Enfoque Bairro Farrapos 6

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ENFOQUE BAIRRO FARRAPOS

PORTO ALEGRE / RS OUTUBRO / NOVEMBRO DE 2019

EDIÇÃO

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PETRA KARENINA

SOLIDARIEDADE EM ALTA GUILHERME GONÇALVES

JOSIANNE MOSER

JÚLIA TOMAZI

INICIATIVAS SOCIAIS LEVAM INCLUSÃO AO FARRAPOS PÁGINAS 4 e 5

UM BURACO DE HERANÇA Solo da calçada está aberto há mais de um mês. Página 9

SEM VEZ PARA O SEDENTARISMO Pessoas de todas as idades praticam exercícios. Página 10

O ESPORTE COMO FUTURO Meninos buscam no futebol um projeto de vida. Página 11


2. Opinião

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LUCAS BRAGA

Moradores sofrem com incertezas diante de realocações na Vila Liberdade

RECADO DA REDAÇÃO

ENTRE EM CONTATO

Um ciclo em andamento

Débora Lapa Gadret (Coordenadora do Curso de Jornalismo) (51) 3590 1122, ramal 3415 / dgadret@unisinos.br

No dia 10 de março de 2018, os estudantes de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre foram pela primeira vez até o Bairro Farrapos com a missão de produzir o Enfoque, jornal dedicado a dar voz e rosto à comunidade. Era um típico dia de verão na capital gaúcha, calor intenso e sol forte na cabeça de quem caminhava pelas ruas. Naquela primeira edição, a maioria das histórias que foram contadas se concentraram em mostrar os impactos positivos e negativos que a chegada da Arena do Grêmio trouxe aos moradores. Desde então, lá se foram seis edições do Enfoque Bairro Farrapos. Em 59 reportagens publicadas, mais de uma centena de pessoas contaram suas histórias, algumas tristes e outras alegres, e mais do que isso, em muitos casos até abriram a valiosa intimidade de suas casas e famílias aos repórteres e fotógrafos. Não tenho a menor dúvida ao afirmar que, o que aparentemente seria apenas mais um de tantos trabalhos acadêmicos produzidos, acabou se tornando uma experiência que os futuros jornalistas levarão consigo pelo resto da vida. No Enfoque Bairro Farrapos #6, os leitores irão conhecer a luta de quem ainda tenta se recuperar do incêndio ocorrido em 2013 na Vila Liberdade, as ocupações e realocações resultantes da tragédia, as demandas dos habitantes como saneamento básico e emprego, e a iniciativa de um brechó feito a partir de roupas doadas. Também são contadas as histórias de assistentes sociais que atuam em prol da comunidade, de pessoas que resistem ao preconceito, dos jovens apaixonados por futebol que sonham em seguir carreira no esporte, e dos frequentadores da academia mais antiga do bairro, além do resgate de um jornal local do Farrapos produzido na década passada. Os cidadãos ainda opinam sobre o que esperam da próxima eleição municipal que se aproxima. Em nome de todos os alunos e professores que participaram das seis edições do Enfoque Farrapos, fica registrado aqui o nosso agradecimento a todos os moradores do bairro que se dispuseram a contar suas histórias e ajudaram a nos tornar não apenas jornalistas melhores, mas também pessoas melhores.

PAULO H. ALBANO Editor-chefe

DATAS DE CIRCULAÇÃO

Luiz Antônio Nikão Duarte (professor responsável) luizfd@unisinos.br

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14 de setembro

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19 de outubro

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Novembro

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Bairro Farrapos é um jornal experimental dirigido à comunidade do Bairro Farrapos, em Porto Alegre (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições a cada semestre e distribuídas gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre.

CONTEÚDO Disciplinas: Jornalismo Comunitário e Cidadão e Fotojornalismo Orientação: Luiz Antônio Nikão Duarte (texto) e Flávio Dutra (fotografia) Edição geral (chefia): Paulo H. Albano Edição de fotografia: Denilson Flores Reportagem e edição: Alessandro Sasso, Carol Steques, Carolina Santos, Denilson Flores, Felippe Jobim, Fernanda Romão, Guilherme Machado, Josi Skieresinski, Juan Gomez, Lelo Valduga, Luiza Heinzelmann Soares e Paulo H. Albano. Fotografias: Alana Schneider, Allonso Santos, Bruna Schlisting, Guilherme Gonçalves, Jessica Montanha, Josianne Moser, Julia Tomazi, Lucas Braga F., Maria Eduarda Stolting e Petra Karenina. ARTE Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia

IMPRESSÃO Realização: Gráfica UMA Tiragem: 1.000 exemplares

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Sérgio Eduardo Mariucci. Gerente dos Cursos de Graduação: Tiago Lopes. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Debora Lapa Gadret.


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O que esperar do próximo prefeito? A um ano da eleição, moradores mostram apatia e pouca esperança

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falta de atendimento às demandas elementares e a sensação constante de abandono por parte das políticas públicas levam os habitantes do Bairro Farrapos a pouco esperar da administração porto-alegrense, a ser eleita em 2020. Assim como

antes e atualmente, a comunidade se sente deixada de lado pelos governantes em setores como saúde, educação, infraestrutura, segurança e oportunidades de renda e de trabalho. CAROLINA SANTOS BRUNA SCHLISTING

Carlos Gonçalves de Oliveira 55 anos, mecânico

Natália Moraes 20 anos, dona de casa

Desiludido com os políticos, o mecânico avisa que não votará mais. Conta que desde os 18 anos cumpre com seu dever de cidadão e vai às urnas, porém, não tem visto retorno, principalmente na área da saúde. Segundo ele, está cada vez mais difícil ser atendido por médicos e receber medicamentos no posto de saúde do bairro.

A jovem, que levou seu filho Lucas, de dez meses, para a vacinação contra o sarampo no dia 19 de outubro, diz que acha bom o atendimento do posto do bairro para o qual não tem reclamações. O que acha ruim, mesmo, é a situação precária da infraestrutura do bairro, uma “imundície”. Tem esperanças de que tudo mude, “para melhor, é claro”.

Daniela Cambraia 34 anos, comerciante Deivid Diniz 31 anos, comerciante

Ronaldo Honorato 40 anos, treinador de futebol

Alexandre Martins 51 anos, porteiro

Wesley Frison 22 anos, caixa de supermercado

Demonstra muita preocupação com a saúde. Com indignação, relata um desmonte e esvaziamento dos postos. Alexandre já está sem muitas esperanças de um futuro melhor, não levanta bandeiras para partidos e espera no mínimo um novo prefeito com mais experiência, com humanidade e que entenda a realidade dos seus cidadãos.

Wesley não espera mais nada da política. Mas se pudesse mudar algo seria a infraestrutura do bairro, “que é muito precária”. É mais um que não pretende votar em outubro de 2020, pois se sente sem esperança em relação aos governantes e acredita que o Estado está quebrado, sem dinheiro para investir em melhorias para a sociedade.

O casal espera da próxima administração um olhar mais atento para as comunidades. Eles contam que está tudo bem “largado”. O saneamento é algo que segundo eles “precisa ser arrumado urgentemente, pois as ruas alagam toda vez com a chuva”.

Maria Natalina dos Santos 68 anos, aposentada

Eliane Silva de Oliveira Soares 28 anos, auxiliar de limpeza

Maria Lourdes 50 anos, educadora assistente

Volnei Machado da Silva 45 anos, transportador ajudante

“O caso tá crítico, né? ”, fala Maria, ao pensar na situação do Brasil. Tenta ajudar o País no que pode, ainda vota e sempre procura saber sobre os candidatos. Aponta as mudanças necessárias: os postos de saúde sem médicos, os altos níveis de desemprego e a infraestrutura dos bairros. No entanto, Maria ainda vê as votações como um meio de buscar mudanças.

“Entra governo, sai governo e é tudo a mesma coisa”, diz. Para ela, não depende só do prefeito para mudar tudo, são muitas pessoas envolvidas e muitos obstáculos, que acabam fazendo com que a mudança não seja eficaz ou rápida. Mas se pudesse pedir que algo mudasse, seria a saúde: “necessitamos de saúde para tudo - se a temos, no resto conseguimos nos virar”.

São várias as melhorias que pede: o transporte; as ruas, que estão cheias de buracos; e os postos de saúde, que estão uma “porcaria”. Porém, não acredita que o futuro prefeito possa melhorar realmente as coisas, mas segue votando para que, quem sabe algum dia, as mudanças venham.

Organizador de um torneio de futebol do bairro que já está em sua quarta edição, faz tudo com a ajuda da comunidade, uma vez que a prefeitura não o apoia em nada. Demonstra um afeto muito grande por crianças e queria ver o próximo prefeito arrumando as praças do bairro. Volnei quer a gurizada desfrutando de um campinho de futebol.

Enquanto apara o cabelo, conta que a situação das ruas é precária. Nos dias de jogos na Arena do Grêmio as ruas ficam muito tumultuadas: “um inferno”, pois o aumento do fluxo de pessoas no bairro piora a situação. Ele lembra que foram feitas promessas de melhorias na infraestrutura e na segurança, que viriam junto com a construção do estádio.


4. Solidariedade

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Brechó movimenta a comunidade Fundação Fé e Alegria comercializa doações recebidas da Receita Federal

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em um sábado de manhã, de muito calor e dia ensolarado que as pessoas formam filas na Fundação Fé e Alegria no Bairro Farrapos. O motivo? A entidade organizou um brechó para as pessoas da comunidade. O coordenador administrativo, Marcio Bachi, explica de onde vieram todas as doações que permitiram a realização dessa iniciativa: “nos inscrevemos, no início do ano, para receber as doações das apreensões da Receita Federal, e no mês passado nos chamaram para receber cerca de 11 mil peças de roupa. Esse tipo de doação ocorre, normalmente, duas vezes por ano”, conta. Bachi destaca que o foco da entidade é fazer com que as pessoas tenham maior acesso às roupas e não precisem se locomover por longos trajetos para conseguir uma vestimenta adequada. “O brechó é realizado para as pessoas da comunidade, com preços bem acessíveis, que variam de R$ 1,00 a R$ 5,00. A maior vantagem é que as roupas não foram usadas nunca, são todas novas e de ótima qualidade”, declara. Mesmo tendo duração de apenas três horas (das 9h até o meio dia), o coordenador administrativo se diz impressionado com a quantidade de pessoas que demonstraram interesse em enfrentar fila e comparecer ao evento. “Interessante é que toda a comunidade se movimenta muito para conseguir chegar até o brechó e adquirir alguma peça de roupa. É a primeira vez que conseguimos fazer essa iniciativa, mas acredito que até o final do ano vamos conseguir repetir. A expectativa é grande”, exalta. Moradora do Bairro Farrapos, Karen Lesses destaca a localização como principal ponto positivo da iniciativa. “Muitas pessoas que não têm condições, por exemplo, de ir ao shopping, conseguirão sair daqui com compras, até porque as roupas são muito boas e com preço bem acessível. Estou com as crianças aqui, por ser na comunidade, facilita também na locomo-

Cerca de 11 mil peças de vestuário e de acessórios foram doadas e postas à venda pela entidade

No dia 19 de outubro, moradores da comunidade formaram longas filas para garantir boas compras

Os produtos novos puderam ser adquiridos ao custo máximo de R$ 5,00 por unidade

A carioca Silvia Campos participou pela terceira vez da equipe de cozinha da feijoada

ção. Não precisamos pegar ônibus nem nada, moramos perto”, pondera. Karen faz questão de elogiar o trabalho feito pela Fundação para que o evento fosse realizado. “A minha sogra trabalha aqui Fé e Alegria, pude ver de perto toda a movimentação e estão todos de parabéns, realmente. É até engraçado, porque saio daqui com duas sacolas com roupas. Agora, na terceira vez que passo por aqui no dia, trouxe também algumas amigas junto para garantirem pelo menos uma peça”, comenta.

TERCEIRA EDIÇÃO DA “FÉJOADA”

Além da iniciativa do brechó, a Fundação Fé e Alegria também promoveu no mesmo dia a terceira edição da “féjoada”. Com o objeti-

vo de adquirir fundos para as ações na comunidade, o evento reúne convidados de fora para uma boa confraternização junto dos funcionários da entidade. O coordenador de um dos programas de abordagem social do local, Douglas Röedel, destaca que as pessoas têm demonstrado bastante interesse em participar do evento para ajudar a comunidade do Bairro Farrapos. “É a terceira vez que realizamos esse evento e as pessoas têm ajudado muito. A média de público que recebemos no ginásio é de cerca de 150 pessoas. Normalmente vendemos mais de 200 entradas, mas muitos compram apenas para colaborar mesmo e não comparecem”, explica. Com música ao vivo, distribuição de brindes e o almo-

ço, que é o principal do evento, com a tradicional feijoada, a Fundação recebe amigos, familiares e até mesmo alunos de colégios de Porto Alegre, como o Anchieta. Participante de todas as edições do evento, a coordenadora de projetos de medida socioeducativa da Fé e Alegria, Fabiane Damini, conta como é especial participar desses momentos pela entidade: “cada uma das feijoadas se torna especial de uma forma diferente. Já levamos o jeito na organização e agora tudo flui normalmente até a hora do evento. Acredito que essa iniciativa serve para dar um gás neste final de ano, dá muita alegria. É prazeroso ver, por exemplo, a participação de pessoas da comunidade, como é o caso da Silvia, que faz a tão famosa feijoada

para os convidados”. Acompanhada de mais 11 ajudantes para fazer o prato principal da “féjoada”, Silvia Campos reconhece o quanto toda a organização é cansativa, mas sabe que sempre acaba valendo a pena o esforço. “É a nossa terceira feijoada aqui, e todo ano é muito gratificante participar, uma experiência muito boa, nos faz sentir bem. Independentemente do trabalho, o importante é toda essa confraternização e unir as pessoas. Somos 12 trabalhando na cozinha, e a gente costuma fazer 30 quilos de feijão, 15 quilos de arroz e mais todos os condimentos necessários para deixar a comida mais saborosa”, finaliza. JUAN GOMEZ PETRA KARENINA


Comunidade .5

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Incluir pela educação Fundação Fé e Alegria atua pela comunidade

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resente no Bairro Farrapos, a Fundação Fé e Alegria promove processos integrais, inclusivos e de qualidade e ações de promoção social, atuando nas lacunas dos poderes públicos, em áreas como educação, saúde, alimentação, lazer, moradia e segurança - direitos inerentes à cidadania, de acordo com a Constituição Brasileira. Em Porto Alegre, a organização atende mensalmente mais de 100 crianças no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo, e pratica abordagem social externa a famílias. No Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo as turmas são divididas por idade e o acolhimento acontece no turno inverso a escola tradicional. As crianças e adolescente que participam do projeto têm entre seis e 17 anos. Lá os educandos debatem questões de convivência, têm oficinas de informática, marcenaria, atividades esportivas e de leitura, são auxiliados à documentação e orientados para a primeira oportunidade no mercado de trabalho. Segundo, Guilherme Sal-

Cibele Garcia fala sobre a importância da assistência no dia a dia das pessoas em situação de rua danha, de 30 anos, que atua como educador no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo, é um trabalho que requer muito cuidado e paciência. “O resultado não vem na hora, tem que ir insistindo”. Já na abordagem social, a Fé e Alegria contata pessoas em situação de rua, atuando na promoção de seus direitos, na redução de danos em relação às drogas, na si-

tuação familiar e de saúde e na documentação. Tais de Góis, de 27 anos, é estudante de Pedagogia e atua na abordagem social. Ela define o Serviço de Convivência como uma outra porta de acesso e uma das coisas mais importantes para a vida dos educandos. “A gente mostra outra lógica, outra maneira de lidar além da casa e do território, outras possibilidades de enfrentamento

Guilherme e Tais comentam como o trabalho deles influencia no futuro das crianças das vulnerabilidades”. A Fundação Fé e Alegria promove um encontro mensal com as famílias, para criar esse vínculo. Cibele Garcia da Rosa, assistente social do Ação Rua, que atende pessoas em situação de rua e mendicância do Bairro Arquipélago, de Porto Alegre, julga importante esse auxílio, pois a partir desse contato elas conseguem enxergar outras possibilidades. Cibele também ressalta a re-

presentatividade proporcionada nesses espaços para que pessoas negras, assim como ela, consigam ver que há possibilidades e inspiração para seguir adiante, independentemente das dificuldades. “O que a gente consegue fazer é articular com o poder público para tentar fazer a diferença”, complementa Cibele. JOSI SKIERESINSKI JESSICA MONTANHA

Jovem assume loja do pai Dispensado do quartel e com dificuldades na busca de emprego pela falta de experiência, Djonata William Ribeiro Oliveira, de 18 anos, assumiu a propriedade da Arena Móveis, e é mais um garoto arrojado encontrado na região. Sua loja fica na garagem da casa da família, localizada na rua 698, número 129, no Bairro Farrapos. Segundo o jovem, o estabelecimento funciona de segunda a sábado, das 10 horas até as 20 horas da noite, com a venda de móveis de uma fábrica de Novo Hamburgo. Filho de Silvio Rogério da Silva, de 46 anos, montador de móveis e da cobradora de ônibus Tatiana Berenice Ribeiro de 41 anos, todos moradores do bairro. Djonata conta que trabalhou no minimercado do seu tio - Luis Sidney da Silva, de 45 anos, na Vila Planalto, mas por ganhar pouco preferiu assumir o estabelecimento para trabalhar com negócio próprio. Ele revela que

sonha em abrir uma loja maior na rua principal, Frederico Mentz, por ser mais bem localizada e para ter um trabalho melhor. O local já virou um ponto comercial tradicional para a família, pois no mesmo lugar por um ano e meio havia um açougue, de seu tio Luis. Mas depois de fechá-lo, seu pai, Sérgio, abriu uma loja de móveis, por ter conhecimento na área. No entanto, para Djonata, os preços eram elevados. “Eles – os clientes – entravam aqui, olhavam os valores, não gostavam e saiam”, enfatiza. Segundo o jovem, há apenas mais duas ou três lojas de móveis na região e diz que o diferencial é o valor de suas peças: “Eles chegam aqui e reparam no preço. Quando assumi e baixei os valores, o pessoal foi entrando e dizendo: “Tá muito barato”, daí eles vem. Estamos abertos, esperando-os”. Para ele, os artigos de cozinha têm mais saída. Conta ter vendido uma peça inteira por

Sem conseguir emprego, Djonata conduz negócio da família e busca retorno com baixos preços R$ 900,00, móvel que em outras lojas pode ser mais caro. Assumir a loja foi uma oportunidade surgida para ele após ser dispensado do quartel por ter machucado o joelho no teste físico, depois de pisar em um buraco. “Pensei: não vou pegar nenhum trabalho. Então meu pai

tinha uma loja. Vou pegar para mim, vou lá e vou vender porque vamos trabalhar com uma coisa que é nossa”, relata. Ele diz que se não tiver a peça que o cliente deseja, é só encomendar que trazem direto da fábrica. Para Djonata, o consumidor não pode ficar sem

o seu móvel. O jovem diz que acompanha o pai para aprender o trabalho e poder atuar igualmente nessa função. Revela gostar de trabalhar no estabelecimento e não se arrepende da opção feita, após ter procurado emprego formal e não ter conseguido uma vaga: “Trabalhar em outros lugares é difícil. Eles não estão aceitando, pedem uma coisa, e depois demoram a chamar ou nem respondem”. Djonata fala que era tímido, mas foi se acostumando com o trabalho e principalmente com o atendimento ao público e que isso o fez mudar a sua abordagem ao cliente, que hoje é melhor. Ele lembra que há outros jovens com negócios próprios na região, mas a maioria ainda desempenha atividades laborais em mercados, pizzarias ou pequenas lancherias no bairro. DENILSON FLORES ALANA SCHNEIDER


6. Infraestrutura

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Uma luta diária Seis anos após o incêndio da Vila Liberdade, moradores ainda tentam se reerguer e providenciar novas moradias

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dia 27 de janeiro de 2013 está marcado até hoje pelo incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, onde 242 jovens morreram queimados. Porém, o que muita gente não sabe é que naquele mesmo dia a Vila Liberdade, localizada no Bairro Farrapos, em Porto Alegre, também vivenciou um grande incêndio, que deixou aproximadamente 100 famílias desabrigadas. Sem o auxílio necessário do governo, da prefeitura, muitas dessas famílias não conseguiram se reerguer e acabaram convivendo com as consequências e traumas dessa tragédia até os dias de hoje. Jane Terezinha Santos da Silva, de 39 anos, que teve sua casa destruída pelo fogo, conta que em decorrência do incêndio da Boate Kiss, quando os bombeiros chegaram à vila, eles ainda não estavam preparados para lidar com outra situação de incêndio. “Muitos deles não tinham feito ainda revisão dos caminhões, estavam tudo sem água”, declarou Jane. Ela explica que, na época, o Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) realocou parte dos moradores atingidos pela tragédia em casas provisórias, onde os habitantes deveriam permanecer por no máximo dois meses. Após este período o departamento iria realocá-los para uma moradia fixa. Porém, ela, seu marido e seus cinco filhos até hoje não conseguiram ajuda ou apoio de órgãos do governo. “A previsão era de dois anos, mas nada foi feito. Por último, eles disseram que nem as reformas feitas nas casas provisórias serão realizadas. É cada um por si agora”, explicou Jane. Uma das filhas de Jane tem deficiência mental e por isso exige maior cuidado e espaço para poder auxiliá-la. Porém, ela conta que o DEMHAB providenciou para a sua família de seis pessoas na época uma peça 3 x 5 metros, dificultando ainda mais o dia a dia. No “corredor” (como são chamadas essas residências), a mãe de família constatou que no verão, o termômetro dentro do local chegava aos 40ºC. “Na época a gente até brigou com o DEMHAB, pois as casas iniciais que eles deram eram muito pequenas. E as que tinham dois metros a mais eles

deram para algumas outras famílias. Assim, depois de dois anos morando nesse local, a gente veio aqui para frente, já que tínhamos a serralheria aqui, e eu peguei e me desfiz do “corredor” de onde morávamos e viemos aqui para frente”. Hoje em dia eles moram em uma única peça - um pouco maior do que o “corredor” - que se tornou seu local de trabalho, a serralheria, e a sua moradia. Em 2013, o governo fez um lançamento de abertura das 82 unidades de corredores na Rua Frederico Mendes, que seriam distribuídas pelas famílias da Vila Liberdade. Mas as casas também foram divididas com outros moradores que já estavam há anos no cadastro para conseguir moradias, além da população que sofreu com o incêndio. “O sistema não funciona bem faz tempo. Estamos aqui com muita paciência. Tem gente que está há 30 anos na lista e até hoje não conseguiu a sua casa”. Atualmente, passados seis anos da tragédia, Jane e a sua família não têm previsão de sair de seu abrigo e vivem cada dia com a esperança de uma resolução para esta parte de sua história.

Jane conta sobre a sua perda e como a sua serralheria ajudou no processo de reconstrução

COMPANHEIRISMO

Os desafios após o incêndio são gigantes. Jorge Valdemir Pires Flores, de 52 anos, também teve a sua casa destruída pelo fogo e foi realocado, junto de seus seis familiares, para um colégio do bairro. Mas quando as aulas começaram o governo teve de providenciar as casas nas quais estão morando até hoje. “Já era para termos saído daqui há muito tempo, de acordo com o DEMHAB. Colocaram cartazes lá na frente dizendo que iriam fazer prédios e outras casinhas, e até agora nada. Fizeram projetos e falaram que o prédio iria sair. Mas com o tempo as placas foram retiradas e construíram um estacionamento para a arena no local”, declarou. Ele conta que conseguiu se reerguer com a ajuda dos moradores da comunidade. “Os vizinhos que conseguiram ir para a casa de aluguel, nos deram o terreno deles, e assim conseguimos aumentar a nossa casa. Da prefeitura nós nem temos apoio, somente as pessoas que trazem alimento e doação”, conta Jorge. Hoje, ele e sua família moram na Vila Pampa e contam com o apoio da própria comunidade. CAROL STEQUES MARIA EDUARDA STOLTHIN

Desde 2013 as famílias que sofreram com o incêndio aguardam assistência da prefeitura


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Infraestrutura .7

Recanto nem tão alegre D

epois do incêndio que atingiu uma parte do Bairro Farrapos em 2013, muitas famílias que ali viviam ficaram sem moradia, praticamente residindo na rua. A prefeitura, então, arrendou um terreno que pertencia à falida Transportadora Tresmaiense, para realocar esses moradores. Mas segundo alguns moradores do bairro, por falta de verba essa iniciativa acabou sendo suspensa. Algumas casas já estavam quase prontas e outras ainda deveriam ser construídas. Não vendo outra solução e desesperadas sem ter onde morar, as famílias lesadas pelo incêndio começaram a ocupar o terreno e ali construírem suas moradias do jeito que conseguiram. A ocupação, que começou em 2016, tem o nome de Recanto da Alegria e abriga hoje 82 famílias, com aproximadamente 240 pessoas. É um terreno caótico e sem dono. Não só quem foi prejudicado pelo incêndio está lá. Outros moradores de rua de várias partes da Capital começaram a construir suas casas no local. No terreno não existe saneamento e nenhuma estrutura humanamente habitável. Quando chove, o ter-

Sem saneamento e com as chuvas, acúmulo de barro e entulho piora a situação do Bairro reno fica totalmente alagado e se torna praticamente um banhado, gerando uma proliferação de ratos e outros bichos. Mas as pessoas que vivem lá dizem que não sairão, pois não têm para onde ir. Segundo Neusa Terezinha, que faz parte de uma comissão dos moradores do Recanto, a chuva e as más condições do local prejudicam demais todos os ocupantes: – As casas enchem de

água, e como não temos esgoto, fica tudo alagado. Ainda segundo a moradora da ocupação, os vizinhos se ajudam quando esses problemas surgem e ainda continuam chegando famílias ao local. – A gente quer mais é que chegue cada vez mais gente para ajudar e também para dificultar se alguém quiser nos tirar daqui. Segundo outros integrantes da comissão, a maioria dos

moradores do local não tem emprego e os que têm são recicladores. Também existem muitos cachorros no local, que até eram cuidados gratuitamente por uma organização não-governamental que os vacinava e castravas, mas a dona da organização sofreu um acidente e não tem mais possibilidade de visitar o local. – Agora os cachorros se proliferam, e não estando vacinados, ainda espalham doenças

para os outros e também para as pessoas – diz Alessandro, outro morador da ocupação. Os moradores dizem que não pedem ajuda ao poder público, por medo de serem expulsos. Segundo Ramiro Rosário, secretário de Serviços Urbanos da prefeitura de Porto Alegre, há cerca de 700 áreas ocupadas irregularmente em Porto Alegre, a maioria desde a década de 1990. – Isso se deve a uma série de fatores, mas é preciso ressaltar que há interesses por trás das invasões, tanto de grileiros, narcotraficantes e também de políticos que incentivam as invasões para terem “currais eleitorais”. As invasões colocam pessoas em situações indignas de moradia, além de causar prejuízos a toda sociedade com o crescimento desordenado da cidade e o agravamento da falta de serviços básicos, como saneamento público. Até mapearmos a real situação de todas as ocupações e tentarmos resolver, precisa de tempo, mas certamente será dada a devida atenção a todas. LELO VALDUGA LUCAS BRAGA

Ainda resta a esperança Cada dia que passa, a população do Bairro Farrapos espera algum tipo de retorno da prefeitura do município a respeito da reintegração de posse da Vila Liberdade nas moradias construídas há três anos pela administração da capital. Os atuais moradores das casas reservadas para os moradores da Vila Liberdade, denominaram o espaço como Recanto da Alegria e contam com mais de 80 famílias, somando um total de 240 pessoas. Para ambas as comunidades, o único sentimento que persiste no dia a dia é o de esperança. Há três anos, os residentes das vilas aguardam um posicionamento da prefeitura de como será feita a reintegração da população destinada para as moradias, porém tendo alguma garantia de que os moradores do Recanto da Alegria terão outro espaço para se realocarem. A moradora Isabela Christina Rosa da Silva, 46, foi uma das primeiras pessoas a integrar

a comunidade Recanto da Alegria, lugar que segundo ela não tem do que reclamar, porém espera que esse processo judicial dê a garantia de que terá um lugar para ficar. “Quando aconteceu lá o incêndio do pessoal ali, isso aqui já tava invadido, mais de tempo que isso aqui tá invadido, agora eles querem pegar o pessoal de lá pra cá né, mas se eles trouxerem o pessoal de lá pra cá, o que eles vão fazer com o pessoal daqui? Tem muita gente fazendo casinha. Daí a gente tá assim né, esperando”, afirma. O presidente da AMOVIL (Associação dos Moradores da Vila Liberdade), Erlon Nogueira de Lima, conhecido pelos moradores do bairro como “Bola”, explica que este processo para realocar a população ainda não tem data prevista durante o mandato do prefeito Nelson Marchezan Junior. “Nós estamos sempre pressionando para garantir nossos atendimentos tais como a bolsa auxílio de aluguel social, manter o projeto

Famílias do Recanto da Alegria constroem suas próprias casas no terreno cedido pela prefeitura de construção das duas obras”, afirma o líder. De acordo com Bola, o espaço invadido tem uma expectativa de 620 unidades habitacionais para os moradores da Vila Liberdade. A falta de informações do governo municipal para a população da Vila Liberdade, faz com que a esperança seja um sentimento presente no aguardo pela moradia prometida. O mo-

rador Jeferson Sidnei Fernandes, 54, espera a casa prevista no plano da prefeitura desde 2013, mas vive até hoje na moradia temporária da vila. “Minha casa, eles só me deram essa ‘caixinha de fósforo’, coloquei uma cama, uma geladeira e um fogão e não tem como se mexer. Já faz quase sete anos, entendeu? Daí eu tive que aumentar, na casa do lado o pessoal foi

saindo, aí eu aumentei a minha casa”, conta o morador. Essa situação impede residentes da comunidade a realizarem obras nas moradias. Para Jeferson, o sentimento de se estabilizar na casa temporária ainda é muito distante: “Eu ainda vou arrumar a casa, mas fico com dois corações: se eu invisto aqui, queria fazer uma casinha de dois pisos pra mim, arrumar direitinho, mas tenho medo de investir e jogar meu dinheiro fora”. A angústia das duas comunidades é visível. Uma no aguardo da justiça para receber a moradia prometida há seis anos e a outra na espera de uma garantia de que terão local para residirem. “Tu vai colocar as famílias aonde? Na rua? Não pode. Eles deixaram a coisa criar raiz. Acha que eu gosto de morar aqui? Não gosto, mas sou obrigado a morar”, conta Jeferson. LUIZA SOARES LUCAS BRAGA


8. Infraestrutura

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Uma solução e um problema Rua Jayme Topolar ficou dias sem água e quando o problema foi resolvido um enorme buraco na calçada foi deixado, preocupando moradores da rua

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vanir da Costa, morador da rua Jayme Topolar, recebeu o Departamento Municipal de Água e Esgoto no local, no dia 2 de outubro. Após alguns dias sem água na área por conta de um vazamento e diversas ligações para o DMAE, o homem de 59 anos finalmente pensava estar presenciando a resolução do problema que prejudicava a ele e a seus vizinhos. De fato, a água voltou. A calçada de concreto foi aberta pelos funcionários terceirizados pela Prefeitura Municipal, que constataram que o encanamento havia estourado. Após o conserto realizado e o cano trocado, só faltava fechar o solo novamente. Foi aí que um novo problema surgiu. “Quando foram abrir a calçada para fazer o reparo, acabaram furando o cano da casa que fica na frente”, explica Costa, que é dono do bar ao lado da residência citada. A questão que está no ar agora é como esse outro problema será resolvido. “Desde o dia

Pedro Campos observa o buraco na calçada deixado pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto em que eles vieram estamos com esse buraco gigante na calçada”, completa Costa. O rombo no solo traz diferentes preocupações para a comunidade. “O fedor de esgoto aqui está muito forte. Não dá para aguentar”, reclama Pedro Campos, morador da rua ao lado. Além disso, é possível observar o acúmulo de água parada no local. “Já têm várias

larvas nessa água suja. Tenho medo que possa até ser criado um foco de dengue aqui por causa disso”, alerta Campos, trabalhador de 54 anos. Na rua Jayme Topolar é comum a presença de crianças brincando e correndo, tanto de dia como de noite. A presença de um rombo enorme na calçada causa preocupação em Ivanir da Costa, morador do bairro

Rombo no solo fica ao lado do bar de Ivanir da Costa, gerando mau cheiro no ambiente há mais de três décadas. “É perigoso demais. A qualquer momento uma criança pode cair nesse buraco, causando uma tragédia”, alerta. Segundo ele, o DMAE afirma que não pode enviar nenhum trabalhador para resolver o problema porque há risco de desabamento na casa que está acima do encanamento, por conta da terra que está prestes a desmoronar. Enquan-

to isso, o problema fica sem previsão de resolução. A ouvidoria do Departamento Municipal de Água e Esgoto foi contatada, mas até o momento do fechamento desta reportagem não havia respondido as questões levantadas. ALESSANDRO SASSO JÚLIA TOMAZI

Bairro já teve informativo próprio Entre 2007 e 2010, Alcione Borges Pereira, de 74 anos, morador do Bairro Farrapos há quase 60, escrevia, mandava editar e imprimir - e ainda fazia a distribuição - o “Jornal Informativo dos Moradores da Vila Farrapos”. O aposentado falava sobre as dificuldades do local, como a falta de ônibus, acúmulo de lixo nas ruas, bem como os alagamentos delas. Maré, como Alcione é conhecido no local, não lembra quando escreveu pela primeira vez o jornal. Mas revela que a ideia inicial do jornal era unir as pessoas do bairro. “O pessoal estava meio desamparado quanto à limpeza dos bueiros, à segurança”, diz. Para ele, a sua ideia era importante também para valorizar o lugar. Conta que tentou ser um porta-voz da comunidade. “Eu era uma voz entre 100 milhões, digamos assim, por exemplo. Não tinha voz para isso, então co-

mecei a botar no jornal, porque assim, todo mundo lia os meus propósitos, as minhas ideias e aquilo que servia para nós dentro da vila”. Para ele era importante que mais pessoas tivessem acesso às informações do bairro e conhecimento das adversidades enfrentadas, que, mesmo com o seu trabalho não reconhecido, eram publicadas nos periódicos. O aposentado diz que nas edições havia piadas, contos, histórias, além de dicas: “Peixe é bom para a saúde, coma mais peixe” ou “Precisando de remédio, passe na farmácia do Governo do Estado”. Para o morador do Bairro Farrapos, a intenção de escrever o jornal era muito boa, e ninguém reclamava: “É isso aí mesmo Maré, tem que escrever, está certo. Tem que colocar lá na Gaúcha, eles falavam”, e eu ficava quieto sobre isso. Mesmo com uma boa aceitação no bairro, ele

Maré produzia jornais voltados à comunidade, expondo as necessidades do Bairro Farrapos não tinha apoio financeiro para manter as impressões. Alcione Pereira menciona que levou um exemplar do jornal até um escritório no Quarto Distrito, para buscar algum tipo de apoio, pensando em continuar escrevendo o periódico. Mas não foi bem recebido. “Estive lá,

conversei e eles me deram um gelo. Disseram que não dava porque não sou jornalista. Me vejo como escritor, mas então não me aceitaram”. Depois disso, diz que não passou adiante a ideia, e não tentou aumentar o poder do “jornalzinho” dentro da vila, até encerrar as ativida-

des, mas ainda sonha em ter alguma de suas obras conhecidas: “Tenho hoje em uma pasta, mais ou menos dez centímetros de folhas de coisas que escrevi, quero publicar um livro”, conta, garantindo que para ele é normal e fácil escrever. Para o colorado Alcione, não foi boa a chegada da Arena do Grêmio no bairro. Ele conta que havia quatro ou cinco campos de futebol no mesmo lugar, onde, aos domingos, ele, seus amigos e muitos moradores se reuniam para fazer churrasco e aproveitar o espaço. Expressa também que para alguns moradores há a impressão de que os alagamentos no bairro se devem à estruturação que elevou o território, fazendo com que o escoamento da água desça até as ruas próximas: “Éramos felizes e não sabíamos”, afirma. DENILSON FLORES ALANA SCHNEIDER


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Diversidade .9

Aqui existem todas as cores Conheça histórias de jovens LGBTQI+ que vivem na comunidade

negativo está na violência, que vem aumentando.

uan Rosa da Silveira, de 22 anos. O jovem de cabelo amarelo é um entre muitos gays, lésbicas, travestis e transexuais que vivem no Bairro Farrapos. Mora na comunidade há apenas sete meses, com seu parceiro. “A gente tem nossas brigas, mas é coisa de todo casal”, afirma. A casa fica em frente a uma praça que possui um único poste de luz, quando chove a rua alaga e os deixa ilhados. Ainda assim, quando tem sol, no fim de semana, os vizinhos saem e fazem festa na praça. Menos Luan e seu parceiro. “A gente já é mais de escanteio, né! A cachaça rola no final de semana. Tem a questão da homossexualidade. Então, a gente prefere ficar em casa”, diz Luan, que já foi crente, mas não se sentiu acolhido. Se encontrou em outra religião, que carrega consigo a matriz africana. Mãe Cátia é sua guia espiritual, com quem transpõe uma relação de amizade. Em sua religião todos são como iguais, independentemente de sua sexualidade. Por isso, Luan é bem aceito. Mas a aceitação não está presente em todos os lugares. “Muitas vezes, o preconceito vem de casa”, conta o jovem, que saiu de seu lar aos 18 anos. Hoje, seus oito irmãos são a única família, o pai, a mãe e a avó já faleceram. Dentre os oito, o mais velho é quem tem mais dificuldade em aceitar Luan. Ainda assim, ele não se abala, pretende conseguir um emprego e comprar uma casa para as irmãs mais novas de três e 15 anos. Conta que já sofreu homofobia tanto em casa como nas ruas. “Já aconteceu de estar caminhando com amigos, nem namorados eram. Quando passou um carro e gritaram viadinho de mer**. Essas piadinhas sem graça que machucam a gente com o tempo”, relata. A violência verbal não assusta Luan, sua rotina é dentro de casa. Não tem muito contato com os vizinhos e não sabe o que eles pensam sobre ele. Mas compartilha das mesmas indignações; os bueiros entupidos e a falta de iluminação na rua.

Nilsa dos Santos, de 33 anos, tem um filho homossexual. O que não é um problema, mas preocupa. “Ainda vejo preconceito de algumas pessoas, olhares, comentários”. Ela sempre soube, mas preferiu que ele estivesse à vontade para falar do assunto, o que ocorreu aos 14 anos. Desde então, os dois têm a liberdade para falar sobre tudo e Nilsa busca aconselhar o filho naquilo que pode. Vinicius, de 17 anos, conta que já se sentia diferente aos 12. Acabou se apaixonando pelo namorado da irmã, mas mantinha relações heterossexuais. Foi quando conheceu o João. O primeiro contato foi pelas redes sociais. Depois, foi para a casa dele “e aconteceu”. Os dois se encontravam quase todos os dias da semana por um mês. “Até que em um sábado, eu bebi com meus primos e quando estávamos indo embora, ele mandou mensagem. Perguntou se eu podia dormir lá. Eu pensei, nunca fui para dormir, mas meio bêbado, fui feliz”, conta o jovem, com bom humor. Foi nesta mesma noite que Nilsa descobriu a sexualidade do filho. Conseguiu o contato do rapaz com quem Vinicius estava. Ao atender ao telefone o jovem logo contou que namorava o filho de Nilsa. “Meu coração congelou, minha mãe só mandou eu ir embora. Eu fui chorando, quando cheguei em casa não tinha ninguém. Dormi um pouco no pátio mesmo. Ela chegou, me abraçou e disse que iríamos conversar no outro dia”, Vinicius até fez um pedido, que sua mãe não contasse sobre sua sexualidade aos outros. Um ato falho, pois no dia seguinte, todos sabiam.

AMOR DE MÃE

L

OUTRA HISTÓRIA PARA SE CONTAR

Ainda no Bairro Farrapos, também vive Gerson Silveira, de 24 anos. Gerson se sente

Luan Rosa vive com o companheiro em uma casa de religião, onde se cultuam os santos seguro na medida do possível, não apenas pelo fato de ser gay, mas pela violência em si. Quando está sozinho à noite tenta não chamar a atenção. Sua rotina está relacionada à faculdade de Direito. Estuda pela manhã e faz estágio à tarde. Quando lhe sobra um tempo, anda de bicicleta e sai para passear com sua cadelinha Cacau. Pretende prestar o concurso público. Mas, ainda não tem uma certeza sobre sua carreira; cogita ser de-

fensor público. Hoje, já não sofre tanto por sua sexualidade. “Quando era mais novo sofria muita homofobia. Sempre chamei atenção, era a típica ‘criança viada’, mas hoje em dia não sofro mais”. Gerson acredita que seja devido aos ambientes pelos quais transita e às pessoas com quem se relaciona que não tem ações homofóbicas. Mora com o pai e a irmã. “Demorei um pouco para falar sobre mim, ‘sair do

armário’, mas quando aconteceu foi melhor do que eu pensava: nenhuma reação negativa, e hoje, eles super me apóiam”, conta o estudante. Para ele, ser morador do bairro, em geral, é uma coisa boa. “Moro aqui desde pequeno, então conhecer bem o lugar e um pouco das pessoas é um ponto positivo. Aqui é um bairro bem familiar, o pessoal é humilde e gente boa, ser LGBTQI+ não é um problema, ao menos pelo que percebo”. O único lado

AOS FATOS

Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, em 2018, foram registradas 420 mortes de LGBTQI+. O relatório indica que a cada 20 horas um membro da comunidade é morto ou comete suicídio. O dado também revela que 45,5% são gays; 39% são trans; 12,5% são lésbicas; 1,9% são bissexuais e 1,2% são heterossexuais estes também se tornam vítimas quando confundidos com LGBTQI+s ou ao saírem em defesa dessa população. GUILHERME MACHADO ALLONSO SANTOS


10. Fisiculturismo

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Onde o sedentarismo não tem espaço Dico’s Academia completa dez anos como local de encontro entre os praticantes de atividades físicas

C

om a iminente chegada do verão, é comum que muitas pessoas preocupadas com a aparência comecem a praticar atividades físicas. Também existem aqueles que se afastam do sedentarismo por questões de saúde ou mesmo por ter a prática de exercícios como um hábito de vida. No Bairro Farrapos, o que todas essas pessoas têm em comum é o local onde se encontram para treinar: a Dico’s Academia. Localizada na Rua Luiz Carlos Pinheiro Cabral, o estabelecimento está próximo de completar uma década de funcionamento como a primeira e única academia do Farrapos. Diego Silveira, de 32 anos, é um dos administradores do estabelecimento. Para ele, apesar de o local ter uma estrutura mais modesta se comparado às outras quatro academias mais próximas (localizadas no Humaitá, bairro vizinho), o diferencial da Dico’s é justamente o fato de oferecer mensalidades mais acessíveis para os moradores da comunidade. “O clima de amizade entre os frequentadores cria um ambiente agradável, o que também contribui para a popularidade da academia”, analisa. Além dos equipamentos de musculação presentes no primeiro andar, um segundo piso, com equipamentos de ginástica funcional, está em fase final de pintura e acabamento. Segundo Diego, a demanda surgiu tendo em vista que muitas pessoas não possuem paciência para os repetitivos treinos de musculação. O aumento da procura por academias nesta época do ano também é um fator relevante para a expansão do local. Ele relata que dos 120 alunos fixos que a Dico’s tem em média, o número sobe para até 190 devido aos interessados em fazer um projeto intensivo de verão. “Em compensação, no inverno o número de cadastrados cai para aproximadamente 100”. Outro plano para o futuro é começar a funcionar aos domingos, único dia da semana em que a Dico’s não abre suas portas. “Há pessoas que só têm esse dia para treinar”, observa. Entre as preocupações dos

administradores da academia, talvez a principal seja os alagamentos ocorridos em dias de chuva. Diego conta que o estabelecimento já sofreu com transtornos e prejuízos devido ao sistema de drenagem falho existente desde a chegada da Arena do Grêmio ao bairro. “E não dá nem para aumentar a mensalidade, temos que pensar na renda média dos moradores, se não afasta a clientela”, ressalta Diego.

PAIXÃO POR ESPORTES

Estudante de colégio militar, Diego relembra que participava de torneios de futebol durante a juventude, hobby que mantém até os dias de hoje. Apesar da paixão por esportes existir desde cedo, sua formação profissional é outra bem diferente: Engenharia Clínica. Como o emprego na área hos-

pitalar ocupa grande parte de seu tempo, é bem provável que os alunos só o vejam na Dico’s aos sábados. Durante a semana, quem atende os clientes é o dono do local e personal trainer Rodrigo Miotto.

FREQUENTADORES E SUAS HISTÓRIAS

Meri Terezinha frequenta a academia há dois meses, por uma questão de saúde: ela faz tratamento para gordura no fígado. Já Paulo César voltou a malhar há apenas um mês, por causa da chegada do verão. Laion dos Santos é marombeiro de carteirinha, e entre idas e vindas é cliente da Dico’s há sete anos. Entretanto, o frequentador mais inesperado do local na manhã de 19 de outubro, em que o Enfoque esteve no Bairro Farrapos, não tinha nenhum

Meri Terezinha começou a praticar exercícios há apenas dois meses por questão de saúde

motivo especial para malhar, se não o simples gosto por se exercitar. O venezuelano Diego Calles, de 29 anos, está no Brasil desde 2017. Ele imigrou devido à crise econômica, social e política que o seu pais vem enfrentando. Calles conta que atravessou a fronteira com Roraima sem conhecer ninguém. Aos poucos, foi conhecendo pessoas, conseguiu um emprego e juntou dinheiro para seguir até Porto Alegre. O português fluente e quase sem sotaque impressiona e até engana quem não sabe que ele não é nascido no Brasil. O venezuelano elogia a hospitalidade do povo brasileiro e afirma que nunca sofreu qualquer tipo de preconceito ou discriminação. A família atualmente está dividida. A mãe e a irmã moram no Peru, e o irmão no

Chile. A família paterna ficou na Venezuela. Calles mantém contato diário com os parentes através do aplicativo de mensagens Whatsapp. Apesar da saudade, ele ressalta que já tem uma vida estabilizada na capital gaúcha. “Ninguém quer ficar longe de seu país natal, tenho vontade de voltar pra casa, mas agora a realidade é outra”, afirma. Em sua opinião, mesmo que o atual governo atual saia do poder, levará anos para que a Venezuela volte a ser o que já foi um dia. Calles, que já malhava em seu país, ingressou na Dico’s após ter se estabelecido financeiramente. Ele afirma que não troca de academia na cidade e elogia a atenção e o cuidado com os clientes. PAULO H. ALBANO JOSIANNE MOSER

Diego Calles veio da Venezuela há dois anos e é cliente assíduo da Dico’s Academia


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Esportes .11

A esperança dos meninos do União da Vila Farrapos O futebol do bairro busca seu futuro profissional no campo

U

m jogo amistoso entre o União Futebol Clube Vila Farrapos e o Dudu Futebol Clube acontece num sábado pela manhã, na Praça do Sesi. De camisas azuis, o time do bairro ouve as instruções passadas por Leonel Gois. A outra equipe, de uniforme vermelho, é comandado pelo técnico Dudu dos Santos, de 39 anos, que dirige seus jogadores de maneira acalorada na beira do gramado. Na comissão técnica do Dudu F.C. também está José Odenir Nunes, de 38 anos, que se encarrega de auxiliar o técnico ao passar orientações e providenciar água fresca para os jogadores. O jogo serve como treino para os times que planejam participar da Copa Teutônia e da Copa Cidade Verde, em Três Coroas, que acontecerão em janeiro e fevereiro do próximo ano. Os campeonatos de base são uma alternativa para que os adolescentes pratiquem o futebol. Ao término do primeiro tempo, o jogo segue empatado em 1x1. O objetivo do amistoso é dar oportunidade para os jovens jogadores, a maioria na faixa de 13 a 17 anos, mostrarem suas capacidades e talentos, mirando alguém que reconheça seus esforços e os leve para um clube grande. Um desejo que muitos sonham, mas poucos realizam. Santos, que já atuou no futebol chinês, vê em seu projeto Dudu F.C. uma oportunidade para as crianças terem uma vida mais confortável, através do esporte. Dudu é um entusiasta do futebol e dedica seu tempo ao projeto, que é novo e, apesar de recente, proporciona o local e o material para o treinamento dos jovens e tem como certa a participação nas copas do interior do estado. A esperança dos meninos, que buscam um clube maior e projeção para o mercado futebolístico, passa por Leonel Gois, de 55 anos. Morador do Bairro Farrapos, o ex-jogador do Esporte Club São José de Porto Alegre, do Grêmio Esportivo e Recreativo 14 de julho e Sport Club Gaúcho, ambos de Passo Fundo, acompanha os jogos, sempre na expectativa de descobrir novos talentos. Uma vida inteira dedicada ao futebol faz os olhos de Leonel serem treinados para isso. Atualmente, Gois trabalha

Mais do que um amistoso, jogo entre União da Vila Farrapos e Dudu Futebol Clube serve como treino

Neli Weyh acompanha sempre os jogos do filho, na expectativa por uma vaga em um grande clube como gerente de captação para a Associação Nova Prata de Esportes, Cultura e Lazer, mais conhecido no futebol como Nova Prata. Ele monitora os jogos pelas cidades sempre procurando por novos jogadores. Aos 32 anos, quando jogava no São José, decidiu parar a carreira nos campos e se dedicar à parte técnica do esporte. Percorrendo o estado sempre com bolas e chuteiras no carro, Leonel visita ligas amadoras de futebol atrás de jovens atletas com potencial para se tornarem futuros craques. Em seus planos está a construção de um Centro de Treinamento em Canoas, no Boqueirão, para que seu projeto de ajudar menores no futebol possa ter continuidade. Cada atleta que é apresentado a um time grande, como Grêmio ou Internacional, tem que arcar com os exames médicos solicitados; é custo para

o futuro jogador que, na maioria das vezes, não tem nem mesmo para o transporte ou a comida. Isso dificulta o processo para o jovem carente que quer participar das “peneiras”, desabafa Leonel, que busca no dia a dia ajuda para o projeto e parceria para que os meninos possam apostar no futebol. “Cada um que participa do União da Vila contribui como pode; tem o tio Paulo, o Valdomiro, seu Nilo, o Jean... estamos aqui desde o começo”, relata o ex-jogador. Gois sabe da importância do União da Vila para o bairro e para a história do esporte gaúcho. Naquele campo em que ocorria o amistoso na manhã de sábado, já muito jogou e mostrou seu talento Edenilson, do Sport Club Internacional, que possuía até carteirinha do time. Mas Gois recorda que hoje em dia, para o jogador profissional, o bairro não

O morador do bairro e ex-jogador profissional Leonel Gois busca oportunidades para jovens atletas passa de uma lembrança distante e que não houve o reconhecimento da parte do atleta que seu começo foi ali, no campinho da Praça do Sesi. Leonel acredita que o jogador poderia ajudar as crianças carentes do bairro de alguma maneira. Entre as poucas pessoas que assistem ao jogo nas arquibancadas, se destaca uma mulher. Em pé, compenetrada e acompanhando lance a lance, Neli Weyh, de 52 anos, às vezes grita algo e gesticula para o time da União da Vila. Mãe de Márcio Weyh, de 17 anos, o camisa dois que tem sua posição como lateral direito, Neli observava o filho, confiante em seu talento. Márcio iniciou criança no futebol e participou de campeonatos como o Bom de Bola colecionando 95 medalhas; já jogou na categoria sub-20 do Esporte Clube Cruzeiro de Cachoeirinha e hoje em

dia joga no B do São José. Neli vê no “professor Leonel” uma oportunidade de levar o filho para jogar em um clube grande fora do estado. “Aqui há muita panelinha”, reclama Neli, que filma no celular o jogo do filho. Márcio é acompanhado de perto pela mãe que, orgulhosa, fala da dedicação dele ao futebol, de como é disciplinado nos treinos e no cuidado com a alimentação, que no final do ano termina os estudos do ensino médio. Apesar do empenho de Márcio, Neli sabe que aos poucos os caminhos se estreitam: “Daqui a alguns meses ele faz dezoito anos... Sei que o momento é agora para achar um time de fora...“, ressalta a mãe, que acredita no futebol como uma chance de uma vida melhor. FERNANDA ROMÃO GUILHERME GONÇALVES


ENFOQUE BAIRRO FARRAPOS Bairro multicolor T

alvez um dia, se o Bairro Farrapos preferir se chamar de outro jeito, como sugestão o seu nome poderia ser “Aquarela Brasileira”. Não somente em homenagem ao compositor e sambista Silas de Oliveira, autor do samba-enredo que nomearia o Farrapos, muito menos só pela multiplicidade de cores que pintam pessoas, modos, casas, coisas e lugares que se fixam nele: também pela diversidade e pelos inúmeros detalhes que encontramos na comunidade da região. Aquarela é uma forma de pintar em que as cores, diluídas na água, acabam se misturando e formando um desenho. É algo que lembra o bairro. O sorriso branco e tímido das crianças ou a coloração dos seus brinquedos. As flores que tingem e embelezam os jardins das casas humildes. O vento que, às vezes ligeiro, balança as roupas no varal. A voz da conversa entre vizinhos ora gaúchos, ora baianos, ora catarinenses. Na calçada desbotada. No vai e vem do asfalto como passarela: cachorros uivando, pintinhos piando. O vermelhaço do batuque ou o azulão da Arena. Porém, nada para por aí. Sempre uma nova aquarela é descoberta e passa a fazer parte desse cantinho de Porto Alegre. Sem esquecer, obviamente, as principais razões que dão vida e beleza ao cenário do bairro: as pessoas que, ao fazerem parzinho com o Sol, estão sempre iluminando os caminhos da comunidade. Porque elas são mais fortes que o tempo. Não passam novembro esperando dezembro. Se ajudam e batalham. E agem continuamente para que nenhuma tinta seja removida dali. Artistas de uma perfeita e possível “Aquarela Brasileira”. BRUNA SCHLISTING

PORTO ALEGRE (RS) OUTUBRO / NOVEMBRO DE 2019

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