capa Projeto “Última parada: libertad”, de Alicia Petrashova e Raquel Ferrando

ARTE Agência Experimental de Comunicação (Agexcom)

Coordenação geral: Cybeli Moraes

Projeto gráfico e diagramação: Marcelo Garcia

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Editorial RECOMEÇOS

A

cada nascer do sol, mais de sete bilhões de pessoas iniciam um novo ciclo, ciclo este que é construído em cima de histórias, experiências e conquistas. No ritmo de nossos movimentos, pintamos o quadro de nossa existência, adicionando linhas, fronteiras e barreiras. Montamos nossa história do mesmo jeito que se monta um quebra-cabeça, uma peça de cada vez, cada qual com sua importância dentro do todo da imagem. Nessa construção, de maneira singular, perseguimos uma utopia, que por vezes é afetada por uma realidade que não está sob nosso controle. A instabilidade do nosso chão nos faz tremer e o inesperado faz com que nossos sonhos sejam abandonados. Ele transforma a realidade que conhecemos, traz o caos e embasa nosso conceito de distopia: a quebra da normalidade, de famílias, lares e sonhos. Milhares de pessoas estão, atualmente, nesse transtorno distópico, indo de um lado ao outro, encontrando novas realidades e buscando novos sentidos. São migrantes de diversos lugares, com diferentes etnias, culturas e vivências. Os movimentos de migração fazem parte do espectro histórico. Ainda hoje, no mundo contemporâneo, existem os êxodos e as migrações forçadas: deslocamentos de populações provocados pela fome e pelas guerras civis e étnicas. Assim, mesmo que essa situação se confunda com a normalidade, são muitos os ‘tipos’ de migrantes, com diversos motivos e situações. Para descobrir as diferentes nuances deste enredo, convidamos você a ler histórias de vida, poemas e inspirações em uma migração melhor e cada vez mais responsável e ativa.


UMBERTO SHAW

Índice

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Poesias “Um Olhar” e “Tarin”, de Messias Adriã Breskovit

A Cátedra Sérgio Vieira de Melo e sua ligação com a interiorização

Projeto Tarin: um novo começo

O mundo visto com um novo olhar

Futuro contingente

Uma nova oportunidade Ensino da língua portuguesa acolhe migrantes e refugiados Venezuelanas, angolanas, haitianas... Antes de tudo, mulheres! A vida das mães venezuelanas e seus filhos em Esteio A moda senegalesa como potencial de transformação da sociedade 3


Poesias de

Messias Adriã Breskovit

UM OLHAR Admirei a imensidão dos olhos do homem, seu foco, sua coloração, porém não pude diferenciar sua raça. Admirei profundamente a realidade e o local em que ele estava, porém nem mesmo descobri quem era, ou mesmo qual idioma sairia de sua boca. Admirei a imensidão de meus olhos no espelho e me deparei com a mesma visão que tive ao observar aquele homem, desconhecimento. Meu cabelo negro ou minha pele branca, minha pele negra ou meu cabelo loiro. Me perdi em meio as cores, me encontrei nos profundos olhos verdes. Mergulhei nos infindáveis tons humanos e então emergi, emergi em meio ao confuso emaranhado de verdades. Nadei nas diversas línguas do mundo, deparei-me com terra e então a realidade, em meio ao sangue, vermelho, único, sem pluralidade. Desvendei aquilo que tanto procurei nos olhos daquele homem, a verdade. Todo estado é formado por pessoas, da indústria, aos órgãos políticos e sociais, todos são constituídos por seres humanos. Os personagens que movimentam um país são os mesmos que sofrem com a ruptura da normalidade social, com a escassez do mínimo necessário para se viver dignamente. Migrar, refugiar-se, abandonar sua casa, sua história, requer um motivo forte e muitas vezes cruel. Na contemporaneidade, observamos diversas crises sociais e governamentais, crises essas que só reafirmam o que há muito já sabemos, o ser humano é aquele que mais sofre. A migração corre pelo mundo antes mesmo do termo obter uma definição, o ato de mudar-se de local, seja qual for o motivador, representa essa realidade.

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Pessoas vindas de diversas partes do mundo, mas com muito em comum, são sonhos, esperança e cicatrizes trazidos na mala, uma mala forjada para abarcar o importante e possibilitar a jornada rumo a uma nova realidade. A dura jornada não pode ser apagada ou camuflada, porém o presente e o futuro são passíveis de apoio. Ao encontro desta crescente realidade surgiu o programa TARIN. Direcionado ao ser humano, o projeto obtém sua energia motivadora da extração de melhoras na condição de vida e amparo aos novos habitantes da nossa terra. Iniciativas como essa não apenas dizem “Bem vindo!” às pessoas, mas sim “Bem vindo!” à esperança, à humanidade, “Bem vindo!” à possibilidade de se sentir vivo novamente. n


Um senhor repousa na porta de entrada do abrigo, no final de tarde, olhando o movimento dos carros e pessoas

Muito de mim também cinza se tornou. Do fogo em fuga parti, com a pouca força empregada em minhas asas. Rumo ao desconhecido, ao novo. Na busca da esperança, do marrom da terra e da madeira, o que outrora corriqueiro e banal, hoje simplesmente o todo, o essencial.

KELLEN DALBOSCO

TARIN

Nasci no alto de uma grande árvore, firme, de galhos da mesma cor que o chão que há cercava, marrom. Foi em meu lar que aprendi a voar, a ter coragem e também a ter medo. Aprendi a importância do alimento e de todas as vidas da floresta. Aprendi a ser pássaro, e o mais importante, aprendi a aprender. Diversos invernos se passaram e nunca achei que houvesse algo que queimasse mais que o gelo, até vir o fogo. O que vi crescer, os que vi crescer, tudo ao chão, tudo ao mundo. Muitos de si nas chamas vi o vermelho escorrer de seu corpo, e a esperança em cor cinza sumir em fumaça no ar.

O pássaro que tanto voou hoje se encontra aqui, em terras gaúchas, nas ruas, casas e salas de aula das grandes cidades Rio Grandenses. O pássaro se tornou gente, se tornou vontade, e mais importante, se tornou ação, devoção e realidade em forma de escrita. Em meio a estas páginas, o esboço de uma nova vida se faz presente. Em meio a estas páginas o reconhecimento do bater das asas de um sonhador se aflora, brilha, se comemora. O teclar de esperança tilinta, o impacto dos dedos nas teclas do computador evoca cada batida de asa, cada suspiro de agonia e cada sorriso de felicidade. O que outrora fumaça cinza da esperança em chamas, revigore-se, torne-se um arco-íris de possibilidade. Que o vermelho do fogo desapareça das mentes, supresso, reposto pelo azul do céu de possibilidades em frente a nova terra, ao novo amanhã. Que o TARIN continue a ser símbolo, voe mais alto e cada vez mais longe, de terra em terra, de mente em mente, de coração em coração. n

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WILSON DIAS/ABR - AGÊNCIA BRASIL

A CÁTEDRA SÉRGIO E SUA LIGAÇÃO COM

Sérgio Vieira de Melo é patrono e inspiração da ONU

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O VIEIRA DE MELO M A INTERIORIZAÇÃO Te x t o d e

Júlia Alves Pinheiro da Silva

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érgio Vieira de Melo, brasileiro que trabalhou na ONU - Organização da Nações Unidas e na ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, lutou para a reconstrução de famílias que sofreram por ataques terroristas. Morreu em 2003, no Afeganistão, mas seu trabalho permanece. Devido sua importância, uma Cátedra foi criada em sua homenagem, com seu nome. E, o trabalho desenvolvido na mesma reflete os seus ideais. Em entrevista ao site da ONU, André Simões, sobrinho do homenageado que dá título à cátedra: “O trabalhador humanitário, herói da paz, anônimo, arriscando sua vida por pessoas que nunca viu e muitas vezes nem sua língua falam, é motivo de orgulho. Sergio nasceu junto (no mesmo ano) com a Declaração dos Direitos Humanos, no ano de 1948, e dedicou sua carreira a dar sentido a cada um dos seus 30 artigos. Não foi o ideal, mas conseguiu transmitir o que ele queria: a promoção do diálogo para solução do conflito como linha de pensamento Sérgio Vieira de Mello”. De acordo com Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero em seu texto ‘Da Cátedra Universitária ao Departamento: subsídios para discussão’: “No Brasil, os privilégios do professor catedrático constituem uma aquisição histórica, apresentando-se o regime de cátedra como o núcleo ou “alma mater” das instituições de ensino superior, a partir de 1808”. A Cátedra Sérgio Vieira de Melo, de acordo com a ACNUR, tem como objetivo auxiliar migrantes em estados brasileiros que têm interesse em realizar formação acadêmica, fornecendo apoio e acompanhamento. Ela ampara pessoas em diferentes níveis de esco-

laridade, promovendo além de ensino no nível de graduação, também pesquisa e extensão. Além disso, a Cátedra realiza processos de Revalidação de Diploma, para maior aproveitamento dos estudos dos migrantes. De acordo com a ACNUR, os primeiros convênios foram criados com o Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), ambas universidades privadas. A comunidade acadêmica buscou inserir-se na realidade dos migrantes e refugiados, e, com o passar do tempo, a Cátedra foi aderida em outras universidades. De acordo com o relatório de atividades da ACNUR (2018), 19 universidades do país colaboram com a questão dos refugiados através da Cátedra Sérgio Vieira de Melo. Além de graduação, pesquisa e extensão, a Cátedra auxilia também com o ensino da língua portuguesa, a fim de contribuir para inclusão dos refugiados no país. Dessa maneira, a importância do trabalho da cátedra nas universidades acontece de forma bilateral: no momento em que refugiados são inseridos nas faculdades, eles levam consigo sua cultura e seus conhecimentos até as instituições. Por outro lado, as universidades que estão inseridas na Cátedra são incentivadas a trabalharem a temática “migração”, o que acaba enriquecendo as grades curriculares dos cursos, tornando-as mais pertinentes para a realidade atual. A Cátedra incentiva refugiados a integrarem-se na cultura brasileira, em um momento em que não há políticas públicas eficazes para ampará-los, ou até mesmo acompanhá-los em todas as instâncias e necessidades. Na Unisinos a Cátedra se traduz em ações voltadas aos refugiados que fazem parte do programa de interiorização. E, um dos projetos da Cátedra na universidade é o TARIN, tema central das páginas desta revista e que inspiraram todas as matérias a seguir, bem como os poemas autorais que abrem esta publicação. n

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PROJETO TARIN: UM NOVO COMEÇO M Te x t o d e

DAVID MCEACHAN / PEXELS

Rafaeli da Silveira Hendler

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igrar, ato de deslocar-se de seu lugar para outro. Também pode ser definido como: “... o deslocamento de uma área definidora do fenômeno para uma outra (ou um deslocamento a uma distância mínima especificada), que se realizou durante um intervalo de migração determinado e que implicou uma mudança de residência” (Nações Unidas, 1970). Já refugiado é definido como: “... qualquer pessoa que devido a temores fundados de ser perseguidos por motivos de raça, religião, nacionalidade, ou por pertencer a determinado grupo social ou opiniões políticas, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não possa, ou, devido a tais temores não queira recorrer à proteção de tal país” (Estatuto dos Refugiados, 1951, Organizações das Nações Unidas). Essas definições citadas acima vem sendo notícias no mundo moderno com uma frequência cada vez maior. Mas elas não vêm do mundo atual. Desde a época de nossos avós vemos na TV e no rádio notícias sobre guerras, fome, destruição, pessoas que são perseguidas por sua religião, cor, crenças políticas ou classe social e são obrigadas a saírem de seus países por medo de repressão ou ameaças de morte. Também tem

aquelas onde a pobreza e a fome atingem níveis tão altos que a única alternativa é mudar-se em busca de algo melhor. Mas foi durante a Segunda Guerra Mundial que os índices de refugiados e migrantes aumentaram alarmantemente. Pessoas de vários lugares do mundo fugiam do Regime Nazista/Fascista e iam em busca de condições de vida melhores ou somente para sobreviver de uma perseguição racial e/ou religiosa. A partir desse fenômeno, em pleno século XX, é que se começa a pensar em uma forma de regulamentar e de ajudar legalmente essas pessoas. Com as atrocidades vistas durante a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se um pensamento voltado para a dignidade e direitos dos seres humanos. E foi assim que surgiu a Organização das Nações Unidas (ONU), membros de 26 países, entre eles o Brasil, se reuniram para criar uma série de normas de apoio que os membros devem cumprir para garantir os direitos das pessoas. Com esta função foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) que atua com a ajuda aos refugiados de todos os países é uma organização global dedicada a salvar vidas, proteger direitos e construir um futuro melhor para


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GABRIEL OST

de norte a sul do país. Nos dias atuais, contando só 2018, o nosso país reconheceu um total de 1.086 refugiados de diversas nacionalidades. Com isso, o país atinge a marca de 11.231 pessoas reconhecidas como refugiadas pelo Estado brasileiro (dados da ONU). Ao acolher os refugiados no próprio território, o Brasil e todos os membros da ONU, tem como dever reconhecer o direito que cada ser humano tem à vida e à segurança (Artigo 3° da Declaração Internacional dos Direitos Humanos). “A responsabilidade de proteção e integração de refugiados é primariamente do Estado brasileiro. No território nacional, o refugiado pode obter documentos, trabalhar, estudar e exercer os mesmos direitos civis que qualquer cidadão estrangeiro em situação regular no Brasil.” (Site ACNUR)

DIVULGAÇÃO

Representantes da Unisinos em conversa com migrantes

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os refugiados, comunidades deslocadas à força e pessoas sem qualquer nacionalidade. No Brasil, até meados do século XX, foram recebidos um grande número de migrantes, livres ou escravos. Foi estimado que em quase 300 anos, mais de três milhões e meio de africanos foram trazidos para o país como trabalhadores escravos. Mas não só escravos vieram para o país, o Brasil também recebeu grande número de imigrantes livres, no final do século XIX e início do século XX. Alemães e italianos foram trazidos para colonizar áreas desocupadas,

Desde 2017, no Brasil, está em vigor a nova Lei de Migração (nº 13.445/2017) que: “trata a migração como um direito humano e garante ao migrante, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Além disso, concede o visto temporário para acolhida humanitária, a ser concedido ao apátrida ou ao nacional de país que, entre outras possibilidades, se encontre em situação de grave e generalizada violação de direitos humanos – situação que possibilita o reconhecimento da condição de refugiado” (ACNUR) Com base na Declaração de Direitos Humanos, no Brasil e no mundo, existem muitas ONG’s e instituições dispostas a auxiliarem na transição dos migrantes e refugiados, desde de apoio legal, moradia, alimentação


até o suporte médico e psicológico. É possível citar algumas delas como, por exemplo, a Anistia Internacional, que ajuda os migrantes a terem seus direitos assegurados em qualquer parte do mundo sem que sofram abusos ou explorações. Também podemos citar a Instituição Cruz Vermelha que desenvolve na região da Catalunha, projetos de assistência ginecológica e obstétrica para refugiadas da Síria e da Palestina, na Espanha eles também prestam ajuda a migrantes que já estão no país: habitação e assistência trabalhista. No Brasil, contamos com algumas instituições como a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) que, de acordo com o site da Fundação: “trabalha pela garantia dos direitos de cada criança e adolescente, concentrando seus esforços naqueles mais vulneráveis, com foco especial nos que são vítimas de formas extremas de violência.” (Site da UNICEF). E a ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) que atua com a ajuda aos refugiados de todos os países é uma organização global dedicada a salvar vidas, proteger direitos e construir um futuro melhor para os refugiados, comunidades deslocadas à força e pessoas sem qualquer nacionalidade. No sul do país, mais especificamente na região do Vale do Rio dos Sinos, contamos com o Projeto Tarin e tem como objetivo: “promover o acolhimento humanitário através de ações de ensino, pesquisa e extensão junto aos grupos de migrantes e refugiados alocados no Rio Grande do Sul, com vistas tanto ao seu desenvolvimento humano e à sua integração social, econômica e cultural, quanto à formação dos próprios professores e alunos da Unisinos.” (Site do projeto). O projeto tem como sede a Uni-

versidade do Vale do Rio dos Sino (Unisinos), uma instituição jesuíta com 50 anos de história, mais de 31 mil estudantes divididos entre dois campi presencial e polos EAD em sete estados do país. A universidade possui mais de 70 cursos de graduação e pós-graduação e conta com mais de 2.000 funcionários entre professores, administrativo e serviços gerais. O projeto Tarin nasceu através de diversas ações sociais que já ocorriam na Universidade com o intuito de promover a inclusão de migrantes e refugiados. Muitas das iniciativas aconteciam de forma isolada em vários cursos de graduação da universidade, mas todos eles se juntaram em 2018 com a vinda dos migrantes venezuelanos para o município de Esteio, que fica a 13km de distância da sede do projeto. Essa vinda trouxe a temática de acolhimento para mais próximo dos alunos e professores que começaram a atender uma grande demanda voltada para o ensino da língua portuguesa e criaram, assim, um projeto denominado: “Português como língua de acolhimento”, que tem como objetivo o ensino do idioma para uma melhor qualidade de vida. Outras ações foram acontecendo e sendo inseridas ao corpo do projeto, sendo algumas delas permanentes e outras dependem de parceiros para implantação, como um projeto de propostas para geração de renda. O projeto não possui infraestrutura nem recursos próprios para se manter, ele depende de alunos e professores que se mobilizam pela causa humanitária que o projeto compõe, algumas ações pontuais e específicas são financiadas por parceiros como a Unisinos. Ao longo de sua jornada, o Tarin, site www.unisinos.br/tarin, já realizou

cerca de 100 atendimentos só na oficina de Língua Portuguesa, mas o os professores e alunos que trabalham nas ações tem a intenção de ampliar o seu alcance para outras cidades além do Vale dos Sinos. O contato com os migrantes e refugiado é feito através de informações obtidas com o poder público das cidades em que eles se encontram ou de pessoas ligadas às prefeituras que auxiliam no processo de interiorização. No caso dos migrantes de Esteio esse contato foi intermediado pela Secretaria de Cidadania do município. Por ser um projeto com ações pontuais e transitórias e de atendimento por demanda, o voluntariado é realizado de acordo com o surgimento de tais demandas, a candidatura de novos voluntários é feita através da plataforma da Unisinos Lab, plataforma da universidade para oferta e inscrições em cursos de extensão. Através do site do projeto (www. unisinos.br/tarin#narrativas) é possível ler depoimentos dos migrantes que já participaram do projeto e contam como foi a sua experiência e como o projeto ajudou na adaptação dessa nova fase de suas vidas. Através deste artigo, os professores e voluntários do projeto, gostariam de deixar uma mensagem para todos aqueles que gostariam de ajudar: “É uma gratificação muito grande participar de programas dessa natureza porque eles permitem resgatar e fomentar nossa humanidade. Temos aprendido muito com essas experiências e temos procurado contribuir para o acolhimento, desenvolvimento e integração destes grupos à sociedade brasileira”. Se você se interessou pelo projeto e quer saber mais é só acessar o site: unisinos.br/tarin e ficar informado de tudo que acontece. n

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O MUNDO VISTO COM UM NOVO OLHAR Te x t o d e

Rafaela Lico Costa

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os últimos anos, o Brasil ganhou força no processo de migração de refugiados, muito pelo processo de interiorização que estamos passando. Em várias partes do mundo países e regiões passam por diversas crises que forçam as pessoas a abandonar seus lares e suas vidas. Algumas das causas são: conflitos políticos, violência e pobreza. Por outro lado, quem acolhe, precisa pensar em como adaptar esses migrantes. Esta é uma missão que exige esforços tanto dessas pessoas refugiadas, quanto de quem recebe e se dedica as mesmas. Muitas famílias abandonam seu lar para encarar uma realidade diferente em outro país. Além das grandes dificuldades que os adultos encontram, quem acaba sofrendo mais com essas mudanças são as crianças, pois ainda não possuem maturidade o suficiente para lidar com a situação. Entre os desafios encontrados, a diferença de cultura e idioma dificultam a adaptação dos pequenos no meio social. De acordo com o site do jornal Gazeta do Povo, na Alemanha existem os Centros Municipais de Integração que auxiliam na adaptação dos refugiados. É recomendado que se inserisse

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esses refugiados em salas destinadas a crianças refugiadas para que se possa definir a série em que o aluno irá ser incluso antes de integrá-los com outros estudantes. A dificuldade começa com a tentativa de integrar os pequenos refugiados nas escolas, pois surgem diversos empecilhos para que isso ocorra. É na vida escolar que eles possuem maior oportunidade de se inserir na sociedade, pois o convívio diário com outras crianças facilita sua adaptação. Porém, aqui no Brasil, atualmente, os pais encontram problemas para conseguir vaga para seus filhos, pois é solicitado documentos específicos que acabam atrasando e prejudicando a iniciação na escola. O site da ONU informa que 52% da população de refugiados é formado por menores de 18 anos. Outro fato comum é a perda de familiares na tentativa de chegar até outro país, crianças refugiadas acabam chegando sem a sua família, e, com isso, sem documentação. Levando-a, assim, para longe das salas de aula e, muitas vezes, acabam sendo vítimas de violência e exploração. De acordo com o site do Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados, o ACNUR, no ano de 2015, chegou a 98.400 o número de solicitações de refúgio feita por crianças desacompanhadas em setenta e oito países. A maior parte proveniente do Afeganistão, chegando ao número de 50.300 refugiados.

Essas crianças desacompanhadas acabam morando em pensões sem a proteção dos familiares e cerca de 173,8 mil crianças vivem nessa situação. Em dezembro de 2018, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos, deu início ao projeto Tarin que surgiu a partir da necessidade do município de Esteio em se mobilizar para realizar a inclusão dessas pessoas refugiadas na sociedade, pois a chegada de famílias precisando de apoio teve um aumento significativo. A importância desse projeto se dá através da iniciativa de pedagogos, professores e alunos ao trabalharem com bebês e crianças pequenas que estão fora da escola e colaborar com o aprendizado para que as dificuldades na linguagem diminuam. Desse modo, a universidade começa um trabalho voluntário envolvendo alunos graduandos de todos os cursos e funcionários dispostos a colaborar com o projeto. Os estudantes do curso de letras se dedicam a esse grupo que não está na escola trabalhando com o conto “Quem conta um conto, aperta um laço”. Apesar de todo o auxílio que os pequenos refugiados e migrantes recebem como acompanhamento e aulas de português, a inclusão não significa só realizar a matrícula e ir para a escola, mas sim a permanência com qualidade e que esse ambiente permita com que essas crianças sejam assimiladas e aceitas no meio em que vivem. n


A escola é o lugar de todos

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LARM RMAH / UNSPLASH

A esperança e o futuro das nações

FUTURO CONTINGENTE Te x t o d e

Vitória de Souza Arruda

A

s crianças são consideradas a esperança e o futuro de um país, um bálsamo para um mundo melhor. Infelizmente, atualmente, existem milhares delas que estão perdendo a expectativa de um futuro promissor. Dados encontrados no site da ONU mostram que, existem no mundo, milhões de crianças refugiadas. Estão em situação de vulnerabilidade. Elas saíram de seus países, muitas vezes, de forma violenta, e, muitas delas, nem ao menos sabem o que é ter uma “infância”. Neste universo confuso e perverso encontramos um alento para essas crianças. A ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, tem com um dos principais objetivos afastar as crianças das

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condições desagradáveis, nas quais muitas se encontram, e inseri-las em instituições de ensino, provendo a educação e os valores básicos que toda criança tem direito. Uma das questões mais problemáticas quando falamos sobre refugiados e migrantes, é a inserção de crianças nas escolas de educação básica. A Organização das Nações Unidas, ONU, em seu site , informa que o número de crianças refugiadas em idade escolar cresce cada vez mais. Estamos falando de um aumento de cerca de 30% a mais, comparado ao início dos anos 2000. E, grande parte dessas crianças, não conseguem ser inseridas no ensino básico do país acolhedor. Existem, atualmente, mais de 4 milhões de crianças refugiadas fora das escolas. De acordo com a ONU, esse número representa mais da metade das crianças refugiadas, que é de 7,4 milhões. Neste panorama, no ensino fundamental II e no ensino

médio, menos de 23% das crianças refugiadas conseguem dar continuidade aos seus estudos. Diante este cenário, o Brasil começou um processo de interiorização de refugiados de diferentes partes do mundo. No entanto, ainda somos um país em desenvolvimento, com falhas e falta de estrutura para receber essas pessoas. Muitas famílias migrantes e refugiadas encontram problemas para incluir seus filhos nas escolas pela falta de preparação das mesmas para acolhê-los. Em Roraima, estado de grande fluxo de entrada de refugiados advindos da Venezuela atualmente, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, UNICEF, junto com o governo do estado, organizaram cursos de formação para que professores estejam capacitados e preparados para lidar com crianças em estado migratório. A chegada de diversas crianças refugiadas às salas de aula mudou


Conforme a constituição brasileira, no Artigo 227, Lei nº 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente), é dever do Estado, da sociedade e das famílias, assegurar à criança, com prioridade, os direitos indispensáveis à sua existência, incluso nisso, a educação e a proteção da negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. maiores desafios, ao inserir as crianças nas escolas, foi enquadrá-las nas séries escolares adequadas, tendo em vista que na Venezuela o ensino funciona de uma forma diferente. Israel conta também que no primeiro dia das crianças refugiadas nas escolas notou-se certa euforia, curiosidade e uma recepção dema-

ARQUIVO PESSOAL

a rotina do ensino e da educação em diversas escolas. Neste sentido, a inclusão delas no cotidiano de aprendizagem é uma das questões mais importantes para que se sintam pertencentes ao seu novo lar, mesmo que este seja provisório. Na metade de 2018, conforme site da ONU, foi criado o Espaço Amigo, na cidade de Pacaraima (RR), o qual já atendeu milhares de crianças que passam pela fronteira da Venezuela com o Brasil. Junto com o Centro de Acolhida das Forças Armadas. O local serve de amparo para famílias que chegam refugiadas ao país, e também é utilizado como respaldo para crianças em situação de rua. No Rio Grande do Sul, a ACNUR, em parceria com a prefeitura das cidades de Porto Alegre e Esteio, realizou em agosto de 2019 workshops e seminários sobre o acolhimento e integração de migrantes e refugiados. A cidade de Esteio (RS) já recebeu mais de 200 migrantes venezuelanos, e trabalha fortemente na inserção deles na rotina da cidade. No seminário da ACNUR que ocorreu em agosto de 2019 em Porto Alegre, a Secretária do Desenvolvimento Social e Esporte da cidade, Comandante Nádia, diz que o município deve estar preparado para otimizar os seus serviços, oferecendo saúde, educação, segurança e emprego a todos. Em entrevista com Israel Antônio da Silva, Supervisor de Ação Social da Secretaria de Cidadania, Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura de Esteio, ele nos conta que um dos

siadamente positiva. Ele relata que quanto ao idioma não houve grandes dificuldades, pois a maioria das famílias já estava vivendo há um tempo em Roraima, logo, já estava familiarizada com a nossa língua. A Convenção das Nações Unidas, sobre o Estatuto dos Refugiados, estabelece padrões básicos para o tratamento destes. Não deve haver discriminação por raça, sexo, religião e país de origem. Apesar de parecer óbvio, é algo que deve ser sempre reforçado nos países acolhedores. Somos todos iguais e devemos ter empatia, principalmente, com aqueles que já sofreram tanto tendo que abdicar de todos os seus familiares, amigos, bens e lares. Para além do fato das pessoas estarem em situação de migração, todos os indivíduos têm a aprender e ensinar aos outros. Com os refugiados não é diferente. Eles sempre terão algo para acrescentar às nossas vidas, seja pela sua cultura, idioma, costumes, entre outros. Cabe a nós, mostrar para essas pessoas, em especial às crianças, que o mundo pode ser um lugar bom, e que existe um futuro belo e promissor esperando por eles nos seus novos lares. n

Israel é supervisor de Ação Social da SMCTE

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UMA NOVA OPORT Te x t o d e

Carine Eduarda Hoff

das, deslocados de suas realidades, a identidade que os legitima é a de migrantes. Conforme o coordenador-geral do Conare - Comitê Nacional para os Refugiados, Bernardo Laferté, em entrevista no site da ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, três ondas migratórias recentes chamam mais atenção no Brasil: a do Haiti, iniciada em 2010; a de Sírios e, mais recentemente, a dos venezuelanos. “Em 2018, dos 80 mil pedidos de entrada no país, 61 mil foram feitos por venezuelanos. No ano anterior, foram feitos 35 mil pedidos, dos quais 17 mil eram de venezuelanos”, informou Bernardo Laferté. Neste sentido, faz-se importante pontuar a questão do mercado de trabalho para esta população de migrantes. Pois é um dos principais universos da vida cotidiana deste indivíduo onde é possível compreender a posição social que eles ocupam. No país, de acordo com Neide Ittner, em entrevista, a oficineira de Cidadania da cidade de Esteio – RS, falou que se estima que a faixa etária dos migrantes inseridos no mercado de trabalho no estado, seja de 25 a 50 anos.

“Sou a Laura Rosales Betancourt, tenho 43 anos, cheguei no Brasil em 28 de maio de 2018, no tempo que estou aqui, a maior dificuldade que encontrei foi de encontrar um trabalho, na Venezuela trabalhava na área da educação, mas aqui no Brasil ainda não encontrei um trabalho. Para mim, os profissionais da prefeitura que nos acompanham foram muito atenciosos, fazendo mais fácil a nossa adaptação. Sou grata pela ajuda recebida até agora” 16

GABRIEL OST

O

povo brasileiro é composto por muitos migrantes, que trazem sua diversidade cultural e linguística para o país. No Brasil, contamos com a presença de indígenas, europeus, africanos e asiáticos que aqui se estabeleceram e construíram uma nova vida. Em nossa constituição já somos miscigenados por essência. Assim, atualmente estamos revivendo uma chegada de povos advindos dos mais diversos países, estimulados por uma nova onda migratória. No entanto, desta vez, as características deste migrante se diferem dos que aqui habitaram no pós e entre guerras. Enquanto no passado tínhamos europeus brancos, em sua maioria, fugindo da guerra, atualmente temos populações devastadas e, em sua maioria, constituídas de pessoas negras, pardas ou latinas. Infelizmente isso pesa na forma como essas pessoas são encaradas e acolhidas. Mesmo num país como um nosso, de maioria negra ou parda, apesar de muitos migrantes terem ensino superior ou terem profissão constituída em seu país de origem, de acordo com o site da ONU – Organização das Nações Uni-


TUNIDADE

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As vagas ocupadas pelos recém-chegados no país são diversas, tais como: serviços de limpeza, cuidado de crianças, atenção à terceira idade, entre outros e são, predominantemente, realizados pelas mulheres migrantes. Muitas dessas ocupações são marcadas pela precariedade e pela ausência de um vínculo formal no mercado de trabalho. Na maioria das vezes, de acordo com a entrevistada, os migrantes contam com uma formação superior, mas, ao migrar do seu país de origem, a inserção no mercado de trabalho acontece em uma posição inferior em relação à sua formação acadêmica. Esse é o caso de professores, dentistas, médicos, jornalistas, engenheiros que migraram e estão trabalhando em construção, indústria calçadista, ambulantes entre outras atividades. Ainda que o migrante tenha uma formação específica, socialmente será considerado um trabalhador sem qualificação. O primeiro grupo de refugiados Venezuelanos chegou ao Rio Grande do Sul no dia 5 de setembro de 2018. Ao longo do mês de setembro daquele ano, a cidade de Esteio, localizada na região metropolitana de Porto Alegre, foi o destino de 224 migrantes venezuelanos que procuravam uma nova chance para recomeçar. Para tanto, a prefeitura da cidade contou com o auxílio da ACNUR para fazer o acolhimento inicial. De acordo com, Neidi, a medida em que os refugiados foram se apropriando da cidade e arredores, eles iam sendo inseridos nas empresas locais. Os seus enquadramentos se davam após uma análise de seus currículos, levando em conta suas habilidades e competências. Currículos foram entregues em empresas, igrejas e na prefeitura de Esteio através da AGEMPE – Agência Municipal de Empregos, que

Gustavo Santamaria

orientava e recebia empresas para a contratação e entrevistas de acordo com o perfil solicitado. Empresas de Esteio, Dois Irmãos, Novo Hamburgo, Cachoeirinha, Lindolfo Collor, Sapucaia e Porto alegre são parceiras e recebem os refugiados em seu quadro de funcionários. No processo de inserção, a maior dificuldade foi adequar o profissional que vinha de uma história profissional já estabelecida para a colocação no mercado de trabalho de

“Me llamo , Gustavo Enrique Beson Santamaria. tengo 38 años. Llegué a Brasil en 26 de junio de 2019. Mi mayor dificultad es con el idioma, en venezuela trabajaba como ferretero .Todavía no tengo trabajo en Brasil, pero estoy participando en el proyecto del ciudad del Esteio” 18

uma empresa a qual não conhecia. Sendo necessário, para tal, aprender de uma nova profissão. Além da inserção no mercado de trabalho, outra adaptação foi a língua portuguesa. Conforme a Oficineira Neide, os migrantes já estavam de 4 a 6 meses em território brasileiro, até chegar em Esteio. Para os migrantes que ainda sentiam dificuldade em se comunicar, a prefeitura de Esteio disponibilizou intérpretes para acompanhamento em situações de necessidade. Algumas empresas parceiras, alteraram suas regras e normas de segurança além do português, também para o espanhol como uma ferramenta facilitadora. De acordo com o site do Ministério do Trabalho, as autorizações de trabalho a migrantes no Brasil são concedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Coordenação Geral de Imigração (CGIg) e pelo Conselho


ARQUIVO PESSOAL

ARQUIVO PESSOAL

Laura Betancourt e Dimigmar Carvajal

Nacional de Imigração (CNIg). A liberação é exigida pelas autoridades a fim de que os migrantes recebam os mesmos valores e benefícios dos brasileiros. O programa, na cidade de Esteio, conta com o apoio de empresas como Grupo Herval, Grupo Minuano, SQGroup, Traçado Construções, entre outras. Para a Oficineira Neidi, a adaptação está sendo satisfatória, os refugiados estão abertos a novos conhecimentos e possuem vontade de encontrar um emprego e permanecer nas empresas que foram inseridos. Ingressar no mercado de trabalho é um fator importante para o migrante recém-chegado no país. Além de ser uma fonte de renda, é uma nova oportunidade de recomeçar sua vida, em meio a uma nova realidade as possibilidades proporcionam esperança e devolvem aos migrantes o direito de sonhar, de vislumbrar um futuro melhor. n

“Dimigmar Maria Rivas Carvajal 40 años, llegue a Brasil el 9 de julio y a la ciudad de Esteio el 11 de agosto del presente año. Soy licenciada en Educacion Integral en Venezuela me desempeñe como docente de aula en Educacion Inicial por 17 años luego pase a formar parte del grupo de docentes q labora en la Federacion Venezolana De Maestros (FVM) por 5 años, en total tengo 22 años de servicio a mi pais. En Brasil no he tenido la oportunidad de trabajar y eso a sido una de las grandes dificultades q he tenido aqui; ya q para mi es de mucha importancia obtener un trabajo para asi poder ayudar a mi familia y sobre todo a mis dos hijos q deje en Venezuela, ya q para nadie es un secreto la grave crisis economica q atraviesa mi pais lo cual obligo a gran cantidad de venezolanos(as) a emigrar a diferentes partes de nuestro continente buscando un trabajo digno q nos ayude a mejorar nuestra calidad de vida y la de nuestros familiares.” 19


KELLEN DALBOSCO

Kenia e Eneida participam do projeto de interiorização no Rio Grande do Sul

ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA ACOLHE MIGRANTES E REFUGIADOS Te x t o d e

Isadora da Silva Fróes

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o mudar para um novo país, uma das principais dificuldades enfrentadas pelos migrantes e refugiados, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é o idioma local. O problema em entender a segunda língua é uma barreira que dificulta a integração e o acolhimento. Em 2018, conforme dados divulgados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) na 4º edição do relatório “Refúgio em Números”, o Brasil alcançou a marca de 11.231 refugiados, sendo desses, 36% sírios, acompanhados dos congoleses, que representam 15%, e angolanos, com 9%. Neste último ano foi registrado o maior número de solicitações de reconhecimento de condição de refugiado. Esses dados refletem a atual situação dessas pessoas, que buscam melhores condições de vida através de nosso país. Desta forma, aqui no Brasil, bem como em outros países que acolhem refugiados, diante de um futuro incerto, o ensino da segunda língua se torna importante para o desenvolvimento e a adaptação desses indivíduos, visto que estes necessitam de auxílio para encontrar oportunidades de emprego, relacionamento com a comunidade e inclusão na cultura local. Aqui no nosso país, o ensino do português como língua de acolhimento é uma das ações do Tarin, programa de atenção humanitária da Unisinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos em São Leopoldo, RS. Esta iniciativa visa ensinar a língua portuguesa, amparando os refugiados e migrantes. Através de aulas semanais gratuitas, ministradas por um grupo de bolsistas e por duas professoras do curso de Letras da universidade, tem como objetivo auxiliar os migrantes no uso da língua para necessidades básicas.

O principal objetivo desta ação é propiciar a integração na comunidade local, apoiá-los na inserção no mercado de trabalho e no acesso a sistemas de saúde, transporte, moradia e segurança. Para a prof. Graziela Andrighetti, o ensino da língua portuguesa é importante pois “acreditamos que as aulas se constituem em um espaço de trocas, escuta e muitas narrativas”. As aulas acontecem todas às terças-feiras, das 19h às 21h, na Secretaria da Cidadania da Prefeitura de Esteio, que fica localizada na rua Engenheiro Hener de Souza, 150. A turma é formada por um grupo entre 15 a 25 estudantes, já o perfil e a faixa etária é ampla e varia de 20 a 50 anos. A frequência de alunos na turma está em contínua mudança, pois muitos estão em momento de adaptação, estando em busca de moradia e recolocação no mercado de trabalho. Além disso, novos

grupos chegam e outros não dão continuidade ao aprendizado. Os estudantes que frequentam assiduamente as aulas têm se mostrado familiarizados com a língua portuguesa. Diversos alunos já estavam residindo no Brasil, mais especificamente no norte do país. Entretanto, também há indivíduos que nunca haviam tido contato com a língua antes, pois migraram diretamente para Esteio. Ao vir, muitas pessoas chegam acompanhadas de suas famílias, por isso é comum a presença de crianças nas aulas. Diante deste cenário, da oportunidade dessas famílias de mudar de vida, é preciso ter esperança para buscar o sonho de um futuro digno. De acordo com a Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a educação é a via mais segura para recuperar as esperanças e a dignidade após o trauma do deslocamento. n DIVULGAÇÃO / PROJETO TARIN

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Te x t o d e

Sandrine Liége Martins dos Reis

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onforme ACNUR as mulheres e crianças representam, ao menos metade das pessoas deslocadas no mundo, encontrando-se em situação de vulnerabilidade, longe de suas origens, sem a proteção de seu governo, afastadas da família. Dessa forma, as mulheres e meninas, na longa jornada em busca de segurança, sofrem com a indiferença, a perseguição e consequente estigmatização por sua condição de mulher refugiada. Além das crises sociais em países subdesenvolvidos, a violação dos Direitos Humanos também é a causa e a consequência do abandono forçado de mulheres e meninas. E o Brasil está sendo um dos lugares de refúgio para milhares de refugiadas, auxiliando-as a recomeçarem suas vidas. De acordo com o site Migra Mundo, as mulheres refugiadas e migrantes são muitas vezes expostas a prostituição forçada, escravidão e assédio sexual. Pessoas que se aproveitam do momento de vulnerabilidade dessas mulheres. Conforme o site ONU Mulheres: “Uma em cada cinco refugiadas são vítimas de violência sexual no mundo”. Dados da ACNUR apontam para o aumento dos riscos de exploração feminina a medida em que o número de migrantes cresce: “...em 2015 um quarto dos refugiados na Europa eram mulheres e crianças e em 2016 eram mais da metade”. Neste sentido a ONU, juntamente com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), iniciaram em 2019 uma ação conjunta, financiada pela Embaixada de Luxemburgo, para acolher as mulheres que chegam ao Brasil pela cidade de Pacaraima - RO. Estes órgãos têm como foco empoderar e proteger meninas e mulheres venezuelanas. De acordo com o site da ONU, em sua sessão ONU Mulheres: “O Programa visa ter um impacto na vida das mulheres migrantes e refugiadas que estão agora em Roraima, para garantir que elas consigam desenvolver todas suas potencialidades", explica

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VENEZUELANAS, ANGO ANTES DE TUDO a representante da ONU Mulheres, Nadine Gasman. Essas mulheres vêm determinadas a mudarem suas vidas, mas depois de tudo que passaram é comum se encontrarem com medo. Por isso, é preciso realizar um trabalho minucioso com elas, além de conscientizá-las que temos leis que as protegem e as auxiliam. Todos os refugiados, em especial as mulheres, têm seus direitos protegidos como cidadãos brasileiros. Conforme Karin Kaid Wape-

chowski, Relações Públicas, representante da ACNUR no Rio Grande do Sul, em entrevista, explica: “Qualquer mulher migrante, refugiada, sozinhas ou acompanhadas têm os mesmos direitos de acessar as leis e toda proteção do Sistema Brasileiro para qualquer tipo de coisa, inclusive de violência sexual e violência doméstica”. A entrevistada também reforçou em sua fala, que é de extrema importância essas mulheres recém-chegadas, estarem informadas so-


Mulheres das tribos venezuelanas Warao eE’ñepá durante os “16 Dias de Ativismo Contra a Violência de Gênero”, promovidos pelo ACNUR em Boa Vista (RR), em dezembro de 2018

CRÉDITO DA IMAGEM

OLANAS, HAITIANAS... O, MULHERES! bre os direitos aos quais têm acesso. “Nosso trabalho, nossa assessoria com essas mulheres é para que elas tenham consciência que elas estão em um ambiente protegido, em um ambiente social e que elas podem e devem acessar toda essa gama de leis, de proteção que nos dispomos a mesma coisa. E nós como cidadãos brasileiros devemos sempre auxiliá-las a tomarem conhecimento desses direitos”, explicou Karin. Neste sentido, a ONU Mulheres reuniu em 2017 cerca de 30 mulheres

refugiadas para tomarem conhecimento dos Direitos das Mulheres e a Cultura Brasileira. Além de criarem o Dia Laranja pelo fim da violência contra a mulher, comemorado todo o dia 25 de cada mês. “Precisamos garantir que as mulheres migrantes e refugiadas conheçam seus direitos, incluindo o direito a viver uma vida livre de violência. Que a Lei Maria da Penha seja cumprida para todas as mulheres, com atenção redobrada para aquelas em situação vulnerável como migrantes

e refugiadas que estão chegando ao país ou que aqui já vivem há anos. As instituições têm que estar preparadas para providenciar serviços de qualidade. É fundamental que haja orçamento suficiente e pessoal qualificado para a atenção das mulheres e que a saúde, a segurança pública, o Judiciário e a educação trabalhem em parceria para processar, julgar e punir casos de violência de gênero, mas também para prevenir e interromper ciclos tão recorrentes de violência dos quais as mulheres são as principais vítimas”, diz Nadine Gasman em entrevista ao site do Projeto ONU Mulheres. Encontre-se no Direito Internacional uma insuficiência de identificar que as mulheres enfrentam questões particulares devido ao seu gênero. A Convenção de Refugiados não concorda sequer que as oposições de gênero devem ser avaliadas na atribuição do Estatuto do Refugiado, nem acredita que a violência de gênero possa ser um fator decisório na procura de asilo e que mulheres refugiadas sofrem uma maior discriminação e violência durante o seu percurso. De acordo com o site Esquerda Online, o Direito Humano Internacional não só não reconhece as particularidades das mulheres refugiadas como é parte fundamental do problema, travando a identificação e o tratamento adequado dos problemas específicos dessas mulheres, demonstrando que a discriminação de gênero está enraizada nas estruturas sociais, políticas e econômicas. Assim, além de observar problemáticas específicas das migrações mundiais, a contextualização e a identificação de violência contra as mulheres, considerada uma pandemia mundial por chefe da ONU, no site das Nações Unidas, deve ser considerada por todos nós. Desde 2008 há uma campanha na ONU para gerar mais consciência pública à violência contra mulheres e meninas e não se pode desconsiderar que esta campanha também engloba mulheres em situações migratórias e imigratórias pois, antes de tudo, para além da nacionalidade, estas venezuelanas, angolanas, haitianas ou demais países, são mulheres. n

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PIXABAY

A VIDA DAS MÃES VENEZUELANAS E SEUS FILHOS EM ESTEIO Te x t o d e

Pâmella Aguirre Vieira

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imigração venezuelana para o Brasil resulta do cenário de crise em que vivem os venezuelanos. Essa crise ultrapassa questões políticas, econômicas e sociais. Em busca de um porto seguro, as mulheres junto de suas famílias se refugiaram em alguns pontos do país brasileiro, entre eles a cidade de Esteio no Rio Grande do Sul. O problema se torna ainda maior para as venezuelanas quando elas possuem filhos pequenos na faixa dos 3 anos de idade. Por questões como: saúde, educação, alimentação e segurança dos bebês, a vida dessas mulheres é muito complicada, uma vez que muitas têm dificuldade de conseguir emprego, e vagas em escolinhas para os seus filhos. Neste cenário de migração, Yohelis Moreno, 24 anos, deixou a cidade de Maturín na Venezuela, grávida e com seus dois filhos, Gabriel e Sophia em busca de um futuro melhor. Parte da família da jovem, além do pai das crianças, permaneceram em seu país. A venezuelana que foi acolhida em um abrigo em Esteio logo que chegou na cidade gaúcha, foi cadastrada na rede municipal de saúde e conseguiu dar continuidade ao seu pré-natal. Ela está na cidade de Esteio desde o dia 13 de

setembro de 2018. Dias após a sua chegada, no Hospital São Camilo, deu à luz ao primeiro descendente de venezuelanos refugiados em solo brasileiro, Luciano Moreno. Conforme afirma a jovem em entrevista, os cuidados por parte do Hospital São Camilo foram excelentes: "A assistência médica foi muito boa, estou muito agradecida com o espaço da maternidade do São Camilo e todos seus funcionários, eles me atenderam muito bem", conta ela. Um ano após sua chegada, Yohelis, está residindo em uma casa de aluguel e sente-se mais adaptada e reconhece o acolhimento por parte dos brasileiros que convivem com ela. A jovem está trabalhando como cozinheira em uma escola fundamental na mesma cidade em que reside. Atualmente ela recebe auxílio do programa Bolsa Família. Quanto a adaptação das crianças, Yohelis afirma que estão gostando de morar e estudar no Brasil, além de que a língua estrangeira já não é mais um problema para elas. As crianças estudam em escolas públicas, o que, de acordo com a venezuelana, não foi problema conseguir vaga para seus filhos. A jovem afirma o desejo de voltar ao seu país de origem, porém não esconde o receio dos problemas enfrentados na

Venezuela: "Eu pretendo voltar para a Venezuela, mas não agora. Agora o país está passando por uma situação muito ruim, por enquanto vou ficar aqui e ajudar meus familiares que ficaram lá, porém tenho muita esperança que um dia tudo isso vá melhorar", revela Yohelis. A entrevistada faz parte de uma comunidade de mães que se preocupam com o futuro incerto de seus pequenos e, por razões de dificuldades no mercado de trabalho, acabam dependendo apenas de seus maridos, irmãos ou pais para adquirir uma renda para a família. Porém, esta problemática acaba resultando em mulheres reclusas em casa, na maior parte do tempo, cuidando dos bebês e não possuindo tempo de se cadastrar em empregos ou procurar vagas de alguma outra forma. A cidade de Esteio, juntamente com seu atual prefeito, Leonardo Pascoal, tenta oferecer as melhores condições de vida para as venezuelanas e seus bebês. Porém, por falta de verbas adequadas à esta finalidade, o amparo acaba se tornando limitado e aspectos básicos como a alimentação são restritos. É necessário, assim, reforçar as políticas públicas da interiorização e a condução destas pessoas para uma vida com autonomia. n ARQUIVO PESSOAL

ARQUIVO PESSOAL

Yohelis com seu filho Luciano

Sophia, Luciano e Gabriel brincando na escola

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A MODA SENEGALESA COMO POTENCIAL DE TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE Te x t o d e

Gabriela Loro Mamitt

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o longo da história da humanidade, somos frequentemente presenteados com cidadãos que se despertam em busca da transformação da realidade em que vivem e que encontram na valorização de sua cultura, grande potencial de desenvolvimento para a sociedade como um todo. Em uma atualidade com carências de respeito, igualdade e dignidade do ser humano, a moda senegalesa tem se tornado este espaço de atuação com personagens que orgulham o país e sua história. Para nos comunicarmos com o outro, usamos, mesmo sem consciência, mais do que apenas a fala ou a escrita. Nos comunicamos através de nossas ações, gestos e gostos, por exemplo. Com isso, a moda tem papel fundamental na expressão do eu de cada um, pois traz uma representação do que queremos mostrar ao outro e uma leitura do que somos. A escolha de cada peça, cor ou acessório é carregada de porquês que descrevem a identidade de uma pessoa, identidade esta que é complexa e parte integrante de uma comunidade. Nesse sentido, o Senegal, país localizado na África Ocidental, se destaca demonstrando sua cultura em cada peça de seu vestuário. Enquanto o cidadão contemporâneo do ocidente vive um

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movimento que busca reinventar-se na criação de si mesmo, o povo senegalês segue esta onda, mas sem abrir mão de sua tradição. Ao andar pelas ruas das principais cidades do país, a elegância é demonstrada nas estampas, cores e cortes. Ao contrário do habitual, o que pouco se compra no Senegal, são roupas prontas. É em meio as tendas dos centros comerciais que os senegaleses encontram espaços especializados em seus tecidos preferidos, como: Wax e Batique. Wax é um tecido africano de estamparia artesanal. Diferenciado por não possuir lado avesso, sua textura permite amarrações com facilidade e volume. Em cada estampa do tecido, encontra-se uma mensagem escondida nos desenhos, letras e formas, como forma de expressão de sentimentos. Os tecidos Batique recebem este nome, pois assim é chamada a técnica de estamparia que tinge o material. O processo que é originário da Indonésia, é considerado uma expressão artística. Desenha-se com cera quente sobre o tecido e, em seguida ele é tingido com várias cores. Dessa forma, cada tecido é único. Além disso, é nestes mesmos locais que esses materiais ganham forma e as ideias saem do papel nas mãos dos diversos costureiros que lá estão. Assim, viram peças únicas, de acordo com o gosto do cliente. Com grande parte de sua população muçulmana, as roupas trazem em suas entrelinhas os turbantes e as túnicas.

Porém, se a vestimenta da religião islâmica é feita em tons escuros, as cores fortes e vibrantes são o diferencial que não pode faltar. Junto com as estampas, elas contam a história de um povo que sofreu com a escravidão e que sofre com as dificuldades econômicas, mas que permanece feliz e forte em meio à luta. É esta moda, portanto, com todas as suas singularidades, que tem chamado a atenção do mundo e direcionado um olhar especial para a coragem e ousadia dos estilistas de lá. Adama Paris, é um exemplo e uma das personagens atuais em busca de uma sociedade mais digna, conforme citado no início desta matéria. Em entrevista ao site brasileiro Por Dentro da África, Adama afirma que foi ao perceber a beleza e a complexidade de uma moda tão cultural e carregada de costumes e autoafirmações, que iniciou seu empenho na área da moda. Filha de pais diplomatas, ela nasceu na República Democrática do Congo, estudou na França e, atualmente, possui sua sede fashion em Dakar, capital do Senegal. Ainda de acordo com site, o objetivo de Adama é muito maior do que criar desenhos. A estilista senegalesa busca, em seus trabalhos, retratar uma mulher independente, como ela mesmo o é, trazendo na ponta do lápis os traços históricos tão cultivados pelos senegaleses. E é assim, respeitando e mantendo vivo o que o vestuário do Senegal comunica, que Adama tem se estabelecido no mundo da moda e levado seu nome por países a fora de maneira


AFREAKA

Turbantes e túnicas fazem parte da vestimenta senegalesa, que tem grande parte de sua população muçulmana. Porém, como as roupas da religião islâmica é feita em tons escuros, as cores fortes e vibrantes são o diferencial

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T SHOPAFRICA

N / PINTERES

LAURA BETH LOVE / PINTEREST

muito especial, sendo a fundadora de eventos como Dakar Fashion Week e Black Fashion Week. O primeiro deles, Dakar Fashion Week, teve início há 17 anos atrás, em 2002. São, geralmente, cinco dias com desfiles que buscam expor a moda africana para a própria comunidade que, assim, valoriza, não só seus estilistas locais, como também a própria identidade. O sucesso que as edições obtiveram, levaram Adama a encontros de moda em cidades como Nova Iorque e Paris. Porém, nem tudo a agradou nestas viagens. Por ser negra e africana, uma realidade gritava-lhe aos olhos de maneira muito clara: todas as modelos destes locais que ela estava conhecendo, seguiam um padrão: eram brancas. Era necessário que algo fosse feito. A estilista percebeu que as passarelas deveriam também conhecer novas realidades de cores e raças. Por isso, a percepção desta desigualdade tão maquiada, foi o gatilho para a criação de um novo projeto. Desde 2010, o Black Fashion Week, é composto por grande parte de estilistas, modelos e artistas negros. O evento desenvolveu-se com o propósito de promover esses profissionais na moda

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O tecido Wax (esquerda) é de estamparia artesanal. Sem lado avesso, a textura permite amarrações com facilidade e volume. O processo de tingimento do tecido Batique (direita), originário da Indonésia, é considerado uma expressão artística. Desenha-se com cera quente sobre o tecido e, em seguida ele é tingido com várias cores

mundial, atuando, assim, na luta contra o racismo. Atualmente, este é o maior evento de moda negra no mundo e já passou por locais como Praga, Genebra, Paris, Montreal e Bahia. Ou seja, Adama Paris usou e usa seu talento e coragem em benefício de seu povo, comunidade e raça. Mas além dela, é possível encontrar ainda outros projetos que, por diferentes meios, empenham-se nesta mesma busca de transformação da sociedade. O Projeto Tarin, criado pela Universidade do Vale do Rios dos Sinos – UNISINOS, é um exemplo. Desenvolvido com a comunidade acadêmica e migrantes e refugiados que estão na região, ele trabalha com ações que fomentam a troca de experiências entre estas duas realidades, a fim de promover

acolhimento humanitário aos que aqui estão chegando. Assim, uma das ações do programa, encontrou, novamente, na moda, local para esta via de mão dupla. Percebendo que grande parte dos homens senegaleses possuem habilidades nas áreas de costura e modelagem, o curso de moda da Unisinos abriu as portas para quatro senegaleses, a fim de que compartilhassem seus conhecimentos com os alunos. Na parceria desenvolvida, estes rapazes puderam escolher dentre as disciplinas oferecidas, as que mais lhe agradassem. Desta forma, participariam das aulas durante o segundo semestre de 2019 como alunos, tendo, inclusive, as mesmas responsabilidades que os matriculados no curso. Foram três as disciplinas escolhidas: Ateliê de Costura 5, Desenvolvimento de Coleção e Comunicação e Marketing. Durante as atividades, os rapazes não só aprendem e desenvolvem suas experiências, como também mostram aos colegas sua cultura, talentos e história. Há uma hibridização do ensino, no qual os dois lados saem com bagagens de aprendizados que vão muito além da vida profissional.


Em ambos os casos, tanto de Adama, quanto do Projeto Tarin, os resultados têm sido positivos. Adama, com sua percepção de que havia muito a ser feito, expandiu o espaço de atuação para profissionais negros. Além disso, abriu os olhos do mundo da moda mundial para a importância da igualdade, inclusive nas passarelas. Já

o Projeto Tarin, através da educação, tem proporcionado a sua comunidade acadêmica, comunidade esta que é e deve ser múltipla, muito mais do que o ensino técnico ou teórico, mas o compartilhamento de histórias de vida e cultura. Ou seja, compreender a multiplicidade da humanidade, é entender

que com ela todos saem ganhando. O povo senegalês, como vimos, tem muito a nos oferecer, assim como tantos outros povos e culturas. Cabe a nós, despertarmo-nos assim como os dois personagens desta matéria, pois é no pequeno de cada dia, ou no grande, quando nos for possível, que as carências da sociedade atual são. n ARQUIVO PESSOAL

Ao perceber que os grandes desfiles internacionais eram dominadas por modelos brancas, a estilista senegalesa Adama Paris criou a Black Fashion Week, composto em grande parte por estilistas, modelos e artistas negros

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Relações Públicas Curso presencial e EAD

@rpunisinos /rp.unisinos

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