Enfoque Ocupação Justo 7

Page 1

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO

SÃO LEOPOLDO / RS ABRIL/MAIO DE 2020

EDIÇÃO

7

THALES FERREIRA

A JUSTO QUASE LÁ! MOBILIZADA, A COMUNIDADE OBTEVE O DECRETO DE REGULARIZAÇÃO, ASSINADO PELO PREFEITO ARY VANAZZI Página 7 BRUNA SOARES

ARQUIVO PESSOAL / LALÊNIA CARDOSO

VIVER PARA OS OUTROS

PARCERIA E PROTEÇÃO

Mackarena, Mariana, Cristina: pelo direito à dignidade. Página 3

Neli é uma das costureiras que faz máscaras para distribuir. Página 5

DIVULGAÇÃO / COOPERATIVA

FÁBRICA DE LIMPEZA

Cooperativa de mulheres produz sabão com óleo usado. Página 6


2. Editorial

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

MOVIMENTO JUSTO

A

Entre lutas antigas e novos desafios

sétima edição do Enfoque Ocupação Justo está marcada por uma particularidade. Feita sob a pandemia do novo coronavírus, a tradicional visita dos repórteres à comunidade não ocorreu. As matérias foram produzidas à distância, graças

ao apoio e à receptividade dos moradores, que também enviaram fotos. Ainda comemorando a vitória representada pela publicação do decreto municipal de regularização fundiária, a vila logo passou a viver sob o isolamento social. Essa situação trouxe

à tona outras preocupações. Os moradores contam como estão adaptando suas vidas e superando os novos desafios. Praticamente sem ajuda do poder público, eles mostram a solidariedade que há na vila, simbolizada na foto desta página. Organizada e

ativa, a comunidade arrecada e distribui alimentos aos carentes, produz e distribui máscaras, sabão para a higiene em tempos de pandemia. E uns ensinam aos outros como usar o aplicativo para obter o auxílio federal. Esta edição atípica do Enfoque é também um

memorial das conquistas e das novas reivindicações da comunidade, para que os moradores possam se enxergar como parte dessa história. Boa leitura! ANDRESSA MORAIS BRUNA LAGO GRÉGORI SORANSO

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Ocupação Justo é um jornal experimental dirigido à comunidade da Ocupação Justo, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares e três edições por semestre, é distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo.

EDIÇÃO E REPORTAGEM Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Pedro Luiz S. Osório (posorio@unisinos.br). Edição: Andressa Nicolly Morais da Silva, Bruna Larissa Lago, Caren Lopes Rodrigues, Frederico Barasuol Wichrowski Dias, Grégori de Moraes Soranso e Tainara Braga Pietrobelli. Reportagem: Andressa Nicolly Morais da Silva, Bruna Larissa Lago, Bruno Ferreira Flores, Caren Lopes Rodrigues, Fabrício Santos dos Santos, Frederico Barasuol Wichrowski Dias, Grégori de Moraes Soranso, Juliana Elisa Matte Borgmann, Régis Bittencourt Viegas, Renan Cassiano da Silva Neves e Tainara Braga Pietrobelli.

ARTE Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia.

IMPRESSÃO Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Sérgio Eduardo Mariucci. Gerente dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Micael Vier Behs.


Solidariedade .3

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

Um trabalho de amor que faz diferença na Justo ALEJANDRA MALET

Sempre presentes na Vila, as Missionárias do Cristo Ressuscitado oferecem apoio concreto, aconselhamento e reflexão

“C

onstruir um mundo novo só é possível com a colaboração de todos”. Esse é um dos pensamentos da coordenadora da comunidade das Missionárias de Cristo Ressuscitado, Maria Cristina Giani. Hoje com 53 anos, Maria Cristina, que se consagrou ao grupo das Missionárias aos 21, prestava serviços sociais a comunidades carentes no Uruguai, desde os 19 anos. Porém, antes disso, já buscava uma maneira de ajudar o próximo com um trabalho significativo. No Brasil desde os anos 2000, ela e mais duas integrantes da comunidade [Mariana Szájbély, argentina e Mackarena Tapia, chilena] das Missionárias de Cristo Ressuscitado atuam na comunidade com atividades dedicadas a crianças, jovens e adultos, com um foco especial às mulheres, muitas delas, mães de família em situação de vulnerabilidade social. Cristina relata que o início do trabalho das missionárias esteve direcionado a comunidade São Jorge, situada próximo à avenida Mauá, em São Leopoldo. Com o início das obras que construíram a estação Unisinos, a comunidade precisou se dividir e migrar para outros pontos, e foi assim que, aos poucos, a Ocupação Justo passou a existir, sempre contando com a assistência das missionárias para encontrar soluções às necessidades que surgiam.

DIGNIDADE

Toda pessoa tem direito a dignidade, e é nesse contexto que a comunidade das missionárias busca maneiras de melhorar o cotidiano das mais de 2.500 famílias situadas na Justo. Nos jovens, as missionárias veem a importância de neles investir tempo, já que além de necessidades básicas eles são, também, agentes potenciais para a mudança no mundo e cuidado de pessoas. Por esse motivo, acontecem encontros no galpão da comunidade, conhecido como Tenda do Encontro. Lá, ocorrem atividades de reforço escolar e alfabetização. “Quando ajudamos, re-

A missionária Maria Cristina e crianças da vila, na festa de Natal realizada no final do ano passado cebemos muito mais”, diz Cristina, sobre o esforço e a dedicação do grupo para auxiliar a comunidade em suas necessidades, que muitas vezes vão além de alimentação e moradia. Nesse caso, o papel das missionárias está em apoiar, aconselhar e refletir junto aos moradores. A partir dessa preocupação com a situação de cada membro da Justo, nasceu a cooperativa Mundo Mais Limpo, criada há mais de dez anos junto com mulheres do bairro. O trabalho principal da cooperativa é reutilizar óleo de cozinha para fazer produtos de limpeza, ação fundamental para a geração de renda das famílias. Para exercer o trabalho na comunidade, as missionárias têm o apoio da prefeitura de São Leopoldo, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, da Se-

foi criada para organizar equipes na Tenda do Encontro. Lá, os moradores têm ajuda para baixar o aplicativo do auxílio DOAÇÕES emergencial e também para Com a pandemia de coro- efetuar a solicitação. navírus, demandas ainda maioEssa ajuda é indispensáres chegaram na vel para suprir Ocupação Justo. as necessidades Além da falta de Com a pandemia básicas durante alimentos, muia crise. A coopede coronavírus, tos moradores rativa consegue perderam seus demandas ajudar parte dos empregos e a ainda maiores trabalhadores grande maioria que ficaram denão têm aces- chegaram na sempregados, so à internet comunidade oferecendo trap a r a e fe t u a r balho dentro o cadastro do da fábrica, já auxílio emergencial. que as encomendas de saPara amenizar esse pro- bão estão maiores durante a blema, Cristina e o grupo de pandemia. Enquanto isso, as missionárias auxiliam os que missionárias correm atrás de têm dificuldade para solicitar doações de cestas básicas para o benefício. Uma parceria com as famílias carentes. a prefeitura de São Leopoldo Em um cenário de crise,

cretaria de Educação e do Centro de Referência de Assistência Social do município.

causado pela pandemia de coronavírus, a comunidade enfrenta dificuldades, precisa também de conforto psicológico. Por isso, quinzenalmente são feitos encontros virtuais, respeitando a necessidade de isolamento. Essas vídeo chamadas são feitas através da plataforma Teams, com a proposta de conversar e refletir sobre o momento, sempre com uma mensagem de valorização à vida e ao amor. Cristina destaca que doações de óleo de cozinha já utilizado são muito necessárias para a cooperativa e fundamentais para o andamento das atividades. As doações podem ser encaminhadas para a Rua Padre Werner, número 350, no bairro Padre Reus, em São Leopoldo. TAINARA BRAGA PIETROBELLI


4. Solidariedade

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

Novos desafios na pandemia Para enfrentar a crise do coronavírus, moradores arrecadam doações de alimentos e preparam refeições para famílias mais necessitadas

N

a Justo, o jeito está sendo se adaptar à nova rotina e a solidariedade tem sido essencial. O sapateiro Fábio Simplício, 36, vive na Justo há oito anos e conta que ajuda a arrecadar doações e preparar refeições para outros moradores. “Estamos com o projeto de banco de alimentos, no qual arrecadamos mantimentos e distribui para os moradores que precisam. No momento, contamos com a ajuda de vereadores, pessoas anônimas e até os moradores da vila, que ajudam uns aos outros”, explica. O projeto Cozinha Comunitária também tem auxiliado muitas famílias que vivem na Justo que, até o momento, são

cerca de 2.500. “Pelo menos uma vez na semana, fazemos uma janta e distribuímos”, conta Fábio. Segundo ele, até a primeira quinzena de maio haviam sido distribuídas mais de mil marmitas e quase duas mil porções de sopa, por meio do projeto Cozinha Comunitária. Outra iniciativa importante é a parceria com a Rede Solidária São Léo, no qual todos os sábados são distribuídas cestas básicas aos moradores.

GÁS OU COMIDA

Fábio conta que os maiores impactos para quem vive na Justo têm sido o financeiro, já que muitos são autônomos. Como as crianças tiveram aulas canceladas e os pais estão sem trabalho, os gastos estão sendo muito maiores. Com as iniciativas cerca de 250 famílias foram contempladas com a ajuda da própria comunidade, de acordo com Simplício. No início, as refeições eram pre-

paradas em fogo de chão, pois de acordo com Fábio, ou os voluntários compravam gás ou a comida. “Hoje, com a ajuda de doações, já temos dois fogões industriais, panelas grandes e gás. As pessoas foram vendo nosso projeto e começaram a ajudar”, lembra.

ROTINA CASEIRA

A dona de casa Luciana Rodrigues, 40, é mãe de seis e está à espera do sétimo filho. Os dois mais velhos já estão casados e não moram mais com ela, mas os quatro menores estão estudando em casa, a partir de tarefas encaminhadas pelas professoras via WhatsApp. Para ela, a rotina tem sido tranquila, afinal, estabeleceu horários. “Temos hora de fazer os deveres e os momentos para brincar com os mais novos e jogar. Também temos horário de sentar e olhar tevê. Vemos filmes, telejornais. Acompanhamos

todos juntos as notícias do mundo todo”, conta. Para ajudar com a alimentação, Luciana conta com o amparo dos líderes da comunidade e doações. Ela conta que não tentou se cadastrar para receber o Auxílio Emergencial, já que a família recebe auxílio-doença desde que o marido, o prestador de serviços Marcos Rodrigues, 45, teve problemas graves de saúde, há cerca de dois anos. “Ganhei uma sacola da Mariana da Tenda do Encontro [Mariana Szájbély, missionária] e outras duas doações de alimentos e coisas para o bebê”, lembra emocionada. Luciana conta que recebeu um enxoval completo para o bebê que está prestes a chegar. “No kit veio uma bolsa, uma toalha de banho, uma toalha para as mãos, uma manta, uma vira xale, um estojo com duas fraldinhas de boca, dois conjuntos de pijamas, uma meia

de lã e um casaco de lã. Estou muito feliz por ter ganhado este presente para meu bebê e muito agradecida com todas que fizeram este kit, preparado com muito amor e carinho”, diz emocionada. A profissional de limpeza Neli Camargo de Campos, de 60 anos, é uma das voluntárias que ajuda a produzir máscaras e a distribuir kits, como o que a Luciana recebeu. A confecção das máscaras, por exemplo, ajuda a complementar a renda da família. “Eu ficava pouco na Ocupação, pois antes da pandemia, eu trabalhava de segunda a sexta com faxina e, agora estou mais por casa. Com isso, a gente consegue ver mais nossos vizinhos e até mesmo as dificuldades de cada um. Talvez não se possa ajudar com finanças, mas até uma palavra amiga às vezes ajuda”, relata. JULIANA BORGMANN FOTOS FÁBIO SIMPLÍCIO

Iniciativa com a Rede Solidária de São Léo permite distribuição de cestas básicas aos moradores

O projeto de banco de alimentos arrecada mantimentos, que são doados por vizinhos, pessoas anônimas e vereadores

Cuidados ampliados e conscientes Anderson Cristiano da Silva Vieira tem 38 anos, dois filhos e trabalha como impressor gráfico. Morador do local, conta que está intercalando a carga horária com os colegas, para evitar aglomerações em seu local de trabalho. Leva à sério todos os requisitos básicos que considera para a pandemia, como álcool gel e máscaras.

Edileusa Lira, também moradora, manifesta sua imensa preocupação em relação ao novo coronavírus, por se tratar de um vírus ainda pouco conhecido. Ela conta que está fazendo tudo o que pode para se prevenir e combater o vírus, através das orientações que recebe. Higienização, distanciamento social, evita aglomera-

ções e o contato físico são medidas que está adotando seriamente. O uso de máscaras também é efetivo.

MUTIRÃO DE SAÚDE

A comunidade conta com recursos disponibilizados pela Prefeitura Municipal, como o Mutirão de Saúde. Consiste no fornecimento de diversas medicações presen-

tes na lista básica da cidade, como insulina, antibióticos e outros remédios controlados. Os moradores tiveram acesso a várias vacinas. O Secretário de Saúde Ricardo Charão esclareceu que o Mutirão de Saúde tem como objetivo principal evitar grandes deslocamentos por parte da população. Todos estão muito empe-

nhados no controle e prevenção dos casos de Covid-19. Estar em alerta com as recomendações apresentadas pelo governo e entidades sanitárias é o primeiro passo para a conscientização coletiva. Primeira etapa para executar ações que possibilitem o controle efetivo da doença. FRED WICHROWSKI


Solidariedade .5

ARQUIVO PESSOAL / LALÊNIA CARDOSO

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

Marília produz, em média, cinco máscaras ao dia ARQUIVO PESSOAL / MARÍLIA NEPOMUCENO

Contra a doença, união e dedicação O projeto Máscaras Solidárias reúne moradoras que confeccionam e distribuem máscaras de proteção

S

olidariedade e parceria podem ser instrumentos importantes em meio a pandemia de Covid-19. Nove residentes da Ocupação Justo participam do projeto voluntário Máscaras Solidárias, iniciativa nascida no mês de março. Diariamente, são confeccionadas máscaras de proteção que são distribuídas na localidade e a pessoas em situação de vulnerabilidade de outros locais. Proprietária de uma empresa especializada na criação de design de bonecos, a empresária leopoldense Lalênia Cardoso é próxima de moradores da Ocupação e propôs o projeto em formato de parceria. “Já tenho ligações com a Ocupação, pois criamos o

projeto Mulheres Sonhadoras Marília Nepomuceno. Aos 34 em 2019. O Máscaras Solidá- anos, a artesã explica que conrias é uma espécie de ramifi- cilia as atividades do trabalho cação”, conta Lalênia. com a confecção das máscaras. Lalênia explica que a ideia “Produzo, em média, cinco de organizar o projeto teve máscaras ao dia. Utilizo meus como fator propulsor algumas intervalos nas produções de conversas com outros objetos amigos que ela artesanais para possui na área “O mais bacana é co s t u r á - l a s ”, da medicina. percebermos que, diz. As peças “Me disseram fabricadas com as máscaras, são que uma das com a utilizamelhores for- também estamos ção de retalhos mas de auxi- ajudando o de panos, elásliar em meio a ticos, linhas e pandemia é di- próximo” agulhas. fundindo o uso Neli Camardas máscaras Neli de Campos go de Campos é de proteção. Aí Integrante do projeto outra voluntáMáscaras Solidárias surgiu a ideia ria do projeto. de criar esta li“Tenho 60 anos nha de produção”, diz. Após e fico feliz em poder auxiliar conversar com algumas mo- de alguma forma neste moradoras, os trabalhos começa- mento de dificuldade que o ram. Lalênia doa o material e mundo está atravessando”, ensina as interessadas a con- conta. Costureira, Neli defeccionar às máscaras. dica grande parte da sua seEntre as voluntárias, está mana para confeccionar as

máscaras. “Duas vezes por semana, faço limpeza em residências para garantir minha renda. Nos demais, fico empenhada em produzir as peças”, diz. Nos dias em que não está trabalhando em sua outra atividade, Neli produz cerca de 50 máscaras.

LEGADO

Para Lalênia, o projeto pode ser a semente de uma importante complementação de renda futura às voluntárias. “Neste momento, todas estão atuando de forma voluntária. Porém, os aprendizados adquiridos podem ser úteis profissionalmente”, explica. “Futuramente, ou até mesmo ainda neste período de precauções, elas podem produzir as peças para revender”, complementa. Ainda sobre projetos futuros, a empresária afirma que pretende dar continuidade aos projetos, profissionalizando

a parceria. “Penso em criar uma rede de trabalho, com costureiras da comunidade, para auxiliar no design de bonecos. A experiência na confecção das máscaras pode ser o início disto”, conta.

IMPORTÂNCIA

Para as voluntárias, participar do Máscaras Solidárias é motivo de orgulho. “Não podemos contribuir com muito, mas estamos ajudando desta forma. É gratificante ver que este trabalho é decisivo na prevenção e combate à pandemia. É inesquecível”, diz Marília. “Estamos fazendo nossa parte, ficando em casa, utilizando álcool gel e nos higienizando várias vezes. O mais bacana é percebermos que, com as máscaras, também estamos ajudando o próximo. É emocionante”, comenta Neli. RENAN SILVA NEVES


6. Solidariedade

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

Empoderamento feminino e sustentabilidade Há 13 anos, Cooperativa Mundo Mais Limpo fabrica produtos de limpeza utilizando óleo de cozinha usado

S

olidariedade sempre foi o alicerce da cooperativa “Mundo Mais Limpo”. Neste momento de pandemia, em virtude do novo coronavírus, não seria diferente. Enquanto a maioria das pessoas está em casa, para se proteger do vírus que aflige o planeta, as cooperadas aumentaram sua produção de sabão e reduziram o seu valor. Possibilitando que mais famílias de baixa renda tenham acesso a um produto de qualidade, para ajudar na higienização em geral. Além da contribuição de sempre com os produtos de limpeza, todos produzidos com óleo de cozinha usado, a alta demanda permitiu a contratação de mais mulheres para trabalhar na cooperativa. Empregos tão valiosos em um momento onde diversos postos de trabalho estão sendo fechados. As cooperadas, ago-

ra, trabalham seis dias por semana para conseguir suprir os pedidos. Atualmente a cooperativa conta com uma equipe de nove trabalhadoras. Mundo Mais Limpo integra a Rede Solidária São Leo, projeto criado por professores da Unisinos, que compram sabões a preço de custo e os distribuem em ocupações do município. Uma ajuda de extrema importância em um momento de tão delicado para as comunidades carentes. A entrega dos produtos é feita normalmente aos líderes comunitários, que ficam responsáveis pelo repasse às famílias em situação de vulnerabilidade social.

CONQUISTAS

Regina Aparecida Lima da Silva, hoje presidenta da Mundo Mais Limpo, virou cooperada em 2015. Ano que representou a cooperativa em um curso de Economia Solidária, promovido pelo Sistema Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), e que rendeu uma máquina de fabricar sabão para a instituição. Que aumen-

tou a produção com o uso do nária de Cristo Ressuscitado, novo equipamento. Maria Cristina Giani e outros Orgulhosa, Regina conta voluntários se encontram para sobre os aprendizados e con- preparar almoços comunitáquistas que atingiu através rios que seriam distribuídos na de seu trabalho na coopera- comunidade local. A partir destiva. Relato de tes encontros, as uma mulher conversas sobre negra, chefe de “Quando um projeto de família, que al- eu poderia trabalho colecançou sua autivo para gerar tonomia finan- imaginar que renda começou ceira e reforça viajaria para fora a ser discutido a importância entre as partido Brasil? do empoderacipantes. mento feminino. E isso, eu fiz!” Após algu“Quando eu mas reuniões, poderia imagi- Regina Lima da Silva na Associação nar que viajaria Presidenta da Cooperativa de Moradores da para fora do BraOcupação Justo, sil? e isso, eu fiz representan- ficou acordado que fabricariam do a cooperativa e através da produtos de limpeza, tendo cooperativa. Então, pra mim, como matéria-prima óleo de foi algo excepcional, poder cozinha usado. Em março de ter registrado os momentos 2007 as primeiras barras de maravilhosos que eu passei sabão são fabricadas. e estou passando junto à co“Numa destas conversas operativa. E o principal disso entre as panelas, surgiu idéia tudo é que estou colaborando de fazer um trabalho coletivo. com a natureza, com a minha Desde o início ficou claro que própria saúde e com o futu- nós queríamos nos guiar atraro da minha geração e dos vés dos princípios da Economeus netos”, comenta. mia Solidária”, relembra a misAgosto de 2006, a missio- sionária Maria Cristina.

Desde o início a cooperativa atua sob os conceitos da Economia Solidária. Isto significa que as decisões são tomadas de forma democrática, todas determinam juntas os rumos da Mundo Mais Limpo, não existe a figura do patrão. Os lucros são divididos conforme as horas trabalhadas, separando sempre uma parte dos rendimentos para as despesas e compra de insumos. Há 12 anos a cooperativa faz parte do programa de Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários (Tecnosinos), na Unisinos. Este projeto visa fomentar modelos e tecnologias de intervenção que contribuam para a superação da pobreza através do fortalecimento da Economia Solidária. “Para os professores e alunos também foi um crescimento aprender a trabalhar a partir da realidade e também acolher a experiência e a sabedoria destas mulheres lutadoras e guerreiras”, comentou a missionária Maria Cristina. RÉGIS BITTENCOURT VIEGAS

Potes de margarina são usados como formas na fabricação do sabão. A produção diária pode chegar a 200 unidades

FOTOS DIVULGAÇÃO / MUNDO MAIS LIMPO

Regina conheceu a economia solidária, viajou ao exterior e garantiu autonomia financeira


Lutas comunitárias .7

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

Mais um passo pela moradia BRUNO PEREIRA

Depois de enfrentarem o despejo iminente, um decreto da Prefeitura trouxe alento às famílias da Justo

D

FÁBIO SIMPLÍCIO

de mais de 500 pessoas. Para Cristiano Schumacher,do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), a mobilização permanente das famílias foi fundamental para evitar o despejo. “Obtivemos conquistas importantes para reverter a situação, como a decretação da abertura da regularização via Reurb”, avalia. Esta demanda foi alvo de abaixo-assinado virtual dos moradores, com mais de mil assinaturas. O documento dirigido ao chefe do Executivo solicitava uma manifestação sobre o caso. Em 24 de janeiro, o prefeito Ary Vanazzi (PT) assinou o decreto de regularização,atendendo ao pedido da comunidade e do MNLM junto à Defensoria Pública do RS.

CONCILIAÇÃO

Antes mesmo da intervenção do município, a Defensoria Estadual e os advogados da Ocupação já haviam conseguido a suspensão da reintegração de posse, através de recurso em segunda instância. A defensora pública Isabel Maroni, então dirigente do

MOVIMENTO JUSTO

MOVIMENTO JUSTO

esde a chegada dos primeiros habitantes à área da Ocupação Justo, localizada entre os bairros Duque de Caxias e Santa Teresa, passaram-se pouco mais de 20 anos. De acordo com os moradores, o local não cumpria com sua função social, já que não era utilizado para nenhuma finalidade e possuía dívidas de IPTU. Com o passar do tempo, o crescimento da Ocupação se deu em paralelo à luta pela regularização dos terrenos. Hoje, são aproximadamente 2.500 habitações construídas, o que representa mais de seis mil pessoas vivendo no local. Diante do processo de reintegração de posse, que tramita na Justiça desde 2012, a mobilização da comunidade se tornou um fator importante para a garantia do direito à moradia. No final de 2019, porém, uma decisão favorável à família que reivindica a propriedade da terra aumentou a apreensão na Ocupação Justo.“Na audiência que tivemos em agosto foram dados encaminhamentos positivos. Mas depois veio o despacho para despejar o pessoal”, recorda Fábio Simplício, 36 anos. Morador da Justo há oito anos, ele preside a CooperativaAlto Paraíso, que ajuda a orientar as famílias nas questões jurídicas. A ordem de reintegração,emitida em 14 de novembro pela juíza responsável pela ação, cobria 246 Entre o final de novembro e lotes da área ocupada, conforme início de dezembro, foram realiinformações do processo. “Acon- zadas assembleias gerais,contatos tece que essa demarcação feita em com vereadores e protestos em 2014 já não corresponde mais com vias próximas à Ocupação. Dua realidade. Novas casas foram er- rante cerimônia de início de paguidas dentro destes lotes”,afirma vimentação da Rua Palmeira das Fábio. Ainda de acordo com o le- Missões, em novembro passado, vantamento feito pela organização um grupo de moradores munidos dos moradores, mais de 800 famí- de cartazes encarou a chuva pelo lias seriam despetemor de perder jadas de suas casas. suas casas. Líder comuni- “Com a Em 2 de detário e integrante instauração zembro, em prodo movimento testo que bloqueou pela regularização, da lei do a Avenida Mauá, Rodrigo Azevedo, Reurb, há uma próximo à Estação 40, relembra da Unisinos, cerca de surpresa com que possibilidade 700 pessoas se muitas famílias de defesa muito fizeram presenreceberam a decites. Em ambos os mais concreta” são da Justiça local. atos, o objetivo foi “Foi umbaquepara Isabel Wexel Maroni chamar a atenção nós. A expectativa Defensora Pública das autoridades criada na comunie questionar o dade era de espeprocesso de reinrança por um desfecho satisfató- tegração de posse. Também foi rio”, revela Rodrigo. A partir daí, feita uma petição pública on-line diversas manifestações organiza- e realizada uma audiência pública das buscaram o apoio do poder pú- proposta pela Câmara Municipal blico para a causa da Justo. de Vereadores, com a presença

Organização, passeata, protesto, assembleia, audiência: a luta do povo da vila pela regularização e infraestrutura

Núcleo de Moradia da Defensoria Pública do RS, explica os próximos procedimentos. “Agora começa uma conciliação no campo administrativo. Mas com a instauração da lei do Reurb, há uma possibilidade de defesa muito mais concreta do que antes”, pondera. Na prática, a Prefeitura irá propor uma nova alternativa de conciliação, em paralelo ao processo judicial. Zislaine Santos dos Santos, 42 anos, mora há pouco mais de três anos na Justo. Bastante engajada na luta pelo reconhecimento das moradias, comenta o alívio dos moradores depois do acolhimento das demandas pelos poderes Executivo e Legislativo. “Hoje temos o sentimento de que não estamos sozinhos. Agora estou mais otimista”, afirma. Para ela, atualmente desempregada depois de enfrentar alguns problemas de saúde, reivindicar o direito à moradia é motivo de orgulho. “Não importa o tamanho da casa, é o teu sonho que está ali”, revela Zislaine. Com o início da pandemia

causada pelo novo coronavírus, tanto os processos judiciais quanto os encaminhamentos administrativos foram suspensos. A expectativa é retomar a atualização dos cadastros das famílias e estipular, junto à Prefeitura, o caminho a seguir na oficialização da área. Enfim, a almejada regularização da Ocupação Justo parece mais próxima.

O que é o Reurb? A Lei 13.465/2017, que estabelece o procedimento de Regularização Fundiária Urbana (Reurb), define meios para viabilizar a regularização de terrenos e imóveis que estejam em situação irregular de ocupação. Com a aplicação da medida, a Ocupação Justo poderia receber investimentos em infraestrutura, como interligação à rede de água, energia elétrica, pavimentação, drenagem, saneamento, entre outros. GRÉGORI SORANSO


8. Comunidade

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

A luta que organiza a vila Com o apoio do MNLM, a Ocupação se mobiliza pelas reivindicações, mas também pratica a solidariedade

“S

não estão indo à escola, a Justo faz campanha também nas redes sociais. Mas Taise sabe que “não tem como vir tudo para todos de uma vez”, e acrescenta:

“Então a gente vai distribuindo para as famílias mais necessitadas”.

30 anos de luta O Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) foi criado em julho de 1990, no 1º Encontro Nacional dos Movimentos de Moradia, reunindo ali os interesses de movimentos diversos em prol da moradia digna para populações de vulnerabilidade social. Hoje o MNLM conta com representações em pelo menos 14 estados, incluindo o Rio Grande do Sul, e trabalha em parceria com o Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com a Central de Movimentos Populares, com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e com o MST.

“Tem muita família que, agora com esse vírus, não tem dinheiro, as crianças não vão para a escola e falta alimento em casa” Raquel Moraes da Silva Moradora “Eu chamo as mulheres para a ativa”, brinca a moradora. Ela ajuda a separar as doações que são enviadas para a comunidade e sempre tenta atender aos pedidos que chegam. São distribuídos cobertores, roupas, e uma vez na semana, a refeição completa produzida pelas moradoras. O próximo passo é conseguir doações suficientes para duas noites. Raquel Moraes da Silva é uma das novas moradoras da Ocupação e já está trabalhando com Taise na preparação dos alimentos, atividade que considera uma forma de ajudar a comunidade e se engajar nas lutas locais. “Ajuda muito a comunidade a se unir”, diz Raquel.

Esforço coletivo para garantir alimentação mínima às famílias necessitadas

TRABALHO ESSENCIAL

Essas ações, mesmo dentro da comunidade, estão ligadas às ações mais amplas de movimentos que lutam pela manutenção da dignidade das famílias, como o MNLM. Criado nos anos 90, o movimento está presente nas mobilizações locais desde essa época. “A Justo avançou bastante em organização”, observa Cristiano. “Acho que esse é o papel que o movimento está cumprindo agora.” Para ele, o trabalho das cozinheiras tem se estabelecido como um dos essenciais. Cristiano continua: “A Cooperativa Alto Paraíso e a Tenda do Encontro

BRUNA LAGO

FOTOS MOVIMENTO JUSTO

ão Leopoldo tem uma história antiga”, lembra Cristiano Schumacher, membro da direção estadual do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). “Vem da luta para a construção dos diques na parte norte da cidade, onde sempre alagava, e das cooperativas habitacionais, nas quais as famílias ocupavam as áreas e depois negociavam com os proprietários o valor da compra.” Na Ocupação Justo, além do papel importante na luta pela regulamentação dos terrenos, as lideranças locais atuam mobilizando os moradores a participarem e trabalharem pela própria comunidade. Todos os sábados, as doações arrecadadas em São Leopoldo são divididas e distribuídas entre as ocupações da cidade, revertendo assim em ações comunitárias. Taise Aparecida Fagundes é uma das lideranças locais e quem organiza as mulheres que preparam as refeições distribuídas uma noite por semana.

são forças vivas na comunidade. Há vários coletivos se organizando sobre a segurança alimentar das famílias, como os Guerreiros e Guerreiras da Justo. Nesse momento de pandemia, eles tentam garantir as condições mínimas para cumprir a quarentena e permanecer em casa, com alimentação.” A comunidade segue batalhando por mais doações. “Os alimentos são distribuídos conforme a quantidade de moradores. Só que não vem o suficiente”, explica Taise. Não só para atender as duas refeições na semana, mas especialmente para fornecer alimentação adequada às crianças que

Organizadas e ativas, as mulheres garantem o preparo e a distribuição da comida


Comunidade .9

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

A ajuda que não chega Muitos seguem sem auxílio do Governo e buscam formas de resistir e sobreviver

A

pós anos de espera para obter o Bolsa Família, muitos moradores desistiram do benefício. Alguns aguardam a liberação do Auxílio Emergencial, oferecido pelo governo aos cidadãos brasileiros mais vulneráveis durante a pandemia de coronavírus. Diante deste cenário, sem ajuda do Estado, algumas famílias da Ocupação Justo contam com a contribuição de vizinhos para comprar alimentos e outros itens de necessidade básica. A renda de muitos moradores vem da reciclagem de forma autônoma, que está prejudicada devido ao isolamento social. Moradora da Ocupação, Viviane Rodrigues, de 36 anos, se inscreveu no programa Bolsa Família pela primeira vez em 2004. Tentou, novamente, em 2015, mas não obteve retorno. “Eles falaram que era para mim aguardar e desse aguardar

estou aí, a minha guria vai fazer 17 anos”, conta a mãe, que agora está à espera do Auxílio Emergencial. A solicitação feita no dia 7 de abril, no final de maio ainda continuava em análise. E quando ligava para o 111, número da Caixa Econômica Federal destinado a fornecer informações, falavam que ela não se enquadra para receber o benefício, mas não informam o motivo. Viviane é mãe de cinco filhos, Samanta de 16 anos, Junior de 14, Ricardo de 10, Samuel de 4 e Samara de 2. Ela mora com o marido Eliel Morais. A renda da família vem da reciclagem ou bicos. Com o trabalho informal prejudicado durante a pandemia e sem auxílio do governo, a família passa por dificuldades. “Nesses tempos, se não fosse a minha vizinha me ajudar, eu não teria o que dar de comer para as crianças”, relata a moradora.

O DESCASO

Em outra casa da Justo, a história se repete. A mora-

dora Rosa Maria Bittencourt, Social (CRAS), unidade de de 59 anos, se cadastrou no proteção social básica do programa Bolsa Família em governo federal, o número 2011, mas nunca o recebeu. de bolsas é limitado. Assim, Esteve seis vezes na Caixa. para que uma família posEm todas as visitas disseram sa ingressar no Programa, que não havia sido libera- outra precisa ser excluída. do e ela desisCaso o adolestiu. Rosa conta cente não obque o auxílio do “Nunca peguei tenha 85% de programa aju- nenhuma ajuda frequência na d a r i a a co m escola, a famíprar alimentos do governo lia recebe uma e roupas para porque nunca advertência. Se a filha Dienifer a situação se Lemos, que está me deram. Já repetir, o auxíco m 1 5 a n o s . tentei várias lio é bloqueado A matriarca por 30 dias e no vezes” teme enfrentar próximo mês a mesma difi- Rosa Bittencourt recebem o vaculdade com o Autônoma lor acumulado. Auxílio EmerNa terceira vez, gencial, que solicitou no o bloqueio é feito por 60 dia 17 de abril, mas con- dias e não há o acúmulo. Se tinuava em análise. Rosa é chegar a quinta advertência, viúva e, assim como Vivia- é anulado. No momento de ne, não trabalha de carteira pandemia, todos os beneassinada e junta latinhas fícios que estavam suspenpara sustentar a filha. sos foram liberados. Re fe r e n t e a o A u x í l i o OS AUXÍLIOS Emergencial, inicialmente De acordo com informa- a Caixa Econômica havia ções obtidas no Centro de informado que o prazo de Referência de Assistência recebimento dos R$ 600,00

seria de cinco dias úteis. Mas depois, nas redes sociais, informou que o prazo mencionado era uma estimativa, pois a liberação do recurso depende de uma análise realizada pelo Ministério da Cidadania. Por isso, muitas famílias ainda não receberam. Inconsistência nas informações podem ocasionar a reprovação da solicitação. Diante das dificuldades, as famílias da Ocupação Justo contribuem umas com as outras. “Eu até ajudei algumas pessoas a fazer o cadastro, porque elas não sabiam”, diz Viviane. Os moradores que não contam com a ajuda dos vizinhos para comprar alimentos, tentam manter a renda com a reciclagem. “Eu passo 24h na rua, juntando latinha para sustentar a minha filha”, relata Rosa. De uma forma ou de outra, a comunidade busca meios para sobreviver, esperando auxílios do governo que não chegam. ANDRESSA MORAIS DIENIFER LEMOS

SAMANTA RODRIGUES

Viviane enfrenta obstáculos para sustentar a família, mas não perde a esperança

Rosa cansou de aguardar ajuda do Governo e segue com a reciclagem


10. Comunidade

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

Mutirão ajuda no cadastro do Auxílio Emergencial Na Tenda do Encontro, moradores receberam orientações para a inscrição, que pode ser feita até dia 2 de julho

N

ORGANIZAÇÃO

Informados sobre o mutirão pelos grupos no Whats, os moradores tiveram todo auxílio e esclarecimento de dúvidas, sem precisar esperar horas na fila. “Se organizaram muito bem. Tinha duas equipes ajudando. Durou menos de dez minutos o processo todo” afirma, Toni. A moradora Neli, destacou a agilidade no processo e o bom atendimento. “Foi bem rápido. O moço que me ajudou foi muito gentil e prestativo”. Andreia, que participou do mutirão de cadastramento auxiliando os moradores, ressalta a importância deste valor para eles. “Acredito que muitos estão sem serviço, neste momento. Então este auxílio vai ajudar muitas famílias a terem o que colocar na mesa. Muitos irão dedicar este valor

para alimentação”. Para receber o benefício é necessário ser maior de 18 anos, sem emprego formal e que não tenha recebido benefício assistencial ou do INSS, seguro-desemprego ou faça parte de qualquer outro programa de transferência de renda do governo, com exceção do Bolsa Família. Ter renda familiar, por pessoa, de até meio salário-mínimo (R$ 522,50) ou renda mensal familiar de até três salários-mínimos (R$ 3.135) e que não precisou declarar Imposto de Renda em 2018, por ter renda tributável menor do que R$ 28.559,70. Segundo o Ministério da Cidadania, o auxílio emergencial pode ser solicitado pelo site da Caixa ou aplicativo até o dia 2 de julho de 2020. FABRÍCIO SANTOS DOS SANTOS FABRÍCIO SANTOS

o dia 11 de março a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). Na prática, o termo se refere ao momento em que uma doença já está espalhada por diversos continentes com transmissão sustentada entre as pessoas. Os países entraram em alerta e adotaram ações para conter a disseminação. O isolamento social foi adotado para evitar o agravamento da situação epidemiológica e de insuficiência de leitos nos hospitais. Foi publicada no “Diário Oficial da União”, no dia 2 de abril, a lei que cria um auxílio de R$ 600 mensais, por três meses, a trabalhadores informais, como forma de conter a crise econômica causada pelo novo coronavírus. O Ministério da Economia informou que o auxílio beneficiaria 54 milhões de pessoas, com custo de R$ 98 bilhões. Para as famílias em que a mulher seja a única responsável pelas despesas da casa, o valor pago mensalmente é de R$1.200,00. Na Ocupação Justo, em São Leopoldo, os representantes Rodrigo e Mariana da Tenda do Encontro organizaram, junto com a prefeitura da cidade que tomou a iniciativa, equipes para orientar e dar informações de como baixar o aplicativo da Caixa Econômica Federal e realizar a solicitação, de forma rápida e prática. O aplicativo é um dispositivo no celular onde a pessoa acessa de forma fácil e rápida as informações da Caixa para realizar a solicitação do Auxílio Emergencial. Andreia Barros da Silva, 39 anos, doméstica, foi uma das pessoas que auxiliou neste processo, juntamente com seu esposo. “Foi tudo muito tranquilo, ficamos duas semanas ali, na Tenda do Encontro, ajudando as pessoas”, destaca. Desempregado, Otoniel de Lima (Toni), 32 anos, divide o lar com três filhos e a esposa. O benefício é importante para ele neste momento de pandemia. “Se não fosse este

dinheiro e a ajuda do pessoal ter sua família alimentada. “É da Tenda, eu não iria ter como muito importante porque eu alimentar os meus filhos”, re- trabalhava como diarista e com lata. Quase sete milhões de a pandemia fiquei sem trabapessoas sacaram o dinheiro do lho. Com isso minhas contas auxílio. A Caixa atrasaram e a registrou 80 mil comida dimisaques da pou- “Com a nuiu”. pança digital até O aplicatio dia 9 de maio. pandemia fiquei vo da Caixa já A Caixa in- sem trabalho. tinha mais de formou no início milhões de Com isso minhas 82 do mês de maio downloads no que cerca de 3,5 contas atrasaram começo de maio, milhões de pes- e a comida e de acordo com soas receberam o banco, mais de a primeira par- diminuiu” 51,1 milhões de cela do auxílio cidadãos se caemergencial e Neli Campos dastraram para ainda não ha- Diarista solicitar o beviam retirado o nefício. O site dinheiro. No total, o auxílio auxilio.caixa.gov.br superou emergencial foi depositado a marca de 696 milhões de para 50 milhões de pessoas. visitas, enquanto a central Neli Camargo de Campos, 59 de atendimento telefônico anos, diarista, ressalta a im- 111 registrou mais de 130 portância do auxílio para man- milhões de ligações.

Mais de 51,1 milhões de cidadãos se cadastraram para solicitar o auxílio emergencial pelo aplicativo da Caixa Econômica Federal


Comunidade .11

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL/MAIO DE 2020

Trabalho coletivo e cotidiano com a participação de líderes MOVIMENTO JUSTO

ARQUIVO PESSOAL / BRUNO HERBSTRITH

Combate aos alagamentos e à falta d’água são algumas ações realizadas de modo comunitário

A cada dia, os moradores promovem mudanças e resolvem problemas, acompanhados pelos mais experientes

P

ara os moradores da Ocupação Justo, alguns dos vizinhos são vistos não só como companheiros de bairro, mas também a primeira instância para resolução de parte dos problemas locais. A comunidade criou os líderes de rua, que têm a função de tentar manter a vila unida e organizada para batalhar pelos ideais da Ocupação. Fábio Simplício, 36 anos, é sapateiro e mora há oito anos com a mulher e o filho na Ocupação. Desde 2014, ele é um dos líderes de rua da Justo. Também, é presidente da Cooperativa Alto Paraíso. A entidade organiza diversas ações para a comunidade, como o cadastramento das 2.500 famílias que já habitam o local, por exemplo. Além disso, as lideranças resolvem desde “problemas de elétrica até, às vezes,

brigas entre vizinhos”, conta dois filhos há seis anos na coFábio, bem-humorado. munidade e é uma das figuras Simplício mudou-se para centrais da Justo. Segundo ele, a Ocupação para deixar de a presença dos moradores nas pagar aluguel e acredita que reuniões da Ocupação destaa melhoria da ca a importância infraestrutura do trabalho das da comunidade “No começo, lideranças e é a é visível, como pegávamos principal muo combate aos dança positiva alagamentos, por água do na comunidade exemplo. Para caminhão“O Movimenele, a união dos to Justo já está moradores, ao pipa uma vez consolidado. longo do tempo, por semana. Antes, fazíamos ajudou o processo as assembleias e Tínhamos que de evolução. “Isso vinham duas pesaqui era tudo jo- encher até as soas. Hoje, vêm gado. Nós conse- panelas com bastante gente”, guimos que tivesexplica. se um consenso água, para Ainda de da comunidade durar a acordo com Roe das lideranças drigo, muitos e isso melhorou semana toda” dos vizinhos muito a comucomeçaram a se nidade”, relata. Bruno Herbstrith integrar com as Morador atividades na REUNIÕES Justo, especialmente após verem os resulCHEIAS Na Travessa São Francisco, tados práticos das ações no o nome mais conhecido é o de dia-a-dia. “A conscientização Rodrigo de Azevedo, 40 anos. com o lixo, por exemplo, meAzevedo vive com a mulher e os lhorou porque a gente arrumou

a rua e o caminhão começou a passar para recolher”, conta. Rodrigo relata que a pandemia da Covid-19 fez com que a situação de muitos moradores se agravasse. “Com o coronavírus, todos nós tivemos que arrecadar mais alimentos para doação. Distribuímos janta uma vez por semana. Todo mundo se ajuda”, apontando como exemplo a mobilização para a doação de alimentos. Rodrigo diz que não deseja se mudar da Justo. “Para falar a verdade, não me vejo em outro lugar. Acho que criei raízes aqui. Tenho prazer de morar aqui”, revela.

ÁGUA NAS CASAS

O nome de Bruno Herbstrith, 31 anos, não é muito conhecido dos moradores da Justo. Porém, o apelido ‘Dente’ é inconfundível. Ele é um dos mais antigos personagens da Ocupação. Desde 2001, o funcionário público vive na comunidade. Na oportunidade, se mudou junto com a família para fugir da violência de outro bairro da cidade.

“Vim para cá com meus pais porque tinha muita matança nos blocos da Feitoria, onde a gente morava”, conta. Para ele, a mudança mais impactante na comunidade é a água encanada. “Sofremos muito. No começo, pegávamos água do caminhão-pipa uma vez por semana. Tínhamos que encher até as panelas com água, para durar a semana toda”, detalha. Ainda de acordo com ele, o trabalho da comunidade e dos líderes foi fundamental para essa melhora. Ao longo do tempo, Bruno construiu a sua própria família na Justo. Hoje, ele mora com a mulher e as duas filhas. Todos os três líderes concordam que a maior luta da comunidade hoje é pela regularização dos terrenos junto ao Poder Público. Porém, a paralisação do Poder Judiciário, devido à pandemia, adiou o sonho. Dente espera que o novo ano traga a resolução deste problema. “A gente quer poder ter um endereço”, afirma. BRUNO FLORES


ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO

SÃO LEOPOLDO (RS) ABRIL/MAIO DE 2020

EDIÇÃO

7

ARQUIVO PESSOAL / RODRIGO DE AZEVEDO

FOTOS MOVIMENTO JUSTO

A chuva atrapalhou, mas a comunidade já espera outra sessão

O dia em que a Tenda do Encontro virou cinema Projeto que leva cinema nacional a escolas e universidades esteve pela primeira vez em uma organização comunitária

N

o dia 15 de março, na Tenda do Encontro, foi exibido aos moradores da Vila Justo o filme As Aventuras do Avião Vermelho. A película foi levada ao local pelo projeto Cinema em Movimento, do Instituto Cultura em Movimento, que apresenta filmes de produção nacional a locais onde o acesso ao cinema é difícil ou inexistente. Conforme Rodrigo de Azevedo, um dos organizadores, cerca de 150 pessoas assistiram a sessão. Segundo Rodrigo, foram também fornecidas pipocas e sucos preparados na vila por voluntários. “A iniciativa de fazer aqui na Ocupação foi a primeira vez numa comunidade, pois esse projeto

Cinema em Movimento era feito só em escolas e praças da cidades”, afirma. Com a ajuda de voluntários, foi feita a organização do espaço, com a distribuição das cadeiras, além da divulgação na comunidade, realizada principalmente pelos responsáveis. José Luís da Rosa Silva, morador da vila, esteve presente no dia da exibição e disse que a experiência com o cinema foi muito positiva. “Tivemos um ótimo retorno da comunidade em relação ao evento e também na disposição em auxiliar na organização do mesmo”, ele conta. Entre as pessoas que ajudaram na preparação e na execução do evento está Mariana Szájbély, das Missionárias de Cristo Ressuscitado, que faz trabalhos voluntários na vila e é uma das responsáveis pela Tenda do Encontro. Segundo Mariana, a ideia era que fosse programada uma nova sessão, mas

“Foi de muita alegria e empolgação, achei uma maravilhosa iniciativa e valorizo muito que os organizadores tenham escolhido a Ocupação” Mariana Szájbély Uma das organizadoras do evento com o isolamento necessário durante a Covid-19, não conseguiram fazer novamente a ação. “Foi de muita alegria e empolgação, achei uma maravilhosa iniciativa e valorizo muito que os organizadores tenham escolhido a Ocupação”, comentou. A sessão foi feita a céu aberto, ao lado da Tenda. A nova exibição desejada também se deveria a uma chuva que ocorreu na tarde do evento e prejudicou o aproveitamento completo do filme.

MARCANTE

O projeto Cinema em Movimento existe desde

2000 e atualmente é a maior rede não formal de distribuição de filmes no país. Segundo dados do Instituto Cultura em Movimento, o referido projeto está presente em todos os estados do Brasil e já alcançou 1.407 municípios, apresentando um ou mais dos 535 filmes já disponíveis nas suas telas móveis. Além de trabalhar em comunidades, o projeto também contempla o núcleo de escolas e universidades, sempre com exibições de filmes nacionais. “Infelizmente não foi p o s s í ve l co n c l u i r m o s o programado mas valeu

p e l o co m p r o m e t i m e n t o da comunidade bem como da equipe organizadora do projeto”, afirmou José Luís. Para a comunidade que possui pouco acesso ao cinema, a tarde de domingo, quando aconteceu a exibição, marcou os moradores presentes. Os moradores e organizadores esperam ansiosamente por uma nova oportunidade para outra sessão de cinema na Tenda do Encontro.

Instituto Cultura em Movimento Fundado em 2002, o Instituto sucedeu o projeto Cinema em Movimento . O ICEM trabalha com conteúdos da área cultural, abrangendo as áreas editorial, cinematográfica e de exposições artísticas. O órgão atua em todos o país. CAREN RODRIGUES


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.