Enfoque Bairro Farrapos 2

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ENFOQUE BAIRRO FARRAPOS

PORTO ALEGRE / RS ABRIL/MAIO DE 2018

EDIÇÃO

O FUTURO SEGUE INCERTO

Vítimas do incêndio de 2013 seguem em situação precária. Página 3

CARLOS MOLINA

CAROLINA SANTOS

LUCAS BRAGA FREITAS

SONHOS INFANTIS DRIBLAM A REALIDADE COM GOLEADAS DE ESPERANÇA NO FARRAPOS PÁGINAS 4 e 5

VALENTINA WAGNER

ELES BATEM UM BOLÃO

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DEDICAÇÃO MATERNAL

A história de uma mãe ainda jovem que vive para os cinco filhos. Página 6

ALEGRIA EM AJUDAR O PRÓXIMO

Técnica em enfermagem é protagonista de projetos sociais na comunidade. Página 7


2. Crônica/Opinião

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ENFOQUE BAIRRO FARRAPOS | PORTO ALEGRE (RS) | ABRIL/MAIO DE 2018

Os impactos da fé

m uma tarde do dia 7 de abril, um casal parado em uma praça chama a atenção. O jovem carregava uma bíblia nos braços. A moça, sorria timidamente. Nos aproximando para entregar um Enfoque, aproveitamos a deixa e perguntamos sobre eles. Estavam indo para a Comunidade Cristã Igreja do Deus Vivo, onde fariam uma sequência de 7 horas de oração, seguido por um culto. A igreja, localizada na comunidade Liberdade, faz também ações sociais para ajudar a população. Uma das ações é de alimentar pessoas das filas de espera no Hospital Cristo Redentor. Outras atividades são voltadas para a população mais pobre: são produzidas, com auxílio de outros fiéis, cestas básicas para as famílias que não tem condições. Quando nós e o casal - Caroline Mendes, de 20 anos, e Thiago João Fernandes, de 21 - nos aproximamos da instituição, o líder de jovens, Matheus Elias Carvalho, de 22 anos, chegou ao mesmo tempo. Ele nos explicou que é filho do pastor, que veio de outra instituição religiosa (a Igreja Quadrangular) e como a igreja funciona. Thiago comentava que a instituição tem um papel muito importante dentro de uma vila: “eu vejo mais do que um lugar onde acontecem cultos. A igreja que tem um conhecimento e tem uma caminhada, ela tem um papel de agente de trans-

formação, ou seja, a gente acredita que Deus é um Deus vivo, e acredita que ele possa tocar, transformar, curar”. Em um certo momento, o líder de jovens explicou o ponto de vista da igreja sobre questões polêmicas como a homossexualidade: “Nós percebemos que jovens que têm essa vontade possuíram uma dificuldade na infância. Nós iniciamos aqui um processo de cura. É um processo de desenvolvimento, nós achamos que o conhecimento pleno de Deus vai desenvolver o nosso comportamento. Não é nada forçado. Está relacionado ao conhecimento das escrituras”. Ele afirmou que a Igreja aceita todas as opções, que Deus diz que devemos respeitar todas as pessoas independentemente de como elas são e das escolhas que elas fazem. Talvez o que mais impactou a equipe seja a forma como a igreja e a religião unem as pessoas pelo fato de serem acolhedoras. Entretanto, até onde a religião questiona uma individualidade enquanto auxilia pessoas a sobreviverem? O benefício para a população local é de extrema importância. Eles salvam vidas. Eles propõem diversas curas. Mas o que são as doenças? JULIANA COIN RENAN LIMA

RECADO DA REDAÇÃO

ENTRE EM CONTATO

Vida real

Débora Lapa Gadret (Coordenadora do Curso de Jornalismo) (51) 3590 1122, ramal 3415 / dgadret@unisinos.br

Além de ser o resultado prático de uma atividade acadêmica, o Enfoque Bairro Farrapos é uma oportunidade de apresentar, de forma um pouco mais aprofundada, ao ambiente universitário e à própria comunidade, parte da rotina e algumas biografias que compõem um dos 94 bairros do município de Porto Alegre. Na segunda fase desta missão, os alunos-repórteres saíram mais uma vez às ruas do Farrapos para descobrir os meandros de uma comunidade que, se tem seus problemas, também guarda alegrias e gente com motivos para sorrir. Ao entender isso, um dos grandes desafios de nossa equipe foi o de tentar superar uma visão estigmatizada do bairro Farrapos, construída, mais das vezes, por uma tentativa inconsciente de demonstrar empatia com o próximo. Apesar de referenciada em bons sentimentos, essa simplificação torna a observação limitada e, na maioria das vezes, desconexa da realidade. Nesta edição, o cuidado foi redobrado, já que nossas matérias abordam temas bastante caros aos moradores do Farrapos, como a relação com a fé, os problemas de infraestrutura, a presença infantil no bairro e exemplos de pessoas que vivem o cotidiano da comunidade. Talvez seja esse o ponto mais importante a se ressaltar: este jornal fala, sobretudo, de pessoas. E das tantas boas histórias guardadas em um pedacinho de Porto Alegre. Para além da classe social, das dificuldades e de qualquer estigma apressado, nossas matérias são sobre gente que, como todos nós, carrega consigo erros, acertos, virtudes e contradições. E isso, ao cabo, é o que nos torna humanos. O Enfoque Bairro Farrapos deseja a todos uma boa leitura. PAULO EGÍDIO Editor-chefe

DATAS DE CIRCULAÇÃO

Luiz Antônio Nikão Duarte (professor responsável) luizfd@unisinos.br

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7 de abril

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5 de maio

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2 de junho

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Bairro Farrapos é um jornal experimental dirigido à comunidade do Bairro Farrapos, em Porto Alegre (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições a cada semestre e distribuídas gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre.

CONTEÚDO Disciplinas Jornalismo Cidadão e Fotojornalismo Orientação Luiz Antônio Nikão Duarte (texto) e Flávio Dutra (fotografia) Edição geral (chefia) Paulo Egídio Edição de fotografia João Daniel Aita Reportagem e edição: Cora Zordan, Fernando Eifler, João Daniel Aita, Juliana Coin, Maria Júlia Pozzobon, Paulo Egídio e Ulisses Machado Fotografias: Carlos Molina, Carolina Santos, Josiane Skieresinski, Juliana Schutz, Luã Fontoura, Lucas Braga, Luísa Caye, Renan Lima, Otávio Haidrich, Paulo Albano e Valentina Wagner ARTE Realização Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização Marcelo Garcia Diagramação Nathalia Haubert

IMPRESSÃO Realização Gráfica UMA Tiragem 1.000 exemplares

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Av. Dr. Nilo Peçanha, 1600 - Boa Vista - Porto Alegre (RS). Cep: 91330 002. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Próreitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Graduação: Tiago Lopes. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Débora Lapa Gadret.


Comunidade .3

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Famílias vivem em condição insalubre Situação precária é realidade desde o incêndio que atingiu a Vila Liberdade em 2013

É

uma situação nem um pouco engraçada. A casa que tem teto, mas não tem porta e janelas, resiste há cinco anos no meio de outras do mesmo tipo em um corredor (que os moradores chamam de rua) de um beco às margens da FreeWay, no bairro Farrapos. A realidade precária do lar de Adriana Freitas, mãe de seis, mas que vive com quatro filhos, é insalubre e beira o desumano. Cercada por esgoto a céu aberto, ratos, cães e muitos mosquitos, a residência foi erguida logo após o incêndio que destruiu boa parte da Vila Liberdade, no final de janeiro de 2013. A realidade é bem semelhante à vivida pela Dona Tânia da Silva, que teve sua história contada na última edição deste jornal. Com paredes feitas de madeira compensada e telhas de baixa qualidade, que encharcam e quase desabam em dias e noites de chuva, Adriana diz que as famílias que lá moram estão abandonadas pelo

poder público. Cercados por cães, adultos e crianças da região convivem com a infinidade de moscas e mosquitos que são atraídos pelo mau cheiro do esgoto que corre por baixa dos casebres erguidos. Quando chegaram ali, segundo Adriana, a prefeitura de Porto Alegre ofereceu duas possibilidades para que ela e sua família tivessem um lugar para chamar de casa. A primeira, que foi negada, é o pagamento do aluguel social, recurso do poder municipal pago mensalmente para famílias sem moradia. Como o auxílio é mantido por apenas seis meses, o medo do desemprego e a falta de dinheiro para futuros pagamentos motivaram a recusa. A segunda alternativa foi a de construir uma casa temporária. Com a promessa de a situação ser resolvida em até um ano, Adriana e seu marido não pensaram duas vezes. Desde então, um ano se passou e nada foi resolvido. Inúmeros contatos foram feitos com a prefeitura e o Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), mas todos sem respostas ou solu-

ções efetivas. A promessa de que casas serão construídas continua só no papel. Adriana diz que lembra, com saudades, da sua vida antes do fatídico incêndio de 2013. “Era uma casa boa, seis cômodos, pátio grande. Hoje é isso aqui”, lamenta. Sobre a atual moradia, ela lista uma série de reclamações, como a insegurança do local quando venta mais forte e a obrigação de levantar o telhado com uma vassoura para que a água da chuva escorra. A moradora reclama ainda das temperaturas extremas no inverno e no verão, e dos ratos que roem paredes e móveis da casa. Preocupada com o futuro de seus filhos, Adriana encontrou na Fundação Fé e Alegria um lugar para que as crianças possam sonhar com uma realidade diferente da que vivem hoje. A organização fica há poucas quadras da casa da família, recebe jovens e crianças no turno inverso ao escolar oferecendo alimentação, atividades de reforço escolar e assistência social.

Estreito e com esgoto a céu aberto, corredor serve de passagem a animais e moradores entre as casas de assentamento

JOÃO DANIEL AITA LUCAS BRAGA

Alagamentos constantes após Arena O auxiliar de depósito Josimar Silveira tem uma grande tragédia pessoal causada pelas inundações: a perda total do seu carro.Voltando do município de Cachoeirinha, onde trabalha, em um dia que estava chovendo em Porto Alegre, ao entrar na rua em que mora, o veículo apagou completamente. Com fotos, ele mostra que a água

ultrapassava o para-choque de seu carro e conta que, ao desembarcar, ela já atingia os seus joelhos. O veículo acabou por ser vendido por “poucos trocados” a um ferro velho. Josimar diz que, após as obras da Arena do Grêmio, a alguns metros de distância de sua moradia, a água passou a atingir níveis mais altos. Para

Lixo cobre o esgoto em uma das ruas mais afetadas

ele, porém, esse é apenas um dos problemas do empreendimento. “O policiamento em dia de jogo é enorme em torno da Arena. Mas a organização, a manutenção da limpeza, a prefeitura só realiza ali por volta e apenas um dia antes do jogo”, afirma o auxiliar. A pensionista Terezinha Catarina da Silva, moradora do bairro há 33 anos, aponta como principais culpados dos alagamentos a construção do estádio e a falta de cuidado da comunidade com a higiene do local. Sua casa fica na quadra mais afetada pelas enchentes, onde as residências têm entradas elevadas como padrão de construção.“Antes do estádio, a água ia até a metade da calçada. Agora, chegou no portão. A prefeitura só começa a tomar providência quando a água já está

entrando dentro de casa”, conta, do alto de sua calçada. “Eu fico com pena dos vizinhos da frente, que têm calçada pequena. A água entra dentro da casa e eles precisam sair para trabalhar ainda de manhã”, relata, indicando com os dedos marcas das enchentes na casa. Os comerciantes Jorge da Rosa e Neuce da Rosa já tiveram prejuízos sérios e ficaram até três dias sem atividades, pois os clientes de seu salão de beleza não tinham como de chegar ao local devido as condições da rua. Jorge também confirma que houve casos de alguns colegas proprietários de empresas na região que perderam material. “Chega a ficar dois dias cheio de água, o que atrasa e sempre dá prejuízo financeiro. A perda de material geralmente acontece na região do meio do bairro, que

fica numa bacia”, explica. Já a dona de casa Geneci Lara, que reside a pouca distância do estádio do Grêmio, revela que apesar do rumor, dentro da comunidade, de que a estrutura hidráulica da Arena estava afetando o escoamento pluvial, nenhum dos órgãos que verificaram a obra - e receberam reclamações pelos ocorridos - constataram erro. Mesmo confirmando o aumento do volume de água, ela acredita que muita coisa se deve à falta de comprometimento da comunidade com a higiene da rua e alega que uma tentativa de reeducação ambiental não surtiria efeito ali. “Nunca houve uma grande campanha, mas já teve pedidos e as pessoas não ouvem.” ULISSES MACHADO OTÁVIO HAIDRICH


4. Enfoquinho

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Sonhos d Super-heróis. Desenho animado. Princesas. Brincadeiras. Futebol. Polícia e ladrão. É assim que as crianças do Bairro Farrapos aproveitam a infância, sem deixar de manter os olhos no futuro

Palavras:

Policial - Professor - Médico - Veterinário - Cantor

JULIA SCHUTZ

VALENTINA WAGNER

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VALENTINA WAGNER

maioria sonha em ser policial, considerado um exemplo de segurança, porque colocam ordem na comunidade, vivendo em um mundo onde a violência é retratada como uma coisa romântica, capaz ser resolvida pela simples presença de um super-herói ou divindade, que, de repente, irá surgir do nada, ou sempre que solicitado for. É o caso de Tamires da Rosa, de 7 anos, que quer trabalhar com a segurança das pessoas quando crescer, pois, acredita que os policiais protegem as crianças do bairro. Lucélia da Rosa, 37 anos, mãe da menina, conta que ela fica encantada cada vez que vê um policial circulando pela rua. Além disso, Tamires adora ir para a escola e realizar as atividades que a professora passa no quadro. A ajuda de Daniela, a irmã mais velha, de 11 anos, nessas horas, é fundamental. Ela auxilia os irmãos mais novos e a mãe nas atividades domésticas. Além disso, ama os animais e sonha em ser veterinária.“Para ser uma pessoa boa na vida a gente sabe o quanto precisa estudar e saber escutar a mãe e a professora”, diz a menina. Para Nicolas, de 10 anos, estudante do quarto ano, os policiais podem ter arma, carro e são do bem. Longe das ruas, o menino adora assistir desenhos animados e jogos no seu celular, como o Minecraft, que permite a construção usando blocos dos quais o mundo é feito. Essa é a diversão preferida do menino no turno da tarde, já que estuda de manhã. Bob Esponja e Scooby Doo estão entre alguns dos desenhos que Nicolas e sua prima Brenda adoram assistir no seu tempo livre. Brenda, de 7 anos, uma menina serelepe que ama dançar, é fã da Anitta e sua música favorita é “Para ver se Cola”, da banda Trem da Alegria e readaptada para a novela “Cúmplices de um Resgate”. “Tenho até um vídeo meu cantando”, se anima. A avó, Jandira Santiago, revela que a menina é muito dedicada com seus estudos na Escola Souza Lobo e pensa em ser médica para poder cuidar das pessoas e da saúde de quem fica doente. Kevin, de 12 anos, se interessou em ser policial


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O ALEGRE (RS) | ABRIL/MAIO DE 2018

LUISA CAYE

Para colorir

de criança quando eles foram visitá-los na sua escola. “Os seguranças protegem as crianças e incentivam a seguir um bom caminho, longe das drogas e dos coisas ruins”. No tempo livre, o menino gosta de andar de bicicleta, de jogos online e de ler quadrinhos. Na escola, prefere informática e educação física. “Estudar nem sempre é divertido, mas é importante para ter as coisas”. Everton da Rocha, de 7 anos, conta com muita alegria o apelido que tem no bairro, o Ne. O menino ama andar de balanço e brincar de pega-pega. Quando crescer, ele pretende trabalhar no posto de saúde da comunidade para poder ajudar os doentes e todos os que precisam. “A professora enche o quadro de atividades e eu sempre copio tudo”. Everton já sabe que para um dia poder trabalhar no postinho, precisa estudar muito e se dedicar na escola. Entre uma conversa e outra, os meninos se aproximam para jogar bola e aproveitar o sábado de sol para brincar juntos. O amigo de Everton, Gustavo, de 9 anos, estuda na Escola FamelloEscola Estadual de Ensino Médio Carlos Fagundes de Mello, sonha em ser um grande jogador de futebol um dia e se imagina jogando na Arena do Grêmio, junto do seu time de coração. Apesar das dificuldades com os estudos, ele se destaca no esporte e está muito feliz por entrar para a escolinha do tricolor. O menino mora com o seu tio, que o incentiva nas suas atividades e empresta a sua bola de futebol para que ele possa se divertir no campinho próximo de casa. Nicolas acredita que a comunidade é um lugar tranquilo para se morar e que dispõe de espaços que as crianças podem aproveitar. Christopher, de 5 anos, gosta muito do Homem Aranha e de subir em árvore. Apesar das tecnologias e de jogos de videogame, ainda se vê no bairro muitas brincadeiras, histórias, personagens e esportes. Criança brinca, inventa e sonha, mas também tem que fazer o que a mãe manda e estudar direitinho, pois o conhecimento abre muitas portas e traz oportunidades incríveis. CORA ZORDAN MARIA JÚLIA POZZOBON VALENTINA WAGNER LUISA CAYE JULIA SCHUTZ

r, e s e d o p Tudo r a t i d e r c a a t s a b ó m s e v e r p m se o h n o . s . . . . O r a h n o s m e u q a pr


6. Gente

ENFOQUE BAIRRO FARRAPOS | PORTO ALEGRE (RS) | ABRIL/MAIO DE 2018

Uma mãe brasileira Kátia Ferraz simboliza atarefada rotina das donas de casa de todo o País – e também do Farrapos

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s gêmeos João Lucas e Luis Miguel já estavam despertos quando a reportagem do Enfoque chegou ao Bairro Farrapos, na manhã de sábado, 7 de abril. Com apenas um mês e meio de vida, os bebês nascidos em 19 de fevereiro são duas das crianças que vão passar a infância por lá – e ajudam a manter a localidade entre os bairros com maior população infantil em Porto Alegre. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de crianças no Farrapos cresceu de 12,23% para 20,48% da população entre 2000 e 2010. O índice vai na contramão do número geral de Porto Alegre que, no último censo, registrava a taxa em 14,5% - o que a torna a segunda capital brasileira com menor presença infantil entre seus habitantes. Nascidos prematuros, na 36ª semana de gestação, os bivitelinos (como são chamados os gêmeos desenvolvidos em placentas diferentes) residem em uma casa de pouco mais de 60 metros quadrados na Rua Antônio Zago, no coração do Farrapos, e são cuidados atentamente pela mãe, Kátia Oliveira Ferraz. “Ela é muito atenciosa, bem mãezona”, conta o sobrinho Wesley Ribeiro Flores, de 18 anos. Comparada com as habitações do Farrapos, a residência tem um bom padrão. Duas televisões de tela plana, forno de micro-ondas e móveis aparentemente novos compõem o cenário do imóvel, dividido por João Lucas e Luis Miguel com os pais, três irmãs e, por ora, o primo, que ajuda nos afazeres domésticos – o que torna difícil para Kátia colocar tudo em ordem. Ela está há apenas dois anos morando no local, mas viveu os 31 de sua vida no bairro da zona Norte de Porto Alegre. Antes Os pequenos dos gêmeos, teve João Lucas três meninas: Mel e Luis Miguel, na Raíssa, atualmente companhia da com 14 anos, Mari- irmã Giovana na, de seis e Giovana, de dois, superando em muito a taxa de fecundidade média de Porto Alegre, que, em 2010, era de 1,5 filho por mulher em idade reprodutiva. Receptiva, Kátia atendeu o Enfoque enquanto

Rotina é dedicada aos cinco filhos, em especial aos gêmeos com menos de dois meses de idade

amamentava os pequenos que, segundo ela, ainda deveriam estar dormindo. “Se eu pegar a vassoura na mão ou uma louça para lavar, eles acordam”, relata. Enquanto a filha mais velha e o sobrinho tomam conta da casa, sua rotina é dedicada quase exclusivamente aos bebês. Promotora de vendas em um posto de combustíveis, ela teve de largar o emprego para os cuidados durante a gravidez, que foi de risco. “A cada dois ou três dias eu ia no Fêmina ou no Presidente Vargas”, lembra, fazendo referência aos dois hospitais públicos da capital gaúcha especializados no atendimento ginecológico e obstétrico. Há seis meses morando com os tios, Wesley é um dos responsáveis pelas atividades domésticas enquanto Kátia cuida dos filhos. Preparando o almoço do dia, ele lista as tarefas que realiza junto à prima. “Lavo a casa, lavo louça, varro o pátio...”, conta o jovem de 18 anos que aguarda chamado para ingressar na Aeronáutica. “Um dia eu, um dia a filha dela (Raíssa), cada um faz um pouco”, completa o rapaz, que ressalta a dedicação de Kátia com as crianças.

FUTURO INCERTO

Se a vida pessoal “sempre pode melhorar”, Kátia não se mostra esperançosa para o futuro do país onde crescerão seus cinco filhos.“Com a prisão do Lula, tamo ferrado”, diz, em referência à determinação da detenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cumprida naquele sábado. A dona de casa esperava votar em Lula nas eleições presidenciais de outubro, apesar da condenação do petista em duas instâncias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. “Roubar todos roubam, é inevitável. Sobe pracabeça, isso é do ser humano. Mas ele fez muitas coisas pelos pobres”, justifica Kátia, acrescentando que é beneficiária de programas criados nos governos de Lula. “Não posso cuspir no prato que comi”. O sobrinho Wesley também diz que pretendia votar no ex-presidente, com esperança de que “a vida melhore”. A opção eleitoral, no entanto, parece contraditória com sua expectativa para o futuro. “Tu já deves ter ouvido muito: um Brasil sem corrupção”. PAULO EGÍDIO CAROLINA SANTOS


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O cativante desejo de fazer o bem Com forte sentimento de comunidade, Vania Lúcia não mede esforços para ajudar o próximo

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ania Lúcia Fabian caminha alegremente em direção ao mercado local para comprar pães e leite para seu café da manhã. Ao retornar para casa prepara um sanduíche e um café, enquanto, cuidadosamente, cozinha um molho, que seria servido junto com cachorros-quentes, no Carnaval ocorrido na comunidade no final daquele dia. Ela tem orgulho ao dizer que essa celebração foi feita com a união dos moradores locais. O sentimento de comunidade é bastante vivo dentro da técnica de enfermagem e costureira, de 65 anos, que vive no Bairro Farrapos, nas proximidades da Arena do Grêmio, há 39 anos. Em sua casa é possível encontrar muitos tecidos espalhados em uma sala. Ela conta, com brilho no olhar e sorriso no rosto, que esses são os materiais utilizados para costurar sacolas, panos, lençóis, cobertores, e outros produtos. Também explica que muito desse material é fruto de doações. E faz questão de retribuir, doando grande parte do que produz, para pessoas necessitadas. Alimentada pelo desejo de ajudar quem precisa, Vania participa de projetos que visam melhorar a comunidade. Um deles é o Jogo Limpo, Bairro Limpo, que é uma parceria entre Grêmio e Prefeitura, com o objetivo de resolver os problemas com acúmulo de lixo após os eventos que ocorrem na Arena. Ela também integra o projeto do Banco Mundial, Convivendo com Inundações, que busca entender o que pode ser feito para resolver os problemas das enchentes no bairro. A técnica de enfermagem informa que já teve a casa inundada. Em uma das vezes, ela perdeu alguns de seus móveis. “Na última vez perdi meus dois roupeiros, eu não estava quando a chuva chegou, e quando voltei para casa já era tarde”, lembra. Mesmo com a perda, ela não se abalou, e conta que participa dos projetos, pois quer evitar que as pessoas passem

pelo que ela passou. “Quero poder ajudar as pessoas, sempre gostei de fazer isso, para que minhas experiências ajudem quem precisa”. Ela diz que seu desejo de ajudar não se restringe à comunidade em que mora. Onde tem alguém precisando, tenta ajudar. Assim, auxilia em iniciativas como o Café da Manhã Social, que busca fazer uma espécie de acolhimento com pessoas em situação de rua. Nesse projeto, essas pessoas ganham café e lanche, além de uma série de ações que visam melhorar suas condições de vida.

OS RUMOS DA VIDA

Vania Lúcia é natural de Frederico Westphalen, onde passou boa parte da juventude e começou a trabalhar. O primeiro emprego foi como professora municipal em Iraí, cidade ao norte do Rio Grande do Sul, entre os anos de

Vania guarda em uma sala os tecidos doados que utiliza para fazer suas costuras. Nas mãos, quadro pintado por ela durante uma oficina de artes ministrada por uma ONG alemã

1972 e 1976. Em 20 de Setembro de 1977, grávida, mudou-se para Porto Alegre. “Eu tinha emprego garantido como faxineira na cidade, com isso decidi me mudar para a capital em busca de uma vida melhor”, explica. Passou um ano morando no emprego, e depois optou por ir em busca da casa própria. No início de 1980 foi trabalhar em uma lancheria, local no qual ficou pouco tempo, tendo ido, no final do mesmo ano, trabalhar como copeira na Clavesul,

atual Emater. Lá ficou por alguns anos. Ainda nos anos 1980, ela fez curso de auxiliar de enfermagem, seguido por um de técnico em enfermagem, e em 1990 conseguiu uma vaga na Santa Casa de Porto Alegre, onde ficou até 1996. Trabalhou também em clínicas geriátricas e há cerca de 20 anos atua como técnica em enfermagem em consultórios médicos de Porto Alegre. A costureira se aposentou pelo INSS em 2002, mas nunca deixou de trabalhar. Ela diz que não se vê parada, pois estando em atividade se sente útil. “Eu sempre gostei de trabalhar com a enfermagem, desde nova, então enquanto eu puder seguirei trabalhando”, comenta.

CHEGADA NO BAIRRO

Ela mudou-se para o bairro Farrapos em 1979, após

passar por muitas moradias diferentes. Chegou à comunidade por necessidade, graças ao que ela chama de “regime de mutirão”, no qual as mães solteiras tinham prioridade na ocupação das casas, desde que ajudassem na construção. Por ter um nível de ensino um pouco acima dos outros moradores da época, ela trabalhou na parte de distribuição de materiais. Com isso, se inseriu no bairro de vez. Hoje, não se imagina morando em outro lugar, e não pensa em abandonar a comunidade. “Estou bem aqui, tenho pessoas que me ajudam e eu ajudo quem eu posso. O nosso bairro tem esse sentido de comunidade, então não preciso sair daqui”, comenta Vania, sorridente. FERNANDO EIFLER CARLOS MOLINA


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PORTO ALEGRE (RS)

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Lugar de viver LUÃ FONTOURA

LUÃ FONTOURA

LUÃ FONTOURA

PAULO ALBANO

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inda que a vida seja árdua, nem só de dificuldades vive a comunidade do Bairro Farrapos. Aqui encontramos lutas e sonhos. Ouvimos (e vemos) trajetórias inusitadas de vida, na quais se planejam possibilidades para um futuro (que seja!) sempre melhor. Histórias como a de Ademar, que viveu algum tempo em Israel, de Mara Soares, uma das moradoras mais antigas da região, de Celina e seus famosos quitutes, de Adão, que anda pela praça no sábado de manhã, ou de Vania, com seu constante empenho para a melhoria do bairro. O Farrapos representa para essas pessoas não apenas um lugar para morar, mas o ambiente de vidas em construção. Uma população humilde e batalhadora, com a esperança de que dias melhores estejam por chegar.

LUÃ FONTOURA

PAULO ALBANO


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