Enfoque São Leopoldo Região Nordeste 2

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ENFOQUE

REGIÃO NORDESTE

SÃO LEOPOLDO

SÃO LEOPOLDO / RS ABRIL / MAIO DE 2021

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CLÉBER MARTINS (DIRIGIDO POR GABRIEL MUNIZ)

RECICLAR PARA VIVER MESMO COM DESVALORIZAÇÃO DA RENDA E DIFICULDADE PARA EXERCER A PROFISSÃO, RECICLADORES SE ARRISCAM COLETANDO MATERIAIS NAS RUAS EM MEIO À PANDEMIA DO CORONAVÍRUS Página 3

NEM A PANDEMIA AFASTOU A PAIXÃO PELO AIMORÉ

INICIATIVA BUSCA DRIBLAR DISTÂNCIA E SOLIDÃO

TREINADORA “MÃEZONA”

Família Índio Capilé teve de se reinventar para seguir acompanhando o clube do coração. Sem ir ao estádio, o jeito foi improvisar a arquibancada em casa

Através do envio de cartas, o projeto Correio Teatral tem como objetivo ser uma válvula de escape para os adolescentes que estão em isolamento social

Dona Cacilda passou aos seus alunos ensinamentos para toda uma vida. Hoje, casados e com suas famílias, eles ainda seguem as lições da treinadora “mãezona”

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2. Editorial

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | REGIÃO NORDESTE | ABRIL / MAIO DE 2021

Um jornal feito para vocês

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segunda edição focada na região nordeste é marcada por ser o quarto jornal Enfoque produzido completamente de forma remota, com repórteres entrevistando suas fontes por telefone, aplicativos de mensagens e videoconferência. A mudança na forma de trabalho se deu pela necessidade de isolamento social causada pela pandemia do coronavírus, que desde março de 2020 causou mais de 400 mil mortes no Brasil. Essa nova forma de fazer jornalismo não foi apenas um desafio para o jornal Enfoque e para os alunos responsáveis pela produção, mas para a profissão de um modo geral. O jornalismo se reinventou, mas sua qualidade em informação não caiu, se multiplicou e há muito tempo não eram contadas tantas histórias, como as que recheiam esta edição. Histórias essas que relatam os novos desafios que a pandemia impôs a essas comunidades que já enfrentam, desde o seu surgimento, dificuldades e preconceito. Mas sempre movidas por um mesmo sonho e dando um verdadeiro exemplo de união e empatia.

Mesmo vivenciando um momento no qual o foco principal está na pandemia e todos os desafios que vieram com ela, o jornal conseguiu trazer matérias significativas sobre o tema, como as barreiras na alfabetização e no acesso às aulas online, o desemprego e o impacto na renda das famílias. Tudo isso sem esquecer de abordar outros assuntos e histórias sobre a região, como o antigo e conhecido problema do acesso à água.

QUEM FAZ O JORNAL

mais afetada pela Covid-19 em São Leopoldo vem superando as dificuldades ao longo desses mais de 400 dias de pandemia. Que o mais breve possível possamos estar juntos e que ao ler essas páginas vocês se reconheçam e se orgulhem, assim como nós. Este jornal é feito para vocês! BABITON DA SILVA LEÃO JORDANA FIORAVANTI ARENHARDT JULIANE KERSCHNER

ONDE FICA A REGIÃO NORDESTE

O Enfoque Região Nordeste é um jornal-laboratório dirigido às comunidades dos bairros Rio dos Sinos e Santos Dumont, em São Leopoldo (RS). A publicação tem tiragem de 1 mil exemplares, que são distribuídos gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do curso de Jornalismo da Unisinos (campus de São Leopoldo). | REDAÇÃO | REPORTAGENS – Disciplina: Jornalismo Comunitário e Cidadão. Orientação: Rafael Grohmann (rafaelgrohmann@unisinos. br) e Évilin Matos Campos (evilin.matos.jornal@gmail.com). Repórteres: Amanda Bier, Cristina Bieger, Daniela Gozatto, Douglas Glier, Émerson dos Santos, Gabriel M. Ferri, Gabriel Nunes, Giuliano Reis, Henrique Anselmo Kirch, Kévin Sganzerla, Laura Santos, Laura Rolim, Leonardo Oberherr, Mariana Necchi, Patricia Wisnieski, Vanessa Lourenço e Vitória Pimentel. Editores: Bábiton Leão, Jordana Fioravanti e Juliane Kerschner. IMAGENS – Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flavio Dutra (flavdutra@unisinos.br). Curadoria e direção: Anderson Dilkin, Arthur Reckziegel, Clarice Almeida, Gabriel Muniz, Gustavo Bays, Mateus Grechi, Rafael Moreira, Rafaella Schardosim e Tayane Rocha. | ARTE | Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. | IMPRESSÃO | Gráfica UMA / Grupo RBS. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Próreitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Sérgio Eduardo Mariucci. Gerente dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Micael Vier Behs.

instagram.com/jornalenfoqueunisinos

Apesar da distância física, com a colaboração da comunidade, do Centro de Referência de Ação Social (Cras) e das organizações e diversos grupos sociais pudemos conhecer mais a fundo a luta e os sonhos dessa região e assim contribuir por meio do nosso papel social, que é dar voz e visibilidade a todos. Agradecemos por nos receberem de braços abertos, contarem suas histórias e mostrarem como a comunidade

SANTOS DUMONT l l BOA VISTA

24.543 habitantes 2º bairro mais populoso

RIO DOS SINOS l l

SCHARLAU

4.705 habitantes 15º bairro mais populoso

ARROIO DA MANTEIGA

TELEFONES ÚTEIS CAMPINA SÃO MIGUEL VICENTINA

FEITORIA SÃO CENTRO JOSÉ FIÃO

PADRE REUS SÃO JOÃO BATISTA

CRISTO REI

PINHEIROS RIO SANTO BRANCO ANDRÉ CAMPESTRE JARDIM AMÉRICA

SANTA TERESA DUQUE DE CAXIAS FAZENDA SÃO BORJA

enfoquesaoleopoldo@gmail.com

FUTEBOL: LUCAS KOMINKIEWICZ DA GRAÇA – DEMAIS IMAGENS: LAURA BLOS

Bombeiros 193 Brigada Militar 190 SAMU 192 Polícia Civil 3590 3737 Hospital Centenário 3590 1111 Polícia Rodoviária Federal 3568 2837 3568 2920


Trabalho .3

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Os desafios de quem sobrevive da reciclagem Redução da renda e condições de trabalho precárias marcam a vida de recicladores da ocupação Steigleder

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setor de reciclagem enfrenta situações opostas na pandemia do coronavírus: Se por um lado foi adotado um maior uso de embalagens para garantir a higiene dos produtos, por outro resultou na drástica diminuição no volume de materiais que são recuperados por catadores. Comércios, restaurantes e fábricas são a maior fonte de material para esses trabalhadores, porém, com o abre e fecha para evitar a proliferação do vírus, os recicladores viram uma grande redução na renda. Segundo dados apresentados pelo Movimento Nacional dos CataAdilson, Joselaine e o filho Zaqueu com a bicicleta que os auxilia nas coletas dores de Recicláveis (MNCR) antes o rendimento girava em mais prático, mas levei um çou a ficar ruim, ninguém me compraram uma carroça e torno de um salário mínimo tempo para acostumar”, diz. chamava para trabalhar”, diz três éguas. Batizadas com e, hoje, fica na média de 200 A rotina autônoma é a mesma Renato, que teve que deixar os nomes de Sarita, Morereais. Mesmo com o cenário todos os dias: “Pela tarde, eu a profissão depois que a em- na e Boneca, se tornaram alarmante da profissão, a taxa saio para procurar materiais presa de obras que trabalhava os xodós do casal: “Elas são recorde de desemprego no nas ruas. De manhã, separo as fechou. E foi assim, diante parte da família”, afirma país, que atualmente bate os minhas coletas”, ele explica, do desemprego e como for- Bruna, ao contar que fazem 14,2 milhões nos dados da destacando que tem preferên- ma de sobrevivência, que a muita questão de cuidar Pesquisa Nacional por Amos- cia em reciclar plástico. reciclagem surgiu. “Víamos delas como filhas. “Deixatra de DomicíO trabalho muita gente trabalhando mos de comer para dar ralios Contínua “Sobram umas de Adilson está com isso, resolvemos tentar”, ção, alfafa, milho e farelo (Pnad Contíinserido no le- contam os dois, que comple- para elas”, ressalta. nua), faz com moedinhas, é v a n t a m e n t o tam as frases juntos. A nova rotina começa anque pessoas ain- quase nada. feito pelo InstiSem experiência e sem os tes mesmo do sol nascer. Às da enxerguem tuto de Pesqui- devidos equipamentos para quatro horas da madrugada o na reciclagem Mal serve para sa Econômica exercer a nova profissão, a despertador de Renato toca, u m a f o r m a comprar a Aplicada (Ipea), fim de facilitar o desloca- sinalizando que a primeira de sobreviver. que registra os mento e o armazenamento saída à procura de materiais Adilson Bor- alimentação” catadores como dos materiais coletados, eles deve ser feita. A segunda ges, de 40 anos, Cléber Martins r e s p o n s á ve i s é veterano na Líder da ocupação Steigleder por quase 90% profissão. “Trade toda a recibalho com isso há dez anos”, clagem feita no Brasil. Além conta pausadamente para re- disso, há uma estimativa cordar com exatidão. É com que considera a existência a renda da reciclagem que de 800 mil a um milhão de sustenta sua esposa Joselai- catadores no país; e esse núne, (40), e seus quatro filhos: mero tende a crescer. os gêmeos Isaque e Samuel (15), Kauane (13), e Zaqueu OS NOVOS (10), em uma pequena casa RECICLADORES na ocupação Steigleder, onde Para o casal Renato Mamoram desde 2014. chado, de 36 anos, e Bruna Antes da pandemia, o Martins (28), também moequipamento para a coleta radores da ocupação Steiera uma carroça e um cavalo: gleder, as mudanças foram “Vendi o cavalo porque gas- mais marcantes. Como Bruna tava muito com ele”, afirma é dona de casa, a renda era em um tom melancólico, já gerada somente por Renaque o cavalo, Nanico, havia to que, aos poucos, viu seu se tornado um apego fami- trabalho como pedreiro se liar. Como solução, acoplou tornar cada vez mais escasso Fonte: Working Paper 4 a carroça à uma bicicleta: “É devido à pandemia. “Come-

Efeitos da pandemia na segurança alimentar brasileira

CLÉBER MARTINS (DIRIGIDO POR GABRIEL MUNIZ)

saída, geralmente acompanhada de Bruna, ocorre ao final da tarde. “Não temos lugares fixos para procurar, então ficamos vagando pelas ruas. Ainda estamos aprendendo”, comentam. Sem nenhum instrumento de proteção além da máscara, o casal se arrisca para exercer seu trabalho em lugares insalubres e, com sorte, contam com a ajuda de conhecidos que guardam plástico e papelão para eles.

DESVALORIZAÇÃO

O líder da ocupação Steigleder, Cléber Martins, de 34 anos, explica que os materiais recicláveis têm a tabela de preço variável, porém, ultimamente, sofrem com uma desvalorização cada vez maior. “Sobram umas moedinhas, é quase nada. Mal serve para comprar a alimentação”, comenta sobre a realidade de grande parte dos recicladores da região. Bruna recebe 150 reais de auxílio emergencial do governo, entretanto, com o valor tão baixo, não consegue comprar todos os alimentos básicos. “Quando temos, é arroz e feijão. O nosso luxo é macarrão, de vez em quando. Nossa carne agora é o ovo”, confessando que é uma luta diária para ter refeições. Essa situação é apenas uma das milhares que formam o grande mosaico da insegurança alimentar que vem assolando o país, motivada principalmente pela crise da pandemia e da alta dos preços dos alimentos. Em 2020, o estudo feito pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça da Universidade de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com a Universidade de Brasília (UnB) aponta que mais de 125,6 milhões de brasileiros não se alimentam como deveriam. “O pior é ouvir do governo que as coisas estão melhorando. Melhorando para quem? Para nós aqui da ocupação, com certeza não é. Não vemos nenhuma mudança”, desabafa Cléber, com uma entonação angustiada. MARIANA NECCHI


4. Trabalho

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Onde estão as trabalhadoras domésticas? A ocupação das vagas no ramo diminuiu 25% de 2019 a 2020. Trabalho não remunerado pode ser a explicação

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la sempre agradece por mais um dia de vida antes de dormir.Sua conexão com Deus independe de religião ou templo, pois para Vera Lúcia dos Santos, basta crer. Com uma fé inabalável e bom humor, segue cuidando da casa dos outros. Aos 50 anos de idade, ela passou metade da sua vida limpando. Três vezes por semana, Vera deixa a casa que conseguiu através da Cooperativa de Trabalho, Habitação e Consumo Construindo Cidadania (Cootrahab), no bairro Santos Dumont, e parte para o lar de outra família. Por suas faxinas, cobra 100 reais. Desses, 20 (reais) são para a sua locomoção, a deixando com 80 reais de lucro. Fumante e com bronquite asmática, enfrenta todos os dias o medo do contágio e da diminuição do trabalho. Ela está entre as 1,3 milhão de pessoas que perderam seus empregos na área do trabalho doméstico entre outubro e dezembro de 2020, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. O problema maior surgiu com o isolamento social: o número de faxinas diminuiu pela metade. Se antes Vera recebia em média 500 reais por semana, hoje a renda é de 300 reais.“É da mão pra boca”, diz ela sobre o dinheiro que, atualmente, é gasto apenas com compras essenciais, como mercado e conta de luz. Desde 2013 sem vínculo empregatício, ela limpa três casas diferentes - todas de pessoas da mesma família. A diarista representa o cenário de sua classe no Brasil de hoje. Por não terem carteira assinada ou proteção social e trabalhista, apenas 9% das diaristas têm direito ao seguro desemprego, e só 24% das trabalhadoras podem acessar o auxílio-doença, segundo Nota Técnica Nº 75 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com a ONU Mulheres, emitida em 2020. Mas, o que mais chama a atenção é o “sumiço” das trabalhadoras domésticas, conforme Nilmara Dias, diretora do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Nordeste de São Leopoldo. Ela diz que a profissão está desaparecendo na região.

Atrás da porta de seu quarto, Vera tem uma prece que reza todas as noites antes de dormir “Estou atendendo o caso de uma mulher que era faxineira e agora vive dos 15 reais que consegue por dia com a reciclagem”, conta. Os dados disponibilizados pela Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS) mostram que a taxa de ocupação das vagas no trabalho doméstico diminuiu 25% de 2019 a 2020 no Rio Grande do Sul. Para Jéssica Miranda,

Coordenadora da Área de Trabalho Doméstico Remunerado da Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos (organização que atua na defesa e promoção dos direitos das mulheres), a questão central é o quanto o trabalho doméstico não remunerado aumentou nesta pandemia. Apesar de não existirem pesquisas sobre o tema, o que se pode deduzir é

Ocupação das vagas oferecidas pelo Sine no RS

“Meu trabalho é com as mãos na quiboa, na água. Me protejo do jeito que posso, mas não dá pra parar de trabalhar” Vera Lúcia dos Santos Doméstica

O que é o Sine? O Sistema Nacional de Emprego (Sine) é um órgão público e gratuito que oferta vagas de emprego em todo o país. Em São Leopoldo a sede fica no Centro, na Rua Independência, 490. O atendimento é das 8h às 14h e o telefone para contato é (51) 35903038.

VERA LÚCIA DOS SANTOS (DIRIGIDA POR VITÓRIA PIMENTEL)

que as mulheres estão desocupando o mercado de trabalho para cuidar dos filhos, que não estão indo para a escola por causa do isolamento social. Para Vera, que tem uma filha de 30 anos e mora sozinha, a busca pelo emprego continua a mesma. Nos lares e na rua, encara o medo do contágio. “Meu trabalho é com as mãos na quiboa, na água. Me protejo do jeito que posso, mas não dá pra parar de trabalhar”, explica. Desde o início da pandemia, ela já teve duas suspeitas de Covid,mas nenhuma delas foi confirmada. Sem condições financeiras de pagar um teste em uma clínica particular, preferiu não enfrentar os hospitais lotados e correr o risco de realmente pegar a doença, caso não estivesse infectada. Para se sustentar, ela conta com as cestas básicas doadas pela Prefeitura de São Leopoldo, destinadas a participantes do Bolsa Família,e com o auxílio emergencial do governo federal. Os altos preços nas prateleiras dos supermercados e a diminuição do trabalho prejudicam a sua qualidade de vida.As marcas conhecidas do sabão em pó foram substituídas por produtos genéricos nas compras da semana. “Já aconteceu de eu chegar no caixa e ter que deixar coisa, porque eu não tinha como pagar”, conta.Apesar disso, Vera segue levando a vida com graça e fé - o que importa para ela, no final das contas, é estar de pé para mais um dia.

SOBRE A THEMIS

A Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos atua na defesa das trabalhadoras domésticas da Região Metropolitana de Porto Alegre e do Vale dos Sinos. No projeto “Mulheres, Dignidade e Trabalho”, orienta as trabalhadoras domésticas sobre os direitos humanos e trabalhistas e desenvolve a capacitação técnica. A organização também possui o aplicativo Laudelina, que aproxima as trabalhadoras domésticas dos sindicatos e divulga os novos direitos da categoria. Na plataforma, é possível acessar: calculadoras de salários, benefícios e rescisão de contrato; manual sobre os direitos trabalhistas; lista de instituições de proteção; e uma rede de contatos das trabalhadoras da região. VITÓRIA PIMENTEL


Esporte .5

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A paixão pelo Aimoré não pode parar Longe das arquibancadas, a família encontra outras formas para seguir torcendo pelo clube do coração

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degrau de concreto deu lugar à cadeira da cozinha e ao sofá da sala. As conversas com os torcedores nos minutos que antecediam os confrontos foram substituídas pela troca de mensagens nos grupos do WhatsApp. Os gritos de reclamações e a vibração do gol permanecem, mas sem o eco de centenas de torcedores. Essa é a nova realidade da família do fotógrafo João Miguel da Costa, de 54 anos, torcedor do Clube Esportivo Aimoré, de São Leopoldo, que não pode frequentar as dependências do Estádio Cristo Rei, devido à pandemia. De contramão à influência da Dupla Grenal, João construiu um vínculo de amor ao Índio Capilé, alcunha utilizada pelo Aimoré. A sua paixão pelo clube iniciou com 16 anos, em 1983, quando frequentou pela primeira vez os jogos da equipe a Em dias de jogo pela televisão, João fez de seu sofá a arquibancada convite de seus amigos. Nos anos posteriores, João do Marcelo Buda. Gol chorado, no aniversário de sua mãe, ele mais contar com a presença de já não perdia um jogo sequer. no finzinho do segundo tempo. a presenteou com uma cami- torcedores por conta da pan“Chegou uma época que não Desde então só segui os passos sa do Índio Capilé, garantindo demia. Por determinação dos tinha ninguém na torcida. Mas dele. A mãe também é parceira e assim mais um manto para ela órgãos de saúde, os jogos de mesmo chovendo, sempre es- vai junto conosco nos jogos”, re- vestir quando for possível re- futebol no Brasil são realizados tive presente, eu e mais alguns lata. Na época, o clube disputava tornar às arquibancadas. “Valeu com portões fechados, seguindo camaradas debaixo de chuva a Segunda Divisão, cuja compe- a pena seguir os passos do pai. à risca medidas de segurantorcendo. Não faltava um jogo, tição equivale ao terceiro esca- Lá na ‘Dupla Grenal’ são 50 mil ça. Os envolvidos que fazem e foi quando criei essa paixão. lão do futebol gaúcho. pessoas, e você é mais um. No parte do espetáculo realizam Só parei de frequentar o estádio João evidencia o seu orgu- Cristo Rei você sabe direitinho testes de Covid-19 periodiapenas quando fechou o de- lho por conseguir tornar o seu onde cada um vai sentar. Você camente. A exemplo do Gaupartamento de futebol e agora, filho também um “Índio Ca- chega a ter vizinho no estádio chão, os jogadores da equipe na pandemia”, explica. pilé” através de uma pequena que é sempre o mesmo que de São Leopoldo foram testaE esse amor pelo clube da história, que comprovou o seu está ao seu lado. Você conhece dos dias antes de cada uma das cidade foi contagioso. A sua es- desejo de ver seu filho vestindo todo mundo”, descreve. 11 partidas disputadas. posa, Tina Soares, de 50 anos, a camisa do Aimoré. “Ele tinha Segundo João e Guilherme, O Aimoré, assim como ditambém começou a acompanhar várias camisetas do Grêmio, ao contrário dos times da ca- versos outros clubes do interior os jogos do Aimoré ao lado de pois era gremista antes, e teve pital, os torcedores do Índio gaúcho, disputam somente um João. E a paixão uma brincadeira Capilé criam um vínculo de semestre, ou seja, metade de também passou “Até a saudade da RBS, que dizia: proximidade com o clube e com uma temporada. Isso equivale de pai para filho. ‘Qual é o clube os próprios jogadores. Horas a cerca de seis a sete partidas Guilherme Soa- de sair bravo de da sua família?'. antes do jogo, João, Tina e Gui- em casa por ano. Por ser um res da Costa, de Pensei em fazer lherme já se faziam presentes número significativamente 26 anos, seguiu lá eu tenho” um vídeo com a no estádio para conversar com inferior de jogos em relação os passos do seu João Miguel da Costa camisa do Grê- os amigos. “Quando chegava o aos grandes clubes brasileigenitor e tam- Torcedor do Aimoré mio e do Inter ônibus do time, já estávamos ros, a dor de estar distante do bém se tornou para tirarmos e no estádio. Cumprimentáva- clube é ainda maior. “É muito um torcedor assíduo. mostrarmos a camisa do Ai- mos os atletas, conversávamos dolorido”, avalia João. Guilherme conheceu o Es- moré por de baixo. Mas, para com um e com o outro, não tiO Estádio Cristo Rei, que tádio Cristo Rei quando tinha a minha surpresa, ele não ti- nha distância. Isso que é legal praticamente é a segunda 13 anos. As lembranças do nha mais camisas do Grêmio, no interior”, pondera. casa da família de João, moconfronto estão translúcidas só do Aimoré”, destaca João, mentaneamente não pode ser em sua memória. “O meu pai em meio a gargalhadas. TORCENDO LONGE mais habitado pelos torcedome levou em um jogo que era Atualmente, Guilherme con- DA SEGUNDA CASA res. A dor aumenta quando contra o Garibaldi, no qual o ta com 22 camisas do Aimoré Desde março de 2020, os se recordam que não poderão Aimoré ganhou de 1 a 0, com gol em sua coleção. Recentemente, estádios de futebol não podem presenciar o time do coração TINA SOARES (DIRIGIDA POR RAFAEL MOREIRA)

disputar pela primeira vez na história a Série D do Campeonato Brasileiro, que inicia no dia 30 de maio. “A saudade dói”, comentam pai e filho, em sincronia. “Até a saudade de sair bravo de lá eu tenho”, complementa João. Neste cenário atual de pandemia, a família mantém a torcida pelo Aimoré de casa, acompanhando ou pela televisão, pela transmissão via internet ou pela Rádio Índio Capilé. “Não é a mesma coisa. Às vezes quando perde o gol ou erra alguma jogada tem aquele tapa na mesa, ou quando tem gol tem a vibração, mas é uma coisa mais fria”, relata João que, inclusive, fotografava os jogos da arquibancada para recordação. Já Guilherme tem um empecilho a mais dentro de casa, por conta do horário dos jogos, os quais foram realizados somente após às 20 horas por determinação do governo estadual. “Eu acompanho o jogo no celular sofrendo em silêncio, pois no horário das partidas a minha filha já está dormindo. Não posso fazer muito barulho”, explica. Além disso, Guilherme também economiza na vibração em casa, uma vez que sua esposa torce para o time do outro lado do Rio dos Sinos, o rival Novo Hamburgo. A motivação por torcer pelo clube do coração permanece a mesma de antes da pandemia. No entanto, João relata que o fato de não poder acompanhar o Aimoré nos degraus de concreto do Cristo Rei é “uma ducha de água fria”.“Nós vemos o pessoal pendurado nas árvores para ver o jogo. Dá vontade de fazer o mesmo, mas sabemos que não é o certo”, pondera. Mesmo quando o clube se licenciou em 1997 e fechou o departamento de futebol, João manteve seu amor pelo Aimoré intacto. Agora, ele destaca que não será a pandemia que o fará desistir ou diminuir sua torcida pelo Índio Capilé. Pelo contrário, quer ir além. Após influenciar o seu filho, chegou a vez de tentar levar o seu neto para o mesmo caminho. “A alegria e o amor são de pai para filho, e agora quero ver se será também de avô para neto”, salienta João com um grande sorriso estampado no rosto. KÉVIN SGANZERLA


6. Educação/Saúde

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Dificuldades do ensino remoto Alunos quebram barreiras para participar das aulas a distância

C

om as medidas de distanciamento social impostas para o combate à Covid-19, os estudantes de todo o Estado estão há mais de 13 meses sem ir presencialmente aos espaços de ensino públicos. Todos sentem os reflexos desse período longe das escolas. Seja por conta da falta da presença dos professores quanto pelos vínculos sociais com os colegas, as comunidades de maior vulnerabilidade socioeconômica vivem isso de uma forma mais prejudicial. Aline Dias dos Santos, 35 anos, agente sanitária de saúde, é mãe de três meninos. Com idade escolar de 16, 14 e 4 anos, eles estudam na rede pública de ensino de São Leopoldo, na Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Firmino Acauan, Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) João Belchior Marques Goulart e na Escola Municipal Filhos de Aline dividem o celular da casa para poder acompanhar o ensino a distância de Educação Infantil (EMEI) Girassol, respectivamente. tomada. São dois pontos: entre Google Classroom, vídeos in- muito grande, não aprendeu Ao mesmo tempo que Aline o que ela considera um “fraco terativos, atividades lúdicas nada ano passado e se não acredita na educação como desenvolvimento”, que o atual e entrega de atividades físi- retornar de modo preseno instrumento mais eficiente modo de ensino resulta, e em cas para famílias sem acesso cial vai seguir aprendendo para que seus filhos tenham relação aos riscos que os fi- à internet. A relação entre a quase nada”, comenta. um futuro digno, sabe, tam- lhos teriam ao frequentar um comunidade e a escola sempre Em comum acordo com o bém, o quanto a pandemia espaço que, segundo ela, não foi muito boa. A comunidade pensamento de Aline, a direestá prejudicando a realiza- possui condições de segurança vê a escola como uma referên- tora Gardênia concorda com ção plena desse sonho. sanitária satisfatórias. cia de vida”, salienta. essa importância e salienta Ao ser contatada para conA diretora Pedagógica da De acordo com dados da que nenhuma aula remota tar um pouco da rotina deles Secretaria Municipal da Edu- Smed, somente na rede mu- substitui a presença do procomo estudantes afetados pelo cação (Smed) de São Leopoldo, nicipal, a região nordeste fessor em sala de aula. Carla ensino remoto, Carla Escoste- possui mais de quatro mil vai além e explica o que vem ela pediu que “A rotina tem guy, e a direto- estudantes matriculados. A sendo feito pela pasta: “Com conversássemos ra da EMEF João diretora Pedagógica, Carla, es- certeza teremos um impacto somente a partir sido bem Goulart, Gardê- tima que, agora, com a inter- nas aprendizagens, por isso das 10h da mania Lara Pache- net custeada pela Prefeitura, é muito importante a repaccomplicada nhã e o motivo co, são contra a 50% dos alunos matriculados tuação dos objetivos de cada foi explicado: o para assimilar o volta presencial no município participam das componente curricular, avafilho de 14 anos das atividades atividades online. Por isso, liação diagnóstica e acomusava o celular conteúdo” sem a vacinação ela conta que entregas físi- panhamento sistemático de dela para as- Aline Dias dos Santos em massa dos cas das atividades, de 15 em cada estudante. Nas questões sistir a aula. “A Agente sanitária de saúde p r o f i s s i o n a i s 15 dias, são uma opção. sociais, a situação é ainda mais rotina tem sido de educação. Sobre o tempo ausente delicada”, completou. bem complicada, para assi- “Temos total consciência da do espaço escolar, Aline reA taxa efetiva de partimilar o conteúdo e resistência função social da escola. Porém, lata sua preocupação com o cipação dos estudantes nas em participar das aulas e das estamos vivendo um momento resultado prático de todos atividades online vem aumenatividades propostas pelos muito delicado e priorizamos esses meses sem ir ao local tando, segundo a diretora Garprofessores”, conta. a vida”, diz Gardênia. e assistindo aulas remotas. dênia. “Esse ano percebemos Sobre o retorno às aulas Gardênia contou como foi “Na minha percepção dimi- um aumento no fluxo das atipresenciais, Aline - que é planejado o ensino remoto na nuiu tudo (aprendizado dos vidades online, não podemos agente sanitária de saúde na escola. “Orientamos a criação filhos), o meu de 14 anos, por precisar números pois há vaUnidade Básica de Saúde (UBS) de grupos de WhatsApp de exemplo, até palavras simples riantes semana após semada Vila Brás -, diz que não tem cada professor com sua turma, ele não lembra como escrever na. Também temos realizado uma decisão completamente Messenger, Página da Escola, e me pergunta. O impacto foi campanha na escola pedinALINE DIAS DOS SANTOS (DIRIGIDA POR RAFAEL MOREIRA)

do a doação de smartphones para que nossos estudantes possam participar”, diz. A evasão escolar é um problema grave que a pandemia tende a acentuar. O poder público monitora a situação através do Grupo de Trabalho de Busca Ativa, com a Rede de Proteção, Conselho Tutelar e Ministério Público. “Temos o Programa de Escolas Prioritárias, voltada exatamente às comunidades com maior vulnerabilidade socioeconômica. Dentro desse núcleo realizamos diversas ações para auxiliar a comunidade escolar como as entregas de kit de alimentação e de materiais”, diz Carla. Aline, sobre isso, foi taxativa na obrigação dos filhos em terminar os estudos e garantiu que sequer existe debate sobre a possibilidade de abandonar os estudos em casa: “Assim, ó, por enquanto a prioridade é eles terminarem a primeira etapa dos estudos, o ensino médio, o acordo é esse. Parar não é opção”, exclama. GIULIANO REIS LAURA SANTOS


Saúde .7

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Proame proporciona escuta e acolhimento Programa de Apoio a Meninos e Meninas reforça união e se adapta para manter ações e projetos

P

or causa do isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus, doença que já resultou em mais de 400 mil mortes no Brasil, manter vínculos e receber afeto são fundamentais para que todos permaneçam bem e com a segurança de um contato amigo. Com atuação na região nordeste de São Leopoldo, o Programa de Apoio a Meninos e Meninas/Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Cedeca Bertholdo Weber (Proame Cedeca) se adequa às adversidades do momento à medida em que fortalece a conexão com seus participantes. Atualmente, o programa, que atua na realização de projeDevido à pandemia, o Proame se reinventou para manter os laços com os jovens tos e ações que auxiliam grupos de adolescentes na defesa e bem, chamamos e tentamos a diretora explica que é pre- vínculo familiar, reconhece garantia de direitos humanos, dar apoio para ver pelo que a ciso estar ainda mais perto que quase todos passam por atende aproximadamente 25 pessoa está passando”, con- dos jovens, por isso, além de coisas muito parecidas. jovens de 12 a 21 anos, que ta a moradora do bairro Rio visitas, eles realizam alguns Parte do Proame há cerca são recebidos em encontros dos Sinos, que é participan- encaminhamentos para o Cen- de cinco anos, o adolescente realizados com temáticas que te há quase seis anos. tro de Atenção Psicossocial aponta que os ensinamentos variam de acordo com o projeto Com a distância, o What- (CAPS). “Infelizmente, tive- aprendidos ali influenciam que o Proame está executando. sApp passou a ser um espaço mos muitos jovens que ten- sua vida. Isso faz com que Com a pandemia, aconteceram de escuta e de acolhimento, já taram suicídio, que entraram tenha uma visão diferenadaptações, mas não perderam que é o aplicativo de mensagem em depressão, tiveram crise te das coisas do mundo, das a essência e nem o apreço pelas que os adolescentes têm mais de ansiedade. A gente tenta pessoas e do modo de viver. relações. “É algo muito forte acesso. Nesse ponto, a diretora se ajudar, cada um estende “Eles entendem a gente, comno Proame com a juventude de salienta que o diálogo não tem a sua mão e tenta se manter preendem o que queremos faSão Leopoldo, não só da região hora: “Às vezes, é noite e um ou firme”, fala Andressa. lar”, finaliza Abimael. nordeste. A gente tem um reco- outro chama para desabafar, nhecimento por esse trabalho”, chorar, conversar. E estamos “UMA SEGUNDA NOVOS DESAFIOS conta a diretora abertos para isso, FAMÍLIA” Por causa da pandemia, foi executiva do “Somos um porque sabemos “Para mim, o Proame é uma necessário repensar muitas grupo, Micheli que é um mo- segunda família”, manifesta ações, e levando em consideFabiana Duarte. canal de escuta, mento muito de- Andressa, que também é repre- ração a saúde emocional dos Porém, Milicado.” Essa ne- sentante do Fórum Municipal jovens, que perderam os seus de acolhida cheli destaca a cessidade da fala de Adolescentes e presiden- momentos de socialização, o preocupação em e também de também é perce- ta do Conselho Municipal de Proame realizou, no decorrer fragilizar o vínbida pela escrita, Juventude (COMJUV-SL). De do ano passado, diversas ações. culo, pois, devido encaminhamento” em que os mais acordo com ela, os jovens ali Entre eles, o projeto “Adolesàs circunstân- Micheli Fabiana Duarte t í m i d o s t ê m ganham protagonismo para centes e jovens em cena: reflecias, os jovens Diretora executiva do Proame maiores opor- discutir sobre suas realidades, o xão e ação”. Através dele, foram não têm oportunidades de que os incomoda e o que acham potencializadas ações socioetunidades de convívio ou de ir comunicação e podem se abrir correto ou não. “Eu vejo a mu- ducativas com a valorização a lugares como a escola ou pra- sem se expor ao grupo. dança em mim mesma e em dos direitos humanos, por meio ças. Desse modo, eles mantêm Alguns adolescentes, en- muitos outros adolescentes que do uso da cartografia e da fotocontato, mas virtualmente. Em tretanto, não têm tal acesso. estão ali dentro”, relata. grafia, para que fossem regisconsequência da impossibilida- Nesses casos, a equipe do Abimael dos Santos da Rosa, tradas vivências do cotidiano e de de encontros presenciais, re- Proame vai ao encontro de- 16 anos, declara que teve uma da realidade dos jovens a partir uniões por videochamadas au- les, com visitas domiciliares. grande experiência com o Proa- de seus próprios olhares. xiliam na aproximação. E para discutir a situação me, indo a fóruns, encontros e A ideia era que eles fotograPara a estudante de técni- dessas famílias, há reuniões eventos com o grupo. Morador fassem com o que pudessem, co em enfermagem e uma das na sede, onde é realizado do bairro Santos Dumont, o conforme destaca a diretora lideranças do grupo, Andressa um levantamento e as prio- estudante, que trabalha com executiva, Micheli. “A gente se Calderon Schmitt, 19 anos, o ridades são analisadas. obras em Porto Alegre, tam- surpreendeu com as imagens, apoio prestado também vem Outra atenção dada pelo bém nomeia o programa como tanto que estávamos pensando dos próprios jovens. “Quando Proame é em relação à saú- “uma segunda família”, assim no projeto de um jeito e acaa gente vê que alguém não está de mental. Em alguns casos, como Andressa. Sobre esse bou virando até um espaço de CLARICE ALMEIDA

desabafo, de denúncia, muito interessante”, conta. Andressa menciona que eles queriam fotografar o momento, o que chamava a atenção deles e o que tinha um significado por trás. “Tiramos fotos da vida real, de como era o nosso cotidiano, a nossa comunidade e a nossa cidade”, revela a jovem Outros projetos realizados em 2020 também agregaram na trajetória de crianças e adolescentes, como por exemplo, o projeto “Amanhã há de ser outro dia”, que ampliou as condições de prevenção ao Covid-19 através do fornecimento de cestas básicas, kits com itens de higiene e limpeza e máscaras. Já o projeto “Plano Decenal dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente de São Leopoldo: consolidando a política, efetivando a participação, garantindo direitos!” mapeou a realidade das crianças e dos adolescentes do município e indicou quais ações devem ser priorizadas nos próximos dez anos.

COMIDA NA MESA

Entre as mudanças causadas pela pandemia, o Proame recebeu demandas emergenciais, como a questão da alimentação. “Como não estávamos conseguindo fazer as atividades coletivas presenciais, devido à bandeira preta, continuamos fazendo o trabalho virtual - visita domiciliar a gente faz bastante - mas apostamos na questão da segurança alimentar neste momento”, revela Micheli. De 2020 para 2021, houve um aumento da vulnerabilidade das famílias. Além dos jovens de acompanhamento direto, outros familiares e vizinhos pediram para entrar no programa, o que fez o número de famílias atendidas subir para 39. Porém, através de parcerias, como com o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Fundação Luterana de Diaconia, foi possível ajudar a suprir necessidades. Com o apoio de instituições como essas, foram comprados alimentos diversos, que, em maioria, não estão incluídos em cestas básicas, por se tratar de alimentos perecíveis, como leite, ovos e sardinha. DANIELA GOZATTO VANESSA LOURENÇO


8. Saúde

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | REGIÃO NORDESTE | ABRIL / MAIO DE 2021

Correio Teatral promove saúde mental O projeto possibilita um contato mais pessoal e intimista entre os participantes

Marques, de 17 anos, também se beneficiou do projeto. Ela, que trabalhava, estudava e fazia aulas de dança, conta que, em determinado momento, se viu com um nível de ansiedade “à flor da pele”. “Abri mão da minha rotina, pois não tinha o que fazer, mal sabia que esse seria o meu pesadelo. A ideia das cartas foi um alívio para mim. Escrevendo pude entender o que estava acontecendo comigo e ao meu redor”, diz.

H

á um ano o país vive as consequências da pandemia do coronavírus. A falta de políticas públicas eficazes, a mudança drástica na rotina e as milhares de mortes afetaram a saúde mental dos brasileiros. E com os jovens e adolescentes isso não tem sido diferente. Em determinado momento, eles se viram impedidos de estarem na escola, de se reunir com os amigos e tiveram a sua realidade totalmente transformada. Um estudo publicado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, afirma que os adolescentes são especialmente vulneráveis ao adoecimento mental no contexto da pandemia. Isso se dá pela importância do convívio em grupo para essa faixa etária. Denominado “Saúde mental de adolescentes em tempos de Covid-19: desafios e possibilidades de enfrentamento”, a pesquisa fala sobre o aumento de depressão, estresse, ansiedade, alteração na qualidade do sono, dentre outros efeitos na vida dos jovens e adolescentes. Na Vila Brás, no bairro Santos Dumont, localizado na região nordeste de São Leopoldo, uma iniciativa buscou driblar a distância e a solidão. Chamado de “Correio Teatral” o projeto teve como objetivo ser uma válvula de escape para os jovens e adolescentes da comunidade. O educador social e estudante de pedagogia, João Marcelo Lucas Schneider, explica que a ideia de trocar cartas surgiu no meio de 2020, após a interrupção dos encontros do Movidos Pela Arte, grupo teatral criado em 2016, com os estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental João Goulart, e que oferece oficinas teatrais gratuitas. João Marcelo escreveu uma carta inicial para todos os integrantes do grupo convidando a participar do Correio. “Perguntei como estava a vida, a escola, como estavam funcionando as coisas. A carta ia dentro de um

SAÚDE MENTAL

Para Marcelo, as cartas do Correio Teatral foram um meio de apoio neste período

A assistente social e diretora do Cras Nordeste, Nilmara Dias, conta que, apesar da capacidade de atendimento ser pequena, o número de atendimentos aumentou. “Atualmente temos três adolescentes que utilizam o serviço e dois em avaliação, teríamos mais, mas nossa estrutura é limitada. Hoje, em parceria com o Projeto de Atenção Ampliada à Saúde, da Unisinos, nossos pacientes passam pelo acolhimento aqui no Cras e são encaminhados para o atendimento, que, por conta da pandemia, está ocorrendo de forma online”, explica.

“O Correio Teatral foi um projeto de alívio e de conexão” Marcelo Lopes Miranda Estudante

Antes da mudança na rotina, o palco era um local de convívio com outros jovens saco plástico lacrado, que podia ser higienizado sem tirar da embalagem. Tudo para evitar o contágio pelo coronavírus”, contou. Após esse primeiro movimento, as trocas de correspondências passaram a ser quinzenais. O estudante de pedagogia, além de ser o carteiro do grupo, indo de casa em casa recebendo e entregando as cartas, também se atentou à saúde mental dos jovens. “Era uma coisa mais pessoal, mais intimista, não como é no WhatsApp. Ali,

comecei a analisar e ver vários pontos de preocupação com a saúde mental de alguns adolescentes”, disse. Os principais relatos que João Marcelo percebia eram a dificuldade na escola, a obrigação de ficar em casa e o isolamento. “Até certo momento eu conseguia fazer um diálogo. Mas, em determinado ponto, a gente procurou o Centro de Referência em Assistência Social (Cras), que podia fazer um atendimento mais específico”, contou.

MARCELO: ARQUIVO PESSOAL – JOVENS: MOVIDOS PELA ARTE / DIVULGAÇÃO

CARTAS DO BEM

O jovem Marcelo Lopes Miranda, 22 anos, mora com os pais na Vila Brás e tem se habituado ao “novo normal” imposto pela pandemia. “Conviver com a preocupação e a incerteza é algo que no início me causava insônia e ansiedade. O Correio Teatral foi um projeto de alívio e de conexão, algo para não nos sentirmos sozinhos e uma forma de nos distrairmos disso que estamos passando”, contou. Ana Caroline da Costa

A psicóloga social do Cras Nordeste, Luana de Castro Flores, explica esse aumento e quais as principais causas da busca de atendimento durante a pandemia. “Com o fechamento das escolas, recebemos demanda de mães com crianças e adolescentes em situação de sofrimento mental, sintomas de ansiedade e compulsão alimentar”, disse. Luana afirma que é importante os pais ficarem atentos aos sinais. “Quando a criança apresenta um sono irregular, se alimenta diferente ou se isola emocionalmente, temos que buscar compreender os motivos dessas mudanças”, conclui. DOUGLAS GLIER GABRIEL NUNES


Saúde .9

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Vacinação contra a Covid-19 está sendo realizada desde janeiro em São Leopoldo e é motivo de felicidade e esperança

A vacinação contra a Covid-19 em São Leopoldo Mesmo com a falta de doses, cidade busca estratégias para garantir a imunização da população

A

Covid-19 vem impondo desafios inéditos para o sistema de saúde e apesar do sucesso do país em diversas campanhas de saúde, a falta de doses vem tirando o sono das administrações municipais. As primeiras 1.422 doses chegaram em São Leopoldo em janeiro de 2021. Ou seja, dez meses depois da implementação das medidas de contenção tomadas pelos municípios e pelo Estado. Os primeiros vacinados foram profissionais de saúde responsáveis pela ala Covid do Hospital Centenário. Das doses recebidas pelo município até dia 20 de abril,

41.488 imunizantes vieram Largo Rui Porto, localizado da Coronavac/Butantan e na rua Dom João Becker, 261, 11.095 vacinas da farmacêu- Centro, e no Centro de Eventica AstraZeneca/FioCruz/ tos de São Leopoldo, na Av. Oxford. Com aproximada- São Borja, 1860, São Borja mente 240 mil habitantes, . Já para os munícipes que 39.094 pessoas já foram imu- optarem por ir aos centros de nizadas com a vacinação, são eles, a antiga primeira dose Mais de 15% dos Sede da Unisie 15.672 com nos, na rua Braa segunda re- leopoldenses sil, 685, Centro, messa, dados já receberam a e o Museu do referentes de Trem, localiza3 0 d e a b r i l . primeira dose do na Rua LinCom a documentação necessária (iden- dolfo Collor, 40, Centro. Segundo dados do Vacitificação com foto, CPF, comprovante de residência nômetro São Leopoldo, até o e cartão SUS) em mãos, a dia 20 de abril, cerca de 15% população recebe os imu- da população total da cidade nizantes por meio dos cen- já havia sido imunizada com tros de vacinação, drive-thru a primeira dose. Entre esses, estão profissionais da saúde, e unidades móveis. As doses estão sendo idosos acima de 61 anos, foraplicadas nos drive-thrus do ças de segurança, indígenas

aldeados e trabalhadores das Instituições de Longa Permanência para idosos (ILPI’s) e Pessoas com Deficiência (PCD). O município conta com 56 leitos clínicos e 18 leitos UTI Covid.

LOGÍSTICA DAS DOSES

A logística do transporte das doses é coordenada pelo Governo Federal com a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul (SES). A Prefeitura de São Leopoldo, através de nota oficial, afirma que o processo é intenso e burocrático. “As doses são enviadas pelo Ministério da Saúde ao nosso Estado. Sendo assim, são distribuídas pelas regionais, que repassam os lotes aos municípios. Os quais cada cidade vai até Porto Alegre retirar seu quantitativo. A partir disso,

DRIVE-THRU: VALENTIN THOMAZ / PREFEITURA DE SÃO LEOPOLDO – ENFERMEIROS: THALES FERREIRA / PREFEITURA DE SÃO LEOPOLDO

elas são conferidas e armazenadas na Rede Frio, que fica na Vigilância de Saúde”, esclarece o comunicado. A administração municipal já contou com nove locais simultâneos de vacinação descentralizados. Porém, com a falta de envios contínuos de doses, por parte do Governo Federal, não é possível manter outros centros de imunização, pois torna imprecisa a garantia das doses. É importante lembrar as recomendações de higiene da Organização Mundial da Saúde (OMS) mediante ao cotidiano pandêmico. Uso de máscara, álcool gel e distanciamento social são essenciais na prevenção da doença. GABRIEL M. FERRI HENRIQUE KIRCH


10. Cidadania

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Afinal, você sabe o que é uma ocupação? Lideranças e especialistas abordam os aspectos que constroem o movimento pela moradia

riam ser destinadas para fins de atender os moradores que estavam nestas áreas ocupadas. Um dos principais casos, que temos como modelo aqui em São Leopoldo, é da Cerâmica Anita. Destinamos a terra para as famílias, com toda infraestrutura, e hoje 68 famílias residem no local”, conta o secretário de Gestão de São Leopoldo e ex-secretário de Habitação, Nelson Spolaor. Outras ações foram tomadas para o processo de fortalecer e estimular projetos de cooperativismo/associativismo como forma de enfrentamento do déficit habitacional, mas, também, como forma de implantar projetos alternativos de geração de emprego e renda.

O

déficit habitacional enfrentado pelo país expõe milhões de brasileiros à falta de moradia. É inegável que é preciso rever políticas públicas de acesso à habitação digna. Mas enquanto essa compreensão não chega àqueles que têm poder, é necessário fazer algo, e uma das saídas é ocupar. É daí que surgem as ocupações. Alvo de críticas, ataques e até mesmo preconceito, as ocupações são grandes símbolos na luta pela moradia digna. Afinal, o que é uma ocupação? Para o professor de geografia da rede de ensino da cidade de Rio Grande, William Rocha, seria o ato de ocupar uma determinada área com finalidade de se estabelecer ali. “As ocupações por moradia estão relacionadas à falta de moradia e utilizam essa propriedade para morar, se estabelecer. As ocupações urbanas, de movimentos por moradia não estão ligadas à grilagem, por exemplo”, explica o professor. De acordo com o estudo “Escolha das condições de ocupação de moradia e política habitacional no Brasil” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa de domicílios próprios no Brasil era de 74,4% em 2000, sendo que em países em estágios muito diferentes de desenvolvimento, como Alemanha e Jamaica, a taxa de domicílios próprios gira em torno de 45%. Esta alta taxa de domicílios próprios escancara um problema habitacional muito comum no país: muitas casas sem moradores, e muitas pessoas sem casa. Segundo reportagem da BBC Brasil, em maio de 2018, existiam 6 milhões de moradias desocupadas no Brasil, e 6,9 milhões de pessoas sem casa. E para equilibrar essa conta, surgiu em julho de 1990 o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). “O MNLM vem construindo, a martelo e à foice, novas

“Pela legislação brasileira, a terra tem que ter um fim social”

Ocupação da Santa Marta é uma das primeiras da cidade

William Rocha

Professor de geografia

De acordo com a moradora e líder comunitária do Loteamento Cerâmica Anita, Cleusa Lagemann, o apoio dado pela prefeitura, desde o início, tem sido fundamental: “Desde o começo, nos ajudaram muito”. Foram realizados projetos de urbanização, em 2019, organizados pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, que formou uma equipe com cinco arquitetos e duas estagiárias da Unisinos para qualificar o loteamento localizado no bairro Vicentina.

DIFERENÇAS

A Ocupação Justo surge como efeito do déficit habitacional enfrentado pelo Brasil estradas voltadas à democratização das cidades, uma das principais bandeiras de luta do movimento, dessa forma em direção contrária à lógica do capital” - cita Fabiana Aguiar de Oliveira, Doutora em Serviço Social, em sua tese de doutorado “Entre rebeldia e conformismo: A luta do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) pelo acesso à moradia no Rio Grande do Sul”, de 2011. William ainda comenta que as ocupações são fun-

damentais por serem um último recurso no sentido de ter direito e acesso à terra. “Existe uma diferença entre terra privada e pública. Pela legislação brasileira, a terra tem que ter um fim social. Se baseando no conceito de que a terra é um bem social, e não uma mercadoria, por si, ela é proporcionada pela natureza, e não pelo mercado. Por isso, todos teriam direito a uma parte, um pedaço de terra, seja para morar, ou para produzir provento”, esclarece.

AÇÕES

Em 2017, foi realizada em São Leopoldo a 7ª Conferência Municipal da Habitação, onde algumas ações foram designadas por parte da Prefeitura, para iniciar um processo de regularização fundiária. “Naquela Conferência aprovamos várias resoluções. Uma delas dizia: as terras públicas ocupadas há mais tempo na cidade, que não fossem áreas de preservação, de risco e não tivesse nenhum projeto específico para aquela área, deve-

OCUPAÇÃO JUSTO: LUCAS KOMINKIEWICZ DA GRAÇA – SANTA MARTA: LAURA BLOS

A cooperativa tem o intuito de facilitar a produção das casas. É uma organização, com sentido econômico, que junta pessoas que cooperam entre si, tentando alternativas que possibilitem a construção dessas habitações de uma forma mais eficaz e barata. “A ocupação, na realidade, é uma organização para ocupar espaços ociosos, que possibilite às pessoas morarem naquele lugar, elas tendo ou não condições de construir uma residência”, exemplifica o professor William Rocha. LEONARDO OBERHERR ÉMERSON DOS SANTOS


Cidadania .11

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | REGIÃO NORDESTE | ABRIL / MAIO DE 2021

A luta pela água na Steigleder Moradores da ocupação relatam a dificuldade de viver com a falta do recurso

durante as reuniões com o poder público, o prefeito argumentava não ter respaldo jurídico para investir na ocupação por se tratar de uma propriedade privada. “Somente o proprietário podia solicitar a instalação de pontos de distribuição de água. Foi então que conseguimos uma audiência de mediação pelo CEJUSC [Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania], onde ficou acordado que o Município teria autorização para colocar as bicas”, diz Cristiano.

O

acesso à água ainda não é uma realidade para todos os brasileiros. Em São Leopoldo, esse é o caso das mais de 200 famílias que residem na ocupação Steigleder, localizada à beira do Rio dos Sinos, no bairro Santos Dumont. Sem o serviço, os moradores dependem de pontos de distribuição externos para realizar tarefas básicas, como cozinhar e tomar banho. Quando Jaqueline dos Santos Rodrigues, 37 anos, foi morar na ocupação, há 13 anos, as condições do local eram bastante precárias. “Toda a área era um banhado e, na época, a gente precisava ir a pé até a casa mais próxima para buscar água”, lembra Jaque, uma das lideranças da ocupação. Depois, os moradores começaram a utilizar a bica de um bairro vizinho. “Como a água não chegava em nossas casas, tínhamos que caminhar quase meio quilômetro para encher galões em uma outra comunidade. Muitos iam de carroça, alguns levavam carrinho de mão e outros carregavam nas costas mesmo”, conta. Para solucionar esse problema da distância foi engatada, nessa única bica, uma mangueira que percorreu por todas as casas da ocupação. Porém, devido ao número de moradores, a pressão da água diminuiu. “Era praticamente só gotas. Às vezes as crianças iam até sujas de lama para a escola porque as mães não conseguiam lavar a roupa”, salienta Jaqueline. Cléber dos Santos Martins, 34 anos, que também faz parte da liderança, diz não conseguir ficar acomodado vendo o povo passar por dificuldades. “Moramos a cerca de um quilômetro do Centro de São Leopoldo e estávamos sem água para beber. Por isso, reunimos mais de 40 famílias e fomos até o SEMAE [Serviço Municipal de Água e Esgoto] para mostrar a nossa realidade”, relata Cléber. Segundo Cristiano Schumacher, da diretoria estadual do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM),

“A água é um direito, ela faz parte da nossa vida” Jaqueline Rodrigues Moradora da Steigleder

Assim, depois de muita luta, foi instalado pelo SEMAE, em outubro de 2019, quatro torneiras que hoje abastecem toda a comunidade. Para captar o recurso, os moradores fizeram “puxadinhos” para estender as mangueiras até as residências. Hoje em dia, por causa desses ligamentos improvisados, as famílias têm acesso à água em casa.

“AINDA É PRECISO MELHORAR”

Mangueiras improvisadas fazem todo o abastecimento da comunidade

Semae fazendo a instalação das bicas na ocupação Steigleder em 2019 JAQUELINE RODRIGUES / ARQUIVO

Atualmente, apesar das mangueiras levarem água potável até as casas, os moradores da ocupação Steigleder continuam enfrentando dificuldades. “A instalação das bicas ajudou muito, porém ainda é preciso melhorar”, afirma Cléber, contando que a chegada do inverno traz à tona o problema do frio. “Para tomar banho precisamos esquentar a água no fogão a lenha. Infelizmente, isso já virou rotina, mas não podemos nos acostumar com essa realidade”, declara. Para Jaqueline, o ideal seria que todos tivessem água encanada em casa. “A água é um direito, ela faz parte da nossa vida. Não podemos viver sem. Todo mundo aqui espera pelo dia de abrir o chuveiro e ver a água jorrar. Isso para nós é uma grande esperança”, conclui. AMANDA BIER


ENFOQUE SÃO LEOPOLDO

REGIÃO NORDESTE

| ABRIL / MAIO DE 2021 | EDIÇÃO 2

Dona Cacilda: ensinamentos além das quadras Moradora do bairro Rio dos Sinos dedicou-se em ajudar crianças através do futebol

D

ona Cacilda Rodrigues Barcelos carrega boas lembranças e saudades da época de infância que teve no bairro Rio dos Sinos, Região Nordeste de São Leopoldo, onde mora há 50 anos. Hoje, com 64 de idade, Cacilda foi uma das moradoras que deu início à história do bairro. Ela, que morava em uma das únicas casas da quadra, viu o lugar ganhar forma e moradores. “Me criei aqui, brincando no Rio dos Sinos e nas ruas, vivendo a vida maravilhosa que hoje ninguém tem”, comenta com emoção. Já desde muito nova dedicava-se em ajudar outras pessoas, cuidando das crianças mais novas para os vizinhos. Os cabelos brancos denunciam a idade, mas, a alegria no olhar e o sorriso sempre presente e contagiante fazem jus a jovialidade que ainda carrega no coração. O bom humor, a disposição em conversar e o riso fácil ao recontar uma história que a orgulha e emociona tanto, são traços fortes e marcantes de alguém que sempre se dedicou a ajudar. Já era ano de 1999 quando viu os poucos campos de futebol da região serem substituídos por terrenos baldios. Os dias de chuva revelavam outra dificuldade para as crianças, que passaram a jogar futebol nas ruas, de onde inclusive, os próprios vizinhos os afastavam. A grande quantidade de barro os impossibilitava de jogar. “Eu via tirarem a bola deles, correrem com eles das ruas e aquilo me doía. Foi quando decidi fazer algo”, relembra Cacilda com tristeza. Um convite que já vinha sendo feito inúmeras vezes foi aceito na esperança de poder ajudar as crianças do bairro. “Eu sempre estou nas lutas como sociedade civil, mas nunca quis participar da Associação de Moradores ou representar alguém e, foi nesse momento que decidi aceitar para poder ajudar os meninos”, explica. Eleita presidente da Associação dos Moradores do Bairro Rio dos Sinos, no início

Cacilda fardada e com o cartaz recebido em 2010 em comemoração ao dia das mães do ano 2000, Cacilda convidou os meninos para que os representassem nos campeonatos de futsal oferecidos pelo Sesc (Serviço Social do Comércio). A ideia ganhou o coração da molecada formando quatro times de futsal de diversas idades ao longo dos anos.

ATLÉTICO RIO DOS SINOS

Sem muito conhecimento sobre futebol, Cacilda aprendia com os meninos. “Eles me ensinavam a treiná-los”, comenta com alegria. A falta de lugar apropriado para os treinos a fez juntar dinheiro para pagar quadras particulares, mas a dificuldade maior era encontrar um técnico que aceitasse o desafio. A responsabilidade ficou novamente com Cacilda, que sozinha acompanhava cerca de 30 garotos do Atlético Rio dos Sinos aos jogos. Leonatas Salles Picolotto,

de 28 anos, e Natan da Silva, de 30, foram dois dos meninos treinados por Cacilda quando tinham entre doze e quatorze anos. “Ela sempre acolheu a gurizada muito bem, sempre mostrou o significado da união entre nós. Acredito que todos levaram isso para a vida”, comenta Leonatas. Ele acrescenta que os treinos eram levados a sério, não faltava felicidade dentro e fora de quadra. “O importante não eram os jogos, mas estarmos juntos”, complementa. “O futebol era a principal razão que nos unia, mas a parceria e as brincadeiras eram o mais divertido. Todo mundo ajudava, se alguém não tinha dinheiro para o lanche, a gente fazia uma vaquinha, mas todo mundo comia um cachorro-quente”, relembra Natan, com alegria. A realidade mostrou também uma outra face, a inércia dos pais das crianças. Poucos, para não dizer nenhum, ajuDANIÉLI CANDIDO (DIRIGIDA POR GUSTAVO BAYS)

davam com os preparativos e arrecadavam era utilizado arrecadações para os jogos. para a confecção de camiCacilda acolhia em casa cerca sas e para os lanches. de 12 meninos, entre doze e quinze anos, que eram mais CORAÇÃO DE MÃE próximos a ela e a quem deCacilda não tem filhos de dicou papel de segunda mãe e sangue, mas segundo ela, é orientadora. “Eu perdi quase mãe de coração desses metodas as minhas clientes do ninos com quem conviveu salão de beleza na época, por- e aprendeu tanto. As lemque os meninos não saiam da branças a acompanham até minha casa e nem todo mundo hoje. Cartaz em homenagem gostava disso. Mas eu os pre- ao Dia das Mães, camisa do feria aqui sob meus olhos do time, cópia das certidões de que na rua”, relembra. nascimentos dos meninos “Graças a Deus, todos e um coração cheio de aledaquela época tornaram-se gria e saudade da época que homens de bem, ninguém se passaram juntos. “Hoje eu os perdeu no caminho, acredi- vejo com mulher, com filhos to que a Dona Cacilda, com e me emociono. Quando nos esse projeto, ajudou muito encontramos damos risadas para que isso aconteces- de tudo que já passamos”, se”, comenta Natan. comenta emocionada. “Eles nunca ganharam “Nos últimos oito anos teum jogo, mas também nun- nho menos contato com a Caca desistiram”, relembra Ca- cilda, estava me dedicando ao cilda. “Nas competições era trabalho, construção da casa bem complicado, por mais e minha família, mas toda vez que treinássemos, nossas que andava de bicicleta com condições eram minha filha pasmais precárias. sava lá para dar “Eu via tirarem Enfrentávamos um ‘oi’ e converescolinhas que a bola deles, sar com ela”, cotreinavam três menta Leonatas. correrem com vezes na sema“Muitos saíram na, mas ainda eles das ruas e do bairro, a corassim dávamos reria do dia a dia trabalho”, co- aquilo me doía” acabou afastanmenta Natan, Cacilda Barcelos do um pouco a com bom humor. Responsável pelo projeto gente, mas as Foram mais redes sociais de seis anos de dedicação em são uma forma de nos aproacompanhar e ajudar os me- ximar”, salienta Natan. ninos no futebol. “A Cacilda “Acho que eu fiz muita diensinou a importância do tra- ferença na vida deles, porque balho em equipe, que sempre se eles continuassem na rua devemos nos respeitar, inde- poderiam ter entrado para as pendente do resultado, que drogas, não se sabe”, comenta. normalmente não saía como “Eu tenho muita vontade de queríamos”, comenta Leona- fazer um encontro com todos tas. “Não tínhamos responsa- eles de novo”. Cacilda comenta bilidade com o resultado, mas que olhando para trás, não com o espírito esportivo, são faria nada diferente, “até meslições que levo para a vida”, mo hoje, se eu puder ajudar complementa Natan. novamente, eu vou ajudar”, No início, Cacilda pagava completa emocionada. as despesas com seu dinheiro Aliás, os sentimentos que ou contava com a ajuda de mais transbordaram aqui foempresários do bairro, até en- ram emoção e saudade. Catrar para a economia solidária. cilda, que procurou contato “Entrei na economia solidária com os meninos da época, e participava das feiras para recebeu uma grata surpresa conseguir arrecadar dinheiro ao ser visitada por alguns para o time”, explica Cacilda. deles. Emocionou-se e nos Nas feiras os meninos tam- emociona com sua história bém a acompanhavam para inspiradora de quem não ajudar. Ainda assim, o dinhei- mede esforços para ajudar ro era curto e pela falta dele, e transformar vidas. deixaram inclusive de jogar CRISTINA BIEGER em outros lugares. Tudo que


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