ENFOQUE BAIRRO FARRAPOS
PORTO ALEGRE / RS MAIO/JUNHO DE 2018
EDIÇÃO
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O QUE AS RUAS REVELAM HISTÓRIAS DE QUEM TEM MUITO A CONTAR PÁGINAS 2 a 7
O FUTURO ESPERADO Mais qualidade de vida, menos corrupção. Página 3
PAULO ALBANO
COMÉRCIO EM MOVIMENTO Vendedores lucram em lojas sobre rodas. Página 4
CAROLINA SANTOS
OTÁVIO HAIDRICH
OS DONOS DO PEDAÇO Animais são parte da rotina das famílias. Página 6
2. Opinião
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A barbearia do Urso
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desemprego levou Adriano Rocha, mais conhecido como Urso, de 33 anos, a abrir uma barbearia na rua Frederico Mentz, na vila Liberdade. Antes, ele trabalhava como caminhoneiro com entregas dentro da Capital, mas com a crise cada vez pior, não conseguiu emprego na área. Por isso, ele resolveu fazer um curso de cabeleireiro, em 2005. No início, quando ainda não tinha prática, Urso fazia cortes gratuitos, de crianças, idosos e moradores de rua. Depois, gradualmente, começou a atender a domicílio, auxiliou sua mãe em outro salão na mesma rua, onde separava um espaço do estabelecimento apenas para atender homens. Com a moda abrir espaços masculinos, ele percebeu que os homens não se sentiam completamente à vontade indo ao salão. Então, ele abriu a Barbearia Arena. Um local onde os amigos podem se encontrar e conversar, beber uma cerveja e ouvir uma música. É mais que apenas uma barbearia: é um local de encontro entre os amigos do bairro. O local é decorado rusticamente, com pallets servindo de suporte para os cremes e os shampoos. Os sofás são do mesmo material. No endereço atual, a Barbearia Arena completa nove meses. O nome que Urso queria, porém, era outro. O amigo que produziu os cartões utilizou um outro artifício: de um símbolo de urso, representando como a barbearia é conhecida na localidade. Urso é pai de seis filhos e demonstra o amor e o cuidado que tem por cada um. Brinca que a filha caçula é a mais “terrível” e a que faz a propaganda da loja, já que, quando da entrevista para esta notícia, ela anunciou que quer ser modelo.
A barbearia de Urso é um local acolhedor que reúne os amigos
JULIANA COIN RENAN LIMA
RECADO DA REDAÇÃO
As histórias das ruas do Farrapos É muito bom fazer parte de mais um edição do Enfoque Bairro Farrapos. Além da missão de contar histórias de gente que vive uma realidade tão diferente de muitos de nós, temos o prazer de conhecer pessoas fantásticas, que em cada expressão nos ensina um pouco mais sobre a vida. Acho que, além da experiência jornalística de uma redação de jornal, o Enfoque nos ensina muito mais. Nesta edição, em que falamos das coisas que acontecem nas ruas do bairro, tu és nosso convidado para ler o que algumas pessoas da comunidade esperam para os próximos anos, conhecer histórias de vendedores e vendedoras que ganham a vida no comércio sobre rodas, e famílias que tiram o sustento da reciclagem de resíduos. Contamos ainda que os moradores estão confiantes no hexa da Seleção na Copa do Mundo da Rússia, e mostramos, em fotos e texto, a relação de algumas pessoas com seus animais de estimação. Assim como na edição anterior, o Enfoque Bairro Farrapos #3 traz o Enfoquinho, contando histórias de crianças que vivem na comunidade, ilustrado com uma história em quadrinhos. Tu ainda conferes, na última página, um ensaio fotográfico com algumas das tantas mães do Farrapos. Parece muito, mas ainda é pouco diante de tantas histórias que outras turmas de estudantes-repórteres vão conhecer e relatar em novas páginas. As turmas de Jornalismo Cidadão e Fotojornalismo da Unisinos Porto Alegre desejam uma ótima leitura! JOÃO DANIEL AITA Editor-chefe
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DATAS DE CIRCULAÇÃO
Débora Lapa Gadret (Coordenadora do Curso de Jornalismo) (51) 3590 1122, ramal 3415 / dgadret@unisinos.br Luiz Antônio Nikão Duarte (professor responsável) luizfd@unisinos.br
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7 de abril
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5 de maio
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2 de junho
QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Bairro Farrapos é um jornal experimental dirigido à comunidade do Bairro Farrapos, em Porto Alegre (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições a cada semestre e distribuídas gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre.
CONTEÚDO Disciplinas Jornalismo Cidadão e Fotojornalismo Orientação Luiz Antônio Nikão Duarte (texto) e Flávio Dutra (fotografia) Edição geral (chefia) João Daniel Aita Edição de fotografia Ulisses Machado Reportagem e edição: Cora Zordan, Fernando Eifler, João Daniel Aita, Juliana Coin, Maria Júlia Pozzobon, Paulo Egídio e Ulisses Machado Fotografias: Carlos Molina, Carolina Santos, Josiane Skieresinski, Juliana Schutz, Luã Fontoura, Lucas Braga, Luísa Caye, Renan Lima, Otávio Haidrich, Paulo Albano e Valentina Wagner ARTE Realização Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização Marcelo Garcia Diagramação Nathalia Haubert
IMPRESSÃO Realização Gráfica UMA Tiragem 1.000 exemplares
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Av. Dr. Nilo Peçanha, 1600 - Boa Vista - Porto Alegre (RS). Cep: 91330 002. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Próreitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Graduação: Tiago Lopes. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Débora Lapa Gadret.
Comunidade .3
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Esperanças para o futuro Um Brasil com menos corrupção e mais qualidade de vida é a expectativa dos moradores do Farrapos
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oradores do bairro falam sobre os problemas que mais lhes afligem e sua esperança para os dias que virão. Desde demandas locais, como a falta de infraestrutura e a insegurança, até desejo de melhorias em direitos básicos, como educação e saúde. Para o futuro, já com as eleições de outubro na mira, o desejo é quase unânime: políticos mais preocupados em resolver os problemas da população. PAULO EGÍDIO LUÃ FONTOURA
Ildo Rocha, 62 anos, carpinteiro “O futuro que a gente quer é com mais segurança. A coisa está muito violenta. Gostaria de mais tranquilidade e que terminasse essa marginalidade que existe por aí. Nem entendemos mais o que está se passando”.
Diego Silveira, 31 anos, técnico em eletrônica “A gente espera a mudança, mas está difícil de acreditar na política. Cada vez aparecem mais casos de corrupção. Se tivesse educação de qualidade, desde o início, para as crianças, a mudança viria de baixo. Acho que esse é o pilar principal. A arma do povo é a educação”.
Neusa Tânia, 69 anos, aposentada
Adilson Pires Tavares, 49 anos, bancário
Elaine Duarte, 65 anos, secretária
“Espero que a política mude totalmente nessas próximas eleições. Temos que pensar muito para escolher a pessoa certa, porque precisamos de respeito. A gente trabalha, paga tudo direitinho e não tem o retorno esperado. Além disso, tem a insegurança também. Ficamos aqui gradeados e o pessoal fazendo o que pode e o que não pode, marido matando mulher... um horror! Mas sempre tenho a esperança que pode melhorar”.
“Por aqui, foi construído um estádio lindo (Arena), mas as ruas e o acesso ao bairro estão horríveis, especialmente em dias de chuva. A infraestrutura está muito parada ainda, a prefeitura deveria correr mais atrás de verbas e investimentos. Para o país, o melhor seria ter como novo presidente uma pessoa que seja comprometida tanto com os empresários quanto com os pobres, para poder fazer funcionar as coisas. No Brasil, a renda ainda é muito mal distribuída”.
“Para mim, se não tiver educação, não tem nada. Nem adianta ter internet. Eu acredito mais no jornal e na mídia, porque na internet têm os fakes e as informações que tu não pode confiar. Isso é usado para o convencimento do povo, que é sem cultura. Outra coisa é que juventude está muito acomodada. Os jovens aceitam tudo. Há muito comodismo e falta preocupação e respeito com outros seres humanos”.
Loreno Juchem, 61 anos, autônomo
Luci Dassi Cargnin, 69 anos, aposentada
“O futuro só a Deus pertence. Do jeito que está é complicado. Espero que para meus netos melhore um pouco, mas a tendência é piorar. A tecnologia está chegando e tirando empregos no mundo todo. Isso é a pior coisa que tem. E acho que a política precisa melhorar muito. No resto, o Brasil tem de tudo para progredir”.
“Teria que melhorar esses bueiros. Depois que construíram a Arena, ficou tudo entupido. Antes não dava alagamento, agora em qualquer chuvinha a água vem até a canela. Sou gremista, mas odeio essa Arena. Também queria um Brasil sem políticos corruptos. Que sejam pessoas legais, não que entrem lá e encham o bolso de dinheiro. Assim eu também queria me candidatar”.
Priscilla Teixeira, 32 anos, diarista autônoma e estudante
Maria Guedes, 72 anos, aposentada
“Sou bem otimista e esperançosa, mas nossa realidade é complicada. Acredito que com governantes bons a situação pode melhorar bastante. Minha esperança é essa. Tem muita gente nova que pode fazer isso. Precisa melhorar em tudo, mas principalmente na educação e na saúde, que são o básico para a gente poder viver”.
“O que eu mais queria, antes de embarcar para o ‘hospital dos pés juntos’ é asfaltar essa rua, para melhorar o ambiente. Gostaria também de ver mais educação e que fossem construídas mais escolas para as crianças. No tempo em que eu estudei era rigoroso. Hoje em dia as crianças vão para a quinta série e não sabem nem ler, não sabem mais nada”.
4. Comunidade
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Comércio sobre rodas movimenta a economia As Kombi dominam o mercado motorizado pelas ruas do Farrapos
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s sons que saem dos alto falantes quebram o silêncio das pacatas ruas do Bairro Farrapos. Freteiros, vendedores de gás, frutas, verduras e até de sabão líquido cortam as pequenas vias da região oferecendo produtos e serviços na porta dos consumidores. As pessoas, que se conhecem, aguardam a passagem dos ambulantes para preparar o almoço ou comprar algo que está faltando em casa. Um dos veículos mais populares no Brasil desde o final dos anos 1950, as caminhonetes Kombi dominam esse tipo de comércio. Com a divulgação de seus produtos anunciados em um alto falante instalado em cima do utilitário, Aline de Oliveira vende ovos de porta em porta há dois anos. Enquanto dirige o veículo, seu filho Thales fica na Abelino Pereira, parte traseira empacopai de Alexandre, tando e entregando os é quem dirige pelas produtos vendidos. Do ruas do bairro outro lado da rua, outra Kombi anuncia cinco litros de sabão líquido por apenas R$ 1,50. Modelo bem parecido é adotado pelo vendedor de frutas e verduras Abelino Pereira, de 65 anos. Sem o alto falante para fazer a divulgação de seus produtos, quem assume essa função é Alexandre, seu filho, que fica na parte de trás do automóvel anunciando de viva voz o que estão transportando, chamando vizinhos e conhecidos pelo apelido e entregando o que é comercializado. Transportando e vendendo alimentos há mais de 20 anos, esta é a terceira Kombi de Abelino, que diz precisar de uma nova para continuar o trabalho. A atual, fabricada em 1986, já “quase não dá mais conta do recado”. Quem também trabalha com uma Kombi é Cristiano Soares. Além de realizar fretes há quase quatro anos, é proprietário de um minimercado que vende “de tudo”. Morador do Farrapos desde que nasceu, Cristiano trabalhou como promotor de vendas em supermercados de Porto Alegre por aproximadamente dez anos. Quando saiu da empresa, decidiu que era hora de ser seu próprio chefe e empreender. O começo do negócio próprio foi com frete. Usando uma Kombi modelo 1988, Cristiano transportava o que fosse preciso entre um lugar e outro até sofrer um acidente. Durante uma viagem de Barra do Ribeiro até Porto Alegre, um carro
que trafegava no sentido oposto invadiu a pista em que estava e colidiu de frente com o seu veículo, que levava dois Alexandre auxilia passageiros, móveis o pai na venda de e eletrodomésticos. Cristiano foi o único frutas e verduras no que sofreu ferimenveículo da família tos, e até hoje tenta reparação do prejuízo pelos danos causados para ele e a família. Passado o acidente e sem carro, Cristiano conseguiu comprar outra Kombi. Um veículo modelo 1978, negociado com seu sogro, é o que carrega os fretes contratados desde então. A caminhonete fica estacionada em frente ao minimercado da família, que foi construído no pátio da casa que moram. O estabelecimento começou com uma única peça, foi crescendo e hoje tem o dobro do tamanho original. Cristiano conta que o objetivo é aumentar ainda mais, instalando açougue e padaria. Cristiano é um vendedor nato e tudo tem preço em seu mercado - inclusive a Kombi que usa para realizar os fretes. Ele começou a vender frutas e legumes, mas com o passar do tempo e a pedido dos clientes, passou a comercializar outros produtos, como biscoitos, sucos, frios e alimentos variados. Uma televisão, um aparelho de micro-ondas e uma cama também estão aguardando um novo dono. Ele conta que seus vizinhos se dirigem até seu estabelecimento em busca de itens variados, e que sempre arruma uma forma de conseguir o que é pedido. Mas nem só de Kombi é formado o mercado ambulante do bairro. Antônio, por exemplo, vende botijões de gás na região há 15 anos, utilizando um pequeno caminhão da empresa para a qual trabalha. Já o baiano Luis dirige uma caminhonete vinda Cristiano Soares de Parambú, no Ceará, (D), Gislaine (C) para comercializar itens e o filho Daniel (E), de cama, mesa e banho no minimercado de pelas ruas do Farrapos. sua propriedade Outro caso é de Ederson e Jael, que há quase um ano são responsáveis por revitalizar pontos de venda e recolher os canhotos da empresa de sorteios TriLegal na região, utilizando um Fiat Uno identificado com as cores da marca. Motos, carrinhos de mão, bicicletas e comerciantes a pé completam a cena dos trabalhadores que, mesmo sem um ponto de venda fixo, ajudam a movimentar a economia do bairro Farrapos. JOÃO DANIEL AITA PAULO ALBANO
Comunidade .5
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A expectativa pela Copa Apesar da desconfiança após 2014, moradores do bairro torcem para que Brasil conquiste o hexa
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Copa do Mundo anima muitos brasileiros. No Bairro Farrapos isso não é diferente. A competição, que tem seu início em junho, desperta o interesse de grande parte dos moradores da comunidade. O espírito de união causado pelo torneio e a paixão pelo futebol são alguns dos principais motivos pelos quais as pessoas têm tanto interesse na Copa. Apesar da desconfiança gerada durante a edição de 2014, a torcida pelo hexa ainda é grande. O metalúrgico Ademar da Silva Rodrigues é uma das pessoas que adora a Copa do Mundo e assiste ao máximo de jogos que puder. Contudo, pensa que, devido à violência e à insegurança, os encontros que aconteciam entre os moradores em bares para assistir às partidas, não se repetirão nesse ano. “As pessoas não se sentem seguras para sair às ruas, acho que isso vai fazer com que a maioria prefira ver os jogos em casa, no máximo se reunindo com alguns amigos mais próximos”, lamenta. Ademar se diz torcedor fervoroso da Seleção, apesar de admitir que acha difícil o
Brasil conquistar o hexa esse ano. Ficou menos confiante após a derrota por 7x1 para a Alemanha no Copa do Mundo do Brasil, em 2014. “Após a goleada, todos ficaram com um pé atrás com a seleção. Mesmo que o técnico seja outro, ainda sigo desconfiado”, conta. Ele ainda comenta que gosta de assistir aos jogos de seleções africanas, pois apesar de ser um futebol ruim, os atletas disputam com garra. “Acho que me identifico com essas seleções, pois eu também sou negro, assim, eu sempre gosto de ver os jogos e torço para sigam avançando na competição”, explica. O funcionário público, Sidinei Ibarra Ceccon discorda de Ademar sobre os encontros em bares para assistir as partidas. Segundo ele, as pessoas seguem se reunindo para ver os jogos, e isso não será diferente na Copa do Mundo. Ceccon ressalta que em jogos da seleção, principalmente durante o torneio, os bares da região costumam ter boa presença de público. “Nos jogos do Brasil o pessoal se empolga, se reúne, torce, fica um clima muito bonito de se ver, é sempre bom poder ver os jogos com os amigos”, exalta. O funcionário público também pensa que a Seleção não será campeã. Para o funcionário público, os jogadores
Ademar Rodrigues
Cildo dos Santos Pereira
Darlene Ianzer
Sidinei Ibarra Ceccon
se doarão ao máximo, mas isso não será suficiente para enfrentar as grandes equipes mundiais. Na sua opinião, a França conquistará o bicampeonato. “Vejo a França com um plantel acima das demais e acho que tem grandes chances de vencer a competição.
Infelizmente, pois queria ver o Brasil hexa”, lamenta. Ceccon diz que, para o Brasil conseguir superar os adversários, e, quem sabe, chegar ao tão sonhado hexa, Neymar precisará estar 100% física e psicologicamente. Para ele, o jogador é o referencial técnico
e será o craque na seleção na Copa da Rússia. “Neymar é o nosso melhor jogador, e com ele temos uma pequena chance de vencer. Se ele estiver inspirado na competição podemos vencer”, comenta. Outro que concorda que a Seleção não será campeã é o aposentado Cildo dos Santos Pereira. Crítico do Brasil, ele diz que existe muito “oba-oba” com a equipe e que isso a fará ser eliminada. Ele reclama também do sistema de jogo brasileiro, que prioriza a posse de bola e a troca de passes até chegar ao gol. “Não me agrada esse estilo de jogo, prefiro um time que ataque de forma mais incisiva e que vá para dentro do gol”, esclarece. A programadora Darlene Ianzer vai na contramão e diz que não assiste à Copa do Mundo. Como não gosta de futebol, prefere passar o tempo fazendo outras coisas. Se por algum período se interessou e assistia com a família, hoje procura evitar. Apesar disso, ela diz torcerá “a distância” pela seleção. “Não gosto de futebol e fujo sempre que posso, no máximo pesquiso os placares depois que os jogos acabam. Mas na copa eu prefiro que o Brasil vença, pois as pessoas ficam felizes”. FERNANDO EIFLER CARLOS MOLINA
Viver a partir da reciclagem A história de Antônio Carlos Rosa, de 58 anos, começou por sua vontade e tinha objetivo desenhado. Aos 18 anos, deixou a vida de empregado. Havia cansado de ser subordinado e das chances de empregabilidade estarem desfavoráveis para os mais pobres. Com estabilidade cada vez mais complicada de manter e até mesmo passando fome, o fundador da cooperativa contou que tinha duas opções: ir para o tráfico ou iniciar uma firma. Escolhendo a segunda opção, Antônio começou como catador. Recolhia os materiais recicláveis e vendia para as poucas empresas que compravam materiais em Porto Alegre. Logo depois, quando este mercado começou a crescer, Antônio fundou a Cooperativa
Ambiental de Serviços Comunitários (COADESC). Hoje, aos 60 anos, sendo 40 de cooperativa, Antônio conta com dez funcionárias, sua esposa e sua filha. A cooperativa é legalizada e, há cerca de 15 anos, atua com o Departamento Municipal
de Lixo Urbano (DMLU), que de extremo risco por causa leva os resíduos que reciclá- da profissão. Antes de ter a veis para as mais de dez co- cooperativa ligada ao DMLU, operativas que atuam na ca- ele tinha parceria com o Mcpital para a devida separação Donald’s, onde a empresa e venda de recicláveis. permitia que Antônio busAntônio conta que já pas- casse o lixo produzido para sou por algua separação. Na época, Fundador mas situações ele fazia a coleta com da COADESC um caminhão. trabalha com Em uma das busreciclagem há cas, ele foi assaltado: quatro décadas dois homens armados o renderam no caminhão. Antes disso, deram cerca de 12 tiros no veículo e um deles atravessou o para-brisa e atingiu o centro de sua testa. De acordo com o médico que o tratou, se Antônio estivesse apostando uma vez na loteria, ele teria ganhado sozinho. Ele nasceu pela segunda vez. Antônio ficou um ano internado por conta do acidente, mas
hoje não tem nenhuma sequela do assalto já que a bala perdeu força ao cruzar o vidro. A única prova do que aconteceu é uma marca aprofundada onde a bala atingiu. O emprego sempre foi a prioridade principal de Antônio. Analfabeto e politizado, ele acredita que a reciclagem além de auxiliar o meio ambiente, mas também pode ser fonte de renda e suprir a falta de trabalho. Ele comenta que o estado não conseguiria suprir a demanda de desemprego, mas se auxiliasse a cooperativas a crescer e dessem mais auxílio (como local apropriado e materiais como a prensa e esteira), geraria mais contratados e retiraria pessoas da miséria. JULIANA COIN RENAN LIMA
6. Comunidade
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Eles estão presentes em quase todas casas Carmen faz carinho em Seco em frente à casa
Espaço entre praça e campo de futebol também é usado para o lazer dos bichinhos
Na residência de Audrey há seis cães e Olly é o seu preferido
Animais de estimação fazem parte da vida da comunidade
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les são encontrados em quase todas as residências do bairro. Maria Helena Oliveira, apaixonada por animais, tem seis em sua casa: Guri, Neymar, Amora, Olly, Nino e Nico. Amora e Neymar são os pais de Nico e Nino, que atualmente têm um ano, completado no início do mês de abril. Os demais, incluindo os pais dos cachorrinhos, foram adotados. Além dos cães, ela também tem dois pássaros, com posse licenciada de acordo com a lei vigente, e as gatas Manu e Luna. Maria Helena revela que a casa em que mora atualmente e que pertencia a uma tia tem muita história, pois anteriormente abrigava nove gatos e seis cachorros. Dirigindo o olhar para uma de suas felinas no alto do segundo andar de
sua moradia, ela comenta o ciúme dos cães para com as gatas, que temem descer e ser alvos retaliações “Eles não chegam a brigar, é mais cena pelo ciúme de nós. Os próprios cachorros disputam nossa atenção, quando um deles está em volta da gente”. Segurando Olly, o seu xodó, a filha Audrey Oliveira sobre as organizações da causa animal que elas ajudam. “Nosso ciclo de amizade com pessoas com pet é muito grande, a gente as ajuda sempre, com ração, e quando podemos, fazemos doações financeiras”. O animal em seu colo foi o único de rua adotado pela família. Ela conta que antes da adoção a situação dele era bastante ruim, principalmente na parte higiênica. Audrey revela que ao se sentir desconfortável, Olly transpira. Guri, o último adotado que chegou no final de abril à casa da família
Oliveira, brinca bastante com os filhotinhos.
A ADOÇÃO DO PEQUENO CRAQUE
Pequeno pai de Nino e Nico, Neymar nasceu na semana entre o fatídico do jogo entre Brasil e Alemanha, pela Copa do Mundo de 2014 - talvez o pior dia da história do futebol brasileiro - e a disputa anterior, na qual o grande craque da Seleção havia contundido uma costela. O nome é uma homenagem ao jogador, feita pelo seu antigo responsável, que o doou para a família Oliveira. Neymar é o único dos cães de Maria Helena e Audrey que já veio nomeado.
NOVE EM CASA
Desde pequena muito apegada a cães, Carmen Machado mora com nove deles, praticamente todos adotados da rua e alguns em situação crítica. Dois já em idade avançada, o mais velho
com 18 anos e a segunda, — uma das duas únicas cadelinhas, — com 16 anos. Muito apegados a ela, Carmen comenta que ao ficar por dois dias fora, aos cuidados de outra pessoa, só aceitaram voltar a comer quando de seu retorno. Entretanto, dentre todos, o mais apegado mesmo, é Seco, que não pode ver sua dona ir para frente de casa, que pula muro para ficar perto dela. “Ele é o grude, onde eu estou, ele vai, fica sempre junto”, conta ela. Bóris, o último cão recentemente resgatado por ela, foi vítima de agressões constantes antes de encontrar um lar. Segundo Carmen, as crianças atiravam pedras nele. “Ele tinha medo de gente, inclusive houve resistência por parte dele, queríamos tirar ele daquela situação, dávamos ração para ele, mas ele estava amedrontado, pensava que também o machucaríamos”. Recentemente, outro
cão adotado por Carmen foi atropelado e morto ao pular o muro e brincar na frente do pátio, em ação que ela suspeita não ter sido acidental. “Eu só vi quando já havia passado por ela, mas na minha opinião foi proposital”.
A IMPORTÂNCIA DA ALIMENTAÇÃO
Proprietária de uma loja agropecuária, Cristiane Alves salienta a importância de alimentar o animal de estimação com ração, para evitar problemas futuros. “Uma boa ração previne contra doenças de pele e, no caso do gato, também contra problemas renais. Um dos agravantes para esses problemas são as comidas de humanos, principalmente pão, um veneno. Mantendo alimentação só com rações de qualidade podemos prolongar a vida do bicho”. ULISSES MACHADO OTÁVIO HAIDRICH
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Se essa rua fosse delas, elas mandariam ladrilhar
Crianças sonham com uma comunidade melhor
Paulo Henrique ajuda seus pais a recolherem o lixo de casa, um problema que considera foco de mudanças
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m meio à insegurança, ruas esburacadas e poluídas, a molecada tem a esperança de viver em um lugar diferente, cheio de cores, flores, músicas e doces. Muitas vezes acostumados com a realidade na qual vivem, os pequenos não conseguem compreender totalmente o cenário que passa pelos seus olhos, mas na visão de Paulo Henrique Fagundes, de 8 anos, que puxava um carrinho de mão, no sábado 5 de maio, como forma de ajudar seus pais a recolherem o lixo de casa, o tráfico de drogas no bairro, além de tumultuar as ruas, gera muita violência e desconforto. Paulo anseia por uma comunidade que conviva em paz. Apesar dos perigos, se faz presente o movimento de crianças nas praças, andando de bicicleta e jogando bola, ainda que em número mais reduzido. Suas atitudes são mais cautelosas, principalmente na aproximação de pessoas estranhas. “Corre!”, gritou um dos garotos, quando as repórteres do Enfoque tentaram aproximação, no mesmo sábado. Uma mãe, que preferiu permanecer anônima, contou contou, pela visão de seus quatro filhos, que eles não mudariam a realidade da rua, pois ela não permite que a frequentem. A rotina de seus quatro filhos varia entre escolas em um turno e no outro ficam em casa com ela, que tem medo das disputas de rua. “Se eles querem andar de bicicleta é na frente de casa e somente quando eu estou sentada na calçada para observá-los”. A mãe acredita que é necessário evitar que
os filhos tenham contato com essa realidade conflitante, para impedir que façam escolhas erradas. Questionada se algo poderia ser feito, revelou que não espera grandes mudanças. “Há poucos policiais, o foco deles é na Avenida que dá acesso à Arena do Grêmio. Quando chegam, todos se escondem em suas casas, mas logo a prática violenta retorna.” Se Kerellyn Victoria Marques, de 5 anos, tivesse su-
perpoderes, todas as casas seriam de tijolos, coloridas e com muita natureza. A menina sente o desejo de reconstruir o que foi devastado após um enorme incêndio ocorrido na madrugada de 27 de janeiro de 2013 e que destruiu mais de 150 casas e desalojou inúmeras famílias. Emergencialmente, a Prefeitura doou diversas casas de papelão, que teriam a durabilidade de um ano, mas permanecem como
abrigo cada vez mais precário, cinco anos depois. Além disso, Kerellyn sonha em viver em um lugar onde os animais não sejam abandonados e as ruas se mantenham limpas, pois atualmente é “muito suja”. O grande acúmulo de lixo nas calçadas e o odor que os esgotos expostos geram desagradam não só ela, como muitos que vivem por ali. Seu primo, Davi Camargo, de 8 anos, também queria
Com olhar esperançoso, os primos Kerellyn e Davi sonham em viver em um bairro mais bonito e seguro
CORA ZORDAN
fazer uma estrada, para poder andar de bicicleta e se locomover até a sua escola. O menino, que adora pedalar pelo bairro, gostaria que as ruas fossem calçadas e com ciclovias, para facilitar o meio e conviver em um ambiente mais agradável. Se a rua fosse do Paulo Henrique, da Kerellyn e do Davi, além de mais bonito, seria um local com muito mais espaço e segurança para suas brincadeiras tão divertidas. Afinal, existe algo melhor do que brincar? CORA ZORDAN MARIA JULIA POZZOBON CAROLINA SANTOS
ENFOQUE BAIRRO FARRAPOS S
PORTO ALEGRE (RS)
MAIO/JUNHO DE 2018
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Ser Mãe é...
er mãe é o trabalho mais difícil do mundo, é estar presente 7 dias por semana, 24 horas por dia. Ser mãe é amar cegamente e incondicionalmente. Ser mãe não é ser perfeita, é também errar. Ser mãe nem sempre é esperado, as vezes vem como uma surpresa. Ser mãe não é só alegria, é também preocupação. Ser mãe é colocar-se em segundo lugar, e também enxergar que não poderá prover tudo aquilo que gostaria de dar. Ser mãe não é determinar o caminho para os filhos, mas sim en-
sina-los a caminhar sozinhos. Mãe é além daquela que dá a luz, é aquela que cria, com carinho, afeto e cuidado, é amar sem esperar algo em troca. Na comunidade do Bairro Farrapos diversos tipos de mães são identificadas: as mães de primeira viagem, as mães mais velhas, as mães cujos filhos não estão mais aqui, as mães solteiras, as mães com muitos filhos, as mães com só um filho... Algumas mães da comunidade compartilharam um pouco sobre suas histórias de vida, suas difi-
culdades, suas batalhas, alegrias e como conciliam ser mãe, trabalhadora e dona de casa. Apesar das diferenças entre as mães, em todas se percebe o mesmo amor, os mesmos medos e as mesmas preocupações para criar e educar seus filhos. LUÍSA CAYE JULIA SCHUTZ LUISA CAYE VALENTINA WAGNER JULIA SCHUTZ
LUISA CAYE
VALENTINA WAGNER JULIA SCHUTZ
LUISA CAYE