Enfoque Porto Alegre Bairro Farrapos 1

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ENFOQUE

BAIRRO FARRAPOS

PORTO ALEGRE Fome bate à porta por falta de logística

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A esperança que surge do futebol Página 15

NICOLAS CRUSE

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A precariedade da educação na pandemia

PORTO ALEGRE / RS MAIO DE 2022

A dignidade passa por ter moradia Páginas 8 e 9


2. Editorial

ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | MAIO DE 2022

Vozes coletivas são ouvidas mais longe

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xiste uma gigante desigualdade de poder entre diferentes pessoas e grupos ao exigir do governo. A eleição de alguém é um primeiro — e importante — passo. Mas é preciso ser capaz de pressionar por soluções. Para a elite econômica, bastam algumas reuniões com o eleito e seus problemas passam a ser prioridade. Já para os povos das periferias, as soluções dependem da organização comunitária. Ao se olhar atentamente o que acontece nos bairros e no centro, fica claro os interesses de quem está sendo priorizado. Embelezamento, atrações turísticas, espaços de lazer, um estádio de futebol, o 4º Distrito — investimentos do topo da pirâmide social, para o meio da pirâmide social. Há algumas quadras de distância, fora

da vista dos turistas (ou ignorado por eles) está a base da pirâmide social: aqueles que trabalham muito para que o resto todo funcione. Os interesses desta maioria é ter um lugar pra morar, comida pras crianças, creches e escolas com professores. Sequer passa pela cabeça do topo da pirâmide que eles poderiam ficar duas semanas sem água nos canos ou que, de um dia pro outro, uma chuvarada pode apodrecer os poucos móveis da casa. Não sabem como o medo de ter algum familiar doente, sem atendimento médico e sem remédios, tira o sono de uma mãe que precisa trabalhar no dia seguinte, porque se não for, não recebe. Não passa pela cabeça dessas pessoas como é a realidade da população que sobrevive com menos

de um salário mínimo por família. É normal perdermos a perspectiva, mas existe somente 1% da população que vive com 20 salários mínimos, e uma fração ainda menor que ganha muito mais que isso. Como alguém que conta o dinheiro da passagem de ônibus, ou vai a pé para não gastar, consegue disputar a priorização de ações do governo com alguém que é recebido na sala do político, saudado pelo nome? Aqui nessas páginas existem algumas histórias que dão dicas sobre isso. Parágrafos em que a pessoa entrevistada demonstra a experiência de como as coisas se resolvem na periferia: com trabalho coletivo e ajuda mútua. Quando se forma uma verdadeira rede de apoio, as crianças e ado-

lescentes tem o que comer, o que vestir, tem onde jogar bola, onde estudar, como ir e voltar. Mas as redes de apoio não são suficientes. É preciso, sim, conquistar a atenção do poder público. Para isso, a comunidade precisa se fazer ouvir. Enquanto as redes de apoio têm muito a ensinar sobre uma outra forma de viver, mais coletiva e solidária, a experiência dos mais velhos mostra como é possível conquistar as soluções dos problemas estruturais mais básicos — de manutenção da vida. Elas surgem quando se tem uma forte organização comunitária. Essas vozes precisam ser ouvidas, e a juventude precisa entrar nessa luta. RODRIGO WESTPHALEN MATHEUS TERRA

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Porto Alegre - Bairro Farrapos é um jornallaboratório dirigido ao bairro Farrapos, localizado em Porto Alegre (RS). A publicação tem tiragem de 1 mil exemplares, que são distribuídos gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do curso de Jornalismo da Unisinos (campi de Porto Alegre e São Leopoldo).

enfoqueportoalegre@gmail.com

| REDAÇÃO | REPORTAGENS – Disciplina: Jornalismo Comunitário e Cidadão. Orientação: Sabrina Franzoni (franzoni@unisinos.br). Repórteres: Amanda Bernardo, Amanda Bormida, Gabriel Jaeger, Gabrielli Zanfran, Giulia Godoy, Jaime Zanata, Julia Schutz, Juliana Peruchini, Lucas Kominkiewicz, Marco Antonio de Oliveira Moreira, Marília Port, Matheus Ramos, Michele Alves, Tuane Moreira e Yasmim Borges. Editor: Rodrigo Westphalen. IMAGENS – Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Beatriz Sallet (bsallet@unisinos. br). Repórteres fotográficos: Andy Miritz, Bárbara Bühler, Bárbara de Oliveira, Dominik Machado, Eduarda Cidade, Laura Santiago, Lorenzo Mascia, Luísa Bell, Matheus Terra, Nícolas Córdova, Nícolas Cruse, Raquel Losekann e Valentina Lopardo. Monitora: Dandara Toniolo. | ARTE | Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. | IMPRESSÃO | Gráfica UMA / Grupo RBS.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Campus de Porto Alegre (RS): Av. Dr. Nilo Peçanha, 1600, Boa Vista (CEP 91330 002). Campus de São Leopoldo (RS): Av. Unisinos, 950, Cristo Rei (CEP 93022 750). Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Sergio Eduardo Mariucci. Vicereitor: Artur Eugênio Jacobus. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Guilherme Trez. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretora da Unidade de Graduação: Paula Dal Bó Campagnolo. Coordenadores do Curso de Jornalismo: Débora Lapa Gadret (Porto Alegre) e Micael Vier Behs (São Leopoldo).


Fome .3

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Falta de adesão à lei contribui com a fome Doação de excedentes alimentícios em boa qualidade faria diferença na vida das famílias

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neladas diariamente. Como evitar que tantos alimentos sejam jogados fora todos os dias e que possam chegar até as pessoas que necessitam, evitando a desnutrição ou que morram de fome?

á faltou bastante comida aqui em casa. O rancho para durar um mês que o ‘Ação Rua Fé LEI DA DOAÇÃO e Alegria’ nos dá dura apenas DE ALIMENTOS alguns dias, e acabo passanComo alternativa para do necessidade com os meus tentar resolver essa problefilhos. Ainda mais que eu re- mática, que tem escala munparto o que eu ganho com as dial, no Brasil, a proposta de minhas gurias que também dar uma nova destinação têm filhos pequenos. Uma fi- aos alimentos não comercou viúva muito cedo e a outra cializados virou lei. é recém divorciada”, conta Com a sanção da Lei Angelita Oliveira da Rosa, que 14.016 em 23 de junho de vive na Vila Farrapos há três 2020, foi autorizada a oferanos com os seus filhos. ta de alimentos processados A moradora, de 40 anos, se ou in natura excedentes, que vira como pode. Para trazer o estejam em boa qualidade, à sustento, Angelita começa a organizações sociais, famítrabalhar logo cedo. lias, trabalhadores Deixa o seu filho A questão e quem tiver intemenor na creche e resse. Empresas, segue para o Gal- da logística hospitais, superpão de Reciclagem, mercados, coopetem sido a onde inicia a sua rativas, restaurantes, lanchonetes atividade laboral. grande vilã e todos os demais Para cada produto reciclável separado, ela tem estabelecimentos dedicados a expectativa de receber um à produção e ao fornecipagamento, cuja soma irá aju- mento de alimentos fazem dar a pagar as contas da casa. parte da proposta. Seguindo algumas regras, O trabalho é avaliado por produção. Se trabalhar mais, os estabelecimentos podeganha mais; e por dias que a rão destinar os alimentos produção não rende, receberá excedentes à doação, desde apenas alguns trocados. Em que estejam mantidas as sua moradia, residem o filho propriedades nutricionais e Lucas de 22 anos, a filha Carol a segurança sanitária. A oferta de 17, Vitória de 8, o caçula deverá ser gratuita e pode ser Gustavo, que tem 4, e o seu distribuída através de parcerias como: entidades benefineto, de mesma idade. Com as consequências centes de assistência social, econômicas da pandemia, entidades religiosas, com o como a perda de poder aqui- poder público ou por meio de sitivo, não é apenas Ange- bancos de alimentos. lita que passa por apertos para conseguir o alimento LOGÍSTICA DIFICULTA diário. No Brasil, segundo DOAÇÕES dados atualizados do IBGE, No ano de 2021, a Câmara são mais de 116 milhões de Vereadores de Porto Alede pessoas que vivem com gre emitiu um decreto que algum grau de insegurança regulamentava a distribuição. alimentar. Dessas, 19 milhões Até então, o receio dos dode pessoas vivem em situação nos dos estabelecimentos que de extrema pobreza. demonstraram interesse em Outro dado alarmante participar dessa modalidade aparece no ranking da Or- de doação era de caírem em ganização das Nações Unidas outra lei, a RDC 216. para Agricultura e AlimenApós a aprovação do detação (FAO), onde o Brasil creto os estabelecimentos é o 10º país que mais des- tiveram mais segurança. perdiça alimentos no mun- Entretanto, outro obstáculo do. 35% da produção nacio- se apresentou. A questão da nal acaba indo direto para logística tem sido a grande a lixeira. Um desperdício de vilã e tem impossibilitado aproximadamente 41 mil to- a doação desses alimentos.

Cozinha do Centro Fé e Alegria, onde são feitas as refeições dos que participam do projeto de contraturno escolar

O custo operacional, somado à pressa para que os produtos sejam entregues antes de estragar, fazem com que muitos estabelecimentos desistam. “Não é só dispor do alimento. Existe um custo operacional bem maior. Os donos terão que dispor de funcionários para fazer o manuseio, embalar e entregar. Infelizmente, não é tão simples assim. Imagine Porto Alegre em meses de calor. Arroz, feijão, salada e carne. É só deixar uma hora parado no trânsito durante o tempo de deslocamento, que o alimento já estraga. Para o restaurante é muito mais cômodo e barato jogar fora do que participar desse tipo de doação de alimentos”, disse o Padre Vicente, coordenador do Centro Social de Educação e Cultura Fé e Alegria, da Vila Farrapos.

Alimentos, esses, que viriam em boa hora para a família de Angelita. “Com certeza me ajudaria um monte. Garantiria alimentação para mim e pros meus filhos. Seria uma ajuda muito bem aceita”, afirma a moradora.

A SOLIDARIEDADE TEM AJUDADO

Enquanto os entraves na execução da lei vão sendo discutidos, a solidariedade tem sido uma das maneiras para atender aqueles que lutam para ter o alimento diário. Um exemplo colocado em prática, é de um grupo de ex-estudantes do colégio Anchieta que organizam uma arrecadação de alimentos durante a missa, no segundo sábado de todo o mês. Alimentos não perecíveis como: arroz, feijão, macarrão, óleo e leite são doados pelos fiéis ao Centro Social

Fé e Alegria. Uma vez por ano, esse mesmo grupo organiza uma campanha que dispõe de recursos financeiros à entidade para oferecer uma proteína por refeição aos participantes. Antes da parceria isso não era possível. “Assim conseguimos garantir esse equilíbrio alimentar. São 128 refeições todos os dias. É um fluxo imenso de comida”, garante o assistente social da entidade, conhecido como Irmão Tranquilo. Outro exemplo de solidariedade, são os alunos de nutrição da Unisinos que durante as aulas práticas cortam, processam e embalam suínos. E doam a maior parte ao projeto social. O hábito cultural de alimentação para o brasileiro é o arroz, feijão e uma carne — e isso é garantido às 117 crianças que são atendidas pelo projeto de contraturno escolar da Fé e Alegria. Duas refeições entre café da manhã e almoço, ou almoço e lanche da tarde, fazem parte da rotina. Através de projetos sociais, como os que ocorrem na Vila Farrapos, tem sido possível livrar da forme, mesmo que temporariamente, muitas famílias, mas ainda é necessário encontrar soluções para efetivar a nova lei de segurança alimentar. MICHELE ALVES LORENZO MASCIA


4. Trabalho

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Mauro sai com o seu carrinho todos os dias pelo bairro à procura de recicláveis

A rotina de quem vive da reciclagem Conheça a luta do catador Mauro da Silva por renda

Os catadores circulam pela cidade para realizar o seu trabalho. A fiscalização da Prefeitura impacta diretamente a vida dos recicladores

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uem anda pelos bairros da cidade se depara muitas vezes com os catadores autônomos, aqueles que trabalham separando os lixos e coletando recicláveis para conseguir algum dinheiro — um valor incerto, que depende da quantidade de material coletado no dia. Mauro da Silva, de 38 anos, faz parte desse grupo de tra- “Já fugi balhadores. Ele mora em uma pequena umas duas as unidades de triacasa na comunida- ou três gem conveniadas ao de Vila Farrapos, no poder público. entorno da Arena do vezes” Entretanto, se Grêmio, desde 2000, Mauro da Silva aliar ao Executivo ano que se mudou da Catador não é uma opção tão residência de sua mãe rentável para os cataem Capão da Canoa para vir dores autônomos. Mauro conta morar com seu irmão. que, para trabalhar em galpões Mauro segue uma rotina de reciclagem do governo, é diária, ele sai todos os dias necessário pagar uma taxa sopelo bairro à procura de re- bre o caminhão utilizado, e isso cicláveis para coletar e poder acaba fazendo com que o traassim sustentar sua esposa, balho autônomo seja uma fonque está grávida, e sua filha te de renda mais alta, por mais pequena. Muitas das pessoas que não seja garantida. que moram na comunidade A prefeitura tem multado têm como fonte de renda a e retirado os carrinhos dos revenda de reciclados, porém, cicladores que são vistos nas desde o ano passado, a pre- ruas, o que faz com que os cafeitura de Porto Alegre vem tadores migrem para outros intensificando a fiscalização locais em busca de recicláveis. sobre os catadores autônomos, Mauro conta que trabalhava na com o objetivo de manter de pé região da Avenida Assis Brasil

e da Sertório, porém começou uma intensa fiscalização e retirada dos carrinhos dos recicladores por parte dos azulzinhos, “tive que voltar para dentro da minha própria comunidade em busca de material”. O catador relata que alguns anos atrás já teve seus instrumentos de trabalho confiscados pela “blitz da carroça”, realizada pela prefeitura para coibir o uso de tais meios. Ele estava na Farrapos com sua carroça de tração animal quando foi parado na blitz, que confiscou sua carroça e o seu cavalo, “somente algum tempo depois que consegui comprar um carrinho para continuar meu trabalho”, complementa Mauro. “Eu, no caso, já fugi umas duas ou três vezes, mas já vi

eles pegando e botando pra cima do caminhão o carrinho de amigos meus e levando embora. Chegam e dizem ‘não, não pode trabalhar aqui, é proibido’, daí pegam o carrinho, com polícia junto, botam pra cima do caminhão e levam”, conta Mauro sobre a fiscalização da prefeitura. Mauro denuncia, ainda, que representantes da prefeitura estão indo até os prédios no entorno da comunidade para advertir os moradores para não entregarem os recicláveis para os trabalhadores de carrinhos ou de carroças, “agindo como se o lixo pertencesse ao governo”, relata o reciclador. A realidade dos que dependem da reciclagem não é fácil, e esse público aumentou em função da pandemia, quando

muitos perderam os empregos e buscaram alternativas para garantir seu sustento. A situação dos autônomos é ainda mais complicada, principalmente em função das restrições para transportar o material coletado, que passou a ser permitido, praticamente, somente, para as unidades de triagem credenciadas. Essa é a realidade de diversos moradores do bairro Farrapos que trabalham todo dia em busca de sustento para a sua família e que são repreendidos pelos poderes públicos pela falta de políticas públicas que os ajudem a continuar trabalhando de forma digna e com direitos trabalhistas. YASMIM BORGES RAQUEL LOSEKANN


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Educação .5

Educação na Farrapos em tempos de pandemia Comunidade relata como foi estudar durante o isolamento social

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sse ano de pandemia foi complicado. Se tivéssemos o acesso adequado, ficaria melhor não só para os meus filhos, mas para os filhos dos outros também, porque tem gente que não tem nem um telefone em casa", disse Renata Machado do Nascimento, moradora do bairro Farrapos, próximo à Arena do Grêmio. Desde o início da pandemia de Covid-19, em março de 2020, as famílias brasileiras têm enfrentado um cenário um tanto desfavorável para quem está estudando. Muitas pessoas contam com pouquíssimo acesso a internet e a dispositivos móveis ou até mesmo nenhum acesso para participar das aulas, que seguiram de forma remota. Conforme uma pesquisa divulgada pela startup de educação Descomplica e o Instituto Locomotiva em outubro de 2021, a maioria das escolas brasileiras interromperam as aulas presenciais entre março e abril de 2020. Escolas públicas e privadas seguiram funcionando apenas no ensino remoto, por TV e internet, para os estudantes. Evidenciando as desigualdades de acesso à tecnologia no país, o relatório do IBGE, divulgado em novembro de 2021, mostra que dos jovens de 15 a 17 anos, apenas 54% possuíam computador ou notebook e acesso à internet em casa durante o período das aulas remotas. 90% dos alunos da rede particular possuem acesso à tecnologia necessária para realização das atividades, enquanto na rede pública, apenas 48,6% tinham computador e internet em casa. Renata, de 26 anos, aguardava por um atendimento na Unidade Básica de Saúde Mario Quintana, na manhã de sábado, 9 de abril, ao lado do filho menor, enquanto esperava o seu mais velho chegar. Ela conta que Kauã, de 11 anos, está estudando e conseguiu assistir às aulas e fazer os deveres, pois eles têm internet em casa. Trabalhando em um supermercado da região, das 7h30 às 21h30, emprestava o seu celular para que Kauã pudesse fazer as tare-

fas da escola. A faDona Nelci tá difícil né”, concluiu. Renata, que trabalha o dia mília não tem um A moradora da Farrapos deMoreira, que tracomputador nem todo, conseguia balha com recicla- clarou ainda que um dos filhos outro dispositivo emprestar o seu gem, vive na co- chegou a se envolver com as específico para celular apenas a noite munidade com o drogas, mas que, com o auxílio uso dos filhos. para o filho mais marido e os filhos da Fundação Fé e Alegria, hoje velho, Kauã, estudar “Nem eu pomenores. Dos cin- ele está num caminho melhor. dia ir ao colégio co filhos, Vantuir, "Agora está bem, está trabaretirar alguma atividade para Robson, Sandra, Tiago e Ales- lhando, fazendo curso, eles me ele. Então, como eu chegava sandro, dois são menores, e o acompanharam bastante quantarde, o pai dele ajudava tam- restante são jovens e adultos. do ele estava nessa fase ruim”, bém, pois eu tinha que cuidar Ela conta que Alessandro pe- disse, comemorando que o filho do meu filho menor", explica gava os materiais escolares no está estudando, trabalhando Renata, contando que envia- colégio para conseguir realizar e casado. A assistente social va as atividades pelo What- as tarefas. “Ele ia lá para a pro- Jaqueline Gravina, uma das sApp para a professora. “Às fessora ajudar ele, porque aqui coordenadoras da Fundação, vezes ele entregava um pouco ninguém sabe relatou que atrasado, mas se tivesse um ler, né, somos Sem equipamentos, dona Nelci é computador ou um notebook, todos analfaacompanhada conseguiria fazer durante o dia betos”, disse, alunos têm acesso pela entidade e entregar até antes do tempo”, se referindo a há cerca de afirmou. A mãe reforça que se ela e ao mari- precário às aulas 10 anos e que ela não tivesse o celular, o fi- do, Natalino. uma das melho não conseguiria estudar Nelci relata ainda que o filho tas da organização com durante a pandemia. mais velho, Tiago, está estu- esse trabalho é manter os Consultando 800 pais e dando por meio da Educação menores na escola. responsáveis de estudantes para Jovens e Adultos (EJA). De acordo com o relatório "A do Ensino Fundamental e do “Eu estava estudando com ele acessibilidade do aprendizado Ensino Médio no Brasil, o le- antes da pandemia. Mas agora remoto", feito pelo Fundo das vantamento Descomplica/ eu vou voltar, para dar força Nações Unidas para a Infância Locomotiva aponta que 80% pra ele”, afirmou a senhora. (Unicef), publicado em agosto dessas famílias relataram pro- “Nunca tivemos nada disso. de 2020, três a cada dez crianblemas de infraestrutura, que Só a minha guria tem, mas ças em idade escolar não têm envolve falta total ou parcial de ela trabalha bastante”, falou, acesso ao ensino remoto. O que internet e equipamentos, além sobre o acesso ao celular. Ela significa que são 463 milhões de das dificuldades com platafor- acredita que a educação dos crianças em todo o mundo, desmas; 54% foram impactadas filhos foi prejudicada, pois eles de a pré-escola até o ensino mépor barreiras socioemocio- poderiam estudar melhor se dio, à margem do ensino, sendo nais e 16% enfrentaram ques- tivessem as condições apro- que a maior parte, 72%, é de tões de falta de familiaridade priadas. “Eles pediram para eu famílias de baixa renda. com o mundo digital. Fernando Cardoso, formaver se compro um telefone, mas

do em comunicação social, e educador social da Fundação há uma semana, estimou que por volta de 30% da comunidade tem acesso devido às ferramentas para estudar de casa. Ele lembra um ponto que afeta também uma parcela da população do bairro, que é a ausência de conhecimento sobre o funcionamento de dispositivos e plataformas digitais. "Eu tinha até uma colega de trabalho que tinha dificuldade de mexer no aplicativo, daí ela levava o celular para o trabalho para a gente tentar ajudar ela”, explicou. Enquanto retirava as roupas do varal para que não molhassem com a chuva que estava começando, a senhora Magali Athaydes, de 36 anos, falou sobre a experiência dos filhos Micaeli, de 7 anos, e Luan, de 17, no colégio durante a pandemia. Ela mora na Farrapos com os quatro filhos menores. Magali afirma que Luan conseguiu estudar durante o período de isolamento social, pois utilizou o próprio celular com acesso à internet. “Os trabalhos físicos ele imprimia na lan house e entregava na escola”, relata. Já a mais nova, Micaeli, frequentou o colégio presencialmente durante todo o tempo, pois as aulas ocorreram em escala de horário reduzido, para que fossem com menos alunos por vez, evitando aglomerações e o contágio pela Covid-19. Diversos estudos comprovam que há relação entre a falta de acesso às ferramentas para o estudo e a evasão escolar, reprovação e distorção entre idade e série. Estes problemas, que fazem parte da educação brasileira, foram ampliados com a necessidade do isolamento social e ressaltaram a desigualdade socioeconômica já tão evidente no país. Dados da Unicef apontam ainda que em 2020 cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes não estavam conseguindo estudar. Foram 1,38 milhão de alunos entre 6 e 17 anos, que abandonaram as instituições de ensino, o que representa 3,8% dos estudantes. Além disso, 4,12 milhões de alunos, 11,2%, estavam matriculados, mas sem qualquer atividade escolar em andamento. LUCAS KOMINKIEWICZ EDUARDA CIDADE


6. Saúde

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Dengue ronda o bairro Farrapos Cremes repelentes são oferecidos por unidade de saúde

Reutilização de pneus é uma forma de evitar o descarte e a propagação da dengue

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iante do aumento nos casos de dengue em Porto Alegre, medidas vêm sendo tomadas para evitar a contaminação pela doença nos bairros da cidade. Na Vila Farrapos, os moradores que apresentarem sintomas podem buscar atendimento nas Unidades de Saúde do local. Na US Farrapos, foram 18 casos confirmados de dengue ao longo de 2021, conforme conta a gerente da Unidade, Roberta Cipriani da Silva. Roberta detalha alguns sintomas que devem ser monitorados para obter o diagnóstico – "febre alta (39°C a 40°C) de início repentino, que geralmente dura de dois a sete dias, acompanhada de dor de cabeça, dores no corpo e articulações, fraqueza, dor atrás dos olhos e erupções cutâneas. Também é comum ocorrerem náuseas e vômitos, que resultam em perda de peso". "Para os pacientes que são identificados com sintomas, é realizada a notificação junto à Vigilância em Saúde, que solicita exames: hemograma, plaquetas

e NS1, este realizado na US Assis Brasil, após autorização da Vigilância. O caso é monitorado e em se houver agravamento é encaminhado para o hospital", explica a gerente da US. Para o tratamento, são disponibilizados antitérmicos. Além disso, os pacientes são orientados a beber bastante água. "Em alguns casos, é realizada hidratação endovenosa", complementa Roberta. Juliana Coto Da Silva, recicladora de 33 anos, conta que contraiu a dengue logo após os filhos se curarem da mesma

doença. “Onde eu moro, teve bastante gente contaminada, era uma epidemia, um surto de dengue, dentro da comunidade Santo André”, lembra ela. Desconfiada de estar com Covid-19, logo procurou ajuda, a fim de proteger a família de uma possível transmissão, mas o teste deu negativo. “Quando busquei atendimento, na hora eles viram que era dengue, deram soro, porque tem que hidratar. Tive um ótimo atendimento, pela situação que eu estava”, completa Juliana.

COMBATE AO MOSQUITO

O mosquito transmissor da dengue, do zika vírus e da chikungunya tem preferência por locais com acúmulo de água limpa. Para evitar a doença, é importante limitar as condições de reprodução do inseto. No bairro Farrapos, a reportagem identificou o acúmulo de lixo em alguns lugares abertos, o que pode permitir que água da chuva fique parada no local. As Unidades de Saúde têm direcionado instruções à comunidade, no

Consultas gratuitas para saúde mental Com uma população de 4.500 pessoas, a Vila Farrapos tem atendimento em saúde mental na Unidade Básica de Saúde Mario Quintana. Com mais de 30 pacientes por mês, as principais causas que afetam o público atendido continuam sendo: "o desemprego, a fome, a falta das crianças irem à escola”, relatou Denise Pereira, gerente do posto de saúde. No dia 9 de abril, um sábado pela manhã, o jornal Enfoque realizou uma visita na Vila Farrapos, em Porto Alegre, para entender como a pandemia havia impactado na saúde mental dos moradores. Numa primeira conversa

com técnicos de saúde, percebeu-se que o empobrecimento da população e o isolamento das crianças fora da escola foram as principais causas no aumento do número de atendimentos semanais. Segundo Denise, o número de pacientes atendidos pelos médicos de família cresceu nos últimos anos. As consultas que são realizadas na US são para todos os públicos e todos os dias. Os horários de funcionamento do Mario Quintana, durante a semana, inicia às 8h e finaliza às 17h, e nos sábados, quando ocorrem dias com atividades especiais, como vacinação para crianças ou

sentido de prevenir o contágio. A gerente da US Mário Quintana, Denise Pinheiro, afirma que são oferecidos cremes repelentes para a proteção individual das pessoas. Todos os cuidados são indispensáveis. "É realizada orientação quanto a vasos de flores, pneus, baldes, bacias e potes de água dos cachorros, que deve ser trocada diariamente", acrescenta Roberta, gerente da US Farrapos. MARÍLIA PORT DOMINIK MACHADO

Atendimento de urgência e emergência em saúde mental l Pronto Atendimento

Cruzeiro do Sul (PACS) R. Prof. Manoel Lobato, 151 (Atendimento 24 horas) l Plantão de Emergência

em Saúde Mental IAPI R. Três de Abril, 90 - Passo d'Areia (Atendimento 24 horas) Apesar do apelo artístico, população segue descartando lixo em local inadequado adultos/idosos, funciona das 9h às 16h, porém este calendário precisa ser aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Denise explica que os casos de depressão, ansiedade e síndrome do pânico são praticamente iguais ao período anterior à pandemia. A média de atendimento no Mario Quintana é de 30 pes-

soas no mês, fora as pessoas que são encaminhadas para o posto responsável do Navegantes. “Alguns pacientes têm consultas semanais no posto e precisam de atenção, outros já consultam uma vez por mês com os médicos da família”, disse Denise. JULIANA PERUCHINI DOMINIK MACHADO

Documentos necessários - Documento de Identificação do paciente (não obrigatório) - Cartão SUS (não obrigatório) Principais etapas do serviço - Acolhimento - Classificação de Risco - Atendimento - Internação, encaminhamento ou alta


Saúde .7

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Vacinação contra sarampo inicia na comunidade Campanha para imunizar moradores do bairro Farrapos conta com diversos postos de saúde

A Fundação Fé e Alegria também contribui para essas campanhas no bairro Farrapos. O ano de 2022 é considerado de retomada para essas ações. Atuando há mais de 40 anos no Brasil, a instituição ajuda crianças, jovens e adultos em situações de vulnerabilidade, beneficiando mais de 8 mil pessoas. A assistente social Jaqueline Gravina trabalha há cinco anos na entidade e conta que, antes da pandemia de Covid-19, ocorria uma ação chamada “Passando na Praça”, onde realizavam exames, consultas e distribuição de carteiras do SUS: “A ideia é que isso seja retomado, para que mais moradores possam conhecer e assim fazer parte da comunidade ainda mais, tendo esses direitos de saúde e proteção”, diz.

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o dia 04 de abril, foi iniciada a campanha de vacinação contra o Sarampo na Vila Farrapos. A população local foi dividida em grupos com datas diferentes para a imunização. O primeiro grupo é de profissionais da saúde, que receberão aplicação de duas doses com intervalo de 30 dias entre elas. É necessário a apresentação de um documento com vínculo empregatício ou contracheque para quem trabalha na área. A Secretaria Municipal da Saúde disponibilizou 114 mil imunizantes da vacina em 124 unidades de saúde. No ano passado, não houve campanha de vacinação. A partir de 30 de abril, começa a campanha para as crianças maiores de 6 meses e menores de 5 anos. Conhecido como “Dia D da Vacinação”, é quando a Secretaria oferta as vacinas e as distribui nas unidades espalhadas por Porto Alegre. A gerente da Unidade Básica de Saúde Mario Quintana, Denise Pinheiro, afirma que mesmo sem casos da doença no bairro é preciso que todos sejam imunizados: “A UBS faz orientações e encaminhamentos nas escolas e junto aos pais e responsáveis para que as crianças possam se vacinar”, conta. A meta é que todos tomem sua dose e assim estejam protegidos. Além disso, o posto possui 4.500 pessoas cadastradas nessas unidades, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outra questão de extrema importância para Denise é que os moradores das áreas mais vulneráveis do Farrapos sejam direcionados para a prevenção e vacinação nas UBS, pois o risco de contaminação dessa população é maior, já que o saneamento é precário ou até mesmo inexistente.

EXPERIÊNCIAS NA FARRAPOS

Roberta Cipriani da Silva trabalha na Unidade de Saúde Farrapos há um ano

Acima, a UBS Mario Quintana. Abaixo, a Base Navegantes, ponto da Samu no bairro Farrapos

e oito meses e relata que a vacinação no posto vai começar dia 02 de maio: “Ainda não temos meta de imunização, mas recebemos mais do que o esperado, já que a vacinação infantil ainda não começou”, conta. A gerente conta que a UBS Farrapos faz a atualização da carteira vacinal, além de possuírem todas as vacinas de rotina para completar o esquema. Também se dispõe do Programa de Saúde na Escola (PSE) para incen-

CONHEÇA OS SINTOMAS

Dose infantil estará disponível nas unidades após dia 30/04 tivar as crianças e orientar seus responsáveis a levarem os pequenos até o posto de saúde: “A gente faz o Dia D da Vacinação quando esses são dados por ações nacionais e quando achamos necessário, seja pela baixa

procura ou por muitos casos recentes”, comenta. A dona de casa Stheffany Bianca tem 3 filhos, sendo que dois residem com ela. Moradora de Porto Alegre há seis anos, afirma que ambos estão imunizados contra o sarampo: “É importante que as crianças se vacinem pois são mais suscetíveis às doenças e precisam se prevenir”. Stheffany costuma levar os filhos para imunização na UBS Fradique Vizeu, onde também realiza exames e consultas regularmente.

O Sarampo é uma doença muito contagiosa e comum na infância. Os principais sintomas são: febre alta, tosse persistente, irritação nos olhos e corrimento no nariz. Geralmente, o paciente pode apresentar manchas vermelhas no rosto, que vão até os pés, durando no mínimo três dias. A transmissão pode acontecer pelo ar, com a dispersão de partículas virais, principalmente em locais fechados, como nas escolas. Para informações sobre as vacinas, pode-se acessar o site da prefeitura de Porto Alegre, na página da Secretaria da Saúde (https://prefeitura.poa.br/sms) ou pelo telefone 156 (região metropolitana). A Unidade de Saúde Farrapos fica na Rua Graciano Camozzato,185 e funciona das 8h ao 12h e das 13 até as 17hrs. Para mais informações o telefone da Unidade é (51) 3374-1764. Já a Fradique Vizeu está localizada na Rua Frederico Mentz,374 aberta das 8h ao 12h e das 13h até as 17 horas. O telefone é (51) 3289-5699 ou (51) 3289-5700. Não é preciso fazer agendamento, basta apenas levar os documentos pedidos e nos horários disponíveis nos postos. JULIA SCHUTZ LUÍSA BELL


8. Moradia

Ter

Lar (nem tão) doce lar Vivências da comunidade mostram a luta que é necessária para garantir o direito à moradia

C

asa significa “construção destinada à moradia", segundo o dicionário Michaelis. Para Márcia Carvalho, casa também é sinônimo de luta e conquista. A profissional de reciclagem de 43 anos, mãe de 10 filhos, viu o significado da palavra mudar, de uma hora para outra, na volta de um passeio. Em janeiro de 2013, Márcia — que na época dividia uma casa emprestada com mais 9 pessoas, entre filhos, genros e netos — teve sua moradia destruída no incêndio que atingiu o bairro Farrapos e levou consigo mais 90 lares. De 2013 ao início de 2021, Márcia e sua família viveram no aguardo da concretização de promessas. O período de permanência na moradia provisória tinha previsão de cerca de dois anos. Morando no espaço cedido pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre por sete anos além do previsto, tornou-se rotina segurar a casa nos dias de chuva e vento. “Dava vento, tinha que ficar segurando, senão desabava”, conta. Em 2021, a situação começou a mudar. “A gente recebia o auxílio

emergencial e ajuda de cesta básica, a região, a casa que abrigou a esentão eu fui guardando [o dinhei- posa e as três filhas tinha cerca de ro]”, conta. A madeira compensada 20 metros quadrados. O movimento que servia como parede deu lugar a para a mudança iniciou anos antes, uma casa pré-montada de madeira. em 1990, com ações da Prefeitura A casa, que hoje abriga sete pes- para a remoção de famílias de uma soas, tornou-se mais segura. “Ao área de ocupação. Durante os seis menos uma coisa de bom a pan- anos, além das casas, os órgãos demia me trouxe”, desabafa. responsáveis providenciaram praça, Mesmo com a casa reformada, espaço para a associação do bairro e Márcia aguarda ansiosa a residência unidade de saúde, todas conquistas prometida pela Prefeitudos moradores. ra. Para ela, seu maior “Uma cidade Hoje, quem olha de sonho é sair do bairro. fora nem imagina que a Afinal, os problemas não nasce casa e o empreendimenda porta para fora não construída, to da família iniciaram mudaram. O cheiro de em um espaço de três esgoto é presente nas nós somos metros por seis, que ruelas que levam às construtores contava com banheiro casas. E, com o cheiro, lateral. A casa de eshá presença de ratos, da cidade” quina hoje dá espaço baratas e mosquitos. Sérgio Bueno ao sustento da família, “Casa” também per- Empreendedor uma lancheria que abre meou muitas das deem dias de jogo e recebe cisões de Sérgio Bueno, 65 anos, torcedores gremistas. Nos outros empreendedor, líder comunitário dois andares, encontram-se o lar do conjunto habitacional Mário e uma área disponível para aluQuintana e delegado do orçamento guel. A prosperidade e o avanço participativo da região por mais de dos últimos 25 anos não torna20 anos. Envolvido desde 1979 com ram Sérgio menos crítico. Apona luta por moradia, Sérgio acredita tamentos sobre os problemas da que o futuro é maior do que a vida Arena estão presentes — e firmes particular. “Uma cidade não nasce — em suas falas. Sérgio e alguns construída. Nós somos construtores moradores desabafam sobre os da cidade”, enfatiza Sérgio. alagamentos, problema que surQuando mudou-se em 1996 para giu após a chegada do empreen-

dimento ao bairro Farrapos. Zaida Xavier, 78 anos, empresária e moradora do bairro há mais de quatro décadas, enxerga com gratidão e orgulho as nuances do lugar. O início da construção da Arena chegou com a notícia de que “dona Dora”, como é conhecida, não poderia mais trabalhar com frangos assados, ocupação que foi o sustento da família por mais de vinte e cinco anos. Com isso, Dora enxergou a possibilidade de abrir sua própria lanchonete. Com início durante as obras de construção da Arena, a Lancheria da Dora tornou-se um sucesso entre os trabalhadores. “Eu já cheguei a vender 120 refrigerantes em um só dia de obra. A gente atravessava aqui e levava para eles do outro lado”, conta com orgulho. Um bairro vivo e diverso, com variados conjuntos habitacionais, também é plural quando o assunto é percepção. Uma coisa é certa: histórias de vida, constituição familiar e coordenadas geográficas impactam no sentido da palavra “casa”. E no bairro Farrapos, a falta do olhar público aos problemas estruturais intensificam as diferenças existentes. AMANDA DE ANDRADE BERNARDO NÍCOLAS CRUSE

Um pedaço de m o que permite ent da dona de casa A Santos sem molha que se formam a grama não aparad espaço para vegeta ao redor da entrada de concreto, muit que protege as la do trem, é o que nessa área, dividin terreno, que foi o vendido à família preciso retirar um visória para abri a porta de entrad que fica rente a es sequer sobrar es ção entre o muro A rua de Ange tada, com sentid calçamento, fica n onde mora com su de 2 anos, e seu ma entrada de Angeli ao final da via, a A Rodeado por casa de baixa renda, o lu futebol faz um con ao nível social dos falta de recursos fi realidade predom moradores do bai sua maioria, são i materiais reutiliz impróprios para por exemplo, em te em cima de cantei valões fechados com Para proteger

Com

Com obras Municipal de Ág inconclusas desd da Vila Farrapos pelos alagament para finalização meses, mas a ob mento. A expect moradores, é qu galerias em concr 2 metros de larg tando uma maio concluída ainda tempo, a região desabastecimen Segundo o D to Alegre, o inv de drenagem p de reais. Ela pod obra mais impor sanar o históric chentes na regiã farão a interliga de Bombeament (Ebap) Vila Farr Tolpolar, e a Ca situada na aven Pátria. Mas enq


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moradia pode ser abrigo e salvação

madeira no chão é trar na residência Angelina Lima dos ar os pés nas poças antes da porta. A da acabou dando ações indesejadas a. Um muro vazado to parecido com o aterais dos trilhos faz o isolamento ndo a calçada e o ocupado e depois a de Angelina. Foi ma parte dessa diir passagem para da da residência, ssa proteção, sem spaço de circulao e a casa. elina, que é asfaldo duplo e pouco na Vila Farrapos, ua filha mais nova, marido. Da porta de ina, é possível ver, Arena do Grêmio. as aparentemente uxuoso estádio de ntraste em relação s seus vizinhos. A financeiros é uma minante entre os irro. As casas, em improvisadas com zados e em locais a moradia, como errenos públicos e iros que cobrem os m concreto. do Sol, do vento,

Angelina está construindo em sua nova moradia uma história mais feliz junto de sua filha de 2 anos de idade do frio e da chuva, as paredes externas da casa de Angelina contam com madeiras, que parecem já terem pertencido a outras residências e construções, e com restos de tecidos gastos, que são espalhados nas paredes e na cobertura para ajudar no isolamento térmico. O que para muitas pessoas pode ser um lugar inapropriado para moradia, para a dona de casa é o lugar mais seguro e confortável dos últimos anos, pois ela estava em situação de rua. O vício das drogas a levou para muitos caminhos em seu passado, um deles foi a criminalidade, que resultou na sua prisão por aproximadamente um ano. Com isso, Angelina perdeu a guarda de seus quatro filhos. Apenas de-

pois de conseguir se reestruturar com seu atual marido, ela conseguiu exercer a maternidade. Pode-se dizer que Angelina é um caso de sucesso na comunidade, pois após cumprir sua pena, teve forças para abandonar a dependência química e formar uma família com seu companheiro e sua filha caçula em uma casa própria. Esse, infelizmente, não é o desfecho de todas as pessoas em situação de rua. Faz dois anos que Angelina mora na Vila Farrapos e para ela, que já dormiu ao relento e em albergues, deitar-se, todas as noites, em uma cama que é sua e ter a segurança da moradia que adquiriu é uma conquista muito grande. O anseio de ser feliz com a sua família é o que traz propósito à

sua vida atualmente: “Aqui é muito bom, muito melhor que morar na rua. Eu estou em busca de trazer a minha guria de 12 anos para morar comigo”, disse. Três de seus filhos moram no mesmo bairro que ela: o mais velho, de 17 anos, a filha de 12, que ela pretende resgatar, e o filho de 7 anos, que mora com uma família adotiva. O filho de cinco anos, mora com a irmã de Angelina em Santa Catarina. Apesar das dificuldades financeiras e da ausência de recursos materiais, a falta do convívio com os outros filhos faz a dona de casa e seu cônjuge quererem aumentar a família: “Meu marido falou que quando ela [filha caçula] crescer um pouco mais vamos fazer mais uma menina ou um menino, pra ela ter uma companhia”, contou. Até metade de 2021, segundo dados da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), Porto Alegre contabilizava aproximadamente 2,7 mil pessoas em situação de rua. A capital conta com albergues municipais que atendem às necessidades dos sem-teto, com oferta de janta, banho e pouso. Durante a pandemia, esse atendimento que era apenas noturno, passou a ser 24 horas em alguns locais. Esse tipo de assistência pode ser determinante na vida das pessoas que necessitam, pois através de projetos e cuidados, muitos moradores passam a querer mudar sua situação e começar uma nova trajetória. Por isso, caso você co-

nheça alguém que não tem um lar, encaminhe para o abrigo mais próximo, isso pode ajudar muito e até mesmo salvar uma pessoa.

Abrigos em Porto Alegre Abrigo Municipal Marlene Av. Getúlio Vargas, 40 - Menino Deus. Telefone: (51) 3289 4686 Albergue Acolher 1 Av. Dr. João Simplício Alves de Carvalho, 38 - Vila Ipiranga. Aberto 24 horas. Albergue Acolher 2 Rua Sete de Abril, 315 - Floresta. Abre às 19h. Abrigo Bom Jesus Rua São Domingos, 165 Bom Jesus. Aberto 24 horas. Albergue da Juventude Associação Gaúcha Hostel Boutique Rua Gaspar Martins, 428 - Floresta. Fecha às 22h. Telefone: (51) 3226 5380 FASC - Fundação de Assistência Social e Cidadania Av. Ipiranga, 310 - Praia de Belas. Fecha às 18h. Telefone: (51) 3289 4937 TUANE MOREIRA ANDY MIRITZ

munidade sofre com enchentes e falta d'água

do Departamento gua e Esgoto (DMAE) de 2020, a população segue sendo afetada tos na região. O prazo do serviço era de 12 bra segue em andatativa, por parte dos ue os 342 metros de creto pré-moldado, de gura cada - possibilior vazão de água - seja este ano. Ao mesmo o vem enfrentando o nto de água. Diário Oficial de Porvestimento da obra passa dos 2 milhões de ser considerada a rtante do bairro para co problema de enão. As novas galerias ação entre a Estação to de Águas Pluviais rapos, na rua Jaime asa de Bombas nº 5, nida Voluntários da quanto este serviço

não é concluído, os moradores continuam passando por momentos de desespero ao ver a água invadindo suas casas em dias chuvosos. Moradora da Vila Liberdade, na parte noroeste do bairro, Elisiane Roch, relata a preocupação para os dias com previsão de chuva: “não sei como vai ficar quando chover porque a água vai pra cima. Fica como se fosse uma cachoeira e enche tudo”. O excesso de lixo nas ruas é um dos

principais fatores para que os alagamentos ocorram,“é muito lixo, a gente já ligou pra prefeitura e pediu para recolherem, mas isso aqui só muda com a consciência dos moradores”, afirma. Cinco minutos de chuva são suficientes para o esgoto transbordar e encher as ruas de água, trazendo prejuízos para a comunidade. Os moradores realizam denúncias para o órgão, que aparentemente não consegue sanar o problema: “dão uma desculpa e nunca

Elisiane: residência alaga até com pouca chuva

resolvem nada”, diz Elisiane. A parte sudoeste do bairro também sofre com problemas de alagamentos, deixando claro que esta é uma situação que afeta a comunidade inteira. Moradora da Vila Tio Zeca, Mariele Moraes da Rosa narra o transtorno e traz à tona outro problema: o desabastecimento de água. “Quando chove dá pra pegar um barco e sair aqui. É muita sujeira nos esgotos e não tem como não encher. O esgoto sobe e transborda e as

Mariele: falta de água virou rotina em sua casa

crianças ficam andando em cima. Se não é o esgoto dando problema é a falta de água pro povo”, informa Mariele. Ela conta que está há quatro dias sem água e relata descaso do DMAE: “Eu vejo pelas redes sociais eles [DMAE] dizendo que não era pra estar assim mais, que eles já tinham arrumado, mas isso é tudo desculpa”. Para conseguir sobreviver ao longo desses dias sem água, a moradora teve que recorrer a casa de sua comadre para encher garrafas e desempenhar as funções básicas do dia a dia: “uma briga pra viver assim. Tem que usar um risquinho de água que sai pra encher umas garrafas e tomar banho e tudo. Quatro dias nessa tristeza aqui”. Convivendo apenas com justificativas do órgão, Mariele conta que a paciência da comunidade está se esgotando: “daqui a pouco o povo faz protesto aí e depois não adianta reclamar. Foi assim da última vez, trancaram as ruas e tudo, e rapidinho a água voltou”. GABRIELLI ZANFRAN MATHEUS TERRA


10. Covid-19

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Uma pandemia em meio à Fé e Alegria Entidade assistencial teve que se adaptar para não parar atendimentos

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a rua José Luiz Perez Garcia, 17, tem um muro alto e colorido, com imagens de crianças brincando, de instrumentos musicais e de casinhas de várias cores. Essa é a primeira visão de quem procura atendimento no Centro Social de Educação e Cultura da Fundação Fé e Alegria na Vila Farrapos ou simplesmente passa pelo local. Atuando há 20 anos na comunidade, a Fundação já beneficiou centenas de moradores e continua a oferecer seus serviços a quem precisa. Não diferente do resto do mundo, a Fé e Alegria também foi afetada pela pandemia de Covid-19 e precisou adaptar a forma de oferecer suas atividades. Conforme o educador Irmão Tranquilo, o local oferece um serviço de fortalecimento de vínculo, onde pessoas procuram o espaço, ou são encaminhadas pelo Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), em função de questões familiares ou da comunidade com que precisam de apoio. Também é feito um serviço de abordagem, que teve de se modificar por conta da nova realidade. “A pandemia trouxe grandes limitações, mas também possibilidades de rever o mundo, as intervenções, de como vivemos e podemos viver”, diz o Irmão. De acordo com seu relato, na última semana de março foram totalmente retomadas as atividades com as crianças depois de dois anos. Por um período houve atendimento com uma pessoa por vez, para não deixar os educandos sem suporte. Fabiana Campos é moradora do bairro desde seus 7 anos e atualmente é educadora social na Fundação Fé e Alegria. Ela aponta que a entidade, na pandemia, ajudou principalmente na disponibilização do acesso à internet. O local conta com alguns computadores que beneficiaram os jovens que precisavam imprimir seus trabalhos escolares e materiais de estudo. Os dois serviços de atendimento que a instituição possui hoje são uma parceria com a prefeitura de Porto Alegre e a Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), segundo a coordenadora de abordagem,

Jaqueline Gravina. Ela explica que em 18 de março de 2020 receberam a orientação do uso de máscara, ainda em uma tentativa de organizar os atendimentos. A normativa estabelecia que não poderiam atender sem máscaras, nem em grupo, e trazia a proposta de evitar aglomerações. Com isso, veio um revezamento que durou todo o mês de março. “Nesse período, todo mundo estava tentando se achar, organizar como ia dar continuidade no trabalho, entender o que é. Então o mês de março foi assim. Em abril, a gente retomou a abordagem social”, diz. Por um decreto, a atividade passou a ser considerada essencial, e foi retomado o serviço em sua totalidade. A abordagem da Funda-

Fundação é o porto seguro de muitos moradores da comunidade

ção Fé e Alegria atende tanto adultos em situação de rua quanto famílias com criança/ adolescente com trabalho infantil. Segundo Jaqueline, o serviço com as famílias foi bastante afetado. Com o isolamento, foram suspensas as visitas domiciliares, resultando em um distanciamento entre a entidade e as famílias. O atendimento a adultos e pessoas em situação de rua

“Começou o ‘fica em casa’, mas muitos adultos não têm casa” Jaqueline Gravina

Coordenadora de abordagem da Fundação Fé e Alegria

também teve uma modificação. “A partir desse momento [da pandemia] começou o ‘fica em casa’, mas muitos adultos não têm casa. Então começou um movimento de ‘o que a gente vai fazer?’, ‘qual é o espaço de proteção que tem para essas famílias?’, ‘o que a gente pode fornecer?’, e como começou a chegar a questão da insegurança alimentar, com muitos lugares fechados, a gente passou a ser um ponto de cuidado”, explica Jaqueline. A coordenadora lembra que passaram seis meses, tanto na rua quanto dentro do Fé e Alegria, atendendo pessoas que vinham para alimentação e banho, com encaminhamento para albergues. Michele D’Avila, psicóloga coordenadora de abordagem,

teve uma experiência diferente com a pandemia e o serviço da fundação, pois está há apenas sete meses nessa atuação. Ela menciona diferenças entre um serviço que não parou, daquele que conseguiu se resguardar: “É, de fato, um misto de emoções, uma fundação que circulava um monte de crianças e, daqui a pouco, não circula mais, o receio das equipes de estar na rua, onde estão dizendo para não estar...”, comenta.

ACESSO À INFORMAÇÃO

Apesar de ser considerado um serviço essencial, a vacinação veio tardiamente para quem era da área da assistência, na visão de Michele, não tendo sido um público priorizado. “Vim de um ano e dois meses de home office, e vim para a abordagem porque queria muito. Quando eu comecei a trabalhar [presencial], via as pessoas em home office, e dizia ‘a gente está em mundos diferentes’, a gente está vivendo a pandemia de forma diferente”, aponta a coordenadora. Na Fundação, nove funcionários foram infectados pela Covid-19. “Em relação à informação, as pessoas [atendidas] aqui não sabiam o que estava acontecendo. A gente mal entendendo o que era a pandemia e tendo que explicar… de uma hora pra outra, eles pararam de receber alimentos, parou o movimento de carros, a cidade deserta, e alguns estavam tentando se orientar”, lembra Jaqueline Gravina. Ela ressalta que ao longo do aumento de casos da doença em 2021, imaginava-se que iam ter pessoas morrendo nas ruas, por conta de notícias de outros países, o que era um medo. Porém, acredita que, como as pessoas não tinham muito contato, acabaram não pegando o vírus.

DA COMUNIDADE PARA A COMUNIDADE

A educadora Fabiana Campos diz que o projeto começou muito pequeno e caseiro, no intuito de tirar algumas crianças da rua para um espaço mais protetivo. “O Fé e Alegria sempre teve uma característica bem acolhedora na comunidade, e uma comunidade muito acolhedora com o Fé e Alegria”, finaliza. AMANDA BORMIDA ANDY MIRITZ


Eleições .11

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Apesar de oferecer praticidade, a emissão online do título de eleitor ainda apresenta barreiras aos usuários

Primeiros passos para um novo começo Após campanha nacional, jovens retomam busca pelo primeiro título de eleitor

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esse ano de 2022, uma coisa foi certeira: o engajamento de famosos nacionais e internacionais no incentivo às campanhas do primeiro título eleitoral de jovens a partir dos 16 anos. Um movimento com o objetivo de aproximar a juventude da política e levantar esse debate em todos os lugares. De acordo com os últimos dados divulgados pelo portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre janeiro e março de 2022, o Brasil ganhou mais de 1,1 milhão de novos eleitores na faixa etária de 15 a 18 anos. O que torna a procura pelo primeiro título a maior das eleições gerais, em comparação com os anos de 2018 e 2014. Na Vila Farrapos, a espe-

rança pela mudança e a von- ce nada. Vi projeto sobre astade de tentar diferente é a sociação de jovens, para falar motivação que guia Tifane sobre coisas de emprego, pasAnastácia e Stephany Maria no sear, conversar com as pessoas processo de fazer o primeiro e falar sobre caridade, mas título eleitoral. As irmãs vivem nada foi feito”, lamenta. juntas em uma casa na comuA desconfiança da mais nidade, junto com a mãe e mais jovem vem até da maneira dois irmãos menores. de como deve ser o preenMas nem tudo ocorreu chimento do cadastro no site como o esperado governo para do na hora de “É a partir disso solicitar o título fazer o tão sode eleitor. Tifane nhado primeiro que podemos esperou primeiro título. Tifane, de ter um futuro para ver como se17 anos, é a irmã ria o retorno da mais nova e mais melhor” irmã, Stephany, tímida, mas com Vinícius Silva Hegner com o aplicatiambições e pro- Operador de telemarketing vo. “Primeiro quis jetos em mente ver se ela consepara um futuro melhor na guia fazer online, porque eu comunidade. Ela conta que não confio muito. Queria saber no último ano de eleições, pes- se ela conseguia fazer pra eu quisou projetos e candidatos não ter que ir lá [no cartóe criou expectativas com pos- rio eleitoral]”, conta. síveis retornos de propostas Com 20 anos, Stephany para o bairro onde mora. “Mas Maria deu início ao processo não adianta nada, a gente cria do seu primeiro título eleitoesperança, mas nunca aconte- ral, mas teve dificuldades. No

dia nove de março, a jovem fez a solicitação, mas foi exigido que ela fosse presencialmente, o que deixou a jovem um pouco ansiosa. “O acesso para fazer o título online foi ruim, eu não gostei. A maior dificuldade foi esperar para registrar, porque já queria tirar, mas sempre tem dado erro, acho que fiquei uma semana esperando retorno”, comenta. O incentivo e a busca por novas soluções para a comunidade, para a cidade e para o Brasil vem de todos os lados, inclusive de jovens ex-moradores que também já passaram pelo processo. Vinícius Silva Hegner, operador de telemarketing, de 19 anos, morou com a mãe na Vila Farrapos e recentemente se mudou. Ele reforça a importância da conscientização sobre a votação. “Acho que é necessário todos os jovens hoje em dia fazerem o título, pois creio que, assim como eu, eles

queiram melhorar o futuro do nosso país. É a partir disso que podemos ter um futuro melhor, com escolhas conscientes”, comenta Vinícius. Vinícius conta que ainda não teve tempo de pesquisar as propostas dos candidatos, mas diz que pretende conversar com a mãe, na folga, e debater sobre o assunto. “Nunca escolherei sem saber em quem estou votando”, ressalta. O prazo para tirar o título termina no dia 4 de maio, e o documento eleitoral em mãos traz consigo um conjunto de expectativas de poder influenciar nos rumos do governo e do parlamento. Vinícius espera que realmente todos tenham a consciência de votar em alguém que seja do bem. “Eu sei que nem todos são, mas cabe a nós vermos qual será o mais eficiente para o país”. GIULIA GODOY LAURA SANTIAGO


12. Segurança

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Tem posto da Brigada, mas falta policiamento Os moradores sofrem com o medo de sair e de voltar para casa

Apesar de viaturas estarem no batalhão, moradores relatam que policiais circulam pelo bairro apenas em dia de jogos na Arena do Grêmio

O

s moradores da Vila Farrapos convivem diariamente com a sensação de insegurança. Dia e noite, eles têm medo de sair de casa, de ficar na parada esperando o ônibus, de conversar com os vizinhos e até de ir ao supermercado. Para muitos, a reclamação é a mesma: falta policiais no bairro. A reportagem do Enfoque conversou com moradores – que por questões de segurança não tiveram seus nomes identificados – e andou pelas ruas da região, na manhã do dia 09 de abril, um sábado, por mais ou menos duas horas. Nenhum policial ou viatura foram vistos nesse período. Além disso, as vias estavam com pouco movimento. “Por aqui é comum ter pouca gente nas ruas. Mas a noite fica pior. Temos medo até de chegar em casa”, conta uma cozinheira que mora e trabalha no bairro. Aos 65 anos de idade e aposentado, um morador da região cultiva todos os dias o até arrastão perto do ponto mesmo hábito: ele sai de casa, de ônibus”, comenta. busca o jornal no supermercado e conversa com alguns A VILA TEM vizinhos. Em seguida, retor- POSTO POLICIAL O Enfoque foi até o posto na para a residência, mas não descuida, em nenhum instan- que fica ao lado da Arena. No te, do movimento nas ruas. “Se prédio funciona a Companhia a gente der mole, o bandido de Força Tática do 11° Batapega a gente. Aqui é tranquilo, lhão de Polícia Militar (11° mas a maioria dos vizinhos BPM) – unidade responsável pelo policiamenfica o dia todo dentro do pátio. “Só tem policial to ostensivo no À noite, então, bairro. Porém, é muito calmo, em dia de jogo não há atendinão tem quamento externo. se ninguém na do Grêmio” A estrutura é rua. Porém, pousada apenas licial tu só vê no dia que para alojamento dos policiais tem futebol”, afirma. e trabalhos administrativos. A constatação de que só No local, também há viatutem policiais nas ruas em dias ras e motos usadas nas ronde jogo na Arena do Grêmio das e veículos antigos que já é comum entre os morado- foram retirados da frota da res. Andando com a filha de Brigada Militar (BM). oito anos pelo bairro, uma A reportagem tentou condona de casa disse que tem tato com o Comando da BM medo de sair no dia a dia, para entender como funciomas quando tem evento no na a dinâmica de patrulhaestádio há muitos policiais mento no bairro. Porém, não na volta. “A gente nunca sabe recebeu retorno até o fechao que vai encontrar fora, na mento desta edição. rua. Prefiro ficar protegida lá dentro. Nos dias de jogo tem DIFÍCIL PARA QUEM policial por tudo, até barreira PRECISA TRABALHAR eles fazem aqui na avenida [AJ Vendedora em um shoRenner]. Fora desses dias, já vi pping de Porto Alegre, uma jo-

pediram para entrar no veículo. Botaram a arma na minha cabeça e pegaram o celular e o dinheiro. Graças a Deus, fugiram sem me machucar.”

CADEADOS E GRADES NAS CASAS

vem de 25 anos, trabalha entre 14h e 22h. Para ir até o emprego, ela consegue ir de ônibus. Porém, na hora do retorno, por questões de segurança, acaba optando por um transporte por aplicativo. O problema é que a maioria dos motoristas não querem entrar na região. “Tem ruas aqui que eles não entram. Quando tu consegue fazer amizade com os motoristas, eles até aceitam. Porém,

fora disso, não tem condições. Acabo tendo que caminhar até em casa”, conta. Morador da Zona Sul, o motorista de 41 anos que trabalha com aplicativos, relata que já foi vítima da ação de criminosos na região. “Entrei em uma das ruas estreitas aqui e fui deixar a passageira. Quando ela desceu e eu ia arrancar o carro, eles me surpreenderam. Anunciaram o assalto e

Enquanto circulamos pelas ruas da Vila Farrapos foi impossível não notar que todas as casas têm portões cadeados e, em sua grande maioria, têm grades altas e estreitas. As duas ferramentas são usadas para tentar evitar a ação de bandidos. Enquanto a reportagem do Enfoque fazia fotos desses detalhes, uma moradora ficou curiosa com a nossa movimentação e questionou o que estávamos fazendo. Durante a conversa, ela contou que já teve a casa invadida e que, por isso, agora o imóvel tinha segurança reforçada. “Nunca deixo meu portão aberto. Passou, tem que fechar o cadeado. Qualquer deslize pode custar caro”, ressalta ao dizer que já teve televisão, micro-ondas e até ferro de passar furtados. JAIME ZANATA NICOLAS CORDOVA


Gente .13

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Liderança e amizade: conheça Izaltino Barreta Porto Alegre acolheu Izaltino e ele fez da Vila Farrapos sua casa

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ma vida de serviços para uma comunidade que o acolheu desde o momento em que pisou em Porto Alegre. Izaltino Barreta foi líder comunitário e é uma das figuras mais conhecidas na Vila Farrapos, onde chegou no ano de 1987. Por aqui, colecionou memórias, amizades e uma porção gigantesca de histórias para contar. Entre as andanças e vivências de Barreta, ainda carrega consigo, como lembrança, a primeira carteirinha de sócio-torcedor do Grêmio. Título que ganhou em 1975, quando fretava viagens em sua Kombi nas cores preta, branca e azul. Essa vida viajante aconteceu ainda antes de chegar ao bairro da Arena, nova casa gremista. “Depois, quando o Grêmio veio morar aqui perto de casa, me deram uma nova carteirinha: de torcedor diamante”. A rotina tranquila nunca fez parte das preferências de Barreta, um nato fomentador de projetos que engajem a comunidade e consigam promover uma qualidade de vida melhor para os moradores do bairro. Durante os anos na Vila Farrapos, Izaltino, assim como muitos moradores, acabou conhecendo um dos grandes líderes religiosos que o bairro teve, o Padre Blásio Voguel. Com a amizade e muitas histórias vividas ao lado do sacerdote, após a morte de Voguel no ano de 2004, Barreta resolveu homenagear o líder que tanto fez pela comunidade, marcando para sempre uma das ruas com seu nome. “Para batizar, entrar com o projeto na Câmara de Vereadores, tinha que ter no mínimo 60 assinaturas. Eu tinha 63”, se orgulha a liderança. Engana-se quem pensa que essa coleta de assinaturas levou tempo ou passou por dificuldades. Izaltino comenta que escolheu a dedo os moradores que iriam assinar o projeto, já que o Padre Blásio conheceu muitas pessoas. “Passei em pessoas que eu confiava. Quem foi ele que fez a primeira comunhão, ele que batizou… en-

Em frente a uma praça que nomeou está Izaltino Barreta, um dos líderes comunitários mais antigos da Vila Farrapos. Ele ainda carrega consigo a primeira carteirinha de sócio-torcedor do Grêmio, que ganhou em 1975

tão eu peguei as assinaturas, levei para a Câmara e fiquei em cima”, comenta. Como se não bastasse a iniciativa, Izaltino Barreta, como um bom articulador de suas causas e propostas, passou a monitorar o início de uma obra na referida rua a ser denominada, até que o momento chegou. “Para entregar o projeto, eu tinha que esperar as obras começarem. Então eu

Rua Padre Blásio Voguel tem o nome por iniciativa de Barreta

ligava 3 ou 4 vezes por dia para a empresa pra saber. Assim que começou fui até a Câmara”, comenta Izaltino. Com empenho, leveza e sempre com um sorriso no rosto, Barreta conseguiu o grande feito que orgulha ele e o bairro. Hoje, a antiga Rua 605 leva o nome do evangelista, sacerdote e amigo da comunidade: Rua Padre Blásio Voguel.

São histórias como essa que escrevem a trajetória de vida de Barreta em uma comunidade como a Vila Farrapos. Suas andanças e a conversa boa e fácil com todos na volta fazem com que sua motivação por dias melhores floresça em cada parte daquele lugar. GIULIA GODOY LUÍSA BELL


14. Gente

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De Capão à Glorinha, um sonho Jovem trabalha para poder ajudar a família na Vila Farrapos

ra de remonte, o jovem recebe um rancho como benefício, que costuma compartilhar com a família quando tem a oportunidade de visitar. Evenx-morador da Vila Farrapos, Mar- tualmente, pretende tirar carteira de co Antônio Carvalho da Silva, de motorista e comprar um veículo. A 19 anos, sempre precisou bata- namorada divide junto as contas do lhar para sobreviver. Nascido em Ca- aluguel, cuidando de crianças nas repão da Canoa, veio com a família para sidências de algumas famílias. Porto Alegre quando tinha 10 anos. É o Marco descreve onde mora como irmão do meio entre outros nove. Mar- uma fazenda. Diz sentir saudades cia, mãe do rapaz, tem 46 anos e mora do movimento mais intenso da Vila em uma residência temporária desde Farrapos, onde podia ouvir música que um incêndio atingiu a alta em qualquer horário, casa onde viviam. Para se Marco sem precisar se importar sustentar, ela conta com com a interferência de viauxílio do Bolsa Família. conseguiu zinhos incomodados com Um dos maiores objetivos o som. Quando morava na de Marco é poder, no futu- documentação comunidade, ia em festas ro, comprar uma casa para para voltar a com frequência, e sua naa mãe. As vindas dele à morada gostou muito dos comunidade, agora menos estudar rolês, especialmente por frequentes do que gostater passado a vida inteira ria, são para visitar a família. num lugar pouco movimentado. Na infância, Marco participou de Mesmo após a mudança, Marco uma iniciativa do Grêmio para trei- mantém contato com os seus antigos nar jovens com interesse em futebol. amigos. Os conhecidos de Glorinha O professor responsável dava aulas têm vivências muito diferentes, que gratuitas para os jovens. Na época, ele dificultam uma maior proximidade. precisava cuidar de cavalos e capinar Lá, convive próximo da família da para ter algum dinheiro. Atualmente, namorada. Os sogros moram na casa Marco mora em uma casa alugada em em frente e, por mais que costumem se Glorinha com a namorada, Gabrie- intrometer em alguns assuntos, são de la, de 17 anos, que conheceu ines- bom relacionamento, ele conta. peradamente pelo Facebook. Apesar de ter ingressado no priTrabalhando em uma construto- meiro ano do Ensino Médio, após

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Autismo: saiba mais Em 2 de abril, foi comemorado o Dia Internacional da Conscientização do Autismo. Neste ano, a data quer conscientizar que o autismo não é uma doença, uma deficiência ou uma incapacidade de convivência em sociedade. Atualmente o Transtorno do Espectro Autista (TEA) está sendo relacionado com a temática da neurodiversidade, que serve para atualizar a definição e a simbologia do autismo.

AFINAL, O QUE É TEA?

O TEA, como o nome já diz, é um transtorno. Não é uma deficiência e nem uma doença. O diagnóstico deve ser feito ainda na infância. Ao perceber os primeiros

sinais, deve ser buscado um neurologista para que seja dado um parecer identificando o transtorno.

NÍVEIS DE AUTISMO

Autismo leve: a pessoa consegue se comunicar sem ajuda de outras pessoas, mas há dificuldade de interação social e os interesses são restritos, dificultando a troca de experiências novas. Autismo médio: a pessoa precisa de suporte de outras pessoas, pois apresenta dificuldades na comunicação verbal e não verbal. Têm problemas na interação com outros e apresenta um comportamento repetitivo. Autismo severo: a pessoa necessita de apoio integral e não apresenta ha-

apenas três meses de aulas presenciais, a pandemia começou, impossibilitando que Marco desse continuidade aos estudos por conta de dificuldades de acesso às ferramentas tecnológicas de ensino. Durante a sua visita mais recente à comunidade, pegou o seu atestado de escolaridade para dar sequência à sua trajetória estudantil, agora ao lado de Gabriela, que também está no primeiro ano do Ensino Médio. A garota é a irmã caçula da família, com um irmão solteiro e dois casados. E, embora falte um tempo considerável, ela sonha em futuramente se tornar veterinária. Por conta da distância e das dificuldades financeiras para bancar o deslocamento, Marco não consegue ir com frequência para Porto Alegre. Fazia três meses desde a última vez que conseguiu visitar a família. A casa onde mora também fica longe do trabalho, e, por isso, ele costuma acordar às 5h para esperar a Kombi que passa para levá-lo até o serviço, voltando às 17:18. O casal possui uma égua chamada carinhosamente de Baia, duas cadelas, Megan e Laica, e uma gatinha chamada Nenenzinha, mas que eventualmente adquiriu o apelido de “Peixe” por adorar se alimentar com eles.

A sobrecarga de responsabilidades durante a adolescência de Marco resultou no seu amadurecimento precoce

MATHEUS RAMOS VALENTINA LOPARDO

bilidade de comunicação. Existe grande dificuldade em lidar com mudanças, que podem gerar angústias e sofrimentos. Para um diagnóstico que confirme a suspeita do transtorno autista é necessário o acompanhamento com psiquiatras e/ou neurologistas. É importante pesquisar sobre o assun-

to e manter contato desde cedo com especialistas para garantir que a pessoa com autismo continue se desenvolvendo.

TEA HOJE

É bom explicar que com o passar dos anos as definições de TEA foram modificadas, tanto pelos neurologistas quanto pe-

los próprios autistas. Um infinito com as cores do arco-íris hoje é o símbolo do autismo. O infinito representa os diferentes graus do espectro, e o arco íris representa a diversidade sexual e étnica dos indivíduos com TEA. O autismo não é uma doença, portanto não necessita de cura.

CAPACITAÇÃO SOBRE AUTISMO

Para oferecer conhecimento e informação para familiares de pacientes, cuidadores, educadores e profissionais de saúde o Ministério da Saúde também está ofertando quatro cursos sobre a temática do Autismo. Os materiais estão disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem do SUS (AVA-SUS) e na plataforma da Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS). Acesse em www.gov.br. Símbolo do autismo: neurodiversidade do espectro

MARCO ANTÔNIO MOREIRA


Esporte .15

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Sonhos de futebol seguem vivos Entre gerações, uma vida melhor se faz junto por meio do esporte

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m um campo do bairro Humaitá, em Porto Alegre, as equipes do União Vila Farrapos e do Palmeiras de Alvorada realizaram um amistoso, que acabou 6 a 3 para o time da região. Aos arredores do pequeno estádio Antigo Sesi, a família de Yarlei Schumacker acompanhava e torcia pelo menino de 15 anos. O nome dele foi dado em homenagem ao ídolo Iarley, campeão mundial com o Internacional. Colorado, com a camisa laranja e o número 47 do time do Palmeiras de Alvorada, Yarlei tenta transformar um sonho em realidade. Ele joga futebol desde os cinco anos de idade e já passou por times como São José e Inter. É meia-direita, destro e tem como qualidades uma boa visão de jogo e ótima capacidade de dar assistências. Também gosta de cobrar bolas paradas, como escanteios, faltas e pênaltis. Além disso, Yarlei conta com o apoio da família, que busca sempre acompanhar as partidas. Inclusive, há pouco tempo ele se mudou para morar com o pai, visto que a mãe não o incentiva a continuar essa ambição. O pai Marcelo Salles Schumacker, de 44 anos, comentou sobre as dificuldades, como a questão financeira e locomoção: “Tem jogos que cobram 50 reais para acompanhar. Sem contar as mensalidades e gasto com viagens”. A madrasta Simone Pereira, de 40 anos, também falou sobre as poucas oportunidades na área. “Por falta de incentivo e dinheiro, perdemos muitos craques no futebol brasileiro. O pobre não tem visibilidade”, lamentou. Atualmente, Yarlei tem o desejo de voltar a treinar no Inter. Antes, teve essa oportunidade, mas pela distância do local e por receio em relação ao seu tamanho, optou pela desistência após dois meses por lá. O jovem joga campeonatos municipais e estaduais pelo sub-15 do Palmeiras de Alvorada, mas pensa em ter mais visibilidade. Para isso, o garoto de 1,57 de altura se inspira em dois ídolos do futebol: Cristiano Ronaldo e Andrés D’Alessandro. Por outro lado, tem a história do time de camisa bordô, que representa a Vila Farrapos, no Bairro Humaitá. Próximo à Arena do Grêmio, na Rua Bambas da Orgia, fica o

O sonho de Yarlei Schumacker é movido pela bola nos seus pés e acompanhado pela paixão do pai

humilde campo do clube. A equipe é treinada por José Luis Almeida da Silva, de 45 anos, que trabalha com oficina estética de automóveis. Carinhosamente chamado de Mano, ele já teve os mesmos sonhos dos meninos do União, mas que foram interrompidos após uma lesão séria no joelho, quando jogava como lateral-direito pela categoria juvenil do Inter, no ano de 1992. O técnico ajuda a manter o time, paga as passagens para os jogos e contribui com lanches, graças ao apoio financeiro dos patrocinadores, como, por exemplo, Senna Petshop e Farmácias Associadas. Em “Os meninos relação aos unisão como meus formes, bolas e outros materiais filhos. Eu amo esportivos, Mano fazer isso” possui ajuda de amigos ex-jogaJosé Luis da Silva Treinador dores, como o Régis Amarante. “Os meninos são como meus filhos. Eu amo fazer isso e sinto que os afasto do mundo da marginalidade”, ressaltou o treinador. Vitor Hugo da Silva Câmara, de 15 anos, é um dos destaques do time que representa a Vila Farrapos. Joga bola desde os oito anos e tem preferência pelas posições de volante e meia-centralizado. É ambidestro, bom driblador e finalizador. Gremista, o menino busca motivação através dos jogadores Diego Souza e Mbappé, um dos craques do PSG, da França. Vitor cita a questão financeira e os estudos como complicações para seguir o sonho, mas não desiste do que ama fazer, mesmo que a sua tia seja contrária à ideia, pois acha que já passou da idade. Seus pais, que trabalham com venda de lanches e reciclagens, o apoiam, apesar de todas as adversidades. “Muitas vezes não tenho dinheiro em casa, e o Mano paga as passagens para mim. É difícil conciliar o futebol e o estudo, mas se eu não estudo, eu não jogo”, contou. Por fim, ele busca acreditar no próprio potencial. Afirma que um dia vai jogar profissionalmente em clubes como Grêmio, Flamengo, Red Bull Bragantino e até mesmo pela Seleção Brasileira. GABRIEL JAEGER BARBARA BÜHLER

Da Vila Farrapos para os gramados do Grêmio A estudante Ketlin Silva reside com sua mãe, seu padrasto, o irmão mais novo de 12 anos e mais 3 primos, numa casa de dois quartos. Moradora da Vila Farrapos desde que nasceu, a filha do meio da auxiliar de produção Nilza dos Santos Silva, joga futebol desde os 11 anos de idade.

A menina chamou a atenção de um professor da cidade de Cachoeirinha, enquanto disputava um torneio amador. Ele entrou em contato com os pais de Ketlin e a levou para treinar em uma escolinha na sua cidade. Participando de campeonatos e outras disputas a partir daí, em 2019

a jogadora foi convidada a participar do time feminino do Grêmio, na sua categoria. Ainda sem um contrato, ela precisa arcar com as despesas do deslocamento, pois seus treinos são no Centro de Treinamento do bairro Cristal, e são necessários dois ônibus para ir e dois para voltar.

Foi preciso mudar de escola para poder conciliar os horários de treino e estudo, o que para Ketlin não foi problema, pois se adaptou muito bem à nova rotina. Para se manter na escolinha do Tricolor, ela precisa ter certa frequência e boas notas na escola. Sua mãe acredita que foi muito

bom para Ketlin criar mais responsabilidade e acredita num futuro promissor para a filha: “Eu eduquei eles do meu jeito e graças a Deus tive um bom resultado. Ela tem um dom, eu digo pra ela que ela vai mudar nossas vidas”, contou. TUANE MOREIRA


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BAIRRO FARRAPOS

| MAIO DE 2022 | EDIÇÃO 1

Amor que supera as dificuldades

Adair conta que quem cuidava dos cachorros e da família era a sua esposa, que faleceu há pouco mais de um ano. Ela se foi, mas deixou dois grandes companheiros para esse senhor, que confessa que sempre divide o que tem com seus amigos fiéis. “O Tarzan já está velho e eu sei que está mal cuidado, mas é difícil. Muitas vezes a gente não tem o que comer, mas ele é a minha família, eu amo esse cachorro e ele é tudo pra mim. Não quero doar para ninguém”, afirma Adair. Neste ensaio fotográfico, realizado na Vila Farrapos, várias imagens capturadas mostram a variedade de animais que convivem e recebem cuidados dos moradores da comunidade: periquitos, cachorros, gatos, um jumento e até um galo. LUÍSA BELL

ANDY MIRITZ

RAQUEL LOSEKANN

A maioria dos animais que passeia livremente pela comunidade é de estimação. Como é o caso do Tarzan, um cachorro de 12 anos de idade que, apesar de circular sozinho pela região, tem uma família, composta por seu irmão Zoreia e por seu humano, o Adair.

EDUARDA CIDADE

As ruas e vielas do bairro Farrapos são preenchidas por animais que correm, brincam e pedem carinho aos pedestres. Quem caminha pelo local, acredita encontrar animais em situação de rua, mas a verdade é outra.


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