Enfoque Porto Alegre Lomba do Pinheiro 1

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ENFOQUE

LOMBA DO PINHEIRO

PORTO ALEGRE

1 JULIA FERLIN

ARQUIVO PESSOAL

TAIANA SOUZA

VITÓRIA RIBEIRO

PORTO ALEGRE / RS OUTUBRO DE 2023

As lutas que levaram a moradora Lurdes à horta do bairro

Os Zanella, uma das famílias desbravadoras do comércio local

O trabalho do CPCA para promover a infância e a juventude na Lomba

Páginas 4 e 5

Páginas 2 e 3

Página 6

Para além de um bairro

Moradores da Lomba do Pinheiro têm identificação especial com o território da zona leste da Capital


2. História Editorial Lomba, uma identidade

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Registro dos estudantes junto a representantes do bairro em frente ao CPCA

VITÓRIA RIBEIRO

ALANA SCHNEIDER

Entre o rural e o urbano: uma história de prosperidade BEATRIZ SCHLEINIGER

pós mais de dez edições contando histórias, sonhos e reivindicações de moradores da zona norte de Porto Alegre, as turmas de Jornalismo Comunitário e Cidadão e Fotojornalismo, da Unisinos, mudam de rota e voltam seu olhar agora para a zona leste da Capital, onde está a Lomba do Pinheiro. O bairro, inicialmente composto de grandes chácaras e sítios, teve seu crescimento populacional impulsionado pelo processo de urbanização da cidade na década de 60. Preserva ainda hoje, como característica, a forte organização comunitária de seus moradores, ao mesmo tempo que lida com o estigma de violência e a falta de infraestrutura básica. Inspirados pelos escritos da jornalista Eliane Brum, e pelos diálogos com os representantes do Centro de Promoção da Criança e do Adolescente (CPCA), entidade que atua no bairro há mais de 40 anos, lotamos duas vans e ocupamos a Lomba, em busca de histórias. Nosso objetivo foi mostrar o extraordinário da rotina corriqueira dos moradores e, por meio do jornalismo comunitário, resgatar a identidade coletiva e valorizar a cultura local. Algo que só é possível com a participação ativa da comunidade, o que ocorreu desde o princípio, da escolha das pautas à produção das matérias. Para muitos dos repórteres, o sábado, 9/9, representou a primeira interface com a Lomba do Pinheiro. Uma imersão ao melhor estilo “pé no barro”, como diz o jargão dos jornalistas, quando a pauta exige a ida presencial ao local do fato. Desta vez, a expressão não representou apenas uma metáfora. Chovia muito naquela manhã, e a cobertura exigiu, além dos blocos para anotações e das câmeras fotográficas, um guarda-chuva na mão. Recepcionados na sede do CPCA pelos carismáticos Freis Patrício e Antônio, as turmas foram divididas em três grupos para, em três horas, explorar ao máximo o bairro. Da horta comunitária aos centrinhos cultural e comercial, parando na banca de jornais e andando de carro pela principal avenida. Agora somos nós que fazemos o convite: percorra a Lomba do Pinheiro com a gente e ganhe um Enfoque novo sobre este importante território da Capital gaúcha. n

ENFOQUE PORTO ALEGRE | LOMBA DO PINHEIRO | OUTUBRO DE 2023


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ENFOQUE PORTO ALEGRE | LOMBA DO PINHEIRO | OUTUBRO DE 2023

A Lomba do Pinheiro cresceu com o êxodo rural e se consolidou como um bairro que acolhe os moradores

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m dos maiores bairros de Porto Alegre se destaca pela preservação histórica, pelo crescimento sustentável e por muita esperança. Há cerca de 200 anos, a área que agora abriga o bairro Lomba do Pinheiro era predominantemente composto por chácaras e sítios pertencentes a famílias de origem portuguesa, que se dedicavam ao cultivo da terra e à criação de animais. Conforme o arquivista Vinícius Mitto, a principal área rural era a Fazendo Boqueirão, propriedade dos irmãos Antero e Afonso Lourenço Mariante. A única herdeira, Rafaela, casou-se com João de Oliveira Remião, iniciando, assim, um capítulo significativo na história da Lomba do Pinheiro. Por serem considerados, oficialmente, seus primeiros habitantes, o bairro procurou homenageá-los: a única escola estadual de ensi-

no médio do bairro, chama-se Rafaela Remião, e a rua principal, que corta a região, João de Oliveira Remião. A história da Família Remião, juntamente com as de outros pioneiros do local, se encontra eternizada na sua antiga casa, hoje transformada em Museu Comunitário Lomba do Pinheiro. O acervo é composto por diversos artefatos e desempenha um papel importante ao conservar a história do local, preservar o patrimônio cultural e ambiental e, também, promover ações educativas. Até meados dos anos de 1940, a Lomba do Pinheiro conservou suas características rurais, de acordo com o Centro de Pesquisa Histórica de Porto Alegre. Os habitantes se dedicavam à agricultura, produzindo uma variedade de produtos hortifrutigranjeiros que eram posteriormente levados ao centro de Porto Alegre para serem comercializados. Nesse mesmo período, a região também era conhecida por seus tambos de leite, que abasteciam não

apenas o bairro, mas também as áreas vizinhas. Além disso, os moradores do local eram, na sua maioria, procedentes do interior do estado.

A FAMÍLIA QUE MIGROU E EMPREENDEU

Após a década de 1960, migraram para a região pessoas oriundas de outros bairros de Porto Alegre, devido às grandes enchentes de 65, e de cidades do Rio Grande do Sul, a exemplo da Família Zanella. Ao fazer um passeio na Capital para visitar o cunhado, Celeste Zanella, hoje com 82 anos, tomou uma decisão que mudaria o rumo de sua vida. Em 1983, o comerciante optou por comprar uma parte do negócio de seu parente e se estabelecer no bairro Lomba do Pinheiro. Chegou com a esposa Wilma e os cinco filhos: Sérgio, Celso, Caio, Solange e Simone. “Comecei com nada. Não tinha carro e não tinha outro conhecido na Lomba além do meu cunhado”, informou o octogenário, que hoje mora em Imbé, no litoral norte. Inician-

do com um modesto armazém, gradualmente o empreendedor expandiu o seu comércio. Ele apostou na região, apesar das poucas promessas em relação a sua prosperidade, transformando o nome de sua família em uma marca de referência no bairro. Hoje, os estabelecimentos Zanella atendem diversos seguimentos, fornecem produtos e serviços essenciais para a comunidade, e geram empregos para os moradores locais. Celso Zanella, de 60 anos, filho de Celeste e Wilma, acompanhou de perto as últimas quatro décadas de evolução do comércio de sua família. Ele contou que esse processo não foi fácil, exigindo esforço e dedicação de todos os envolvidos. Atualmente, ele é diretor do Supermercado Zanella, um dos principais estabelecimentos do bairro. O desenvolvimento comercial da Lomba do Pinheiro desempenhou um papel fundamental na expansão da região e, por consequência, impulsionou sua urbanização. A partir desse proces-

VITÓRIA RIBEIRO

À frente de um dos maiores estabelecimentos do bairro, Celso Zanella vem de uma família de empreendedores

so, surgiu um dos bairros mais populosos de Porto Alegre. Segundo o Observa POA, o bairro reúne cerca de 62 mil habitantes. A Lomba do Pinheiro, embora tenha suas raízes na atividade comercial, vai além dessas origens, destacando-se por suas características mais proeminentes: a diversidade cultural e a sólida organização comunitária. Os coletivos locais representam um ambiente propício para a construção de cidadania, por meio de projetos e iniciativas que buscam a inclusão social dos seus habitantes, especialmente da juventude. O bairro tem revelado uma capacidade de adaptação e crescimento, preservando a sua identidade, enquanto abraça as mudanças e os desafios do tempo. Uma comunidade diversa e vibrante que valoriza a sua história enquanto olha para o futuro com esperança e determinação. n LAURA DRIEMEIER BEATRIZ SCHLEINIGER VITÓRIA RIBEIRO


4. Ambiente

ENFOQUE PORTO ALEGRE | LOMBA

Um paraíso com che Projeto coletivo da Lomba do Pinheiro resgata conhecimento local e fortalece vínculos entre moradores e a comunidade

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entrada do paraíso da Lomba do Pinheiro não tem arco dourado, nem placas de boasvindas, tampouco sinalização. Nem é preciso. A natureza se encarrega do espetáculo. No cheiro da terra molhada e ao som da brita que sede aos pés, somos abraçados pela mata na trilha que leva à Horta Comunitária, projeto que teima em existir, resistir e se reproduzir. A vigilância é diária, e o acesso aos visitantes é permitido só após a identificação. Reunidos na sede do projeto – uma casinha bem simples de madeira que não requer grande descrição – Lurdes Ágata Guiconi, 64 anos, e Dyozzyfer Garcia, 28 anos, reforçam a importância de fazer novamente verdes as cidades de concreto. Acompanhada de um café com sabor de acolhida, a conversa resgata o passado para contar o presente dos voluntários que plantam ali, um possível depois. Sentada na cabeceira da mesa, Lurdes é bastante expressiva, gosta de gesticular. Com as unhas ainda cheias de terra, parece cansada, talvez das demandas do dia, ou de tanto esperar a ajuda de um poder público que não vem. O conhecimento por ela aplicado hoje na horta é herança valiosa deixada pela mãe. Dona Delvina, benzedeira analfabeta, aprendeu a cultivar ervas medicinais com o povo guarani e desde cedo ensinou a filha os benefícios dessas plantas. Ao lado de Lurdes, um rapaz mais contido, mas muito atento. De cabelo black power e barba cheia, Dyozzyfer é técnico em ambiente e também educador social do CPCA, atuando como ponte entre os jovens do Centro e a horta. E no tempo dos homens, a manhã corre e a conversa se encaminha para o fim. Xícaras são lavadas e um último flash da colega fotógrafa,

Educador social, Dyozzyfer aproxima jovens do CPCA da Horta Comunitária


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DO PINHEIRO | OUTUBRO DE 2023

eiro de horta pisca no ar. Seguimos agora sem Lurdes, pois sua vida fora da horta chama. No silêncio dessa despedida, Dyozzyfer nos convida a sentir e experimentar essa horta.

Lurdes da Lomba: uma liderança fundamental para o ativismo ambiental e feminino do bairro

IMERSÃO SENSORIAL

É difícil descrever as sensações despertadas nessa imersão, mas em todas o sentimento é de estar em casa. Tente imaginar o ar fresco de uma manhã chuvosa chegando aos pulmões. Visualize um pé de maracujá sobre a cabeça e à frente um caminho de bromélias. Vá adiante, olhe em volta. À sua esquerda um jovem pé de laranja está a florescer, do outro lado, rosas se misturam aos chás. O caminho leva a uma pequena estufa repleta de mudas, plantadas em caixinhas de leite longa vida, cápsulas de café e potes plásticos que ocupam chão e bancadas. Mais adiante, dezenas de canteiros com variadas plantas. Inspire e lembre-se do cheiro inconfundível da arruda e o aroma do funcho e da camomila. Visualize as folhas “peludas” do peixinho da horta e um roxo vibrante da penicilina. Tente imaginar ainda o gosto ardente da capuchinha na boca e a textura rígida da folha do ora-pro-nóbis. São tantas hortas numa horta, que o cultivar vai além do que brota da terra, do que é visível aos olhos, perceptível ao olfato, e singular ao paladar. É um saber-fazer político, econômico, pedagógico, terapêutico e ecológico. Um saber-fazer que é afetivo, coletivo, comunitário. Pelo trabalho voluntário de tantas mãos, uma tentativa de resgatar e valorizar saberes e fazeres locais, a exemplo de sementes crioulas, mudas nativas de frutíferas e ervas medicinais. Sete mil metros quadrados preservados pela mobilização popular, o método biológico utilizado pela comunidade no combate às pragas que do espaço querem se apropriar. Não à toa chamam a horta de paraíso, pois é onde homem e Terra se reconectam, numa outra concepção de tempo, que não é frenético, mas energético. O tempo da natureza. O relógio dos homens, contudo, é cruel, indica que o nosso tempo ali está esgotado. Como sinal de tristeza pelo término da visita, os pingos da chuva voltam a cair. Um último abraço da mata e o vai e vem da avenida já se faz ouvir. Assim como não há placa de boas-vindas, também não há o até breve. Mas sugere-se sempre pedir licença à mãe Terra quando ali for entrar. E ao sair, é bom lembrar: essa casa também é sua, assuma, portanto, a responsabilidade dela cuidar. n ALANA SCHNEIDER TAIANA SOUZA

A vida de quem cultiva a Lomba A s ruas e avenidas de Porto Alegre que levam à Lomba do Pinheiro não fazem parte do meu itinerário, mas através delas é que conheci uma das figuras mais marcantes enquanto uma aspirante a jornalista. No auge dos seus 64 anos, o empoderamento feminino e o ativismo seguem atrelados a quem é Lurdes Ágata Guiconi, e o que ela representa. Para entender a história desta personagem é preciso voltar ao início da Nova República e ao primeiro governo civil depois de 20 anos de ditadura. Transição para a democracia. Esperanças. Promessas. Uma delas: fazer a reforma agrária. Eram as frases iniciais do documentário “Terra para Rose

(1987)”, que conta a história da maior ocupação de uma área de terra por um grupo de trabalhadores. “A nossa luta era por terra. Tinha no sangue”, enfatiza uma das guardiãs da Horta Comunitária da Lomba do Pinheiro. Ao lado da família, Lurdes da Lomba, como é conhecida, foi protagonista da ocupação mostrada no documentário. Lurdes nasceu em São José do Herval e cresceu em Palmeira das Missões, noroeste do estado. Lá, toda a família participava de atividades agrícolas. Essa convivência com a natureza fez brotar nela um profundo amor e, acima de tudo, um grande respeito pela terra. E foram esses sentimentos que levaram Lurdes e a fa-

mília a se juntarem aos mais de sete mil trabalhadores na ocupação da fazenda Annoni, há 38 anos. Um marco na história da luta latifundiária brasileira.

A MARCHA À LOMBA

Os conflitos em torno da Fazenda Annoni já ocorriam desde 1972, mas nenhum deles teve um impacto tão profundo quanto a ocupação nos anos de 1980. As estratégias de luta incluíram diversas marchas e ocupações com o propósito de pressionar o governo a desapropriar terras da fazenda Annoni para assentar as famílias que estavam acampadas. Uma das marchas foi em direção à Brasília, e Lurdes só interrompeu a caminhada, para tratar da doença que quase tirou a vida da filha Kelen. É neste contexto que ela decide morar na Lomba do Pinheiro, onde seu cunhado já residia. Lugar escolhido pela família há mais de 30 anos.

LUTAS ANTIGAS

O ativismo pela agricultura popular e urbana é o que segue mobilizando Lurdes. Hoje, a luta é con-

tra um poder público que negligencia as necessidades da periferia, e contra a especulação imobiliária que ronda áreas destinadas à preservação. Para dar eco as vozes não só desta causa, mas também a toda comunidade da Lomba, Lurdes se tornou uma liderança no bairro. Além da horta, que funciona há 10 anos, ela já participou de projetos de empoderamento feminino, capacitando mulheres na produção e venda de sabão. Em 2011, chegou a ocupar o cargo de vereadora, pelo Partido Socialista do Brasil (PSB). Hoje ela é secretária-executiva do Fórum de Agricultura Urbana e Periurbana de Porto Alegre (FauPoa). O coletivo tem como objetivos, descentralizar a produção de alimentos naturais, priorizando a segurança alimentar das comunidades; a promoção da saúde, a recuperação terapêutica, a geração de renda, e é claro, a melhoria do meio ambiente. n LAURA SANTIAGO TAIANA SOUZA


6. Educação

ENFOQUE PORTO ALEGRE | LOMBA DO PINHEIRO | OUTUBRO DE 2023

Atendidos pelo CPCA já passam de meio milhão

Aqui, os jovens realizam cursos que vão de Informática, Administração e Costura até mesmo Robótica e Gastronomia; os moradores também podem pegar livros emprestados na extensa biblioteca que o centro possui

O Centro de Promoção da Criança e do Adolescente (CPCA) tem 44 anos de história, e está localizado na parada 10 da Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre

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sede do CPCA foi inaugurada como a “Creche dos Freis” no ano de 1979 pelo frei franciscano Bruno Goettens. O intuito era garantir que os trabalhadores vindos do êxodo rural desde os anos de 1960 tivessem onde deixar suas crianças. A igreja franciscana segue sendo uma referência daquele início, mas o espaço hoje abriga um complexo de edificações voltado para o atendimento que inclui um

aprendizado tanto educacional quanto profissional. Uma das lideranças do projeto é o frei Patrício Ceretto, que enfatiza a missão do CPCA: fornecer assistência social e educação para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Desde a criação, o Centro já atendeu mais de 130 mil famílias, impactando ao menos meio milhão de pessoas. — Eles (os jovens) entram aqui quando criança e saem só aos 24 anos, se quiserem. É um espaço protetivo — destacou. Quem vê Patrício, não imagina um religioso, como os retratados nos filmes de época. O hábito dá lugar a roupas despojadas que combinam com o ambiente cercado de jovens.

— Aquela roupa de padre, cheia de “fru-fru”, não faz parte do nosso ideal. Aqui prezamos pela simplicidade e pela aproximação com o assistido — comentou.

CAPTAÇÃO DE RECURSOS

O CPCA se sustenta por meio de parcerias com o Poder Público, tanto estadual quanto municipal, e também por doações. Entretanto, Patrício relata que uma das principais dificuldades da instituição é ganhar visibilidade na mídia como uma organização referência na assistência social da cidade. — Atualmente, uma das nossas grandes demandas é justamente a divulgação do

nome do CPCA. Hoje, quando falam de trabalho nesse viés, qual é a entidade que é lembrada? O Pão dos Pobres, por exemplo, mas não nós. Nosso objetivo, nesse sentido, é aumentar a teia de benfeitores para a ação — pontuou.

FOCO NA EDUCAÇÃO

Completando 30 anos na instituição, o coordenador pedagógico do CPCA, Everton Silveira, complementa que também é objetivo do trabalho, evitar que crianças e adolescentes possam vir a ser cooptados pelo tráfico de drogas, que é um dos maiores problemas da região da Lomba do Pinheiro. — Muitos dos jovens são atraídos pelo tráfico e acabam

sendo presos ou morrendo. Então, nosso intuito é trazer o jovem para longe do crime oferecendo aprendizagem profissional — ressaltou. Além de fornecer abrigo e afeto para crianças e adolescentes, a instituição oferece cursos de robótica, informática, administração, além de uma extensa biblioteca. Essa estrutura ajuda a capacitar a comunidade para que tenha uma colocação no mercado de trabalho. — Assim, o jovem pode ajudar tanto a si quanto aos familiares, e ainda poder exercer um trabalho como multiplicador dentro da instituição — completou Everton. n LEONARDO MARTINS LUCAS GOULART


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ENFOQUE PORTO ALEGRE | LOMBA DO PINHEIRO | OUTUBRO DE 2023

Vocação para fazer sonhar Por meio do CPCA, freis franciscanos ajudam na formação de crianças e jovens e no desenvolvimento do bairro

Frei Patrício e sua missão de ajudar os jovens a sonhar

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atrício Ceretta tem 44 anos e é coordenador do Centro da Juventude da Lomba do Pinheiro. Formado em Filosofia e Teologia, ele também é mestre e doutor em Educação. Na entrevista, ele admite que pegou gosto tarde pelo estudo, e que sempre foi muito envolvido com atividades ligadas aos grupos de jovens da Pastoral da Juventude (PJ). Foi esta ligação que o levou a conhecer os freis franciscanos e a proposta de vida de S. Francisco de Assis. Natural de Sobradinho (RS), Patrício morou nas também gaúchas Lajeado, Taquari e Agudo, e depois de 13 anos, voltou à Lomba do Pinheiro após anos fora do território. Enfoque – Qual a importância do CPCA e deste trabalho com jovens na sua vida?

Frei Patrício – Entendo que o trabalho do Centro de Promoção da Criança e do Adolescente São Francisco de Assis (CPCASFA), ou simplesmente CPCA, como é conhecido, ou do Centro da Juventude, é importante à medida que é um espaço de garantia, proteção, oportunidade e direitos à infância e à juventude. Me sinto envolvido nesse fazer pois percebo, nesse trabalho, contínuo e por vezes longo, um diferencial na vida desses jovens. É uma mudança difícil de ser mensurada, uma vez que é um desenvolvimento subjetivo e pessoal. Através da equipe técnica e do acompanhamento sistemático a esses jovens, se percebe como eles chegam até nós, e como em pouco tempo acabam tendo uma mudança drástica, para melhor, em suas vidas. É como

Frei Antônio: de químico a franciscano

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em que fazer aquilo que se gosta, assim como vocês fazem o que os fascina. Muito mais do que ganhar dinheiro, tem que viver bem consigo mesmo". Foram duas horas de conversa, e muitas lições de vida de Antônio Izael Rodrigues Santos, de 42 anos, vice-diretor e tesoureiro do Centro de Promoção da Criança e do Adolescente. Natural de Montes Claros, Minas Gerais, o religioso nasceu em uma família católica e relata que a sua trajetória foi feita de reviravoltas. O pai queria que ele fosse militar, mas a carreira não lhe chamava à atenção. Com o falecimento da mãe, se mudou para Curitiba, no Paraná, e depois, em 2008, veio para o Rio Grande do Sul. No Paraná, chegou a se formar em químico industrial,

e trabalhou em uma empresa de defensores agrícolas, e em uma perfumaria. Foi quando descobriu sua vocação. No Rio Grande do Sul, começou a cursar Filosofia, primeiro na Unisinos, e depois na PUC. Ainda na Unisinos, ele conta que realizou um acompanhamento vocacional com os religiosos, e realizou um estágio pastoral, no qual os integrantes vão a um convento para verem como é a vida de um religioso. Em 2017, ele assumiu a função de tesoureiro e vice-diretor do CPCA. Além disso, outra função é atuar com famílias do território que possuem vínculos frágeis entre seus entes provocados pelas situações socioeconômicas e conjunturais em que se encontram e que geram suas vulnerabilizações. Outro trabalho do frei é

de Oportunidades e Direitos (POD) da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado e há uma necessidade constante de envio de relatórios e reuniões de planejamento e avaliação.

se fosse devolvida neles a capacidade de sonhar, percebendo as inúmeras possibilidades existentes também na periferia, com igual direito e capacidade para continuar estudando e se desenvolvendo. Enfoque – Como é o seu dia a dia? Frei Patrício – Meu dia a

dia é permeado de afazeres. O Centro da Juventude demanda bastante e são várias situações que vão surgindo a cada momento, portanto, não tem muito como prever alguns movimentos. Entendo que isso representa a dinamicidade desse trabalho e a pulsão de vida que há na juventude. O Centro está ligado ao Programa

Enfoque – Se pudesse definir o CPCA e o bairro da Lomba em uma palavra cada um, qual seria e por quê? Frei Patrício – Entendo que não seja possível definir esse trabalho e esse território em uma única palavra devido à pluralidade e dinamicidade da Lomba do Pinheiro. Quem olha de fora não consegue dimensionar a quantia de iniciativas que há no cotidiano do bairro. E em sua totalidade são ações e entidades que promovem muita vida e fortalecimento de vínculos. Saliento a presença de várias bibliotecas abertas ao público, orquestras, grupos de dança, hip hop, slan, creches e colégios, uma beleza que extrapola a borda da palavra pluralidade. n LORENZO DA COSTA MASCIA RAMIRO LEMOS

acompanhar as crianças abrigadas judicialmente, em bairros como Medianeira e Partenon.“O Centro de Promoção lida com as pessoas e a vida real, e isso me fascina, ver a transformação diária delas”. Ele conta que é muito gratificante acompanhar os mesmos jovens que passaram pelo Centro, entrando na faculdade ou trabalhando como enfermeiros e médicos, por exemplo. Ao todo, são atendidas 4300 pessoas por mês. Ao final da pequena viagem na Lomba, perguntei ao Frei como ele definiria o bairro em uma palavra: “Esperança”. E explicou: “Eu vejo a Lomba de outro jeito, de um jeito bonito. De notícia ruim basta, tem muita coisa bonita no bairro que não é mostrada”, comentou. Não falando como repórter, mas sim como aluno e cidadão, Antônio nos mostrou, com sua leveza e seu sorriso que existe um bairro totalmente diferente daquele mostrado na mídia. Um lugar cheio de esperança. n LORENZO DA COSTA MASCIA GIOVANI BALTEZAN


DO ENFOQUE LOMBA PINHEIRO PORTO ALEGRE

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OUTUBRO DE 2023 EDIÇÃO 1

Existe uma Lomba a conhecer

ais uma manhã chuvosa de setembro, em um bairro distante do centro da Capital. O movimento é rotineiro para o sábado. Aqui, os cachorros ocupam calçadas enquanto latem para os carros que vão e vêm. Quem trafega a pé, sobe e desce os morros de asfalto ou de terra batida, fazendo jus ao nome do lugar. Nas conversas entre os moradores, assuntos como o clima de Porto Alegre ou o que passou na televisão na noite passada. Naquela manhã, a estudante que aqui escreve abordou alguns

desses moradores para perguntar “como é viver na Lomba?”. Surgiram variadas respostas com a mesma conclusão: "Não há lugar como a Lomba". Mais do que um apego ao território de moradia, um gosto pelo que o bairro se tornou. Os prédios, com todos os tipos de serviços e comércios a poucos metros da mata verde, serviam de cenário para os relatos de carinho pelo bairro-cidade, contados por moradores que lá não apenas residem, mas protagonizam grandes histórias de união

e organização comunitária. As dificuldades de se estar em uma zona periférica e invisibilizada não impedem que os cidadãos deixem de lutar por um espaço com mais educação, saúde, oportunidades e respeito. Caso ainda não tenha andado por aqui, as paradas de ônibus são utilizadas também como ponto de localização do espaço, e, claro, se situam ao longo da Lomba. Naquele dia, o cheiro era de terra molhada, fruto de uma natureza que contorna muros e faz companhia a moradores carregando sacolas,

certamente carregadas de desejos e frustrações que não podem ser revelados pela fotografia. A experiência de conversar com os cidadãos da Lomba do Pinheiro remete a um sentimento de esperança sobre a construção de comunidades organizadas e fortes que valorizam as riquezas do próprio território. Para além dos estigmas de um bairro periférico afastado do centro da cidade, existe uma Lomba a conhecer e reconhecer. n MARIA DOS ANJOS

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Porto Alegre - Lomba do Pinheiro é um jornallaboratório dirigido bairro de mesmo nome localizado na Capital gaúcha. A publicação tem tiragem de 1 mil exemplares, que são distribuídos gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do curso de Jornalismo da Unisinos (campus Porto Alegre).

enfoqueportoalegre@gmail.com

| REDAÇÃO | REPORTAGENS – Disciplina: Jornalismo Comunitário e Cidadão. Orientação: Luciana Kraemer (lucianakr@unisinos.br). Repórteres: Alana Schneider, Laura Santiago, Lorenzo da Costa Mascia, Max Ramírez e Nícolas Córdova da Silva. IMAGENS – Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Beatriz Sallet (bsallet@unisinos.br). Repórteres fotográficos: Bianca Moraes, Beatriz Schleiniger Mello, Felipe dos Santos Machado, Giovani do Prado Baltezan, Júlia Ferlin, Laura Driemeier, Leonardo Martins, Lucas Goulart, Maria dos Anjos, Nathalia Santos, Ramiro Lemos, Taiana Souza e Vitória Ribeiro. Monitora: Laura Goulart. | ARTE | Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. | IMPRESSÃO | Gráfica UMA / Grupo RBS.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Campus de Porto Alegre (RS): Av. Nilo Peçanha, 1.600, Boa Vista (CEP 91330 002). Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Sergio Eduardo Mariucci. Vice-reitor: Artur Eugênio Jacobus. Pró-reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Guilherme Trez. Pró-reitor de Administração: Cristiano Richter. Diretora da Unidade de Graduação: Paula Dal Bó Campagnolo. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Débora Lapa Gadret.


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