Enfoque Barrinha 3

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DIVULGAÇÃO

PRISCILA SERPA

ALEGRIA

LENNON SANTOS

SAÚDE

Iniciativa aposta na terapia do riso. Página 5

Comunidade carece de atendimento local. Página 6

RISCO

Possibilidade de cheia é ameaça constante. Página 12

ENFOQUE BARRINHA

CAMPO BOM / RS JUNHO DE 2015

EDIÇÃO

3

ORIGENS

MEMÓRIA DE FAMÍLIAS DA REGIÃO SE MISTURA COM HISTÓRIA DO BAIRRO PÁGINAS CENTRAIS VITÓRIA SANTOS

MEIO SÉCULO DE EDUCAÇÃO ESCOLA PRINCESA ISABEL: PRESENÇA NA VIDA DE TODOS PÁGINA 3

à

Diretora Zoraide (à direita) e a coordenadora Úrsula relembram o passado da instituição


2. CLIQUE

ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

OS BARCOS E A BARRINHA Os barcos são menos populares do que poderíamos imaginar em um local chamado Barrinha. Mas sem os barcos, talvez a Barrinha não fosse o que é. De barco chegaram os primeiros moradores, e é pelos barcos que alguns geram seu sustento. Mas são nos momentos de cheia do rio, que se tornam ferramentas fundamentais para a comunidade.

FILIPE FOSCHIERA

RECADO DA REDAÇÃO

A terceira edição do Enfoque Barrinha traz consigo um tom saudosista. Neste primeiro semestre de 2015, alunos se tornaram jornalistas e moradores se tornaram personagens. A comunidade viu-se retratada pela primeira vez. Nosso veículo experimental, ao mesmo tempo em que chamou atenção para as dificuldades, também imprimiu uma identidade local. Cinquenta universitários tomaram a responsabilidade de explorar assuntos pulsantes e transformá-los em histórias a serem contadas. Artesãos, músicos, cabeleireiros e pacatos moradores; muitos foram os que abriram suas residências – talvez com timidez – para deixar que suas histórias tomassem proporções locais. Esta edição do Enfoque traz a história de famílias e aborda a relevância de um espaço de ensino já conhecido por diferentes gerações. Chama atenção para a falta de opções de lazer, mas também exalta a iniciativa de pessoas que se utilizaram da criatividade para resolver este problema. Fala da beleza, da dor e do riso. Mostra as diferentes atividades profissionais do bairro. Lembra do rio, com suas belezas e ameaças. E exalta através de imagens, a pureza e a esperança da geração que será o futuro da Barrinha. A equipe que neste semestre produziu 48 páginas de conteúdo está muito satisfeita. Somos agradecidos pela abertura da comunidade que se deixou ser retratada pela ótica de aprendizes. A Barrinha também deixa – talvez sem saber – um exemplo positivo de camaradagem. Muitos desejam que o lugar onde vivem fosse tão fraterno e acolhedor como é este bairro. Agradecimentos também devem ser feitos à Associação dos Moradores, que guiou e acolheu nosso grupo de jornalistas. Por este semestre é só. A partir de agora, serão novos repórteres e novos fotógrafos que seguirão na busca por boas histórias a serem contadas. Boa leitura!

ENFOQUE BARRINHA

O Enfoque Barrinha é um jornal experimental dirigido à comunidade do Bairro Barrinha, em Campo Bom (RS). Com tiragem de mil exemplares, é publicado a cada dois meses e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo.

FALE CONOSCO (51) 3590 8463

enfoquecampobom@gmail.com

Avenida Unisinos, 950 - Agexcom (Sala D01-001) - São Leopoldo/RS

DATAS DE CIRCULAÇÃO 1

28 / 03 / 2015

2

25 / 04 / 2015

3

29 / 05 / 2015

LEGENDAS - REPÓRTER

FOTÓGRAFO

EQUIPE REDAÇÃO – Redação Experimental em Jornal / Jornalismo Cidadão – Orientação: Luiz Antônio Nikão Duarte. Edição geral (chefia): Daniel Grudzinski. Edição de fotografia: Rita Garrido. Edição: Débora Cademartori, Filipe Rossau, Franciele Costa, Franciélen Severo, Joane Garcia, Julian de Souza, Mariana Nunes, Renata Cardoso e Tatiana Oliveira. Reportagem: Ana Elisa de Oliveira, Ana Fukui, Belisa Lazzarotto, Camila Hugenthobler, Cristiano Vargas, Émerson Luiz da Costa, Francisca Gabriela, Gabriela Barbon, Glauco Bittencourt, Greyce Malta, Jéssica Sobreira, Juliana Franzon, Luiz Teló e Maria Roseli Santos. FOTOGRAFIA – Fotojornalismo – Orientação: Beatriz Sallet. Fotos: Adriana Reis Correa, Alan Gressler, Aline Casiraghi Oliveira, Caroline Tentardini, Daniela Garcia, Daniela Passos, Denise Morato, Filipe Foschiera Vieira, Guilherme Rossini, José Luis de Souza, Kamila Karolczak, Kathleen Machado, Leandro Luz, Lennon Santos, Luan Pazzini, Lucas Möller, Marta Ferreira, Nahiene Alves, Natália Mingotti, Priscila Serpa, Rafael Erthal de Sousa, Rafaela Amaral, Vanessa Puls e Vitória Santos. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) – Projeto gráfico e arte-finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Gabriele Menezes. Colaboração (página 14): Paulo Junior (designer gráfico). IMPRESSÃO – Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares. Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Avenida Unisinos, 950, Bairro Cristo Rei - São Leopoldo/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinícius Souza. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.


ENSINO .3

ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

Escola é parte da vida local

que à Instituição existe desde

à

Grupo escolar passou por diversas reformas

1959 acolhe e educa moradores

U

m lugar acolhedor, extremamente limpo e organizado. Inegavelmente muito bem cuidado. Salas de aula com mesas brancas imaculadas, cortinas combinado e enfeitadas, sem nenhuma marca nas paredes. Carteiras pequeninas, brinquedos, colchonetes, tapetes, cartazes, desenhos, flores, árvores frutíferas, horta e pracinha, tudo em perfeito estado de conservação e organização. Essas são apenas algumas das características encontradas na Escola Municipal Infantil Princesinha e na Escola Municipal de Ensino Fundamental Princesa Isabel. O Grupo Escolar Princesa Isabel nasceu legalmente junto com o município de Campo Bom: em 1959. A primeira sede foi construída em um terreno doado por um residente, onde hoje funciona a Associação de Moradores do bairro. Porém, as atividades escolares já aconteciam em uma casa local desde 1940. A escola teve seu nome escolhido através de um concurso de redações realizado por volta de 1960, segundo Leni Terezinha da Silva, que foi estudante do lugar e que hoje, com 67 anos, conta um pouco de sua história. Em uma área rural de Campo Bom, onde não há farmácia, posto de saúde e o comércio é pouco diversificado, a estrutura chama a atenção: salas de aula impecáveis e acessíveis, biblioteca, área coberta, ginásio e pracinhas. Um lugar tão harmonioso que sentir-se acolhido é natural. Esse acolhimento, quase orgânico, é uma das chaves para o sucesso da educação, segundo a coordenadora pedagógica, Úrsula da Silva, 36 anos: “O fato de as duas instituições funcionarem juntas fortalece os laços entre as famílias e a comunidade como um todo. Os pais deixam os filhos de diversas idades aqui, os irmãos ficam próximos e consequentemente as crianças se habituam a esse local, criam vínculos com a escola e com a comunidade”. A diretora das escolas, Zoraide Ramm, 56 anos, vive em uma maratona diária. As instituições atendem juntas 158 crianças, sendo 77 no ensino fundamental e 81 da educação infantil – destas, 25 no berçário, que requer atenções mais do que especiais. Além de acumular os cargos de chefia das insti-

tuições, ela também é artesã. Confecciona manualmente as placas que indicam cada sala dos pavilhões, além de fazer bancos e pufes com materiais recicláveis. O complexo oferece aulas em turno integral – entrada às 7h30min e saída às 16h. Os alunos têm acesso, além do currículo regular, às oficinas de Dança Criativa, Dança Gaúcha, Xadrez, Culinária, Literatura, futsal, meio-ambiente, informática, música e reforço escolar. A leitura é incentivada todo o tempo. Além do uso da biblioteca também pela comunidade, as crianças podem levar para casa as “Sacolas Literárias” – diversos materiais que tem como objetivo envolver toda a família –, e realizam no mínimo 15 minutos de leitura em sala

à Coordenadora Úrsula da Silva,

Leni Terezinha da Silva, que estudou no local, e a diretora Zoraide Ramm fazem parte da história

de aula. Gibis e pequenos livros ficam à disposição no pátio da escola. A história da escola, do bairro, da população e da própria cidade se fundem, e mostra que, por mais humilde que seja o local, a educação sempre pode ser protagonista e transformadora.

- RENATA CARDOSO

VITÓRIA SANTOS


4. BEM-ESTAR PROFISSÃO

Carla Caberlon, 44 anos, é moradora da Barrinha desde que nasceu. É no bairro que foi criada pelos seus pais e, hoje, mora com a família. Todos gostam muito de comer doces como sobremesa, dando suas beliscadas durante o período da tarde ou tomar chimarrão acompanhado de uma rapadura. Herdou da mãe o costume de comprar doces de vendedores de rua. “Compramos para ajudar. E também satisfazemos nossa vontade de comer”. Élton Luiz Machado, 44 anos, é vendedor ambulante de rapaduras, paçocas e mandolates há sete anos. A família Caberlon perdeu as contas de quantas vezes comprou dele os doces de que tanto adoram. “Compramos porque todo mundo daqui gosta”, diz Carla. Desde que começou com a nova profissão, Machado já recebeu inúmeros “não”. O que não foi muito diferente com os “sim”. Ele, que trabalhava no setor calçadista na cidade de Sapiranga, hoje, se desloca por diferentes lugares: Ivoti, Nova Hartz, Araricá, Campo Vicente, Três Coroas, Canoas, entre outras, são as cidades em que ele e seus colegas ambulantes vendem os produtos da empresa Doces Queiroz. Mesmo não sendo morador da Barrinha, Machado conhece cada um dos moradores, principalmente, quem sempre compra de suas rapaduras, mandolates e paçocas. Ao bater palmas na frente das casas, os donos vêm até o portão e falam com o vendedor. Quem não compra, justfica: “Hoje não”, “tenho diabetes”, “hoje não tenho dinheiro”. Ou então o questionam: “Quanto é cada?”, “Tem cocada, moço?”. E, conforme vai sendo interrogado, Machado responde. Se ao oferecer um de seus doces, recebe uma resposta negativa, ele entende. “Não é sempre que o pessoal tem dinheiro. Sei que me pagariam, mas como o patrão não deixa vender fiado, sigo meu caminho até a próxima casa”.

- FRANCISCA GABRIELA KAMILA KAROLCZAK

à

Para Élton, o carrinho é seu principal instrumento de trabalho

salão à Um que, além de

embelezar a clientela, tornou-se uma válvula de escape, trazendo mais cor à vida da dona

Beleza em galpão LEANDRO LUZ

Amor pelo trabalho é o que faz a diferença no estabelecimento de Veridiana

à

U

m sorriso largo e um olhar acolhedor, assim é a recepção que Veridiana Aparecida do Espirito Santo, de 34 anos, presta aos clientes em seu salão. Com tamanha desenvoltura para conversar e muito animada, é impossível dizer que a proprietária do local passou por problemas de saúde há aproximadamente três anos, quando foi diagnosticada com depressão. Na época encostada e dependendo dos benefícios do INSS, decidiu juntar forças e fazer algo que gostava. Após alguns cursos, Veridiana resolveu se dedicar à beleza, e através do curso de cabelereiro e manicure, deu início a uma nova etapa de sua vida, auxiliando as pessoas a melhorar a autoestima. E, consequentemente, ao se distrair e fazer algo que gosta, colaborou com a própria saúde. Há dois anos, montou um espaço em sua residência, onde passou a atender sua clientela. O nome “Salão Estylus”

logo foi alterado. “O meu marido é bem campeiro, gosta de coisas mais rústicas e aumentou a nossa casa, sendo que uma das peças é o salão, se tornando uma espécie de galpão”, conta a proprietária, e destaca que a partir daí, um primo sugeriu o nome “Galpão da Beleza”. E, para ela, a sugestão foi perfeita, pois o local é pequeno, de clima mais rústico, porém muito

aconchegante e com um toque amigável. A maioria dos clientes do Galpão da Beleza é ou se torna amigo da cabeleireira, que cuidadosamente prepara um chimarrão para recebê-los todos os dias. Além dos moradores da Barrinha, a profissional atende também homens e mulheres de bairros vizinhos. Antes de abrir o negócio, Veridiana trabalhou

em outros salões próximos ao centro da cidade de Campo Bom, mas não se sentia bem, tinha falta de um contato maior. “Eu gosto de trabalhar com as pessoas; não escolho clientes, não faço distinção de raça ou classe social. Me tratando bem, está bom”, explica ela. E ainda salienta “não gostar de frescuras”, por ser uma mulher simples”. Dos oito remédios

que a cabeleireira tomava, restou apenas um. Mas para ela, sem dúvidas, o que mais lhe ajuda no tratamento contra a depressão não é ingerido, e sim sentido, através de longas horas de trabalho, muitas risadas e um sorriso no rosto de cada cliente que sai daquele local satisfeito pelos serviços prestados por ela.

- FRANCIÉLEN SEVERO

DEDICAÇÃO

Os moradores da Barrinha que se preocupam com a beleza não precisam sair do bairro para se cuidar. Há cinco anos, o “CBS Hair” é opção para os vaidosos. A proprietária Cibeli Beatriz da Silva se divide entre a administração e a parte prática do local. O salão oferece serviços de manicure, pedicure, além de cortes e pintura de cabelo e química em geral. Cibeli fez o curso de cabelereira e está sempre atenta às novidades do mundo da beleza. “Procuro estar sempre me especializando através de cursos e workshops sobre a área. Sempre que surge algo novo na questão das químicas, por exemplo, procuro me informar para poder trazer aos clientes”, conta. Rejane Martins, moradora da Barrinha e cliente do local considera importante o bairro contar com o estabelecimento. “Costumo fazer as unhas no CBS. Já

Beleza em salão

era amiga da Cibeli e acho muito legal o bairro contar com esta opção”, relata. O salão funciona de segunda a sábado, das 8h às 19h, na rua Pio XII, número 353. No mesmo endereço,

há um mês, também funciona o “Bazar e Presentes da Manu”. Cibeli resolveu aproveitar o espaço para abrir um negócio que é a única opção do setor na Barrinha: uma loja de presentes.

“Era algo que estava em falta aqui no bairro. Eu sempre produzi artesanato, e acrescento isto ao que recebo dos fornecedores para colocar à venda”, diz a comerciante. O nome do estabelecimento DANIELA PASSOS

O salão é um dos os atuais investimentos de Cibeli, que sempre gostou de trabalhar com comércio

à

Uma vida de “não” e “sim”

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é uma homenagem à filha, Manuela, de quatro anos. O bazar oferece produtos de vestuário, perfumaria, decoração, entre outros. Cibeli é natural de Campo Bom, mas sempre viveu na Barrinha. Ela vem de uma família de comerciantes e herdou o gosto pelo negócio. “Já trabalhei em outras áreas, mas o que gosto mesmo de fazer é trabalhar com comércio. Gosto de lidar com pessoas”, conta. Além dela, seus pais, tios e primos também trabalham com vendas. Ao lado de seus estabelecimentos está a casa que divide com o casal de filhos. Cibeli não tem funcionários. Ela administra, vende e cuida dos clientes. “O movimento ainda me permite dar conta de tudo sozinha. Gosto de trabalhar tanto na parte prática quanto na parte administrativa”, diz.

- MARIANA NUNES


JUVENTUDE .5

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leva à Grupo alegria a

Entre a dor e o riso DIVULGAÇÃO

pacientes de hospital

E

durante a semana que se divide entre trabalho e faculdade, e já que domingo é dia de visitas na entidade, eles aproveitam a presença de familiares dos pacientes. “A visita do grupo é maravilhosa! Minha irmã está internada há dois meses aqui e o domingo é sempre um dia de alegria”, revela Maria Eduarda, que acompanha a irmã diariamente no hospital.

Para o médico neurologista Fernando Dallagma, a iniciativa favorece no tratamento e na saúde dos pacientes, uma vez que por um momento esquecem de suas enfermidades e focam no diálogo com os estudantes. Os Jovens Protagonistas entram nos leitos sorrindo, fazendo folia e arrancando sorrisos. Ouvem histórias, dão conselhos e até ideias do que

os pacientes podem fazer quando saírem do hospital, e é nessa hora que a criatividade toma conta de todos. Juliano sugeriu que o paciente Adriano Mendonça saltasse de asa delta no Morro Ferrabraz, já que o motoboy foi parar no hospital porque se envolveu em um acidente de moto, quando andava em alta velocidade. Enquanto levam alegria

Jovens Protagonistas entram em cena todos os domingos no Hospital Lauro Reus

à

nquanto alguns dormem, outros levam alegria para quem precisa de um sorriso. Um grupo de jovens dedica as manhãs de domingo a fazer visitas ao Hospital Lauro Reus em Campo Bom. A iniciativa tem o propósito de colorir o lado cinza das paredes doentes e transformar a melancolia estampada na face dos pacientes em sorrisos capazes de anular a dor. A ideia foi desenvolvida em 2013 e surgiu do desejo de transformar um ambiente triste em um lugar mais alegre de conviver. “Uma amiga sofreu um acidente e ficou 21 dias no hospital. Visitava ela todos os dias e via a tristeza nos rostos de todos”, conta a estudante de Psicologia Aline da Costa Silva, idealizadora do projeto Jovens Protagonistas. Moradora do bairro Barrinha, ela convidou os amigos campobonenses Lucas Maciel, Juliano Becker e Adilson Teixeira para embarcar nessa busca pelo riso. A ida ao hospital acontece aos domingos devido à rotina corrida do grupo

pelos corredores é difícil controlar a emoção. Aline diz que conviver com pessoas em hospitais é ver que ainda em cima de uma cama, é possível sorrir e acreditar que a vida espera lá fora. “Nós aprendemos muito com cada paciente. Aprendemos a valorizar cada dia de nossas vidas” diz a futura psicóloga. “Confesso que depois que começamos com esse projeto, aprendi a não reclamar quando meu dia não era exatamente o que eu queria”, explica Adilson. Desde sua criação, o projeto acontece todas as manhãs de domingo, no Hospital Lauro Reus e cada dia é um novo desafio. Há pacientes que estão internados há dias, meses e todos os domingos aguardam ansiosamente a visita dos Protagonistas. Aline tem uma rotina diária que começa às 8h30 em uma clínica de Novo Hamburgo e termina às 22h quando sai da aula de psicologia na Unisinos em São Leopoldo e retorna para o bairro Barrinha em Campo Bom, onde mora há 12 anos. “As poucas horas que passamos dentro do hospital nas manhãs de domingo nos dão força para encarar a semana”, completa Aline.

- MARIA ROSELI

LAZER

Faltam opções para se divertir ainda é bebê”. Para se divertir nos finais de semana a opção é ir até o centro de Campo Bom, acompanhada dos pais e do irmão mais novo, de três anos. É lá que estão as lanchonetes, um dos programas preferidos da adolescente. “Uma vez também fui ao shopping em Novo Hamburgo, foi legal, pois tem várias lojas, McDonald’s, essas coisas”. Quando não é possível sair do bairro, Duda visita alguma amiga próxima para conversar e pintar as unhas, ou então fica em casa vendo televisão e ouvindo músicas. Embora a família disponha de celular, tablet e computador, o acesso à internet é restrito devido às dificuldades de captar o sinal na região. “Eu gosto de morar na Barrinha. O centro tem lojas e muitos lugares para ir, mas não penso em morar lá, tenho medo da violência, já vi uma mulher ser assaltada e fiquei com medo”, descreve.

LUAN PAZZINI

O mesmo carinho pelo bairro é apontado por Engel Motta, de 20 anos. Moradora da Barrinha desde que nasceu, ela conta que deixou o local há menos de meio ano, quando casou e foi morar no bairro Operário. “A Barrinha só tem uma

praça. Não tem restaurantes ou lojas. Até para trabalhar é difícil, pois são poucos horários de ônibus disponíveis. Apesar de tudo, eu gostava de morar aqui, o espírito de vizinhança é muito bom”.

- JULIANA FRANZON

Duda (à esquerda) gosta de visitar as lanchonetes do centro com a família. Engel reclama da falta de restaurantes e lojas

à

Poucas alternativas de entretenimento. Esse é o cenário na Barrinha. Distante pouco menos de dez quilômetros do centro de Campo Bom e considerada zona rural da cidade, a região não oferece muitas alternativas quando o assunto é se distrair. Para driblar a situação, os jovens cultivam relações fortes com os vizinhos e também com os familiares próximos. Conhecida por todos como “Duda”, Eduarda Martins da Silva divide a rotina entre a escola e a família. Com 13 anos de idade e cursando a oitava série, a jovem estuda no bairro vizinho, o 25 de Julho, onde passa as manhãs de segunda a sexta-feira. No turno da tarde, depois de almoçar em casa, ela segue todos os dias para a casa da avó que mora na mesma quadra. “Meus pais trabalham fora, então vou para a casa da vó para não ficar sozinha. Tomamos chimarrão e às vezes ajudo a cuidar do meu primo que


6. COTIDIANO

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Posto de saúde? Só em Porto Blos

saúde visitam moradores no bairro

O

principal local de atendimento médico do bairro fica, para os moradores, depois da ponte. É o posto de Saúde de Porto Blos, localizado na Av. dos Municípios, 3168. Ao passar a ponte, são uns dez minutos de caminhada. Para Valéria Batista, que estava gripada, e mora a vinte minutos da travessia, significa ir até o local com dores no corpo e sem saber se conseguirá uma vaga para ser atendida. Uma das principais dificuldades em relação ao atendimento, segundo os moradores, é o número escasso de consultas oferecidas por dia. Todos os entrevistados afirmaram que é necessário madrugar para conseguir uma vaga e são distribuídas poucas fichas a cada dia. Os dias de agendamento destinados à Barrinha são terça e sexta, segundo a placa informativa do local. Nesses dias, também são atendidos os bairros de Vila Rica, e

Porto Blos. Na segunda e quinta são atendidos os bairros de Gringos, Cohab Sul e Bela Vista. No entanto, a saúde ainda faz o caminho oposto. Os agentes de saúde visitam as residências pelo menos uma vez por mês. Renata Kreuz Berg, 49 anos, em recuperação de uma cirurgia na perna devido à osteomelite, relata que os agentes passam na sua casa de duas a três vezes por mês. Mara da Silva Marques, mãe de Jullya Nicole de 1 ano e 1 mês não gosta muito da visita dos agentes. “Eles fazem perguntas demais”, reclama. Ela fez acompanhamento pré-natal no posto de saúde e vacina todas as crianças da sua família lá. Na mesma rua, a Andradina da Costa, 60 anos, se queixa de sua hérnia de disco e diz que espera uma vaga para cirurgia há dois anos. Recentemente, fez nova solicitação ao posto de saúde. Para ela, tanto faz ter ou não agentes de saúde. Alguns médicos também vão atender seus pacientes em casa, quando o caso é mais grave. Nei Luis Machado passou quatro meses internado

COOPERAÇÃO

Todo atalho é bem-vindo do mercado. No entanto, é Mariana Schroeder quem acompanha de perto o fluxo de entrada e saída. Ela trabalha na padaria, cujos fornos dividem o cenário com o vão sem porta que abre espaço para a rua. Aos 24 anos, trabalha há dois no local. Indo até os fundos para colocar os pães nos fornos, ela acaba cruzando com pessoas entrando por ali, mas também não enxerga empecilho. “A gente sabe quem são as pessoas que passam aqui e, além do mais, quase não dá pra notar, porque ninguém incomoda”, comenta, enquanto preenche com os bolinhos de massa as bandejas que vão ao forno para virar pães. Da parte dos moradores, o atalho é bem-vindo. Jurema Machado, que mora mais afastada do mercado, gosta de não precisar dar a volta na quadra para acessar o local pela Estrada Pio XII, e nem vê essa facilidade como algo surpreendente, já que, para ela, o clima amigável é natural. “Durante o dia aqui no bairro, não existem portas fechadas”, finaliza.

- FILIPE ROSSAU

Posto de saúde mais próximo fica na Av. dos Municípios, cerca de dez minutos a pé a partir da ponte. Abaixo, Nei Luis Machado utiliza equipamento especial que o auxilia a respirar

devido a problemas de pulmão. De volta à sua residência, recebe visitas regulares de um médico que acompanha seu caso e avalia seu quadro. Para auxiliar no tratamento de sua doença, é necessário usar equipamentos para ajudar a respiração. Quando está em casa, uma máquina elétrica alimenta pequenos tubos colocados junto ao nariz com ar comprimido;

se ele precisar sair, tem disponível um cilindro de ar comprimido portátil com a mesma função: fornecer oxigênio suplementar. De acordo com Machado, sua doença foi causada por excesso de cigarro, consumidos durante toda a vida. Essa estrutura de suporte é, segundo ele, fornecida pela prefeitura.

- ANA FUKUI

TRABALHO

Por conta própria Bairro tradicional no setor de olarias, a Barrinha também possui alguns comércios, como minimercados, bazar, e até uma sapataria onde os calçados são feitos sob medida. Mas há quem prefira trabalhar por conta própria. O trabalho autônomo é a escolha de muitos moradores quando o assunto é adquirir uma renda. É o caso de Edson Melos, que trabalha na construção civil há 15 anos. Ele garante que a vida de pedreiro é o trabalho ideal e que não o trocaria por nada: “Já estive empregado em algumas empresas, mas desde que comecei a trabalhar por conta própria, nunca mais quis voltar a ser funcionário”, conta. A profissão o levou, inclusive, a conhecer a esposa. Melos já ajudou a erguer diversas casas e outros prédios na Barrinha. Um deles foi o da igreja – um dos primeiros trabalhos dele como pedreiro –, finalizado há 14 anos. E foi na festa de inauguração da capela que Melos conheceu Rejane, com quem está casado há 11 anos. A união com a esposa também levou Melos

a se mudar para a Barrinha. Além de pedreiros, no bairro, há pintores, serralheiros, artesãos e eletricistas, que – segundo Melos – prestam serviço não só na Barrinha, mas em toda a cidade de Campo Bom. Ele conta com orgulho que ajudou a construir muitas moradias do programa do Governo Federal “Minha Casa Minha Vida”. Elias da Silva, também pedreiro, já trabalhou ao lado de Melos em algumas ocasiões. Mas ele é responsável por uma parte específica das construções: os telhados. “Já trabalho há dez anos e adoro o que faço”, diz. Além disso, de acordo com ele, com a renda que ganha, consegue manter toda a família, a mulher e os dois filhos. “Às vezes, não há tantas obras para fazer, mas, na maior parte do tempo, não falta serviço”, conta. Para ele, ser autônomo é a melhor opção. “Trabalho por conta própria, não tenho chefe e faço o que mais gosto”. Além de serem moradores do mesmo bairro e trabalharem na construção

civil, Melos e Silva tem mais em comum: as obras em que mais gostam de trabalhar são as desenvolvidas na Barrinha. “Já fiz muitas casas daqui”, conta Edson, satisfeito. E Elias completa: “Além de trabalhar perto de casa, ajudamos a construir o bairro”.

- FRANCIELE COSTA

Edson Melos trabalha, agora, na construção da própria casa

à

A solidariedade e o companheirismo da Barrinha não chegam a ser surpresa para os visitantes – e menos ainda para os moradores. As características de quem vive no bairro ficam evidentes nos pequenos detalhes, como os portões sem cadeados ou nos calçados deixados diante das portas sem que haja medo de que possam ser roubados. Da mesma forma, um vão quase oculto nos fundos do único mercado do bairro chama a atenção. O Mercado da Mônica existe há 28 anos, dos quais boa parte ele foi de responsabilidade de Zaira da Silva. Desde o início, o estabelecimento, que fica entre a Estrada Pio XII e a Rua Matias Müeller, serve também como passagem entre as duas vias. A proprietária inicial diz que nunca se importou com o fato de os moradores usarem seu mercado como atalho. “Aqui todo mundo se conhece, então não tem problema”, justifica ela. Hoje, Zaira da Silva é aposentada, e quem cuida do negócio é sua filha Mônica, de quem veio o nome

PRISCILA SERPA

à

e à Médicos agentes de

DANIELA PASSOS


HISTÓRIAS .7

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Quatro gerações dos Müller

relembra à Família histórias desde a

chegada ao bairro, em Campo Bom

T

udo começou há mais de 90 anos, quando o agricultor Mathias Müller chegou na Barrinha. Cultivando arroz e milho, casou-se e criou seus sete filhos no bairro que hoje abriga a quarta geração de uma família, construindo sua identidade com o local e cheia de histórias pra contar. Aos 81 anos, Julita Marina Müller relembra, ao lado da filha Carla Müller, a chegada do sogro ao bairro, quando o marido Dakir Müller, já falecido, tinha apenas um ano de idade: “O Mathias Müller chegou aqui quando tudo era um banhado, em 1925”. A rua, que em uma homenagem hoje leva o nome do agricultor, chamava-se Rua da Tranqueira e, assim como nos dias atuais, era habitada por grandes olarias, inclusive a da família, batizada como Olaria Müller e passada de pai para filho. Entre homens, todos seguiram os passos do pai na agricultura e na olaria. As mulheres, lembra Julita, seguiram com os estudos, atravessando diariamente

o rio de caiaque, até tornarem-se professoras. Mantendo a proximidade, a aposentada lembra que após casar-se com Dakir, passou a morar na mesma rua da família, que já carregava o nome do sogro. Lá o marido trabalhava na olaria herdada do pai, além de atuar na agricultura: “Não tínhamos luz na olaria e os tijolos eram feitos à base da tração animal, que era como funcionavam as máquinas”. Na época, relembra Julita, aquele era o trecho mais fundo das enchentes, resultando nas muitas perdas durante as fortes chuvas de agosto de 1965, inesquecíveis por terem ocorrido perto do seu aniversário e pelo tamanho das perdas: “Foi tanta água que todo o gado entrou para o galpão que tinha no pátio. Os cavalos que ficavam no campo sumiram no meio da enxurrada e em 15 minutos tudo estava destruído”. Ela ainda lembra que a enchente destruiu todas as olarias da redondeza, motivo pelo qual o marido desistiu do ramo, e a água demorou três dias para escoar, rumo à São Leopoldo. Desesperados e solidários no dia seguinte, muitos vizinhos relataram as perdas e ajudaram a reconstruir a tradicional rua

que, após a grande enchente, ficou repleta de valos. Durante as noites de “águas altas”, Julita lembra com bom humor de ter dormido com as luzes acessas e na companhia das vacas, enquanto o marido dormia com o restante do gado. Tudo para não assustar os bichos que conseguiram sobreviver às chuvas. Um novo galpão surgiu com a necessidade de precaver-se de novas enchentes. O local, erguido manualmente com apenas duas carretas de bois, ainda está ativo ao lado do antigo galpão, servindo de abrigo para os animais que vivem nas terras a perder de vista da propriedade e guardando toda a palha retirada das colheitas do arroz. Curiosamente, localizado no bairro das olarias, o galpão possui em sua estrutura 16 mil telhas, produzidas na olaria da família. Em meio aos netos que montam cavalos e correm pelos campos da família, parecendo ainda viver no passado dos Müller, Julita revela em cada canto uma nova história. Relembra tempos bons e tempos difíceis de uma trajetória que se construiu, e por vezes até se confunde, com a história da Barrinha.

- RITA GARRIDO

JOSÉ LUIS BIULCHI

81 à Aos anos,

Julita Müller surpreende ao relembrar detalhes de histórias da família

CRIATIVIDADE

O artesão de mil invenções a produzir com o material, até então desconhecido no Rio Grande do Sul. Vendeu as máquinas de jogos, dispensou os funcionários e entregou o espaço. Com pouco dinheiro no bolso depois de pagar todos os encargos relativos ao fim do negócio, conseguiu emprego como segurança. Já na primeira encomenda de peças que recebeu, ainda como funcionário da empresa de vigilância, produziu cerca de 700 exemplares, utilizando somente uma pequena serra manual. Para seguir o sonho de trabalhar exclusivamente com o artesanato, faltava comprar os equipamentos necessários. Valério atuou por oito meses como vigia, tempo suficiente para juntar dinheiro para comprar a primeira máquina e, enfim, dedicar-se aos artigos em MDF. Montou em casa sua oficina e, desde então, não parou mais de trabalhar. O artesão conta que recebe muitos pedidos, tantos que quase não dá conta de produzir sozinho. “O artesanato está crescendo muito no

Rio Grande do Sul”, observa. Valério optou por não contratar funcionários porque, exigente com seus artigos, não delega para ninguém essa função. “Nunca voltou nenhuma peça minha para conserto”, garante. Todos os produtos são feitos à mão, sendo que nenhuma parte do processo é em larga escala. ADRIANA CORREA

A alegria em trabalhar com artesanato fica estampada no rosto de Valério, que começa a trabalhar às 7h e encerra o dia apenas às 18h. De segunda a sexta-feira, ele produz as encomendas que recebe dos clientes. O artesão reserva os sábados para criar novos produtos, momento que ele define

como terapêutico. Os artigos, feitos em MDF cru, são comprados por outros artesãos e proprietários de bazares, que decoram as peças para a venda posterior. Recentemente, Valério firmou parceria com uma artesã que cria desenhos feitos à mão e montou uma loja na sua casa. Ele e a

pintora idealizam juntos os produtos e vendem a parte em MDF e o papel com a decoração em uma mesma embalagem. Para finalizar o produto, o cliente precisa apenas colar o desenho no suporte e, quando necessário, montá-lo. Valério tem planos para aumentar o local em breve. “Eu sei que vai dar certo. Tudo que eu criei deu certo”, comemora. Sobre o futuro, ele diz, com um sorriso no rosto, que quer trabalhar com artesanato por um bom tempo ainda.

- BELISA LAZZAROTTO

Valério Pocahy foi pioneiro ao trabalhar com MDF em Campo Bom, 16 anos atrás

à

Transformar placas de MDF em artigos de artesanato. Este é o trabalho de Valério Pocahy, de 59 anos. Mas o artesão faz muito mais do que isso. Ele cria peças únicas e dedica todo o seu carinho para fazer cada uma delas. Detalhista, diz já ter produzido mais de mil modelos diferentes de objetos em 16 anos de profissão. “Eu me considero um inventor”, orgulha-se. Alguns exemplos de produtos fabricados por ele são suportes para chimarrão, caixas, quadros, utensílios para cozinha e enfeites de porta. Valério foi o primeiro artesão a trabalhar com o material em Campo Bom. Antes de entrar para essa atividade, ele era dono de um fliperama. Com o surgimento de video games, a loja perdeu público e surgiu a chance de mudar de vida. Ao visitar uma floricultura, viu artigos em MDF e a dona do estabelecimento comentou que não existiam peças assim na região, somente em São Paulo. Foi neste momento que ele teve a ideia se dedicar


8. ORIGENS

à Formação populacional

do bairro reproduz a diversidade étnica presente no Brasil

D

o barro fazem-se os tijolos, dos moradores, as histórias. Cada família da Barrinha é uma raiz e todas juntas formam uma comunidade unida, plenamente tranquila e respeitosa. Se os ceramistas moldam a partir da argila do Rio dos Sinos, a população tem esculpido o perfil do local pela humildade e amizade. Entre os diferentes sotaques encontram-se os Nikititz, Kreuzberg, Ritzel, Ritter, Horeach, Bastos, Lesnieski. Descendentes de homens e mulheres vindos de diferentes partes do mundo encontraram-se, construíram suas famílias e tocam a vida aqui. A biblioteca Unisinos de São Leopoldo – uma das maiores da América Latina – tem origem na Barrinha. Foram os tijolos de lá que construíram o prédio, hoje frequentado por alunos, comunidade, graduados, mestres e doutores.

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A RAIZ RITTER

O sotaque truncado, típico de descentes de línguas indo-européias, chama a atenção durante a conversa. Ivo Ritter (na foto, à esquerda), 85 anos, recorda que em casa, antigamente, ensinava-se primeiro o dialeto germânico. “Quando fui para a aula, com nove anos, ainda falava só alemão. Depois, começaram a proibir e passaram a ensinar só em português”, conta, ao relembrar das dificuldades em aprender a nova língua. O bisavô de Ivo veio da Alemanha para o Brasil no final do século retrasado. Jacob teria sido um dos precursores dos Ritter em solo brasileiro. Ivo é dono de uma fábrica de tijolos e, para ele, saber falar alemão é importante para se comunicar com alguns clientes. Um de seus seis filhos, Eduardo Guilherme Ritter (na foto, à direita), 54 anos, nasceu na Barrinha e considera ali um “lugar bom de morar”.

2

A RAIZ NIKITITZ

Os olhos acesos e azulados de Nara Nikititz (na foto, à direita), 40 anos, analisam atenciosamente a combinação de fotos em um quadro simples de madeira. Depois de passar um pano sob o vidro que cobria as fotografias, Nara acomodou o painel no colo, ajustou os óculos de grau sob o nariz e passou a reconhecer alguns parentes nas imagens e a relembrar experiências do passado, ao lado da irmã Ilse Nikititz (na foto, à esquerda), 50 anos. As duas vie-

ENFOQUE BARRINHA | CAM

ram há mais de duas décadas de Santo Ângelo para a Barrinha, com os pais Benjamin e Maria Gertrudes Nikititz – falecidos há mais de cinco anos – e com os irmãos Carlos Alberto, 33, e Gelson, 29. A pele rosada das irmãs e a pigmentação clara dos olhos sinalizam à descendência européia. Entre as histórias em família, elas recordam que o primeiro Nikititz a pisar em solo tupiniquim foi Joseph – o bisavô delas. A situação delicada instaurada na Europa durante a Primeira Guerra Mundial forçou-o a se mudar da Hungria, atravessar o Oceano Atlântico e instalar-se na região sul do continente americano. No noroeste do Rio Grande do Sul, próximo às Missões Jesuíticas, em Santo Ângelo e Ijuí, os antepassados se acomodaram e construíram suas vidas. No início da década de 1990, com dificuldades de emprego e ouvindo sobre o desenvolvimento do calçado no Vale do Rio dos Sinos, alguns resolveram se aventurar e migrar de terra. “Bah, eu amo morar aqui!”, confessa Ilse, ao se referir à Barrinha. O verão em Campo Bom é escaldante. A cidade costuma registrar os maiores índices de temperatura no estado. As duas não se importam com a radiação intensa e, apesar da pele clara, não costumam utilizar filtro solar. “Só quando vamos à praia, mesmo”, pontua Ilse. Elas pouco conhecem sobre o país de origem dos Nikititz. “Lá, não sei como é, se é quente ou frio”, comenta Nara.

3

A RAIZ BASTOS

Ele é descendente de castelhanos, olhos verdes bem vivos. Ela, de alemães e italianos, olhar azul brilhante. Juntos, estão casados há 42 anos – destes, quatro décadas na Barrinha. No sangue do casal José Roque de Bastos, 66 anos, e Natalina Carlotto de Bastos, 56, corre sangue latino, europeu e, claro, brasileiro. Bastos relembra que, conforme contavam os antepassados, o avô paterno dele veio da Argentina. Na fronteira sul-brasileira, ele afirma ter muitos parentes. Natalina, um pouco pensativa, buscando na memória momentos da vida na infância, recorda que dentro de casa era um intercâmbio linguístico: a mãe ensinava o pai a falar alemão e o pai, italiano à mãe. Quando reuniam as famílias, ambos falavam nos dois idiomas. “Era uma papagaiada. A gente só escutava e prestava atenção.” Sobre a fala alemã, acredita ser meio enrolada. “Nem dá pra saber se tão falando mal da gente”, brinca, rindo. O oposto pensa sobre o italiano. “Italiane tutte

bonna persona”, arrisca, em um sotaque enferrujado, mas não esquecido. Dos oito filhos que tiveram durante o matrimônio, uma mora em Caxias do Sul, outro em São Paulo e seis em Campo Bom e região. Os dois se conheceram no Paraná, onde moraram quando crianças. Ambos são gaúchos, ele de Santo Ângelo e ela, Três Passos. Ela é empregada doméstica na parte da manhã e à tarde faz faxinas. Ele trabalha em uma empresa de limpeza urbana.

4

A RAIZ LESNIESKI

Uma das lembranças mais acolhedoras e antigas que Roberto Luiz Lesnieski (foto) tem da mãe são os cânticos poloneses que cantarolava e as rezas que fazia na língua polaca. “Eu não entendia nada”, porém, reconhece. Aos 72 anos, ele mora desde 1958 na Barrinha e é casado com Beatriz Lesnieski há 49 anos, com quem teve cinco filhos – quatro meninas e um rapaz – e oito netos, todos moradores do bairro. Os avôs paternos de Lesnieski, Valentin e Leocádia, vindos da Polônia, instalaramse em Sertão Santana, a cerca de 80 quilômetros de Porto Alegre. O pai e a mãe, Adão e Catarina Lesnieski, falavam polonês, mas não instruíram os filhos a aprender o idioma. O avô paterno de Beatriz, João Evitz Luiz Droves Filho, veio da Inglaterra à procura de oportunidades no Brasil. Aqui, casou-se com Maria Francisca Nunes. O casal, que morava em Garibaldi, mudou-se para Campo Bom para fundar, com um sócio, uma das olarias pioneiras na região. Escolheram o bairro por ter a melhor matéria prima – o barro – para fazer os tijolos. Na casa de Roberto, nunca faltava o tradicional prato de carne de porco com kleis (uma espécie de nhoque). Nascido em Porto Alegre, com oito anos ele e a família mudaram-se para o Paraná. “Nunca peguei atestado para não faltar ao trabalho”, conta, orgulhoso, o motorista aposentado.

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A RAIZ RITZEL

O primeiro armazém da Barrinha foi comandado por João Dário Ritzel, pai de Zaira Maria da Silva (foto), 66 anos. A senhora, que herdou do genitor o tato para o comércio, toca um mercadinho às margens do Rio dos Sinos, dentro do bairro, a poucos metros da sede da Associação de Moradores. Ela recobra que os pais falavam em alemão entre si, e tentavam passar um pouco da língua para os filhos. Com um retrato da família, tirada durante a comunhão de

As raízes d

um sobrinho, 36 anos atrás, Zaira conta que mora na localidade há quase seis décadas e que, orgulhosamente, criou os quatro filhos aqui. “É maravilhoso. Todos são amigos uns dos outros, é um lugar muito tranquilo.” Foi na Barrinha, também, que conheceu Frederico José da Silva, com quem casou e de quem é viúva há 25 anos. “Era chão batido, não tinha quase nada de morador”, relembra desta época, ao concluir que “quando a ponte foi inaugurada, em 1968, o bairro começou a evoluir um pouco mais”.

6

A RAIZ KREUZBERG

Um bom prato de comida para Renata Kreuzberg, 49 anos, é composto por arroz e feijão, assim como na maioria das casas brasileiras. Os antepassados, vindos da Alemanha, certamente prefeririam wurst (linguiça) com sauerkraut (chucrute). “A mãe falava tudo em alemão”, recorda, ao mostrar uma foto da década de 70, aos três anos, juntamente com os dez irmãos, durante a festa de 25 anos de casamento dos pais. A língua distante do português foi aprendida quando Renata ainda era criança. Em casa, as conversas entre os tios, primos, pais e avôs tinham sotaque germânico. Moradora da Barrinha há 26 anos, ela veio de Santo Ângelo à procura de oportunidades de emprego. “Aqui é ótimo. É um lugar que não quero sair”, garante. Os filhos Guilherme, 16 anos, e Luan, 24 anos, também moram em Campo Bom.

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A RAIZ HOREACH

Aos 45 anos, Iara Horeach, às vezes, tropeça nas palavras quando conversa. O sotaque um pouco arrastado é o resultado dos ensinamentos da língua alemã, quando criança. Os anos passaram e ela acabou esquecendo o idioma, mas traz consigo as marcas linguísticas daquele tempo. “Me arrependo de não ter continuado a falar”, lastima. Os bisavôs vieram da Alemanha na época da Segunda Guerra Mundial. A residência na Barrinha foi fixada há 11 anos. Era um sonho dela e do companheiro, Marcos Aurélio, com quem teve quatro filhos. A criação deu-se no interior. Desta época, recorda que tinham livros de autores germânicos, escritos no dialeto europeu. “Eu adoro morar aqui. As pessoas falavam mal do bairro, mas quando vim para cá, me apaixonei. Não tem lugar melhor. Pode deixar a roupa na rua, não acontece nada.”

- CRISTIANO VARGAS

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MPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

deste solo CRISTIANO VARGAS

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Brazília Magyar A imigração húngara para o Brasil aconteceu aos poucos e foi motivada por conflitos regionais e econômicos. O primeiro ciclo de imigrantes magyares – húngaros - se deu a partir do final do século XIV, com os programas incentivados pelo governo brasileiro e pela promessa de uma vida próspera em um país acolhedor. Já durante o século XX é possível relacionar a onda de imigrantes às duas grandes guerras mundiais. O ciclo seguinte de imigrantes deu-se logo após a primeira guerra mundial, quando a Hungria – à época Império Austro-Húngaro – foi derrotada e viu seu território ser reduzido a um terço do tamanho original. Milhares de húngaros viram na América do Sul, e em especial no Brasil, uma alternativa.

Após o fim da segunda guerra e durante a ocupação soviética, que culminou na revolução húngara, o número de imigrantes aumentou exponencialmente. Estima-se que na metade do século XX, ao menos 100 mil húngaros residiam no Brasil, a maior parte no estado de São Paulo. No entanto, uma previsão correta do número de imigrantes é ainda incerta, uma vez que a divisão e o espoliamento da Hungria pós-primeira guerra fez com que cidadãos húngaros tornassem-se romenos, tchecoslovacos, austríacos e iugoslavos de um dia para o outro. A maioria dos imigrantes magyares que desembarcaram em terras brasileiras espalhou-se entre as regiões Sul e Sudeste. Alguns abandonaram o trabalho no campo em busca de

oportunidades nas grandes cidades e outros fundaram pequenas colônias pelo interior meridional brasileiro. Como é o caso da pequena cidade de Presidente Epitácio, no Oeste Paulista, onde o distrito Árpad Falva foi fundado por 140 famílias húngaras. Em comum com os brasileiros da época tinham a religião: católica romana. Mas nem tão comum assim era a dieta baseada em arroz e feijão, o que não foi um problema devido às condições favoráveis ao plantio de verduras e legumes típicos do Leste Europeu. Estima-se que entre 40 mil e 60 mil o número de imigrantes e descendentes de húngaros no Brasil atualmente.

- GLAUCO BITTENCOURT DE BUDAPEST


10. UNIÃO

ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

Barrinha, a Grande Família

com 2 à Bairro mil moradores

e que pertence ao município de Campo Bom cativa quem chega pelo sossego, estilo interiorano e companheirismo

O

Atos solidários são algo comum entre os membros da família Barrinha. Quando Irio Moraes Leal, o Sabará, teve um AVC, a comunidade se uniu e realizou um show beneficente de viola com um galeto para arrecadar dinheiro para o tratamento. Foi a Turma da Terça, o grupo de músicos que se reúne desde 2008 toda terça à noite no bar do Cilon para tocar e cantar músicas sertanejas de raiz, quem animou o evento tocando por 10 horas sem parar. O Darci da Rosa, o Claudir Luiz da Silva, o Osvino Pinheiro, o João Luiz Vaz e o Moacir da Silva são uma família, a família de músicos da Barrinha. Tem também o projeto Guri Solidário idealizado por Neumar Araújo, que desde 2012 ajuda pessoas em situação de vulnerabilidade social. O projeto arrecada mensalmente cerca de 300 kg de alimentos, que são distribuídos para as famílias cadastradas. Ainda tem o projeto do poeta Adilson Lopes Machado que destina 50% do lucro da venda dos seus livros de poesias para comprar cestas básicas, mais tarde doadas a quem necessita. Dona Rejane Peres se diz agradecida por toda a ajuda que recebeu da comuALAN GRESSLER

nidade do bairro, principalmente de algumas empresas de olarias que se uniram para doar material de construção quando ela perdeu o mercado em um incêndio causado por um curto-circuito. “A mão de obra veio de um vizinho. Mas já recebi também muitas doações de amigos do bairro quando durante uma enchente perdi muitas coisas”, conta Rejane que, em agradecimento, construiu uma pequena capela junto à casa e à lojinha que tem. O lugar de orações está sempre aberto para a comunidade. ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL Zilma Eneida Santos diz que mexer com a terra é uma terapia. São frutas, verduras, hortaliças, mel puro e geleias feitas com os frutos de suas plantações desenvolvidas em um espaço de 31 hectares. Ela planta, colhe, fabrica e vende no próprio bairro. Tudo orgânico para uma alimentação mais saudável. Ainda tem vacas, galinhas e porcos que são criados para abate e vendidos no bairro. BOM PARA SE VIVER Quem mora na Barrinha não quer se mudar. Casas à venda é algo raro e, quan-

do tem, quem compra é parente de algum morador do bairro. Assaltos, roubos, criminalidade, têm índices quase nulos. Não precisa de polícia: os moradores resolvem com conversa e puxão de orelhas. Cadeia? Ah, há décadas isso não existe mais na Barrinha. A que tinha e que era cuidada pelo poeta e sargento aposentado Adilson Machado, foi desmanchada há mais de 20 anos. No terreno de esquina, doado à prefeitura por João Dário Ritzel, avô da Mônica do mercado, para a construção da cadeia, abriga hoje uma praça com brinquedos para crianças. Lá também é local para a moçada se reunir para jogar conversa fora, assar churrasco e tomar cerveja que pode ser comprada ao lado, na Sociedade Cultural Recreativa Esportiva (S.C.R.E) 4 de Setembro. O CLUBE Na S.C.R.E. 4 de Setembro tem o bar do Cleber Ricardo da Silva, de 39 anos, que é filho da Zaíra, fundador da Sociedade e zelador da praça que leva o nome do seu avô João Ritzel. “A gurizada vem pra cá à tardinha para jogar game nos computadores da Lan, pingue-pongue ou sinuca, e aproveitar as jantas que eu

organizo”, comenta Silva. “Mas não gosto de bagunça nem sujeira, quando é hora de fechar coloco o pessoal no serviço a limpar a sede da sociedade e a praça”, completa. A sociedade tem bloco de carnaval, time de futebol e grupo de sambão, o Inspiração, que toda sextafeira à noite se apresenta na sede da sociedade. Segundo o fundador, de tão familiar, tem mãe que deixa os filhos lá quando precisa ir rápido ao centro de Campo Bom. São tantas histórias da gente da Grande Família Barrinha que uma edição de jornal não é suficiente para contar. Por isso, muitas outras virão, sempre recheadas de temas interessantes. Histórias de um lugar que tem moradores queridos e amigos. Da Barrinha, o mais inesquecível mesmo são o aconchego e o carinho que o povo desse lugar dá para quem chega ou passa pelo bairro. É tanto que dá um aperto no peito quando se parte. Uma saudade de voltar logo quando está longe, fazendo com que se dirija por mais de uma hora só para poder receber o abraço gostoso do povo dessa Grande Família, a Barrinha.

- TATIANA OLIVEIRA

Número de moradores se multiplica, mas sem perder as raízes

à

rio, a ponte e as olarias. A turma da bocha, a da música e o artista das poesias. A lavoura de vegetais, os animais de sítios e o cantinho para brincar. A amizade, o companheirismo e a solidariedade. Harmonia, sossego e ar puro. Tudo isso é a Barrinha. Mais que um simples bairro, uma grande família em que todos trabalham em prol do bem estar comum. Hoje com cerca de dois mil habitantes, o bairro é mais antigo que Campo Bom, cidade a qual pertence. De acordo com a doutora em história, Eloísa Helena Ramos, a região remonta ao período imperial, quando foi povoada pelos primeiros 39 colonos alemães em 1824. De lá pra cá, esse número se multiplicou, mas sem perder as raízes principais. Os Müller, os Ritter, os Ritzel, os Thiesen, os Silva, os Souza, os Winck e os Espírito Santo, são os mais antigos do bairro. E deles surgiram outras grupos, alguns se uniram e, por fim, tudo parece uma grande família mesmo. Não só unidas por algum parentesco mais antigo, mas também por laços de amizade, compaixão e solidariedade. “Somos unidos, todo mundo se conhece, se ajuda, ninguém vira as costas quando um morador passa por um sufoco”, afirma Zaíra Maria da Silva. Ela é mãe da Mônica, que tem o mercado que vende para pagar no final do mês. Também é parente de Inácio Thiesen que faz redes de pescaria. Andradina Antonia da Costa, 60 anos, vive há 35 no bairro. Seis dos seus oito filhos também moram na Barrinha. Ela conta que jamais pensou em mudar-se, pois se sente acolhida e tem amigos que considera como seus irmãos. Leila Schuch, de 48 anos, atendente na padaria do mercado da Mônica, concorda com Andradina. “Aqui é bem diferente do bairro vizinho onde eu moro. Lá no Santa Maria do Butiá é cada um por si. Aqui não, todos se ajudam quando tem enchente e o rio invade algumas casas. Os moradores do bairro já correm para ajudar as pessoas atingidas”, explica.

A SOLIDARIEDADE


AREIA .11

ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

Extração é renda dos Correia

pai e filho retiram o material do rio manualmente

H

á mais de duas décadas, Claudiomar Correia, 47 anos, é caiqueiro. É do rio que o pai de quatro filhos retira a areia que serve como sustento para a família. Com dois caíques de tábua e construindo mais um, Claudiomar extrai areia manualmente do Rio do Sinos. O processo é pesado: ele e o filho Luís Eduardo, 24 anos, navegam nos caíques até partes não tão profundas do rio, descem dos barcos e com a água na altura da cintura retiraram a areia utilizando uma concha de ferro apropriada. É preciso ter força nos braços e muito equilíbrio. “No inverno, nossa profissão é mais complicada, tanto pela cheia que dificulta nossa entrada no rio como pela temperatura. Mesmo assim, nunca deixamos de trabalhar”, diz Claudiomir. Cada caíque suporta o recolhimento de 1 metro cúbico de areia. Por semana, ele e o filho chegam a recolher 12 metros cúbicos, algo em torno de duas cargas de caminhão cheias. Cada metro cúbico é vendido à 40 reais. “Sempre tenho cliente e dos mais diversos, porque o preço do meu pro-

duto é muito mais em conta”, comenta o caiqueiro que não tem do que se queixar das vendas. “Trabalho todos os dias e estou vendendo bem, não me falta serviço”, afirma. Contudo, a atividade de Claudiomar não é regulamentada pelo Ibama. “Os funcionários do Instituto estiveram aqui para registrar essa situação, mas como os barcos não têm motor e nossa extração é em pequena quantidade, não foi possível regulamentar minha profissão”, relata Claudiomar. Morando em uma casa simples à beira do rio, na divisa da Barrinha com o bairro 25 de Julho, Claudiomar e o filho são os responsáveis por cuidar e renovar os caíques. “Como os barcos duram em torno de três anos cada um, nós mesmos construímos novos caíques com tábuas de madeiras”, relata Claudiomar. Antes de trabalhar com a extração de areia, o caiqueiro trabalhava em olarias da região. No entanto, ele afirma que não trocaria o atual emprego por nada. “Além de poder fazer o meu horário, tenho a oportunidade de me sentir livre e trabalhar em meio à natureza. No momento não tenho pretensão alguma de me aposentar nem trocar de profissão”, orgulha-se. Ao longo desses 20 anos extraindo areia do Sinos, Claudiomar comenta que apenas uma vez ocorreu um

KATHLEEN MACHADO

incidente. “Como os caíques são pequenos é preciso cuidar a quantidade de areia a ser colocada dentro deles. Certa vez, um cara colocou muito mais do que devia e afundou meu barco. O caíque ficou preso no fundo do rio e nunca mais consegui recuperá-lo”, relata.

- GABRIELA BARBON

Os barcos de madeira simples são construídos pela família

à

o auxílio à Com de caíques,

MINERAÇÃO

Gilberto Tasso vive do Rio dos Sinos Gilberto Machado Tasso tem 48 anos e há 17 trabalha na extração de areia. Morador da Barrinha há menos de um ano, vivia na Vila Rita. Ele cultiva o hábito de pescar nos fundos da casa, vivendo do rio para o lazer e para a profissão. Tasso já trabalhou por alguns rios do Estado. Navegou pelo Jacuí, Guaíba, Taquari e Rio dos Sinos. Há aproximadamente 20 anos, encontrou uma embarcação afundada e socorreu um trabalhador que ficou à deriva. Na ocasião, dois barcos se chocaram. O segundo foi arrastado pela correnteza e três pessoas morreram. Apesar desse episódio ruim, o minerador é feliz com sua profissão. Ao longo da carreira, adquiriu muitos amigos. “Tenho conhecidos em Sapucaia, Montenegro, Esteio, Cachoeirinha, Charqueadas e São Jerônimo”, diz. Ele é natural de Palmeiras das Missões e atualmente, mora no bairro com a esposa Regina Garcez Peres, de 57 anos. Ela conta que a residên-

cia deles foi comprada de um senhor que morava há mais de 30 anos na casa. Tasso tem carteira de navegador da Marinha do Brasil e acredita que se aposentará em breve porque, com 25 anos de serviços prestados, pode encerrar a carreira de marinheiro. Pretende comprar um pequeno iate assim que encerrar suas atividades, para usá-lo no lazer, já que tem o Rio dos Sinos como vista dos fundos da casa. Enquanto isso, segue pescando pintados, jundiás e lambaris com a pequena embarcação que possui.

- ANA ELISA OLIVEIRA

o rio à Com atrás de casa, Gilberto o utiliza para extração de areia e pesca

MARTA FERREIRA


12. SINOS

ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

Moradora vive sob risco iminente

Ramm à Joseane Cordeiro fica

CAROLINE TENTARDINI

apreensiva quando o dia está nublado

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Casa localizada na Pio XII fica inundada se o rio transborda

à

possibilidade de acontecer uma nova enchente preocupa quem vive às margens do Rio do Sinos, na Barrinha. Para Joseane Ramm Cordeiro, de 30 anos, dona de uma casa a poucos metros da água, a situação não é diferente. Moradora do local desde que nasceu, foi vítima de quatro cheias, a última em setembro de 2014, quando a região ficou severamente inundada. Para melhorar as condições de segurança, a ex-funcionária de uma empresa de calçados decidiu derrubar a casa antiga – aterrada ao mesmo nível do solo – para construir uma nova, mais alta e sobre alguns pilares de tijolos. Com a ajuda de parentes, a residência foi erguida em apenas um final de semana devido ao medo de alguma ação inesperada da prefeitura de Campo Bom. A antiga estava em uma área de risco e a recémconstruída, localizada no mesmo terreno, também estava sem o aval de órgãos do município. A situação virou motivo de briga na

justiça, que terminou em notificação para a derrubada da casa – de apenas uma peça. O processo ainda está sendo julgado, mas a possibilidade de Joseane ficar sem teto ainda existe. A ordem de derrubada veio enquanto a moradora construía o banheiro da residência. De forma impro-

visada, ela e a filha – Rafaela, de 11 anos – dependem da boa vontade do vizinho para utilizar o chuveiro e o vaso sanitário. Com a obra proibida por fiscais, R$ 1,2 mil usados para a compra do material de construção foram jogados fora. A areia, a enchente levou; o cimento empedrou e os tijolos que

seriam usados para erguer as paredes do banheiro foram doados. Joseane perdeu o emprego há alguns meses devido à crise na indústria, segundo ela. Inscrita em alguns programas habitacionais, a campobonense reclama que a prioridade no sorteio das casas cons-

truídas pelo governo está equivocada. – Acho que se eles querem tirar a gente daqui, tudo bem. Mas tem que dar algum lugar pra gente morar. Onde eu vou morar se eu sair daqui? Acho que o sorteio está errado, porque eles deveriam priorizar quem não tem casa realmente ou quem está em área de risco – analisa. A jovem vive apreensiva em dias chuvosos, já que o risco de enchente é iminente. – Estou sempre alerta. Quando o dia está pra chuva, minha mãe me liga pra saber como está o rio. Quando eu vejo que a chuva está forte, vou para a casa da minha sogra. Na última enchente tive que sair daqui com a ajuda dos bombeiros. Um novo terreno foi comprado por Joseane próximo ao local que mora, mas a prefeitura não permite novas construções, conforme ela. Por esta razão, a moça ainda aguarda a decisão judicial dentro da casa que ergueu em dois dias. – Morar aqui é muito bom. Tenho a minha praia particular (risos). Se me tirarem daqui, tudo bem, mas não quero sair. A única coisa ruim é quando a água sobe, fora isso, me sinto bem aqui.

- DÉBORA CADEMARTORI

HISTÓRICA

LENNON SANTOS

Aquele mês de agosto de 2013 foi de muita chuva no Rio Grande do Sul. Entre os dias 22 e 26, a Estação Climatológica de Campo Bom registrou 207 milímetros de chuva, superando a média histórica para o mês, que é de 138. Na terça-feira, 27, a Prefeitura decretou situação de emergência por conta da cheia do Rio do Sinos, que, nas medições, alcançou 7,93 metros. Morador da Barrinha há seis anos, o calçadista Jorge Eduardo Scheffel conta que já passou por três enchentes, mas a de 2013 foi a maior. Ele reside na rua Kalfman, uma das mais atingidas pelas águas no bairro. Scheffel conta que, em alguns pontos, andava com água na altura do peito. “Ela veio de repente, na madrugada. Perdi dois guarda-roupas, um fogão. Os pisos, no chão, também arrebentaram”, lembra. Segundo estimativa da Defesa Civil à época, mais de 3,5 mil pessoas foram

afetadas pela enchente em Campo Bom. A Barrinha, junto com os bairros Porto Blos e Operária, foram os mais atingidos. Até então, a cheia de 1965 era considerada a maior da história da cidade, quando o Sinos chegou a 7,40 metros. Como o lugar também é conhecido pelas inundações, é comum que as moradias mais recentes sejam altas em relação ao nível do solo. É o que fez o casal Gilmar da Silva e Viviane Arnold. Eles se mudaram há quatro anos para a Barrinha, e construíram a casa nova prevendo futuras enchentes. “A casa é alta, e, mesmo assim, entrou um pouco de água, principalmente pelos fundos, vinda dos açudes e banhados”, mostra Viviane. Outros moradores também aprenderam a se prevenir. O caminhoneiro Generino José Pacheco, de 55 anos, explica as modificações que fez no galpão do quintal. Ferramentas e utensílios mais importantes ficam em uma

plataforma a cerca de 1,5 metros do chão. Assim como o novo galinheiro, bem mais alto que o antigo, já que 30 animais morreram durante a enchente. “No inverno fica todo mundo nervoso com as chuvas. O que dizem é que vai levar 15 anos para ter outra igual”, conta. A chuvarada de agosto foi responsável por muito estragos no bairro. Vários pontos de erosão causaram danos no asfalto, em canos de esgoto, postes de luz, calçamentos. Uma das alternativas para diminuir a força da água em época de cheia é a construção de bueiros celulares, popularmente conhecidos como pontes secas. São dutos de 2 metros de altura por 3 metros de comprimento, que possibilitam a passagem da água de um lado ao outro da via, diminuindo o impacto da vasão quando o rio transborda. Ao todo, no bairro já foram contruídas cindo

- LUIZ PAULO TELÓ

pontes secas.

Casas altas diminuem a probabilidade de estragos nos alagamentos. À esquerda, as pontes secas minimizam a força das águas

à

A última grande cheia


SINOS .13

ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

As águas que não espantam

o casal à Para José Carlos e

Mara Terezinha, a Barrinha é o melhor lugar para se morar, mesmo que precisem conviver com o risco de enchentes

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os 58 anos, o aposentado José Carlos Martins da Silva não tem dúvida e afirma: “Não quero outro lugar para morar”. Ele nasceu e sempre morou no mesmo terreno na Travessa Pio XII e o seu vizinho dos fundos é o Rio dos Sinos, mas isso não o assusta, muito menos o espanta. A última vez em que a água invadiu a sua casa foi em 2013, resultado da enchente que atingiu várias cidades por onde o Rio dos Sinos passa. “Eu tinha um centímetro de água dentro de casa”, conta Silva. A residência era de madeira, e com a ação da água veio a decisão: era preciso construir uma nova casa de material. Mara Terezinha de Lima da Silva, 52 anos, é esposa de Silva. Natural de São Francisco de Paula, ela veio para Campo Bom aos 14 anos em busca de trabalho. “Eu pagava pensão para minha tia de

consideração e trabalhava em uma fábrica de calçados”, relembra. A Barrinha entrou na vida de Mara em 1979, quando se casou com Silva e passou a morar com ele no bairro. “Aqui era só mato e barro. Não tinha água encanada, nem luz elétrica ou asfalto nas ruas”, relata ela. No início o casal dividia um chalé com os pais de Silva, depois a casa passou a ser habitada pelos dois e mais uma filha e um neto do casal. A antiga casa de madeira foi demolida e, hoje eles moram provisoriamente em uma peça nos fundos da casa da irmã de Silva, localizada no mesmo terreno. No lugar onde até um ano atrás ficava a casinha de madeira, a nova residência da família já toma forma. Para evitar que a água de futuras enchentes danifique o novo imóvel o local foi aterrado. “Erguemos o terreno para a casa ficar 50 centímetros mais alta do que a outra”, diz Silva. Com orgulho, Mara mostra a estrutura da nova casa com 88m², onde ela, o marido,a filha e o neto irão morar. A residência terá três quartos, cozinha, sala, banheiro, dispensa e uma área. “Me sinto realizada. É um sonho ter uma

NAHIENE ALVES

casa assim”, diz. Se antes, com o risco de ter a casa invadida por enchentes, o casal não pensava em sair da Barrinha, agora, com a casa de material e acima do nível do terreno, a hipótese nem existe. “Aqui é um lugar bom de viver. Não penso em sair daqui”, completa Mara.

mostra à Mara a residência em construção, que, em breve, será o novo lar de sua família

- CAMILA HUGENTHOBLER

PRESERVAÇÃO

Mutirões coletam o lixo jogado no rio se da situação do rio, com barcos percorrendo toda a sua extensão e coletando amostras. Nos mutirões de limpeza, os barqueiros ganham a companhia de voluntários, que limpam as margens. “Nossa proposta aqui na Barrinha é que todos façam a sua parte, cuidando do pedaço de rio que corresponde ao seu terreno”, conta Sadi. “O importante é tentar dar o nosso melhor para garantir o futuro do Rio dos Sinos”. Desde 2004, Djalmo Inácio da Silva, de 62 anos, faz a sua parte na conservação do rio. Pensando em melhorar a situação da poluição, o mecânico, morador do bairro 25 de Julho, decidiu limpar os arroios afluentes do Sinos para ajudar os Amigos do Rio. “Achamos que as 20 pessoas da minha oficina dariam conta. No primeiro dia, retiramos o lixo de 100 metros do Arroio Schmidt e tivemos que parar de tão cansados que estávamos”, relata Djalmo. A ideia foi repassada às escolas de Campo Bom, que aceitaram

a proposta. Os “Amigos do Arroio” passaram a atuar com mais força, e os projetos escolares de conservação chegaram a ganhar premiações pela iniciativa. “Conscientizar as crianças é o mais importante”, diz Djalmo. “Vivemos uma

crise de abastecimento de água no Brasil e ainda assim não cuidamos do que é nosso e está disponível para usarmos”. Em seus mutirões, os Amigos do Rio mobilizam as Associações de Moradores dos bairros de Cam-

po Bom para ajudarem na limpeza. Neumar da Silva Araújo, de 33 anos, vicepresidente da Associação de Moradores da Barrinha, relata que a participação da população ainda é pequena. “São poucas as pessoas que se disponibilizam a realGUILHERME ROSSINI

mente por a mão na massa”, explica. “Em geral, são os membros da Associação que acabam participando dos mutirões, e somos poucos para recolher todo o lixo”. Célio Paulo Paraíba, de 49 anos, é voluntário da limpeza fluvial. “Nos mutirões, já encontramos sofá, pneus, vasos sanitários, CPU de computador e até a carcaça de um carro”, conta. “Temos que qualificar nossa água, porque água é vida”. O vice-presidente Neumar destaca que o serviço voluntário é aberto a quem quiser ajudar. “Precisamos do máximo de gente possível, e é responsabilidade de todos participar da conservação”, explica. “Todos juntos podemos fazer um Rio dos Sinos bem melhor”.

- ÉMERSON DA COSTA

Móveis e outros resíduos são comumente abandonados ás margens do Sinos

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O Rio dos Sinos faz parte da realidade diária dos moradores da Barrinha. É dele que sai o sustento dos pescadores e a água que vai para a irrigação das plantações e para as casas do bairro. Em contraponto, também é o destino de uma grande quantidade de lixo descartado pela população que vive às suas margens. Para combater essa prática e ajudar na conservação do rio é que grupos de voluntários organizam mutirões de limpeza e conscientização pelo menos uma vez ao ano. O mais antigo desses grupos se autodenomina “Amigos do Rio”. Segundo Sadi dos Santos, de 62 anos, voluntário nos mutirões e vereador de Campo Bom (PMDB), o projeto existe há mais de 20 anos. “O grupo se uniu para cuidar do que é nosso, pensando no futuro dos nossos filhos e netos, que correm o risco de não terem nem água pra tomar por causa da poluição”, explica Sadi. Segundo ele, já foram feitos muitos trabalhos de análi-


14. SINOS

ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

Sábado é dia de... pescaria

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aldecir de Souza, acompanhado do seu irmão, Adriano de Souza, seu cunhado, David Elizeu Santos e mais dois amigos, todos residentes do bairro Kephas, acordam às sete horas da manhã, todos os sábadosm, para ir pescar as margens do Rio dos Sinos. Após pedalarem por aproximadamente uma hora, chegam a Rua Matias Müeller, local escolhido para as pescarias que, às vezes, dura o dia todo. O servente de obras Valdecir, de 28 anos, pesca na região há mais de três anos, e quando questionado sobre qual seria a sua motivação para levantar tão cedo em pleno sábado de folga ele diz sorridente: “É muito bom. Enquanto tiver isca estaremos aqui. A gente vai ali ao mercado, compra alguns pães,

ENTRETENIMENTO

Lazer sobre as águas

Em uma localidade que leva o nome de Barrinha, poucos têm uma relação tão íntima com o rio, como Jorge Danilo dos Santos, de 47 anos. Criado desde os dois anos de idade no lugar em que vive até hoje, o morador tomou uma atitude quanto à falta de espaços de lazer dentro da comunidade, e resolveu criar seu próprio espaço de distração. Nos fundos da casa localizada na Travessa Pio XII, n°145 que dá “de costas” para o Rio dos Sinos, o trabalhador da construção civil arquitetou seu trapiche particular. A estrutura de aproximadamente 8m² e construída em forma de “L” é onde atraca seus dois pequenos barcos. Jorge confidencia que em função das recorrentes enchentes que o bairro enfrenta, é muito comum os moradores possuírem barcos, mesmo quem não tem nenhum apreço por navegação. Desde que ficou viúvo há aproximadamente dois anos, Jorge tem mais tempo em suas mãos. A ideia de construir a plataforma sobre as águas do rio que beira sua propriedade foi uma iniciativa para poder fazer com maior facilidade o que mais gosta:

pescar. Embora construída com madeira de eucalipto reaproveitada do desmanche de uma casa, o trapiche não deixa a desejar. A plataforma não é flutuante, foi firmada no solo do rio em uma profundidade de cerca de cinco metros. Além disso, Jorge também teve que construir uma escada sobre o barranco que dá acesso ao rio. Todo esse esforço valeu a pena; “Tu não sabe como é bom poder sair para pescar no meio da noite. A gente volta com pintado, branquinho... e se rende, a gente come!”, conta satisfeito. A sua paixão por pescaria é muito antiga, e somente há pouco tempo Jorge dispõe de um lugar confortável para realizar essa prática. Noites vazias agora podem ser preenchidas por jornadas de pescaria na companhia de um lampião. A sustentação particular construída sobre o rio não serve exclusivamente para pescaria. Jorge conta que quando seu filho o visita, a família toda pode sentar-se à beira d’água para tomar chimarrão e contemplar a vista que muitos só têm em períodos de enchente.

- DANIEL GRUDZINSKI

ALINE CASIRAGHI OLIVEIRA

cresçam no açude que tem perto da minha casa. Quando eu morava em Porto Alegre pescava muito no rio Guaíba, e já estava sentindo falta, e como o nosso açude não tem peixes,

pretendo levar alguns para lá”, afirmou o ajudante de carga e descarga. O clima de amizade e descontração fica evidente na hora de tirarem a foto para matéria. “Vamos to-

dos subir nas bicicletas, mas sentar na parte do carona, para a foto ficar mais estilosa, tipo moto”, grita Valdecir, empolgado.

Grupo se reúne na Barrinha em busca de peixes

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pedalam mais de uma hora, todos os sábados, para passar o dia às margens do Rio do Sinos, na Rua Matias Müeller

algumas bananas e passamos bem. E vale a pena, mesmo que essa parte do rio não seja tão limpinha na beira”, diz Valdecir. Enquanto concluía sua fala, seu cunhado, o mototaxista David Elizeu, de 26 anos, gritava diretamente da beira do rio: “E não existe peixinho melhor”. O gosto pela pescaria está passando de geração em geração, Valdecir que já tinha levado o seu filho mais velho de oito anos para pescar, dessa vez decidiu levar o seu irmão mais novo, Adriano de Souza, de 15 anos, estudante da sexta série, que foi acompanhado do seu colega de escola, Marlon Silveira, de 14 anos. Ambos frequentavam o local pela primeira vez, mas prometiam voltar nas próximas pescarias. “É muito legal ficar na beira do rio conversando, dando risada uns dos outros. Eu estou gostando muito”, disse Adriano. Aquela era a primeira vez também de Leandro Garcia, de 30 anos, mas o seu objetivo era diferente: “Pretendo levar esses peixes vivos, para que eles

- JOANE GARCIA

ECOSSISTEMA

Ainda há peixe no rio Apesar de viverem em área ribeirinha, os moradores da Barrinha não costumam ter relação mais próxima com o Rio dos Sinos. Não sobrevivem dele e pouco o usam para lazer, já que de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) este é o quarto rio mais poluído do Brasil. Porém, ainda há quem, mesmo que por gosto, pesque próximo a Rua Pio XII. Delmar Ev é um desses. Morador da Vila Mônica, costuma ir até o bairro quando chove e as águas sobem. Ele explica que, assim, a água fica limpa e recebe peixes que vêm do afluente e de campos limpos. “Muita gente vem pescar aqui. Como choveu, a água está limpa e os peixes surgiram. A maioria é Branco, mas também tem Traíra, Pintado, Lambari”. Marcos José dos Santos também é pescador do local. Conta que cerca de 20 pessoas vem pescar quando o Rio sobe. Nascido na Barrinha, mudou-se aos oito anos após uma enchente, mas não perdeu o contato com o Sinos. “Nós viemos aqui para pescar e também por distração. Nem sempre dá peixe, mas sempre tem conversa”, conta.

Gelson Wagner encontrou na pesca uma ocupação após a aposentadoria. “Agora eu tenho tempo, e para pescar tem que ter paciência e insistência. Às vezes a gente fica quatro horas aqui e não pesca nada. Há dias que tem um monte”, explica. Sobre a poluição do Rio e as consequências que isso traz aos peixes, dizem que nunca tiveram problemas. “Nós pescamos para consumir, nunca tivemos problemas com isso. Eu tempero e faço um peixe delicioso”, diz.

DENISE MORATO

A POLUIÇÃO DOS SINOS O Rio dos Sinos já teve duas tragédias ambientais. A primeira ocorreu em outubro de 2006, quando 85 toneladas de peixes morreram vítimas da poluição. Em 2008, outra mortandade foi registrada, mas em proporção muito menor. Atualmente, o Plano da Bacia do Rio dos Sinos estima reduzir em 80% a poluição do rio em 20 anos, através de 37 ações para os próximos anos.

- GREYCE MALTA

Delmar Ev pescou um peixe Branco, espécie mais comum no rio

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de à Amigos Novo Hamburgo


ENTREVISTA .15

ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | JUNHO / 2015

Com a palavra, Ronaldo Martins

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Parque Recreativo Martins recebe, há quase 20 anos, pessoas de diversos lugares em uma ampla área arborizada, que proporciona o contato com a natureza. Escolas, grupos, empresas e pessoas interessados em desfrutar um passeio encontram no local trilha ecológica, pescaria de lazer, açudes, piscinas, praça de brinquedo, campo de futebol e animais silvestres da região. Esse ambiente familiar seguro e muito conhecido na Barrinha tem como sócios os irmãos Rubem e Ronaldo Martins. O Enfoque descobriu que Ronaldo Martins cresceu nesse bairro pelo qual tem muito carinho, além de se preocupar com a preservação do meio ambiente. Nesta entrevista, ele fala das suas histórias e sonhos.

Enfoque: Como se desenvolveu a empresa? Martins: Em maio de 1996, inauguramos o Parque Martins. O cavalo foi o nosso forte principal naquele momento. Depois de cinco anos, começamos a construir os açudes, os balneários com água natural. Possuímos aqui uma quantidade muito grande de arroios e vertentes, que trazem muita água para dentro do nosso sítio. Antigamente, era uma granja de arroz. Mantivemos esses canais de irrigação e procuramos não mexer mais no banhado. Então, cuidamos muito dessa área ambiental. Com o passar dos anos e a evolução das coisas, construímos a primeira piscina. No segundo ano, a terceira piscina e assim sucessivamente. Agora, aprontamos a piscina semiolímpica (25m por 13), que era o nosso sonho. Inauguramos no dia 8 de dezembro de 2014 e nessa temporada ela já funcionou. Nosso sítio possui uma área verde de mata nativa. Temos, ainda, dois galpões de festas e cerca de 150 churrasqueiras com mesas e bancos para atender os clientes, que chegam de todas as regiões.

Enfoque: Qual é a ligação do Parque com a Barrinha? Martins: O nosso público é familiar. Eu acho que recebemos muito bem os clientes e temos uma ligação com a Barrinha, porque morei e me criei aqui. Então, o bairro faz parte da minha vida e infância. Temos muitos amigos que moram próximo e visitam o Parque Martins. Enfoque: Parcerias? Martins: Não temos parcerias e nenhuma ajuda de órgão público, porque o Parque é privado e mantido por nós mesmos. Recebemos escolas, grupos de terceira idade, empresas... Enfoque: Número de visitantes? Martins: Durante o verão, já chegamos a receber num domingo duas mil pessoas. Nosso forte é o período diurno e final de semana, que o pessoal sai para passear com a família e vem aqui. Enfoque: Hospedagem? Martins: Eu deixo acampar com barracas. Ainda não tenho infraestrutura de cabana. Talvez, num futuro próximo, possamos construir. No momento, podem vir com barracas e montar aqui, apenas com um custo por pessoa. Enfoque: E as escolas ganham descontos? Martins: Temos uma taxa diferenciada para as escolas. Então, depende do número de pessoas, qual é o tempo que irão ficar aqui. Tudo tem uma negociação, mas fica com um custo acessível por criança para vir aqui e passar o dia. Enfoque: De outras cidades também? Martins: Tem de várias cidades: Canoas, Novo Hamburgo, Estância Velha, Taquara, Sapiranga. Enfoque: Apenas da região? Martins: Olha, eu já recebi visita de São Paulo e da Ale-

manha. Recebemos pessoas de todas as partes. Enfoque: Quanto aos funcionários? Martins: Nós temos durante o inverno, que é a baixa temporada, dois caseiros e no verão, chegamos a ter até 20 funcionários, terceirizados e contratados. Enfoque: Como você nota o desenvolvimento da Barrinha? Martins: Eu acho que a Prefeitura deu uma olhada muito grande para a nossa Barrinha. O asfalto foi imprescindível! A poeira da estrada atrapalhava. O asfalto foi o divisor de águas do sítio. Podemos dizer que antes ele era um sítio sem o asfalto e ficou outro sítio com o asfalto. A Barrinha também se embelezou. Os moradores começaram a ver o bairro melhor. Então, melhoraram as suas casas, cercas, muros, pátios. Quem é da Barrinha não sai daqui. Vou dizer assim, com certeza: um dos lugares mais seguros da cidade de Campo Bom é a Barrinha.

Acima, detalhe do Parque Recreativo Martins, que tem Ronaldo como um dos sóciosproprietários

Enfoque: Como você percebe a união no bairro? Martins: A nossa Associação de Bairro está se mobilizando. Toda a comunidade se ajuda muito. É muito importante! A escola melhorou com cercamento, calçamento, um pavilhão de esportes, tem também um cancha de areia, pracinha. Quando dá, a gente também participa das reuniões na Associação. Antes do espaço físico cedido pela Prefeitura, já tinha a festa do bairro, da igreja, a procissão de navegantes do município. Essa é feita na Barrinha. O pessoal caminha na margem, e a imagem da Nossa Senhora vai pelo Rio dos Sinos no barco. Isso é bem legal, pois envolve a comunidade. Enfoque: Curiosidades do local?

JÉSSICA SOBREIRA

Ronaldo Martins: As terras foram compradas pelo meu irmão, o Rubem Martins. Somos sócios. Ele comprou e tínhamos apenas para a família. Usávamos para andar a cavalo. Tinha uma roça de aipim, horta, aquelas coisas que um sítio de família tem. Uma vaca para tirar leite, umas ovelhinhas, galinhas. Então, as coisas foram mudando e nós transformamos o Parque Martins numa empresa. Transformou-se numa renda para todos ao utilizarmos o turismo rural, ecológico ou de rodeio. Assim, foi evoluindo para um balneário, churrasqueiras, campo de futebol, galpão para festas. Eu recebo, por exemplo, grupos de religiosos para retiro aqui. Essas coisas vão acontecendo assim e tu vai indo de acordo com a música.

e muita gente anda de bicicleta. Faz um anel: Lomba Grande, Campo Bom, Novo Hamburgo e utiliza muito a Barrinha. Uma nova ponte melhoria o fluxo do movimento. Acho que 90% do meu público usa a ponte. Enfoque: Como vocês se preocupam com a preservação da natureza no Parque?

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Enfoque Barrinha: Como surgiu a ideia do Parque Martins?

NATÁLIA MINGOTTI

Martins: A Barrinha foi o início de Campo Bom, porque os imigrantes chegaram pelo Rio dos Sinos, no Porto Blos. A Barrinha tem as olarias e as casas da cidade foram construídas com tijolos e telhas dessas. Então, nosso bairro tem uma força econômica muito grande no desenvolvimento da cidade. Veio o calçado, a metalurgia, o comércio... E, ainda, a Barrinha é muito importante para o município. Enfoque: Uma nova ponte seria importante? Martins: Eu acho que a gente precisa urgente de uma segunda ponte na Barrinha. É imprescindível! A ponte está muito estreita e ela aperta o fluxo de carros. Tem que parar e hoje todo mundo quer andar. Nós temos hoje um percurso ciclístico na cidade

O QUE VOCÊ PENSA SOBRE... ...FAMÍLIA O nosso sítio é um lugar bastante familiar. Simples, não temos nada de luxo, mas tudo feito com muito amor e carinho. ...CAMPO BOM Uma cidade maravilhosa, diferente das outras da região. ...BARRINHA Meu chão, minha história, criei-me na Barrinha, tenho raízes aqui.

...PARQUE MARTINS Nós construímos e criamos o Parque Martins. Então, tem um vínculo, uma história de sangue, de família nas veias. ...ATRAÇÕES Açudes, balneários, passeio a cavalo, piscinas com água tratada, piscinas naturais, a natureza em si, o banhado, os animais, o aconchego, lugar calmo, tranquilo. ...VISITANTES São os nossos clientes. As pessoas que fazem o Parque evoluir a cada ano.

...NATUREZA Eu acho que Deus abençoo a Barrinha e o Parque Martins com esse lugar maravilhoso. ...FUTURO O Parque vai crescer. Penso que daqui alguns anos, eu terei cabanas, mais atrações. Procuramos a cada ano melhorar um pouco. Essa é a ideia: Cada ano, apresentar algo novo a população, aos nossos filhos.

Martins: Nós não permitimos, de jeito nenhum, a caçada. Há uma diversidade de animais: ratão do banhado, capivara, quero-quero, joãode-barro, cardeais, pássaros, aves, galinhola, marreca do banhado... Não digo aqui no Parque apenas, mas na região igualmente. A gente se preocupa e preserva a natureza. Deixamos todos soltos. Possuímos um rebanho pequeno de ovelhas. Temos os cavalos e também o gado esporadicamente, porque, quando alaga no inverno, não há gado, é mais no verão. Além disso, há muitas galinhas, perus, galinha de Angola, pato, marreco, ganso. Quando as crianças vêm com as escolas, elas podem ter esse contato. Enfoque: A enchente chega aqui no Parque, quando acontece no bairro? Martins: Sim, chega a ficar de sete a 10 dias debaixo d’água, sem acesso, porque o rio é muito próximo. O que acontece? Quando o rio sobe, o banhado enche e o meu Parque está dentro de uma área que é de várzea. O forte do nosso Parque é setembro-março. Eu não fecho o ano todo, mas a temporada depois de março cai muito. A enchente, não é que nos prejudica, mas causa alguns estragos materiais, às vezes, mas é parte do jogo. Conhecemos isso, vivemos com a enchente muitos anos e vamos continuar a conviver com ela. Não chega a nos atrapalhar, até traz nutrientes para a grama, renova todas as águas dos arroios, açudes, recicla a natureza dentro do Parque. Enfoque: Como entrar em contato? Martins: Quem não conhece o Parque Martins, convido para que venha no verão fazer uma visita e conhecer o que construímos aqui dentro. O nosso endereço é na Rua Pio XII, 3900. Temos o site www.parquemartins.com.br. Os nossos telefones são (horário comercial): 3597-3219 e 9824-3026. Estamos à disposição para visita, qualquer tipo de evento, de festa, aniversário, casamento. Temos recebido contatos para fazer o orçamento, sem compromisso. Todos bem-vindos!

- JÉSSICA SOBREIRA


ENFOQUE BARRINHA A pureza das crianças

CAMPO BOM (RS) JUNHO DE 2015

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desejo de desfrutar um lugar calmo e tranquilo está presente em todos nós. Quem tem a oportunidade de viver em paz, em meio à natureza, valoriza, ama e cuida de cada detalhe, do jardim de casa à beira do rio. A Barrinha, sem dúvida, é um lugar especial, desses que a gente conhece e sempre quer voltar. Seja pela natureza, pela tranquilidade, pelo carinho dos moradores que se tornam amigos – ou, como mostram as imagens desta página, pela pureza das crianças – fica a saudade. A participação destas turmas acaba aqui, mas muitas coisas estão por vir, já no próximo semestre.

PRISCILA SERPA

ADRIANA CORRÊA

DANIELA CRISTÓFOLI

DANIELA PASSOS

LEANDRO LUZ

FILIPE FOSCHIERA

EDIÇÃO

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LUAN PAZZINI


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